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CYSTIANE SCHULDT HEMB
AWARENESS: A PERCEPÇÃO DO CLIENTE SOBRE SI NO
PROCESSO PSICOTERAPÊUTICO
Itajaí
2006
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CYSTIANE SCHULDT HEMB
AWARENESS: A PERCEPÇÃO DO CLIENTE SOBRE SI NO
PROCESSO PSICOTERAPÊUTICO
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí. Orientadora: MSc. Josiane Aparecida Ferrari de Almeida Prado.
Itajaí
2006
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AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Professora e Orientadora deste trabalho pelo
apoio, paciência e auxílio.
Agradeço as dicas, apoio e aceite da banca em participar desta etapa tão
importante na conclusão deste curso.
Agradeço as funcionárias e psicóloga da Clínica de Psicologia da UNIVALI,
por estarem sempre dispostas a me atender no que fosse preciso, sempre de
forma cordial e eficiente.
Agradeço aos amigos Bernardo e Francis, pelas dicas com formatação e
empréstimos de computador.
Agradeço aos meus amigos e familiares por diversas vezes
compreenderem meu afastamento destes para me dedicar a este trabalho.
E finalmente agradeço a minha própria pessoa, afinal, sem mim, nada teria
acontecido.
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AWARENESS: a percepção do cliente sobre si no processo psico terapêutico.
Cystiane Schuldt Hemb
Orientadora: Josiane Aparecida Ferrari de Almeida Prado
Defesa: 20 de Novembro de 2006
Resumo: O presente trabalho refere-se a uma análise do processo de awareness da paciente de um Estudo de Caso, pertencente a um Relatório Final de Estágio em Psicologia Clínica. Este processo é avaliado sob a visão da abordagem gestáltica, a qual é explicitada desde sua origem na Psicologia da Gestalt, até sua formação final por Frederick Salomon Perls, conjuntamente com as contribuições de sua esposa Laura Perls, Paul Goodman e Ralf Hefferline. O Estudo de Caso em questão foi realizado através do método de pesquisa bibliográfica e documental, analisado qualitativamente através das falas mais significativas e do processo psicoterapêutico estabelecido com a paciente, que apresentaram de forma clara seu crescimento pessoal e os momentos em que esta conseguiu estabelecer a awareness.
Palavras-chave: awareness – gestalt-terapia – percepção – processo
psicoterapêutico.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................05 2 EMBASAMENTO TEÓRICO.............................. ...............................................07 3 ASPECTOS METODOLÓGICOS .......................... ..........................................22 4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ......... ......................25 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................. .................................................41 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................... ..........................................45
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1 INTRODUÇÃO
Desde tenra idade flagrei-me diversas vezes observando os que me
cercavam bem como o modo de perceberem as coisas, suas atitudes e finalmente
em como estes processos modificavam a dinâmica e o meio à volta dos
personagens deste teatro da vida.
Aos poucos fui descobrindo que existiam mais pessoas como eu que se
fascinavam por observar e estudar o comportamento humano: os psicólogos. Daí
em diante, mais precisamente aos quinze anos de idade, comecei a pesquisar
bibliografias referentes a esta tão surpreendente ciência, ainda de maneira parca e
inocente, até iniciar este curso que agora se encontra em fase final. A partir deste
momento, fui aperfeiçoando meus conhecimentos até me deparar com o conceito
chave que tanto me intrigava e que não possuía ainda palavras para descrever: a
percepção de si e do mundo de cada ser humano.
Assim como foi para mim em toda minha vida, a percepção é também um
conceito chave da Psicologia da Gestalt, uma das influências conceituais do que
se chamou mais tarde de Gestalt-Terapia, criada por Fritz Perls conjuntamente
com as contribuições de sua esposa Laura Perls, Paul Goodman e Ralf Hefferline.
Teoria esta pela qual também me apaixonei de imediato e a qual sigo como
filosofia de vida e ferramenta de trabalho.
O estudo da percepção foi desenvolvido por pesquisadores alemães, onde
se relevou que o homem orienta-se e age a partir do que percebe, assim como
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sua percepção evolui e se fundamenta no que este homem vive durante toda a
vida.
A percepção durante o processo psicoterapêutico constantemente se
transforma, modifica. Com o auxílio do psicoterapeuta esse processo acontece no
intuito de se buscar melhorar a percepção do cliente, entendendo-se que
percebendo seu eu e seu mundo de forma mais realista, o cliente se tornará mais
apto a compreender e conviver consigo mesmo e com seu meio.
O processo perceptivo do cliente atendido na abordagem da Gestalt-
Terapia é conhecido por awareness. A awareness é um conceito da Gestalt-
Terapia que remete-se ao processo de alteração no comportamento do paciente
através de mudanças na sua percepção de si e do mundo, do diferenciar-se, do
sentir, da formação de gestalten, mas que apenas pode ocorrer se o paciente
entrar em contato com o que lhe aflige e onde se interrompe. (PERLS,
HEFFERLINE & GOODMAN, 1997)
Portanto daí desponta a importância do estudo da percepção através da
awareness para a psicoterapia, pois antes de nós psicoterapeutas auxiliarmos
nossos clientes, devemos conhecer e compreender como a pessoa percebe a si,
aos outros e a seu meio. Somente a partir deste ponto pode-se construir o melhor
caminho a seguir. Por esta razão justifica-se o estudo deste conceito à luz da
Gestalt-Terapia, bem como seu funcionamento em processo psicoterapêutico, já
que esta teoria é intrinsecamente ligada ao tema em estudo e ambos divertem e
deliciam minha própria percepção.
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2 EMBASAMENTO TEÓRICO
Inicialmente faremos uma explanação da palavra Gestalt. Esta palavra é de
origem alemã e não possui uma tradução equivalente em nenhum outro idioma,
porém, pode ser denominada primeiramente como “forma”, ou ainda como
“configuração” em relação ao “modo particular de organização das partes
individuais que entram em sua composição”(PERLS, 1988, p. 19).
A Gestalt é, portanto, um fenômeno, ou melhor dizendo, um todo. A cada
momento de nossas vidas formam-se Gestalten. As situações vivenciadas com
sofrimento ou ansiedade no aqui e agora são gestalten interrompidas que se
mantêm abertas e que, ao serem fechadas, são assimiladas alterando o fundo
para os próximos vividos e o modo como são retomadas. Desta forma, como a
definição da própria palavra sugere, ocorre a reconfiguração da gestalt aberta
(PERLS, 1988).
A pessoa que deseja realizar esta mudança em suas gestalten
interrompidas poderá fazê-lo sozinha, dependendo de seu desenvolvimento
psíquico e das possibilidades de ações criativas no meio, ou, esta poderá alcançar
seu objetivo de reconfiguração através de ajuda psicoterapêutica. Este auxílio
pode ser baseado em diversas teorias psicológicas, dentre elas encontraremos a
Gestalt-Terapia, que possui como uma de suas teorias de fundo, a Psicologia da
Gestalt.
No ano de 1890, Christian von Ehrenfels (1859 – 1932) – mais importante
personalidade da Universidade Austríaca de Graz, que se tornou o centro da
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escola de Gestaltqualität – publicou um artigo onde apontava o desprezo da
Psicologia de Wundt para com um elemento muito importante. Este elemento seria
a qualidade da forma, que pode ser entendido com o exemplo da organização
geral de uma música, onde as notas (partes da composição total) não têm sentido
se não forem organizadas de modo a compor sua melodia (a qualidade da forma)
(WERTHEIMER, 1991).
A Psicologia da Gestalt, também conhecida como Psicologia da Forma,
começa a ensaiar seus primeiros passos a partir do ano de 1910 por Max
Wertheimer, seguido por Wolfgang Köhler e Kurt Koffka. Esta teoria desenvolveu
os estudos da percepção, da aprendizagem e solução de problemas (Ribeiro,
1985).
A teoria possui como premissa básica de que é a organização dos fatos,
percepções, comportamentos e/ou fenômenos que define o todo e lhe impregna
de significado específico, particular e singular, e não a soma de suas partes
individuais ou sua composição. Isto posto, pois “o homem não percebe as coisas
isoladas e sem relação, mas as organiza no processo perceptivo como um todo
significativo” (PERLS, 1988, p.18). A teoria defende que a natureza humana é
organizada em partes e todos, e assim é vivenciada pelos indivíduos, onde só
poderá ser compreendida em função de suas partes ou todos dos quais é
composta. Ao que levou a Teoria da Gestalt ou Psicologia da Gestalt se
fundamentar especialmente no estudo da Percepção, já que esta se apresenta em
primeiro plano na vida do ser humano, e é através do que é percebido que a
pessoa se desenvolve, e, conseqüentemente, se relaciona com o mundo (PERLS,
1988).
