3
CESÁREAS Desde 1985, há um consenso entre especialistas de que as taxas de cesáreas não devem ultrapassar 15% dos partos. É claro que existem benefícios neste procedimento quanto a salvar vidas de mães e crianças quando é necessário e indicado por motivos médicos. No entanto, em muitos países da América do Sul, estas taxas são extremamente altas, especialmente em instituições privadas, sem justificativa plausível. Além disso, não há indícios de que altas taxas de cesáreas estejam associadas à redução da morte materna ou neonatal. De acordo com a Organização Mundial da Saúde 1 , ainda não existe um modelo padrão de classificação para monitorar e comparar as taxas de cesarianas entre os países. Isso porque a análise dessas taxas é influenciada por uma série de fatores minuciosos. Para chegar a padrões comparáveis, a OMS recomenda a utilização da classificação de Robson. País Ano Rural Urbano Argentina 2011 - 43,1 Bolivia 2008 7,6 29,5 Brasil 1996 21,4 41,6 Colômbia 2010 27,2 40,6 Guiana 2009 12,9 16,8 Peru 2012 11,8 35,4 Suriname 2010 13,8 22,1 Na base de dados da OMS 3 , é possível encontrar dados de outros países sul-americanos, que variam em relação ao ano, mas que mostram uma importante diferença (em geral, superior a 50%) entre os partos por cesárea em áreas rurais versus urbanas. Argentina 10 Público (n=7453) 4 Privado (n=3295) Brasil 15 Público (n=12643) 4 Privado (n=2554) Nicaragua 7 Público (n=5342) 1 Seguridade Social (n=294) Paraguai 5 Público (n=2936) 1 Seguridade Social (n=589) Peru 13 Público (n=12642) 4 Seguridade Social (n=3579) Linha pontilhada = nível intermediário para todas as instituições Equador 14 Público (n=11638) 2 Seguridade Social (n=652) 2 Privado (n=124) México 5 Público (n=5799) 15 Seguridade Social (n=14628) 2 Privado (n=465) Cuba 17 Público (n=12642) 80 Intraparto Emergência Eletivo Proporção de Cesáreas 0 10 20 30 40 50 60 70 OUTROS DADOS Entre os anos 2003 e 2008, a OMS realizou uma Pesquisa Global sobre Saúde Materna e Perinatal. Os dados demonstram que, no mundo, dos mais de 280 mil partos analisados, uma média de 25,7% era de cesáreas 2 . Na América Latina foram analisados dados de 120 instituições de oito países (Argentina, Brasil, Cuba, Equador, México, Nicarágua, Paraguai e Peru), com uma taxa de cesáreas de 33%. Em instituições privadas o número chegou a 51%, com uma média mais alta que em instituições públicas em TODOS os países analisados. 1. paridade (nulípara, multípara, com ou sem cesárea prévia); 2. começo do trabalho de parto (espontâneo, induzido, ou cesárea antes do começo do trabalho de parto); 3. idade gestacional (parto prematuro o a termo); 4. apresentação fetal (cefálica ou pélvica) e situação transversa ou córmica; 5. quantidade de fetos (único ou múltiplo). AS CATEGORIAS DA CLASSIFICAÇÃO SÃO ORGANIZADAS COM BASE EM CINCO CARACTERÍSTICAS OBSTÉTRICAS BÁSICAS: UMA EPIDEMIA DE A descoberta mais importante deste estudo global é que existe uma associação bastante significativa entre cesáreas e resultados severos para as mães.

Uma Epidemia de cesáreas na América do Sul

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Page 1: Uma Epidemia de cesáreas na América do Sul

CESÁREASDesde 1985, há um consenso entre especialistas

de que as taxas de cesáreas não devem ultrapassar

15% dos partos. É claro que existem benefícios

neste procedimento quanto a salvar vidas de mães

e crianças quando é necessário e indicado por

motivos médicos.

