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Gestao Da Inovacao - Paulo Tigre

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Inovação

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    "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando pordinheiro e poder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo nvel."

  • Gesto da Inovao

    A Economia da Tecnologia no Brasil

    Paulo Bastos Tigre

    CONSULTORIA EDITORIAL

    Andrea Lago da SilvaProfessora do Departamento de Engenharia de Produo da Universidade Federal de SoCarlos e Pesquisadora do GEPAI

  • Sumrio

    Capa

    Folha de rosto

    Cadastro

    Copyright

    Agradecimentos

    IntroduoParte I: Teorias econmicas da tecnologia

    Captulo 1. Teorias econmicas clssicas da tecnologiaBases Tcnicas E Institucionais Da Revoluo Industrial

    A Tecnologia E O Capitalismo

    A Tecnologia No Pensamento Econmico Clssico

    Resumo

    Leitura Complementar

    Captulo 2. A tecnologia nas vises marxista e neoclssicaAs Inovaes Da Segunda Revoluo Industrial

    O Panorama Institucional

    Marx E O Papel Da Tecnologia Na Dinmica Econmica

    A Viso Neoclssica Sobre A Firma E A Tecnologia

  • Tecnologia E Concentrao De Capital

    Equilbrio E Dinmica Tecnolgica

    Diferenciao De Produtos E Processos

    Tecnologia Endgena E Exgena

    Resumo

    Leitura Complementar

    Captulo 3. A era fordista e a concorrncia oligopolistaAs Inovaes Da Era Fordista

    Inovaes E Teorias Da Firma

    Penrose E O Crescimento Da Firma

    Schumpeter E A Destruio Criadora

    O Progresso Tcnico Na Economia Convencional

    Resumo

    Leitura Complementar

    Captulo 4. O ps-fordismo e as novas teorias da firma e da tecnologiaO Contexto Tcnico E Institucional Do Final Do Sculo XX

    Impactos Econmicos E Organizacionais DasTIC

    Neosschumpeterianos E Evolucionistas

    Aprendizado Cumulativo

    A Viso Neoinstitucionalista Da Tecnologia

    Ciclos Econmicos De Longo Prazo

    Resumo

    Leitura Complementar

    Parte II: Inovao e competitividade

    Captulo 5. Inovao e difuso tecnolgicaConceitos De Mudana Tecnolgica

    Tipos De Inovaes

    Fatores Indutores Da Mudana Tecnolgica

  • O Processo De Difuso Tecnolgica

    Indicadores De Inovao Tecnolgica

    Resumo

    Leitura Complementar

    Captulo 6. Fontes de inovao na empresaFontes De Conhecimento Para A Inovao

    Desenvolvimento Tecnolgico Prprio

    Transferncia De Tecnologia

    Tecnologia Incorporada Em Bens De Capital E Insumos Crticos

    Conhecimento Tcito E Codificado

    Aprendizado Cumulativo

    Tecnologia Industrial Bsica (TIB)

    Propriedade Intelectual

    Fontes De Inovao Na Indstria Brasileira

    Resumo

    Leitura Complementar

    Captulo 7. Setor de atividades, tamanho da firma e localizao geogrficaInovao E Setores De Atividades Econmicas

    Produtores De Commodities

    Setores Tradicionais

    Produtores De Bens Durveis E Seus Fornecedores

    Setores Difusores Do Progresso Tcnico

    Inovaes Em Servios

    Inovao E Tamanho Da Firma

    Sistemas De Inovao E Arranjos Produtivos Locais

    Resumo

    Leitura Complementar

    Captulo 8. Inovao e competitividade internacional

  • Tecnologia E Competitividade Internacional

    Hiato De Produtividade

    Padro De Especializao E Competitividade Internacional

    Fluxos Internacionais De Tecnologia

    Necessidades Tecnolgicas Das Empresas Exportadoras

    Acordos Multilaterais De Comrcio E Tecnologia

    Resumo

    Leitura Complementar

    Parte III: Gesto da inovao

    Captulo 9. Inovao e estratgia competitivaConceitos De Estratgia

    Estratgia Ofensiva

    Estratgia Defensiva

    Estratgia Imitativa

    Estratgia Dependente

    Estratgias Tradicional E Oportunista

    Resumo

    Leitura Complementar

    Captulo 10. Integrao entre estratgia competitiva e capacitao tecnolgicaCapacitao Tecnolgica E Estratgia Competitiva