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A percepção ou o processo perceptivo é denominado por Wertheimer como
o processo pelo qual a realidade é estruturada, depois este conceito também é
adotado e estudado por seus companheiros Köhler e Koffka (WERTHEIMER,
1991).
Como que em um acompanhamento deste processo de gestação da
Psicologia da Gestalt e estudo da percepção, relataremos o histórico das três
personalidades citadas, que elaboraram os construtos desta teoria.
Wertheimer (1880 –1943) tornou-se doutor sob a orientação de Külpe em
1904. Encontrava-se na Universidade de Frankfurt em 1910 e passou para a
Universidade de Berlim em 1916. Em 1933, instalou-se definitivamente nos
Estados Unidos até sua morte dez anos depois. Lá lecionou na Nova Escola de
Pesquisa Social de Nova York e possuía íntima amizade com Albert Einstein
(WERTHEIMER, 1991).
Em 1910 Wertheimer pesquisou a sistemática do estímulo visual
descontínuo, que podia acarretar em uma percepção de um movimento contínuo.
Como a brincadeira de criança onde se desenham cada uma das ações de uma
história em cada folha de um caderno e, posteriormente, folheando-se estas, é
verificado o movimento. Este estudo se encontra em seu artigo publicado em
1912. Durante os experimentos, Köhler e Koffka participaram destes como
sujeitos, porém aqui ainda não entendiam perfeitamente a importância deste
estudo. Foi em 1923 que Wertheimer publica seu mais importante artigo sobre a
organização da percepção e da “boa forma”, onde constam os princípios da
percepção (WERTHEIMER, 1991).
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Para Simões & Tiedemann (1985), a lei base da Psicologia da Gestalt é de
que a percepção de uma forma é regida pela Lei da Boa Forma ou Lei da
Pregnância:
Todo objeto é visto de modo a apresentar uma forma “harmoniosa”, “boa”, “estável”, que se imponha, que seja mais regular, mais simétrica ou mais simples. Para tanto, a Lei da Boa Forma pode ser dividida numa série de leis secundárias que regulam o agrupamento dos elementos, a fim de que a forma total seja “boa”. Na verdade, estas regras pouco ajudam o pesquisador. O que realmente dirá se uma forma é “boa” ou não é seu efeito sobre o observador (SIMÕES e TIEDEMANN,1985, p. 109).
Para os autores acima citados, dentre estes princípios, os mais relevantes
seriam o de Agrupamento por Proximidade, onde a percepção recebe
conjuntamente os elementos que se encontram próximos tanto no tempo quanto
no espaço; o de Similaridade, quando as condições se apresentam em igualdade,
o que é semelhante tenderá a ser percebido como pertencente a mesma estrutura;
o da Boa Continuidade, que remete a idéia de que os elementos que respeitam a
mesma direção de partes do padrão regular aparecem como um todo integrado,
dando então continuidade ao padrão inicial; e por final, o da lei do Fechamento,
onde as partes organizadas de forma que o todo demonstre uma figura completa e
fechada, como o círculo composto pelo tracejado (partes) é percebido como um
círculo (todo).
As contribuições de Koffka (1886 –1941) que consumou seu doutorado sob
a orientação de Stumpf, e que lecionava na Universidade de Giessen na
Alemanha Central, iniciaram em 1922, quando publicou um artigo intitulado
Percepção: Uma Introdução à Gestalt-Theorie no Psychological Bulletin. A tese
principal deste artigo era a “hipótese da constância”, ou seja, que a relação
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constante entre o estímulo local e a percepção é insustentável, fundamentando
através de diversos experimentos e desta forma enfrentando o estruturalismo e
provendo uma base experimental forte o bastante para iniciar os princípios e o
nascimento desta nova escola. Dois anos depois, aceita ser professor e
pesquisador no Smith College nos Estados Unidos onde ficou até falecer. Entre as
décadas de 20 e 30, a revista fundada por ele conjuntamente com Wertheimer e
Köhler, serviu como principal objeto de estudo para os psicólogos da Gestalt
(WERTHEIMER, 1991).
Köhler (1887 – 1967), também doutor orientado por Stumpf em Berlim, foi
para a Universidade de Frankfurt ao lado de Koffka contemporaneamente aos
estudos de Wertheimer sobre a percepção do movimento. Em 1914, em uma das
Ilhas Canárias, trabalhou com uma colônia de chimpanzés e posteriormente
publicou (1917) o livro A Mentalidade dos Macacos, que tratava o assunto da
solução de problemas por estes símios. E em 1920, publica o livro As ‘Gestalten’
Físicas no Repouso e num Estado Estacionário (WERTHEIMER, 1991).
No ano de 1912, no artigo sobre o movimento de Wertheimer, é
apresentada a doutrina do isomorfismo psicofísico de Köhler, que “sustenta que os
fenômenos psíquicos e os processos cerebrais a eles subjacentes possuem forma
funcional semelhante e demonstram propriedades gestálticas semelhantes”
(WERTHEIMER, 1991, p. 167 - 168). Esta idéia de isomorfismo psicofísico nada
mais é do que o estudo do funcionamento engendrado entre corpo e mente,
exatamente de acordo com o conceito de Todo-Parte. Para o próprio Köhler, o
princípio do isomorfismo psíquico enuncia-se como “a ordem experimentada no
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espaço é sempre estruturalmente idêntica a uma ordem funcional na distribuição
dos processos cerebrais ocultos” (KÖHLER, 1980, p. 40).
Köhler publicou ainda outros livros como Psicologia da Gestalt (1929), O
Lugar do Valor num Mundo de Fatos (1938) e Dinâmica em Psicologia (1940).
Durante as décadas de 40 e 50, lançou um estudo experimental sobre a classe de
ilusões perceptuais intrinsecamente ligadas a sua teoria isomórfica
(WERTHEIMER, 1991).
Outros estudos sobre a percepção também foram realizados por David Katz
(1884 – 1953), que estudou a fenomenologia da percepção das cores; e Edgar
Rubin (1886 – 1951), que escreveu sua tese de doutorado sobre a distinção entre
figura e fundo (WERTHEIMER, 1991).
A Gestalt-Terapia teve início na década de 1940, quando Frederick S. Perls
que se encontrava na África do Sul emigrou para a América do Norte com sua
esposa Laura Perls. Laura era membro da Escola Gestáltica que tanto influenciou
seu marido. Foi então que Perls se uniu a um grupo de intelectuais, composto por
Paul Goodman, Isadore From, Paul Weisz e Ralf Hefferline, para discutir a
Psicologia da Gestalt e suas possibilidades em processo psicoterapêutico
(CIORNAI; FERNANDES & LILIENTHAL, 2001). Dos encontros e discussões
resulta em 1951 a publicação que marca o nascimento da Gestalt-Terapia,
intitulada como GESTALT-THERAPY: Excitement and Growth in the Human
Personality (no Brasil encontra-se com o título: Gestalt-Terapia), produzida por
Perls, Hefferline e Goodman.
Esta abordagem psicológica sofreu influências de várias teorias, além da
Psicologia da Gestalt, como a Teoria de Campo de Kurt Lewin e a Teoria
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Organísmica de Kurt Goldstein. Além destas, outras influências foram decisivas
para a elaboração desta abordagem psicoterapêutica, como por exemplo, a
Psicanálise, pois foi a primeira teoria que Perls seguiu, mas insatisfeito com a
abordagem analítica, procurou outra que melhor descrevesse seu modo de
compreender o homem. Influências não menos importantes foram o Humanismo, o
Existencialismo, a Fenomenologia, personalidades como Wilhelm Reich e Jacob
Levy Moreno, e religiões orientais como o Taoísmo e o Zen-Budismo, funcionando
como indícios de estudo e fundamentação a esta nova teoria a serviço do homem
no processo psicoterapêutico (RIBEIRO, 1985).
Principais Conceitos da Gestalt- Terapia
O conceito do aqui e agora é o que rege que o ideal é a pessoa viver e
resolver seus problemas no presente. Mesmo que o paciente nos traga algo que
ocorreu no passado, este problema o aflige exatamente no aqui e agora. Ou seja,
ele não é alguém que teve um problema, mas que possui um problema contínuo
interferindo em sua vida. Assim sendo não há como o paciente progredir ao
menos que aprenda a lidar com seus problemas no aqui-agora, no mesmo
momento em que vão se apresentando, vivendo e resolvendo suas experiências
imediatamente (PERLS, 1988).