No entanto, em muitos países da América

do Sul, estas taxas são extremamente altas,

especialmente em instituições privadas, sem

justificativa plausível. Além disso, não há indícios

de que altas taxas de cesáreas estejam associadas

à redução da morte materna ou neonatal.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde1,

ainda não existe um modelo padrão de classificação

para monitorar e comparar as taxas de cesarianas

entre os países.

Isso porque a análise dessas taxas é influenciada

por uma série de fatores minuciosos. Para chegar

a padrões comparáveis, a OMS recomenda a

utilização da classificação de Robson.

País Ano Rural Urbano

Argentina 2011 - 43,1

Bolivia 2008 7,6 29,5

Brasil 1996 21,4 41,6

Colômbia 2010 27,2 40,6

Guiana 2009 12,9 16,8

Peru 2012 11,8 35,4

Suriname 2010 13,8 22,1

Na base de dados da OMS3, é possível encontrar dados

de outros países sul-americanos, que variam em relação

ao ano, mas que mostram uma importante diferença (em

geral, superior a 50%) entre os partos por cesárea em

áreas rurais versus urbanas.

Argentina 10 Público (n=7453)4 Privado (n=3295)

Brasil15 Público (n=12643)

4 Privado (n=2554)

Nicaragua7 Público (n=5342)

1 Seguridade Social (n=294)

Paraguai5 Público (n=2936)

1 Seguridade Social (n=589)

Peru13 Público (n=12642)

4 Seguridade Social (n=3579)

Linha pontilhada = nível intermediário para todas as instituições

Equador14 Público (n=11638)

2 Seguridade Social (n=652)2 Privado (n=124)

México5 Público (n=5799)

15 Seguridade Social (n=14628)2 Privado (n=465)

Cuba17 Público (n=12642)

80

Intraparto

Emergência

Eletivo

Proporção de Cesáreas0 10 20 30 40 50 60 70

OUTROS DADOS

Entre os anos 2003 e 2008, a OMS realizou

uma Pesquisa Global sobre Saúde Materna e

Perinatal. Os dados demonstram que, no mundo,

dos mais de 280 mil partos analisados, uma

média de 25,7% era de cesáreas2.

Na América Latina foram analisados dados

de 120 instituições de oito países (Argentina, Brasil, Cuba, Equador, México, Nicarágua, Paraguai e Peru), com uma taxa de cesáreas de 33%.

Em instituições privadas o número

chegou a 51%, com uma média mais alta

que em instituições públicas em

TODOS os países analisados.

1. paridade (nulípara, multípara, com ou sem cesárea prévia);

2. começo do trabalho de parto (espontâneo, induzido,

ou cesárea antes do começo do trabalho de parto);

3. idade gestacional (parto prematuro o a termo);

4. apresentação fetal (cefálica ou pélvica)

e situação transversa ou córmica;

5. quantidade de fetos (único ou múltiplo).

AS CATEGORIAS DA

CLASSIFICAÇÃO SÃO ORGANIZADAS

COM BASE EM CINCO CARACTERÍSTICAS

OBSTÉTRICAS BÁSICAS:

UMA EPIDEMIA DE

A descoberta mais importante deste

estudo global é que existe uma associação bastante significativa

entre cesáreas e resultados severos

para as mães.

Page 2: Uma Epidemia de cesáreas na América do Sul

Referências:

1 – WHO, 2015. WHO statement on caesarean section rates. Disponible en http://apps.who.int/iris/bits-

tream/10665/161442/1/WHO_RHR_15.02_eng.pdf?ua=1 Acceso en 08/01/2018.

2 – Souza et al. 2010. Caesarean section without medical indications is associated with an increased risk of adverse

short-term maternal outcomes: the 2004-2008 WHO Global Survey on Maternal and Perinatal Health. Disponible en

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2993644/ Acceso en 08/01/2018.