Durante o processo psicoterapêutico fundamentado no aqui e agora, os
procedimentos se baseiam em pedir ao paciente que sempre esteja conectado a si
mesmo e ao meio, observando e sentindo, se conscientizando de seus gestos e
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expressões, como respira, com que entonação fala e que odores sente, quais as
emoções, que pensamentos lhe ocorrem e a que toda essa miscelânea se remete
e provoca. Podendo assim, perceber ao que se permite e a que se impede
(PERLS, 1988).
Há também o conceito de figura e fundo, onde a figura é uma necessidade
urgente, enquanto o fundo é o que não está agindo em primeiro plano no
momento, mas que influencia a figura. O que foi fundo em algum momento pode
se tornar figura em outro, portanto figura e fundo alternam-se constantemente,
afinal não são partes isoladas (PERLS, 1988).
No processo psicoterapêutico, o conceito figura e fundo pode ser descrito
nos papéis de cliente e de terapeuta, o primeiro é sempre a figura, pois é o cliente
que vai fazer com que os conteúdos psíquicos venham à tona indicando o
caminho para que o psicoterapeuta investigue e intervenha. E é neste sentido da
organização figura-fundo que se desenrolará todo o processo psicoterapêutico
(POLSTER & POLSTER, 2001).
O conceito de todo e parte é fundamental para se entender a Gestalt-
Terapia. O todo é muito mais que a soma de suas partes, e o todo e partes estão
intimamente relacionados com a experiência. A pessoa é concebida como
totalidade, e as partes que compõem esta pessoa: ações, percepções, emoções; é
tudo que a caracteriza e a diferencia dos outros (MARX & HILLIX, 1973).
A neurose, para Perls (1988), é a cegueira frente ao óbvio, é o medo e a
resistência frente às mudanças, é o interromper a si mesmo, o não satisfazer suas
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próprias necessidades. Também de acordo com Perls, Hefferline & Goodman
(1997, p.235 e 236):
A meio caminho, a neurose é a evitação do excitamento espontâneo e a limitação das excitações. É a persistência das atitudes sensoriais e motoras quando a situação não as justifica ou de fato quando não existe em absoluto nenhuma situação-contato, por exemplo, uma postura incorreta que é mantida durante o sono. Esses hábitos intervêm na auto-regulação fisiológica e causam dor, exaustão, suscetibilidade e doença. Nenhuma descarga total, nenhuma satisfação final; perturbado por necessidades insatisfeitas e mantendo de forma inconsciente um domínio inflexível de si próprio, o neurótico não pode se tornar absorto em seus interesses expansivos, nem levá-los a cabo com êxito, mas sua própria personalidade se agiganta na awareness: desconcertado, alternadamente ressentido e culpado, fútil e inferior, impudente e acanhado etc.
A neurose opera através de sete mecanismos neuróticos ou de defesa, as
resistências por si, os quais serão discutidos logo abaixo:
Introjeção: o indivíduo em introjeção absorve informações externas sem
digerí-las, não assimilando e conseqüentemente não tornando algo realmente seu,
como algo reconfigurado, mas sim, um corpo estranho, que influencia suas ações
e decisões mesmo às vezes indo contra si mesmo. No processo psicoterapêutico
observamos este fato através das falas de pacientes como “Eu tenho que fazer
determinada coisa porque meu pai disse que assim deve ser” (SPANGENBERG,
1996).
Algo de valioso neste processo, é que a partir do momento que a
percepção do cliente aumenta sobre o que é seu e o que é dos outros, e encontra-
se avançado em seu processo de awareness, geralmente sente-se motivado por
fechar suas gestalten acelerando o processo até a alta, onde conclui-se que já
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conseguiu autonomia para continuar o processo por si só. Assim como já
afirmaram Polster & Polster (2001, p. 88):
As discriminações entre as correntes nocivas ou saudáveis que penetram no indivíduo se tornam mais seguras e passam a ter um sabor de escolha, incorporando valores e estilo pessoais ao processo de fazer escolhas. Além disso, o poder de reestruturar aquilo de que existe passa a ser maior, impelindo a pessoa além da mera escolha entre sim ou não. Ela se torna capaz de organizar a experiência para que esta se torne mais adaptada pessoalmente, criando aquilo de que ele necessita, em vez de simplesmente escolher com um sim ou um não.
Projeção: o indivíduo que projeta, atribui seus sentimentos ao outro.
Quando julga que determinada pessoa o odeia, na verdade é ele próprio que
odeia essa pessoa. Ou seja, quem projeta não aceita seus sentimentos e ações
devido introjeções como “eu não deveria fazer isso”, como o filho que gostaria de
chingar o pai e dizer que o odeia, mas não o faz porque “não pode” ou “não deve”
fazê-lo. Daí em diante remoe este sentimento, e quando é questionado se odeia
ou gostaria de enfrentar seu pai, alega que não, que quem lhe odeia é seu pai,
projetando o que não aceita como seu (POLSTER & POLSTER, 2001).
“O resultado é a cisão clássica entre suas características reais e o que ele
tem consciência a respeito delas. Enquanto isso, ele está intensamente consciente
dessas características nas outras pessoas” (POLSTER & POLSTER, 2001, p. 93).
Confluência: É o diminuir as diferenças, é o confundir-se com os outros, é o
não assumir o que é seu e perceber seus atos como algo universal por
comodidade e defesa. O indivíduo que se encontra em confluência é aquele que
diz “nós” ao invés de “eu” (POLSTER & POLSTER, 2001).
Para Polster & Polster (2001, p. 106) a confluência é:
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[...] uma corrida para quem tem três pernas, organizada entre duas pessoas que concordam em não discordar. É um contato não expresso, muitas vezes com cláusulas ocultas e letras pequenas que talvez sejam conhecidas apenas por um dos sócios. De fato, alguém pode ser envolvido num contrato de confluência sem nem ter sido consultado nem “negociado” seus termos.
Assim funciona também com o indivíduo que é confluente com a sociedade,
deixando de satisfazer o que quer, e iludido satisfaz o que imagina que a
sociedade delega pensando satisfazer-se a si mesmo. Esperando então receber
uma recompensa que nunca chega, por seus feitos em prol da sociedade, se
frustra e perde a chão (POLSTER & POLSTER, 2001).
Retroflexão: a pessoa que retroflexiona volta-se contra si mesmo, faz para
si o que gostaria de fazer ao outro ou o que gostaria que o outro lhe fizesse. A
pessoa se torna o arqueiro e o alvo ao mesmo tempo, ou seja, assim como
afirmam Polster & Polster (2001, p.96): “...ele condensa seu universo psicológico,
substituindo com a manipulação de si mesmo o que ele concebe como anseios
fúteis pela atenção dos outros.”
Deflexão: Para Polster & Polster (2001), a deflexão é fugir do contato direto,
é o falar em rodeios, é o evitar olhar nos olhos, é o “falar sobre” ao invés de “falar
com”. As conseqüências vividas pela pessoa que deflete podem se equivaler a
uma não-existência deste indivíduo, como se ele não tivesse falado ou feito algo,
como se tivesse ficado inerte. O que acontece é que ele não toca o outro, não
produz reverberações no meio, consequentemente não é sentido, frustrando-se
constantemente. Este mecanismo, assim como o egotismo e a proflexão (que
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serão discutidos logo abaixo) são mecanismos de defesa posteriormente adotados
pela Gestalt-Terapia.
Egotismo: De acordo com Spangenberg (1996), este mecanismo de defesa
remete-se a incapacidade de entregar-se, tanto ao processo psicoterapêutico e
suas experiências internas, quanto externas, ou seja, ao meio e aos outros que
acompanham este processo. Desta forma o contato verdadeiro não ocorre, pois
não há confiança e nem relação, já que uma relação exige que existam trocas. O
indivíduo não se desnuda frente ao outro, fecha-se.
Proflexão: É o mecanismo pelo qual a pessoa só faz algo porque espera
uma recompensa do outro, como por exemplo, a criança que acaricia a mãe pois
deseja receber carinho dela, ao passo que não recebe se frustra. É uma relação
de troca, mas sem aviso prévio. (RIBEIRO, 1997).
Os mecanismos neuróticos, discutidos acima, são também conhecidos
como distúrbios de contato ou interrupções, pois funcionam de modo a evitar que
o contato ocorra.
Para Polster e Polster (2001), o contato ocorre quando dois seres distintos
se vêem por completo, isso através da visão, mente e corpo, é o contato pleno, é
a mudança promovida por este encontro. Não se trata somente de uma reunião ou
intimidade, pois só ocorre entre seres diferenciados, independentes e que se
entregam ao risco de serem capturados em uma união. E no exato momento em
que esta união ocorre, algo novo é criado, tanto para um quanto para o outro
deste par em contato.
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Perls (1988) afirma que o contato não é bom ou mau, que nem todo contato
é saudável e nem toda fuga é doentia. Às vezes se apresenta como causa, e em
outras, como efeito, sempre em um processo perante o meio ou campo. Como
causa, ocorre no sentido de gerador de gestos, sinais, e como efeito, ocorre
quando é proveniente das relações que mantidas com os diversos campos que no
qual a pessoa está inserida. Quando se apresenta como figura, pode ser visto e
descrito, e quando se apresenta como fundo, expressa as introjeções acumuladas
e representadas pelo nosso modo de ser.
Já o Limite de Contato é o que promove a diferenciação entre uma pessoa
e outra. Também é o diferenciar-se do meio em que vive. A partir daí se torna
possível uma relação de reciprocidade entre indivíduo e meio, onde ninguém é
vitimizado, nutrindo-se do meio e recebendo e mostrando-se nutritivo a este
(PERLS, 1988).
A awareness é concebida como o processo no qual está envolvido o
autodescobrir-se: aceitar-se, reconhecer-se, compreender-se. É o estar
autoconsciente, é a consciência total de si e o que ocorre em si em determinado
momento, “é um meio contínuo para manter-se atualizado com o próprio eu”
(POLSTER & POLSTER, 2001, p. 217). O que encontra-se de acordo com o que
Perls, Hefferline & Goodman (1997, p. 191 e 192), citam sobre este fenômeno:
A awareness não é ociosa; ela é orientação, o processo de apreciação e aproximação, o processo de escolha de uma técnica; e em toda parte está em interação funcional com a manipulação e o excitamento crescente do contato mais íntimo. As percepções não são meras percepções; elas se avivam e se aguçam, e atraem. Durante todo o processo há descoberta e invenção, e não contemplação; porque embora a necessidade do organismo seja conservativa, a satisfação da necessidade sã
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pode vir da novidade do ambiente: a função-id torna-se cada vez mais a função-ego até o ponto de contato final e liberação, exatamente o contrário do que afirma a srta. Freud. É em circunstâncias favoráveis, quando o id e o ego estão em harmonia, que o trabalho criativo de awareness é mais potente e não deixa de ter “importância”. Suponha, pois, que este não fosse o caso: por que, funcionalmente, a awareness deveria ser de alguma maneira necessária? Por que a satisfação não poderia ocorrer e a tensão ser liberada enquanto o animal está vegetando num sono sem sonhos? É porque contatar o presente inusitado exige um funcionamento unificado das faculdades.
O objetivo da Gestalt-Terapia é que o cliente esteja aware, ou seja, que o
cliente se perceba no aqui-agora, respeitando a figura que emerge, evitando os
mecanismos neuróticos que impedem o contato. Estas questões se referem ao
conscientizar-se de sua postura momentânea, assim como o que está fazendo,
sentindo ou desejando. Resumindo, o psicoterapeuta dirige a percepção de seu
cliente sobre o si mesmo (POLSTER & POLSTER, 2001).
Em resumo, a awareness para Polster & Polster (2001, p. 217):
É um processo contínuo, prontamente disponível em todos os momentos, em vez de uma iluminação esporádica ou exclusiva que pode ser alcançada – como o insight – apenas em momentos especiais ou sob condições especiais. Ela está presente, como uma corrente subterrânea, pronta a ser associada quando necessário, uma experiência renovadora e revitalizante. Além disso, focalizar a própria awareness mantém a pessoa absorvida na situação presente, ampliando o impacto da experiência da terapia, bem como das experiências mais comuns da vida. A cada awareness sucessiva a pessoa chega mais perto de articular os temas da própria vida e mais perto também da expressão desses temas.
Loffredo (1994, p. 129) afirma que a awareness “trata-se de facilitar a
formação livre, fluente e contínua de gestalten, que supõe novas configurações
21
figura-fundo. Como o significado é dado pela relação de uma figura com seu
fundo, novas configurações supõem novas redes de relações de significado”.
Na Gestalt Terapia, o homem é visto no seu Todo, como um
desenvolvimento, como alguém que pode mudar. ”[...] é ampliar o potencial
humano através do processo de integração. Nós fazemos isto apoiando os
interesses, desejos e necessidades genuínas do indivíduo” (PERLS apud
STEVENS, 1977, p. 19).
Com base nos conceitos da Psicologia da Gestalt, “a Gestalt-Terapia
procura levar a integração sem a urgência de situações de emergência” (PERLS
apud STEVENS, 1977, p. 21). É a abordagem que acredita na potencialidade
humana.
Nas palavras de Perls (1988), a Gestalt-Terapia é um processo que envolve
aprendizagem, onde o cliente pode vir a descobrir que não possui limites tão
arraigados como se percebia anteriormente, que ele é capaz de “Aprender a
Aprender”.
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3 ASPECTOS METODOLÓGICOS
Para atingir os objetivos propostos, a presente pesquisa foi realizada a
partir do enfoque bibliográfico, que consiste no levantamento de bibliografias
publicadas em livros, revistas, artigos, periódicos e internet, e a qual tem por
finalidade buscar as diferentes formas de contribuição científica que foram
realizadas sobre o assunto escolhido, coletando o máximo de informações
necessárias para responder as questões propostas ao tema estudado. Como
afirma Oliveira (1997, p. 119) a pesquisa bibliográfica objetiva: “conhecer as
diferentes formas de contribuição científica que se realizaram sobre determinado
assunto ou fenômeno”.
Além da pesquisa bibliográfica, foi realizado um estudo a partir de um
Relatório de Estágio, documento este pertencente à Clínica de Psicologia da
UNIVALI, bem como da triagem realizada. De acordo com Neves (1996, p.3):
A pesquisa documental é constituída pelo exame de materiais que ainda não receberam um tratamento analítico ou que podem ser reexaminados com vistas a uma interpretação nova ou complementar. Pode oferecer base útil para outros tipos de estudos qualitativos e possibilita que a criatividade do pesquisador dirija a investigação por enfoques diferenciados. Esse tipo de pesquisa permite o estudo de pessoas a que não temos acesso físico (distantes ou mortas).
A partir dos dados coletados, realizou-se uma análise qualitativa, a
pesquisa qualitativa para Oliveira (1997) é aquela não se utiliza de dados
estatísticos. “O método qualitativo mensura suas categorias e atributos tais como:
qualidade, relação, ação, paixão, dor, amor, hábitos, atitudes, prazer e
preferências, entre outras variáveis” (OLIVEIRA, 2000, p. 61).
23
Primeiramente realizou-se um levantamento bibliográfico com a finalidade
de identificar referências teóricas sobre o assunto em questão, que, por sua vez,
serviu de sustentação para a consolidação das informações obtidas. Este
levantamento foi realizado na Biblioteca Central da UNIVALI, bem como biblioteca
particular da pesquisadora e internet.
Em seguida para verificar como o conceito de percepção é aplicado em
Gestalt-Terapia, foi utilizado um Estudo de Caso contido em um Relatório de
Estágio Supervisionado em Psicologia Clínica1 (que serve de documento para o
acompanhamento do trabalho do acadêmico no estágio clínico, e como requisito
para obtenção de créditos na disciplina de Estágio Supervisionado em Psicologia
Clínica da Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI).
Os critérios de seleção do Estudo de Caso Clínico analisado foram:
- que possuísse triagem2, na qual foram verificadas as informações ou
queixa que o paciente apresentava no momento desta;
- que no caso atendido o cliente tenha recebido alta, evidenciando as
mudanças ao longo do processo psicoterapêutico, possibilitando focalizar a
alteração da percepção de si no presente estudo.
Os dados coletados referiram-se diretamente às falas da paciente (sic)3 por
serem mais fiéis a percepção e awareness desta. Evitando assim, que a
interpretação da estagiária que a atendeu influencie a análise.
1 ROSSI, Vilma. 83 páginas. Código159.9.019.2 R741r. Prontuário: 7437. 2 A triagem é um procedimento regimental ao qual são submetidos todas as pessoas que procuram a Clínica de psicologia da UNIVALI. Esta tem por finalidade um primeiro contato e o levantamento dos dados sobre o paciente. Portanto através desta, são coletadas a queixa principal, a percepção que o paciente possui de si no momento em que procura o atendimento psicoterapêutico, e é levantado uma hipótese diagnóstica. 3 Segundo informações coletadas.
24
As sessões analisadas totalizam 21 (vinte uma), sendo que apenas 5
(cinco) sessões foram desconsideradas por razão de duas faltas da paciente e de
três sessões que não possuem falas diretas desta. Destas sessões apenas as
falas mais significativas da cliente foram coletadas, pois o processo perceptivo
pode muitas vezes retroceder em certos assuntos e isto tornaria o presente
trabalho redundante. Além disso, por razão do prazo de entrega do relatório
estudado, houveram ainda mais quatro sessões realizadas que não constam em
forma de documento, impossibilitando desta forma, a análise de suas últimas
sessões antes de receber alta.