3 – WHO. 2018. Global Health Observatory data repository - Births by caesarean section. Disponible en <http://apps.

who.int/gho/data/node.main.nHE-1572?lang=en> Acceso en 09/01/2018

– Argentina. 2005. Ley 25.929. Disponible en <http://servicios.infoleg.gob.ar/infolegInternet/ane-

xos/95000-99999/98805/norma.htm> Acceso en 08/01/2018.

4- Brasil. 2018. Projeto Parto Adequado. Disponível em <http://www.ans.gov.br/gestao-em-saude/projeto-parto-ade-

quado> Acceso en 08/01/2018.

5 – Ecuador. 2015. Ministerio de Salud expide guía para evitar el abuso de las cesáreas Disponible en <http://www.

salud.gob.ec/ministerio-de-salud-expide-guia-para-evitar-el-abuso-de-las-cesareas/> Acceso en 09/01/2018

Experiências da América do Sul

Para diminuir as altas taxas de cirurgias

desnecessárias e suas consequências

para mães e bebês, diversos países

estão implementando ações em seus

sistemas de saúde.

Em 2004, o Senado e a Câmara de

Deputados da Argentina aprovaram a Lei de

Parto Humanizado N. 25.929, regulamentada

em 2015. O texto prevê direitos da família

no momento da gestação, no parto e pós-

parto, entre eles, o direito à informação e

participação nas decisões, o direito a um

parto respeitoso, evitando práticas não

justificadas, o direito de escolher quem

acompanhará a mãe durante o trabalho de

parto, parto e pós-parto, entre outros.

O Brasil possui o Projeto Parto Adequado

(2015), uma iniciativa da Agência Nacional

de Saúde Suplementaria (ANS), que regula

os seguros privados de saúde no país, e

colaboradores. O projeto tem o apoio do

Ministério da Saúde e tem como objetivo

identificar modelos inovadores e plausíveis

de atenção ao parto e ao nascimento, que

promovam o parto normal, reduzindo o número

de cesarianas desnecessárias. Em 18 meses de

execução, a iniciativa já conseguiu evitar cerca

de 10 mil cesáreas desnecessárias.

Em 2015, o Ministério de Saúde Pública

do Equador promulgou a Guia de Prática

Clínica de atenção ao parto por cesárea,

com o objetivo de regular a prática em

todo o Sistema Nacional de Saúde, o

que inclui os estabelecimentos privados.

Adicionalmente, é uma política do Ministério

a atenção integral à saúde da mãe e do

filho, incluindo o parto com pertinência

intercultural, como o vertical, também

praticado em outros países da UNASUL.

ARGENTINA4

BRASIL5

EQUADOR6

FATORES ECONÔMICOS: Já que é mais conveniente para prestadores de serviços de saúde

agendar várias cesáreas em um mesmo dia do que atender partos

normais que podem durar várias horas, mesmo que as cesáreas

representem um risco maior para mulheres e recém-nascidos.

FALTA DE INFORMAÇÃO: Muitas vezes a mulher grávida não recebe as informações

adequadas para tomar a melhor decisão sobre o que gostaria de

fazer, ou recebe informação equivocada ou tendenciosa sobre as

reais condições do parto normal versus o parto por cirurgia.

FATORES CULTURAIS: Muitas mulheres acreditam que o parto normal é muito traumático,

ou, baseadas em critérios de alguns profissionais da saúde, podem

até considerar que é primitivo e sujo. Além disso, a cesárea permite

fazer a esterilização da mulher, o que muitas escolhem

no momento do parto.

QUAIS SÃO AS PRINCIPAIS CAUSAS DESTA EPIDEMIA DE

CIRURGIAS DESNECESSÁRIAS?

Page 3: Uma Epidemia de cesáreas na América do Sul

Filantropocapitalismo

Gastón Palopoli do Ministério de Saúde da Argentina fala sobre o Mapeamento da Capacidade de Produção de Medicamentos da UNASUL

Violência na América do Sul, uma questão de Saúde Públicapor Félix Rigoli

Rio de Janeiro, Janeiro 2018 . No 14

Os dois lados de uma mesma moeda