Devido à natureza bibliográfica e documental desta pesquisa, a única
medida ética tomada e respeitada foi em relação ao anonimato do paciente
escolhido, no qual o mesmo foi identificado pelo nome de Alice, utilizando desta
forma, o mesmo nome fictício dado pela estagiária que realizou o estudo de caso
selecionado.
Finalmente, as análises do embasamento teórico e do estudo de caso
delinearam as considerações finais da pesquisa.
25
4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Dados indicados na triagem: A triagem da paciente foi realizada em março de
2004. A hipótese diagnóstica levantada foi Bulimia Nervosa Atípica4 devido aos
sintomas (vômitos provocados em situações de ansiedade) que apresentava logo
após ter realizado cirurgia bariátrica (redução de estômago). A cliente também
apresentava quadro depressivo.
Dados sobre a cliente: Na época da execução do relatório, a cliente que será
identificada por Alice, tinha 38 anos, trabalhava como costureira, divorciou-se,
possuia dois filhos (uma menina de 13 anos e um menino de 10 anos), e também
dois irmãos. Iniciou o processo terapêutico em março de 2004 finalizando em julho
do mesmo ano com a primeira estagiária. Em seguida, com a segunda estagiária,
retoma seu atendimento em agosto de 2004 finalizando em junho de 2005. Seu
último ano de atendimento na clínica escola foi realizado no período de agosto de
2005 a junho de 2006, quando então recebeu sua alta.
Dados sobre a análise:
As falas da paciente que se encontram no corpo desta apresentação e
discussão dos resultados serão expostas em negrito para diferenciá-las do
restante do texto referente à análise realizada.
4 Bulimia nervosa atípica: Transtornos que apresentam algumas características da bulimia nervosa, mas cujo quadro clínico global não justifica tal diagnóstico. Por exemplo, pode haver acessos repetidos de hiperfagia e de uso exagerado de laxativos sem uma alteração significativa de peso ou então a preocupação típica e exagerada com a forma e peso corporais pode estar ausente. (CID 10-F. 50.3)
26
Em suas primeiras sessões Alice apresentava os sintomas bulímicos de
provocar vômitos em situações de ansiedade. Por várias vezes relatou à estagiária
que antes de vomitar dava um aperto na garganta, uma ansiedade, e que logo
após provocar o vômito me sinto aliviada, às vezes fico até roxa de tanto fazer
força. Fornecendo dois exemplos de situações onde Alice provocava os vômitos,
podemos observar sua retroflexão, ao invés de exteriorizar o que pensava ou
desejava fazer: fiquei assim porque dia 17/09 fez quatro anos de se paração e
um ano que foi assinado o divórcio, uma amiga no tr abalho me falou que eu
ainda gosto dele , em outro momento comenta a possibilidade de sua mãe morrer
decorrente do diabetes, pois não seguia corretamente a dieta e se descuidava, eu
falei pra minha cunhada eu não consigo me imaginar sem minha mãe, e ela
disse, deves te preparar porque um dia ela vai morr er, daí vomitei. Ela se
impedia de entrar em contato com estas situações que a incomodavam
retroflexionando, onde provocava os vômitos e exteriorizava a energia destas
figuras.
Para Polster & Polster (2001, p. 112):
O contato não é apenas reunião ou intimidade. Ele só pode acontecer entre seres separados, que sempre precisam ser independentes e sempre se arriscam a ser capturados na união. No momento da união, o senso mais pleno que um indivíduo tem de si mesmo é movido rapidamente para uma nova criação. Não sou mais apenas eu mesmo, mas eu e você fazemos nós. Embora eu e você nos tornemos nós apenas nominalmente, jogamos com a dissolução de mim ou de você por intermédio desse nomear.
Quando este contato não ocorre, deve-se a algum dos mecanismos de
defesa que entra em seu lugar bloqueando-o. No caso de Alice, comumente se
utilizava dentre estes mecanismos, o da retroflexão, que de acordo com
27
Spangenberg (1996, p. 32) “de todos os mecanismos, a retroflexão é o que mais
facilmente se detecta no nível corporal, uma vez que se retroflete, principalmente,
através da contração da musculatura esquelética e da contenção da respiração”.
Além da respiração, que se comprova em sua frase anterior onde relata que
chegava a ficar roxa, a paciente contraia sua musculatura estomacal causando os
vômitos.
Durante o processo psicoterapêutico, Alice foi se percebendo cada mais
capaz e deixando de se ver como uma fracassada. Inicialmente a cliente relatou
sentir-se fracassada como mãe, esposa, funcionária e filha, discurso que apareceu
com freqüência no Estudo de Caso. Portanto, durante este processo, Alice teve
que aprender a usar de suas capacidades e deixar o comportamento bulímico, já
que possuía outras gestalten em aberto, como sua relação com o ex-marido, com
seus dois filhos, com a mãe, com os amigos e colegas de trabalho, e com seu
chefe.
Logo na primeira sessão, a estagiária questionou Alice sobre a
possibilidade de ainda amar seu ex-marido, ao que a cliente responde que hoje
só sinto pena, não tenho raiva dele, porque ele é u m coitado, magro,
relaxado e descuidado , que antes da separação sentiu muita dificuldade em
deixá-lo, e nas sessões do segundo semestre de 2005, por diversas vezes ainda
trazia o ex-marido como figura constante, apesar de sempre dizer que já não o
desejava. Alice relatou que seu ex-marido sempre a enviava mensagens pelo
celular pedindo que ela voltasse para ele, e as mensagens eram agressivas tô
acostumada com essas palhaçadas dele, antes tinha e sperança de voltar
agora não mais, porque ele não vai mudar, eu não qu eria ter me separado às
28
vezes me sinto culpada de não fazer mais tudo por e les, mas tenho que viver
pra mim, eu tenho direito de viver, meu filho me de cepcionou muito indo
morar com o pai . Neste período de sua vida, seu filho escolheu morar com o pai.
Nesse momento do processo psicoterápico percebeu a forma como o
marido sempre se comportou: eu não quero saber, não adianta, ele nunca me
respeitou como pessoa, me tratava como objeto, ele é manipulador, não é
amor o que ele faz, amor não é assim, amor é respei to, não é agora que ele
vai mudar, hoje em dia vejo que não dá mais , e contando como o ex-marido
mudou, pois era romântico antes de se desentenderem, hoje ele parece uma
criança, faz o que quer, não ouve ninguém, ele vend ia tudo da casa, agora
ele comprou um DVD, mas já vendeu. Ele nunca pede d esculpas, o erro
nunca é dele, antes eu tinha esperança, hoje a real idade está na minha
frente. Observa-se aqui que Alice entra em contato com a figura de seu ex-
marido, o vê de outra forma, ao contrário de quando lhe era difícil deixá-lo por não
diferenciá-lo de si mesma. Assim a paciente finalmente diferencia-se, deixando de
interromper-se através da confluência e projeções. Sobre isso Spangenberg
(1996, p.35-36) cita que:
Todo organismo mantém sua identidade através de sua capacidade de diferenciar-se e, ao mesmo tempo, de relacionar-se com o ambiente que o contém. Chamamos, pois, de contato a esta dupla habilidade; a de diferenciar-se e a de relação. [...] O mesmo é fundamental, não apenas para a manutenção da vida de qualquer ser, mas também para seu crescimento, pois é o veículo que permite o intercâmbio necessário de nutrientes que possibilitam a expansão da vida. [...] Crescemos, então, em relação ao que não somos, e esse intercâmbio se realiza através da fronteira de contato, ponto limite no qual se manifesta a discriminação entre o que somos e o que não somos.
29
Explanando o que seria a figura, pertencente a teoria de figura-fundo da
Gestalt-Terapia, coloca-se que a figura é a necessidade mais urgente do que se
vive no presente. É aquele objeto, sensação, pessoa ou situação que nos salta a
percepção do instante vivido (POLSTER & POLSTER, 2001)
Alice começa então, a entender que possuía uma gestalt inacabada com
este homem, ou seja, que ainda havia o que resolver em sua relação com seu ex-
marido. Somente pouco antes de conseguir iniciar novos relacionamentos que
Alice vivencia esta percepção de seu dilema, que se confere nas seguintes falas:
onde percebe que as questões legais a incomodam, eu não durmo sossegada,
vivo em função dos filhos e marido, queria deitar e descansar queria ter uma
vida normal. Acho que vou descansar quando resolver as questões com ele,
e quando assume que ainda sente algo por ele, não volto com ele por medo,
meu coração diz que gosto dele ainda, não consigo t er raiva, agora ele está
em Caxias do Sul na casa de parentes, foi de avião, isto que me revolta,
porque a pensão dos filhos ele paga só o mínimo.
A cliente começa a se dar conta de como se sente incomodada com o ex-
marido, pois a maior parte das sessões fala nele estou falando de novo do ex-
marido, eu vejo ele como a montanha maior . Quando já se encontra com uma
capacidade maior para se expressar que a do início do processo psicoterapêutico,
percebe-se como uma nova pessoa que não há mais como possuir uma relação
saudável com seu ex-marido, desfazendo a confusão de emoções em relação a
este, porque hoje iríamos brigar muito mais, porque agora eu falo não fico
mais quieta.
30
Quanto a esta confusão de emoções e ao processo de awareness, Loffredo
(1994, p. 146) cita que:
As emoções não são vagas e pouco claras, mas são tão agudamente diferenciadas em estrutura e função, como está a pessoa que as experimenta. Se as emoções estão confusas, isto significa que é o sujeito que está assim. Nesse sentido, as emoções não são impedimento ao pensamento e à ação mas, pelo contrário, não só funcionam como reguladores de energia no campo, mas é através delas que nos fazemos aware de nossos interesses e, portanto, do que somos e do que o mundo é.
A relação conturbada com o ex-marido também prejudicava a cliente quanto
ao relacionamento com os filhos, pois sentia que sua autoridade é desfeita pelo
ex-marido, meu filho voltou para casa, só que o pai não respei ta o horário, vai
ver os filhos ao meio-dia quando estão almoçando ou indo para a escola, ele
não respeita as atividades das crianças, é uma cois a doentia, comenta que
sua dificuldade maior é em relação ao filho mais novo, no entanto... a minha filha
entende quando falo das brigas com o pai, ela perce be que não dá mais, mas
o filho faz o jogo e ameaça morar com o pai, me sin to às vezes com vontade
de desistir de tudo, mas paro e penso e vejo que te nho que dar mais atenção
a eles .
Alice possuía muitas dificuldades em separar um tempo para si mesma,
assumindo todas as responsabilidades e de certa forma se sobrecarregando,
fazendo “tempestades em copos d’água”, o que justificava sentir-se fracassada em
tantos quesitos, como quando dizia sentir-se fracassada em relação aos
descuidos de sua mãe com a diabetes, ela não se cuida, toma insulina duas
31
vezes ao dia, não toma café com adoçante nem açúcar , só que come bolo e
massas.
Também deixava de realizar coisas que gostava por opinião alheia,
comentou que deixou de ir a um hotel fazenda porque, minha mãe insinuou que
eu iria com o rapaz que conheci e fiquei magoada co m ela por esta
desconfiança comigo , ou quando parou de ir na igreja: parei de ir, pois tô
chateada com um casal de lá que também é amigo do m eu ex-marido,
porque acham que eu tive culpa da separação, pode s er coisa da minha
cabeça, fantasias. Quando Alice deixava de realizar seus desejos pelos ideais
dos outros, estava fazendo uso da introjeção, o mecanismo de defesa que
segundo Perls (1988, p. 46) é: “[...] aquilo que trazemos inteiro, o que aceitamos
indiscriminadamente, o que ingerimos e não digerimos, é um corpo estranho, um
parasita que se instala em nós. Não parte de nós, embora pareça. É ainda parte
do meio”.
Quanto as possíveis fantasias as quais a própria paciente faz menção, de
acordo com Juliano (1999, p. 50):
Os sonhos, as imagens e as fantasias são canais desenvolvidos pelo psiquismo, para favorecer o diálogo entre partes conhecidas e desconhecidas de nós mesmos, fazendo com que estas se comuniquem e trabalhem juntas. Muitas vezes esse diálogo borbulha nas superfícies dos sonhos, ou na nossa imaginação, ou, ainda, no fluir da nossa fantasia.
A partir do momento que Alice se tornou aware do que é seu e do que é do
outro, passou a apresentar novas atitudes como mãe. Nos discursos anteriores
apontava que tentava agradar aos outros, mesmo quando se desagradava. Neste
momento conversou com a filha sobre sua situação financeira que nem sempre
32
podia lhes fornecer tudo o que desejassem, se ela não quiser entender
problema dela, hoje penso mais em mim, antes vivia só para eles , e passou a
fantasiar menos e agir mais, como quando conta o que sentiu quando foi
conversar com o chefe e desfez a fantasia de uma possível demissão, me senti
muito feliz por ter conseguido ir até lá e falar, q uando anteriormente temia
esta conversa. A fantasia é a capacidade imaginativa e criativa do indivíduo, que
em processo terapêutico pode ser utilizada em várias técnicas da Gestalt-Terapia,
como por exemplo o trabalho com os sonhos (SPANGENBERG, 1996). Porém,
quando o cliente usa da fantasia de forma neurótica pode prejudicar seu processo
de awareness – como Alice que interrompia sua awareness adiando a conversa
com o chefe na fantasia de que ele a demitiria.
Outras relações do seu círculo de pessoas com as quais interage, foram se
modificando a cada nova awareness de Alice, já que esta agora podia sentir-se,
perceber-se, e agir de um modo diferenciado da pessoa que a cliente era
anteriormente. Como quando diz se sentir trabalhando, feliz, produzindo alguma
coisa, e expressando sua felicidade ao completar um ano trabalhando, já pensou
como seria se eu tivesse saído? Muitas vezes pensei em sair , ou quando
percebe a nova relação com os irmãos, eu era egoísta, quando eles iam lá em
casa eu me trancava no quarto, agora não.
Em uma sessão que a estagiária a questiona sobre o que a cliente poderia
fazer para aumentar seu círculo de amigos, Alice responde que tenho que sair
mais de casa , ou seja, ela se mostra consciente dos passos que deve seguir, não
se encontra mais perdida, estou conquistando pessoas que antes não se
aproximavam de mim e hoje vem conversar comigo .
33
Alice não só percebe as mudanças através dos outros, como também
através de suas próprias atitudes, exatamente porque a cada sessão ela aprendeu
a estar aware de si mesma. Nas suas ultimas sessões, as falas da cliente que
expressam estas descobertas são: hoje consigo conciliar todos os problemas,
no trabalho sempre estou rindo, brincando, várias p essoas vem me
perguntar a quem eu puxei a meu pai ou minha mãe, d igo acho que ninguém,
hoje sou feliz, tenho prazer em viver... antigament e o problema dos outros
faziam eu pensar que eu tinha culpa, hoje não . Sobre este processo, Juliano
(1999, p. 23) afirma:
Dialogando com seu monstro, o cliente toma tento para a valia e função daquele: o dragão, nesse momento, abandona a sua condição de inimigo que está fora, e se constitui num ser conhecido aqui dentro. Agora não é mais possível polarizar. Dragão e herói estão irremediavelmente próximos.
Sobre o mesmo processo, que por fim modificou por completo as relações
de Alice, Loffredo (1994, p. 129) cita que:
Trata-se de facilitar a formação livre, fluente e contínua de gestalten, que supõe novas configurações figura-fundo. Como o significado é dado pela relação de uma figura com seu fundo, novas configurações supõe novas redes de relações de significado. O “fluxo associativo focalizado” pretende levar a um “tomar posse” do processo de existir e como ele ocorre a cada momento. Isso supõe um engajamento do indivíduo com a totalidade do seu ser, em dado momento, no que é mais relevante e emergente no campo organismo-meio do qual faz parte. Envolve emoção, afeto, pensamento e sensações corporais, não se restringindo a um processo meramente cognitivo.
Outro aspecto da vida de Alice que foi se modificando com o processo de
awareness, foi o relacionamento amoroso. No início dos atendimentos a cliente
dizia que neste momento não me sinto preparada , mas também manifestava a
34
vontade em ter outro relacionamento, que me compreenda, que me respeite,
ter um ombro amigo no meu lado. Não me importo com sexo . Mas sua visão
dos homens encontrava-se ainda de forma negativamente generalizada, o que se
percebe quando fala de seus irmãos: tenho orgulho deles, mas eles têm
defeitos como todos, cada um do seu jeito, um vizin ho meu dava em cima de
mim, fui descobrir que era casado, acho que na real são todos iguais cada
um com seu defeito, mas tenho medo de sofrer de uma desilusão, tenho
vontade de fugir, mas sei que não adianta. Sobre este conflito da paciente,
Perls, Hefferline & Goodman (1997, p.163) afirmam que:
Os conflitos “internos”, em particular, são fortemente energizados e plenos de interesse, e são o meio de crescimento; a tarefa da psicoterapia é torná-los conscientes de modo que se nutram de material ambiental novo e atinjam um ponto de crise. Os conflitos menos desejáveis são as batalhas banais e conscientes e os pegas inacabáveis, baseados em erros semânticos, [...]; interpretamos esses erros não para evitar o conflito mas precisamente para trazer à luz os conflitos importantes dos quais eles são sinais.
Antes de conhecer novos pretendentes, agia de forma resistente a
possíveis encontros, mas começou a perceber isso em si mesma, ao que diz que
eu sei que tenho que me relacionar com alguém, só q ue dentro de casa não
vai cair ninguém, e depois tenho medo, me sinto per dida . Segundo Polster &
Polster (2001, p. 67), “tradicionalmente, a resistência implica que uma pessoa
tenha objetivos específicos que podem ser identificados, como visitar um amigo,
fazer a lição de casa ou escrever uma canção. Qualquer força intrapessoal que
interfira no movimento para essas direções é chamada de resistência, uma
barreira teimosa, estranha ao comportamento natural da pessoa”. Poucas sessões
após esta fala, Alice começa a trazer informações sobre suas novas experiências
35
no campo afetivo, fui muito burra, tava num dilema, conto ou não cont o (à
terapeuta estagiária) quando chegar na terapia, ele tem 34 anos, eu tenh o
implicância com a idade, apareceu outro dia um de 2 5 anos para namorar,
imagina jovem assim! A cliente então inicia seu primeiro namoro depois de seu
divórcio.
Este primeiro namoro, apesar de tê-la decepcionado, serviu de grande
experiência à paciente, pois através dele aprendeu a melhor selecionar seus
pretendentes e não mais procurar o mesmo perfil que o de seu ex-marido. Logo no
início do namoro a paciente mostrou-se desconfiada com a situação, acho que
não vai dar certo, acho que ele está me traindo, po de ser coisas da minha
cabeça, eu posso estar fantasiando, ligo direto no celular para ver se ele está
com alguém para ver se escuto vozes, eu nunca fui c iumenta assim, ele é
paciente, explica, conversa comigo para ficar tranq üila que estas acusações
são coisas da minha cabeça . A família também interferia por não aceitar que o
rapaz fosse negro, minha família sabe só criticar, nunca ajudam a valo rizar,
tem preconceito, minha mãe não me deixa a sós com e le, e em certo momento
a paciente identifica no namorado, semelhanças com o ex-marido e reflete mais
profundamente sobre suas escolhas, penso que se tiver que terminar o namoro
é melhor terminar agora do que muito tarde, sei que vou sofrer chorar, mas
vai passar.
Neste momento de sua vida, experiência que Alice viveu com seu ex-
marido, a permitiu perceber quando uma relação não está bem e o que ela
realmente desejava receber do parceiro. De acordo com Juliano (1999, p. 41):
36
A busca da awareness e do contato no Aqui e Agora precisa ser completada pela busca do sentido dessa experiência no contexto de vida da pessoa, numa perspectiva longitudinal. Uma vez que encontra sentido para os eventos de sua vida, fica mais fácil para ela se apropriar de sua experiência, tornando-se capaz de, dinamicamente, ser responsável pela construção de sua história.
Mostrando-se aware de seus sentimentos e intuição, a paciente realmente
não estava errada em desconfiar do namorado, pois logo flagrou-o com outra ao
que a paciente já apresenta sua primeira nova atitude, em livre fluxo, já que ao
invés de vomitar agrediu física e verbalmente o namorado, expressando o que
sentia, mas não chorei e nem vomitei. Eu desabafei, bati ne le, ele não fazia
nada, estranho que ele não reagia, lavei a alma por que falei tudo o que
queria. Eu me sinto feliz por ter tido coragem de e nfrentar sozinha e ter
percebido que ele é um safado, e que bom, me sinto agora mais forte, estou
magoada e com raiva pelas mentiras, mas não estou t riste porque fui
esperta, vi as coisas com clareza e agi sem medo, e hoje só consigo ver as
coisas positivas do que acontece, antes só via as n egativas. Quando finaliza o
namoro expressa que: tô feliz, tô bem, tudo passa, até a morte a gente s e
conforma.
Sobre este processo de experienciar e aprender com os sentimentos, o
casal Polster (2001, p.228), relata abaixo como ocorre este processo de mudança
em um atendimento psicoterápico na abordagem da Gestalt-Terapia:
A meta na Gestalt-Terapia, contudo, não é que as pessoas abandonem esses julgamentos de seus sentimentos, mas que em vez disso abram espaço para os sentimentos e os usem como um meio de integrar os vários detalhes de suas vidas. ...Descrever o tom do sentimento, reconhecer as incongruências ou os vazios na experiência, focar aquilo que foi descoberto e ficar com isso até que a expressão orgânica emerja, todas essas situações usam os sentimentos como aberturas no ciclo
37
da awareness e da expressão. Uma vez que este ciclo tenha sido completado, o indivíduo está desimpedido e pronto para passar para novos ciclos de awareness-expressão. É a fluidez perpetuamente em renovação desse processo que constitui uma característica importante do bom funcionamento.
No caso da mudança de Alice em não vomitar e agir externalizando sua
raiva contra seu namorado, está de acordo com o que Oaklander (1980, p.146)
afirma sobre o processo de awareness de nossos sentimentos:
Às vezes trabalhamos de dentro para fora. O sintonizar o corpo pode contar o que se está sentindo. Conversamos sobre a maneira como evitamos sentimentos, como os afastamos, encobrimos, ocultamos, como os tornamos nebulosos. É só quando reconhecemos nossos sentimentos e os experienciamos que podemos liberá-los e usar o nosso organismo total para outras coisas. De outro modo, uma parte de nós está continuamente alimentando os sentimentos que estamos ignorando, deixando-nos apenas parte de nós mesmos para o processo de viver. Assim aprendemos a escutar os nossos corpos de modo a entrar em contato com os nossos sentimentos.
Entendendo-se, portanto, que neste nível do processo psicoterapêutico
Alice estava conhecendo-se cada vez mais, chegando ao ponto de se surpreender
com sua atitude agressiva e deixando de lado suas introjeções, confluência,
projeções e retroflexões, podemos dizer que a paciente estava retomando seu
processo de awareness, assim como afirma Loffredo (1994, p. 141-142):
As atividades dos sistemas sensorial, de orientação, e motor, de manipulação, estão atuantes no contato do organismo com situações novas. Suas atividades são interdependentes e se realizam na base de respostas mecânicas, reflexos, apenas nas camadas inferiores onde a awareness não é necessária. Manipulação é o termo usado para toda atividade muscular (embora os autores o considerem um pouco “desajeitado”), sendo que a inteligência envolveria, ao mesmo tempo, orientação e manipulação adequadas e eficientes. No neurótico estes sistemas não estão operando de forma satisfatória, desde que há uma dessensibilização e paralisação das capacidades de resposta. Para resgatar estas habilidades de orientação e
38
manipulação, ele deve recuperar sua completa awareness. Isto quer dizer suas capacidades de sensação, contato, excitação e formação de gestalten.
Após este relacionamento que não deu certo, Alice encontrou um novo
namorado, relacionamento este que foi se consolidando.
Ainda outros dilemas que Alice enfrentou em seu processo de awareness,
foram em relação ao peso depois da cirurgia, pois chegou a engordar sete quilos
quando ainda não havia voltava a se relacionar com as pessoas, eu sei que falta
determinação, tenho consciência do que devo fazer p ara melhorar, mas não
tenho determinação, isso me irrita. De acordo com Oaklander (1980, p. 312), “a
imagem corporal é um aspecto importante da auto-aceitação”.
A paciente então percebeu que voltava sempre em determinados assuntos,
sempre voltando a falar do ex-marido e cansaço em assumir o que era dos outros
na confluência em que se encontrava, estava pensando hoje, minha vida só
anda em círculo, e o que vou falar hoje? E também percebendo a curtos passos
que só tinha que começar, pois depois ela obtinha prazer em suas ações, o difícil
é sair de casa, mas depois é bem legal . Sobre a confluência, Spangenberg
(1996, p. 30-31) cita que:
Evitamos os conflitos, a responsabilidade, a intensidade das relações, os desconfortos, por meio da confluência (pólo resistente). No entanto, sem confluência (pólo relacional) não nos sentiríamos parte de nada, pertencendo a nada, não poderíamos identificar-nos com nossos semelhantes; em outras palavras, na família, na comunidade, na nação e até na espécie ou na natureza aos quais estamos indissoluvelmente unidos, a confluência é uma forma de relação, de contato, essencial para nossa existência. Mas, se não conseguimos diferenciar-nos, discriminar-nos (da família, da sociedade), ficamos enganchados na identidade herdada (papel que desempenhamos na família etc.), tanto familiar como social.
39
Quanto ao bloquear o processo de awareness, Loffredo (1994, p. 130)
defende que “a formação de gestalt é inerente ao processo de awareness, sendo
sua formação fluente e contínua, condição de saúde mental e crescimento.
Inversamente, distúrbios em seu encadeamento perturbam o crescimento e o
desenvolvimento, produzindo estagnação e movimento regressivo”.
Apesar destes momentos em que Alice bloqueava o funcionamento de sua
awareness, ela possuía desejos, como o de encontrar a pessoa certa para lhe
fazer companhia, ou o de fazer o curso técnico de enfermagem, o que é positivo,
pois de acordo com Polster & Polster (2001, p. 232):
A awareness dos desejos, como a awareness de qualquer experiência, é uma função de orientação. Ela dirige, mobiliza, canaliza, foca. Um desejo é um radar para o futuro. As pessoas que não têm desejos – pessoas deprimidas, por exemplo – não têm futuro. Tudo parece sem valor e sem esperança; assim, nada tem importância suficiente nem para ser desejado. Se acontecer algo, e se a pessoa deprimida não estiver dessensibilizada demais, talvez ela possa reconhecer o acontecimento, mas sua própria experiência não se inclina para nada.
Nos atendimentos finais, a estagiária iniciou o desligamento do processo
psicoterápico, questionou Alice sobre como se sentia antes de iniciar o processo
psicoterapêutico, responde que se sentia como o cocô do cavalo do bandido , e
solicitada a dar seu depoimento sobre como se sentia naquele momento, se
descreveu das seguintes formas: os monstros que estavam dentro de mim
agora saíram... antes eu era sisuda, hoje dou risad as, estou de bem comigo,
a minha mãe diz que eu pareço ser uma adolescente.. . Às vezes me
incomodo com meu filho, mas consigo superar... para tudo antes perguntava
o porquê, hoje penso para quê? Tento tirar as coisa s boas das situações,
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agora penso positivo antes só via o lado ruim das c oisas... tenho que tentar
para ver se dá certo, se eu não tentar não vou sabe r. O que por fim, demonstra
que a paciente também realizou a awareness de seus valores e avaliações.
Segundo Polster & Polster (2001, p. 234), “a awareness dos valores e
avaliações em geral se centra ao redor de unidades de experiência mais amplas
do que sensações, sentimentos e desejos. Ela também é uma atividade
unificadora, incluindo e resumindo grande parte da vida anterior do indivíduo e sua
reação a ela”.
Concluindo esta análise, percebeu-se neste trabalho a importância da
relação terapêutica e do trabalho do terapeuta em funcionar como “pano de fundo”
para o progresso no crescimento do paciente, o que pode ser especificado através
do que Polster & Polster (2001, p. 34) citam sobre o modo como lidam com o
processo psicoterapêutico:
Em vez de brincar com jogos de adivinhação intelectual, preferimos que um paciente penetre em sua própria experiência, confiando que quando ele obtiver um senso claro do que está acontecendo dentro de si, seu próprio senso de direção o impelirá para a experiência que deve vir a seguir. Sua dinâmica interior precisa ser reconhecida e despertada de novo. [...] sempre que as pessoas conseguem descrever, ou pelo menos entrar em contato com sua própria experiência, as conversas movem-se para cima, na direção de uma maior absorção.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como apontamos nos aspectos metodológicos, as últimas quatro sessões
não puderam ser analisadas, pois o relatório teve de ser entregue antes da
conclusão dos atendimentos. Porém, de maneira alguma o presente trabalho foi
prejudicado ou empobrecido devido à falta destas sessões, já que a paciente
apresentou claramente seu processo de crescimento pessoal e de awareness,
percebendo-se melhor no mundo, reescrevendo sua história pessoal e de
relações.
Quanto às gestalten fechadas referimo-nos às suas vitórias referentes à
bulimia e auto-estima: à forma com que passou a se relacionar com os filhos,
família e a estabelecer limites ao ex-marido; às suas relações com o trabalho e no
ambiente de trabalho; ampliou seu círculo de amigos; e a conquista de um novo
namorado, ao que, no início do processo psicoterapêutico constam no discurso
introjeções de preconceitos sobre os homens, abandonadas posteriormente.
Em momento algum a terapeuta-estagiária lhe disse o que deveria ou não
fazer, já que este não é o papel do terapeuta, mas sim, auxiliou Alice a perceber-
se, assim como visualizar sua percepção sobre os outros.
Desta forma, Alice começou a instaurar seu processo de awareness, já que
aprendeu a vivenciar suas experiências no aqui e agora, prestando atenção no
que sentia, em como agia, em como os outros reagiam, perguntando quando tinha
dúvidas ao invés de fantasiar e sofrer com a ansiedade, agindo mais e pensando
(fantasiando) menos.
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Assim, Alice foi se mostrando cada vez menos resistente, mais ágil e
responsiva no seu cotidiano, podendo fazer discernimentos entre a paciente inicial
e em fase final de atendimento.
Não é de se surpreender, portanto, quando a paciente agride verbal e
fisicamente o primeiro namorado que teve após o divórcio, pois ela consegue
redirecionar sua energia (antes interrompida retroflexivamente, ou seja, voltando à
ação para si provocando o vômito), vivenciando e externalizando o sentimento que
traduziu como sendo ódio, sentimento este incapaz de identificar até então. A
própria paciente fica feliz e incrédula de conseguir fazê-lo ao invés de vomitar. A
insistência da terapeuta-estagiária em proporcionar à Alice a oportunidade em
estar constantemente aware do que lhe ocorre no setting terapêutico, iniciou este
“radar” na paciente.
Algo relevante observado neste Estudo de Caso, foi a importância da
awareness da própria terapeuta-estagiária, que como psicoterapeuta deve
precaver-se em não entrar em confluência com o paciente, desta forma estará
sendo ética e possibilitando um maior e melhor crescimento de sua cliente, afinal
estará envolvendo-se com o paciente, mas não com seus dilemas e dificuldades.
Portanto, terapeuta e cliente devem responsabilizar-se cada um por seu processo,
o terapeuta em facilitar a caminhada do paciente, e este por final, por desejar
verdadeiramente as mudanças em seu comportamento, percepção, atos e ao
todo, sua vida.
Em nossa opinião, depois de já ter atendido pacientes enquanto acadêmica,
e ter realizado a análise deste caso, é visível a diferença existente na resistência
dos pacientes de um caso para o outro, como existem pacientes que insistem em
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se congelar ou andar em círculos em situações que os fazem sofrer, enquanto
outros são extremamente rápidos em fechar suas gestalten. Concluímos que por
mais confuso que o paciente se encontre, ele percebe e sabe que se engana e
resiste, sendo que às vezes repete seus jogos de manipulação, suas neuroses,
com o terapeuta.
Alice era uma paciente que possuía dificuldades, mas também se
apresentou verdadeira, dedicada e preocupada com seu processo
psicoterapêutico, demonstrou de certa forma, uma paciente tranqüila para
estabelecer a relação psicoterapêutica, e o autodescobrir-se e autoperceber-se
em awareness foi a conseqüência desse posicionamento.
Outro ponto que muito contribuíu com o processo da paciente, foi que esta
foi atendida fundamentando-se na abordagem da Gestalt-Terapia, pois
acreditamos que por se tratar de uma teoria dinâmica e sensorial, “encaixa-se”
perfeitamente com o caso, ao passo que o principal dilema desta paciente
encontrava-se em torno de suas dificuldades em sentir e aceitar emoções como a
raiva, e de exteriorizá-las ao invés de conter-se e retroflexionar vomitando, ou
ainda, responsabilizando-se pelo que pertencia aos outros e assim
sobrecarregando-se. Mesmo quando Alice se utilizava de algum mecanismo de
defesa resistindo de tornar-se aware de algum sentimento ou situação, esta se
mostrava aware de sua resistência, dizia coisas como: eu sei que não estou
fazendo nada para mudar .
Ao final desta monografia conseguimos aprender mais sobre a awareness.
Aprendemos que ela é um processo deveras importante na psicoterapia, que
depende do contato, da auto-aceitação, do responsabilizar-se por seus atos e do
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diferenciar-se dos outros. Não foi apenas Alice quem saiu fortalecida desse
processo, este também é mais um passo no nosso crescimento não somente
como psicoterapeuta, mas também como paciente e como pessoa.
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6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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