    Necessidades De Recursos Produtivos Ao Longo Do Ciclo De Vida Do Produto

    Conflitos Entre As Vises E Metas Dos Diferentes Setores Da Empresa

    Resumo

    Captulo 11. Inovaes organizacionaisInovao Tecnolgica E Mudanas Organizacionais

    O Sistema Just In Time (JIT)

    Melhoramentos Contnuos: O Controle Da Qualidade Total

    Clulas De Produo

  • Reengenharia De Processos De Negcios

    Mudanas Na Organizao Do Trabalho E Nas Qualificaes Profissionais

    Resumo

    Leitura Complementar

    Captulo 12. Redes de firmas e cadeias produtivasRedes De Firmas E Competitividade

    Redes Hierarquizadas

    Redes No Hierarquizadas

    Agregao De Valor E Mobilidade Em Cadeias Produtivas

    Redes De Firmas, Padres Tcnicos E Propriedade Intelectual

    Resumo

    Leitura Complementar

    Captulo 13. Gesto da inovao na economia do conhecimentoO Conhecimento Como Fator De Produo

    Gesto Das Relaes Com Clientes

    Gesto Dos Custos De Transao

    Economias De Redes E Seleo Tecnolgica

    Inovaes E Economias De Escopo

    Custos De Mudana E Aprisionamento Do Cliente

    Gesto De Preos Na Economia Do Conhecimento

    Resumo

    Leitura Complementar

    Glossrio

    Bibliografia

  • Cadastro

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  • Copyright

    2006, Elsevier Editora Ltda.

    Todos os direitos reservados e protegidos pela lei no 9.610, de 19/02/1998. Nenhumaparte deste livro, sem autorizao prvia por escrito da editora, poder serreproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrnicos,mecnicos, fotogrficos, gravao ou quaisquer outros.

    Copidesque: Cludia Mello Belhassof

    Editorao Eletrnica: DTPhoenix Editorial

    Reviso Grfica: Marlia Pinto de Oliveira | Danielle Fonseca Machado

    Elsevier Editora Ltda.Conhecimento sem FronteirasRua Sete de Setembro, 111 16o andar20050-006 Centro Rio de Janeiro RJ Brasil

    Rua Quintana, 753 8o andar04569-011 Brooklin So Paulo SP

    Servio de Atendimento ao [email protected]

    ISBN 13: 978-85-352-1785-8ISBN 10: 85-352-1785-8ISBN (verso eletrnica): 978-85-352-6734-1

    Nota: Muito zelo e tcnica foram empregados na edio desta obra. No entanto,podem ocorrer erros de digitao, impresso ou dvida conceitual. Em qualquerdas hipteses, solicitamos a comunicao ao nosso Servio de Atendimento aoCliente, para que possamos esclarecer ou encaminhar a questo.Nem a editora nem o autor assumem qualquer responsabilidade por eventuaisdanos ou perdas a pessoas ou bens, originados do uso desta publicao.

  • CIP-Brasil. Catalogao-na-fonte.Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

    T448g Tigre, Paulo Bastos, 1952-Gesto da inovao: a economia da tecnologia do Brasil / Paulo BastosTigre. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. 7a reimpresso. il.

    Inclui bibliografiaISBN 85-352-1785-8

    1. Inovaes tecnolgicas Aspectos econmicos Brasil. 2.Tecnologia Administrao Brasil. 3. Desenvolvimentoorganizacional Brasil. 4. Administrao Efeito das inovaestecnolgicas Brasil. I. Ttulo.

    CDD 658.406-1679CDU 65.011.4

  • Agradecimentos

    Este livro produto da colaborao de muitas pessoas com as quais tive oprivilgio de trabalhar em projetos de ensino, pesquisa e consultoria em inovao.Sou grato a todos que direta ou indiretamente contriburam para a concepo dasideias, conceitos e argumentos aqui contidos. Infelizmente no poderia cit-losnominalmente com a devida preciso e justia e assim fao um agradecimentoconjunto, enfatizando que este trabalho fruto de um processo coletivo deaprendizagem e busca de conhecimento.

    Na elaborao do livro, contei com a ajuda inestimvel de alunos do curso deEconomia da Tecnologia do Instituto de Economia da UFRJ. O texto foiprogressivamente testado em 2005 e 2006 em salas de aula, quando tive aoportunidade de identificar nas dvidas e inquietaes dos alunos asinconsistncias das verses iniciais. Muitos deles contriburam diretamente para omelhoramento do texto por meio de crticas e sugestes que permitiram clarificar eaprofundar conceitos, casos e anlises.

    Um agradecimento especial devido aos colegas que generosamente cederamseu tempo escasso para ler e comentar o texto. Em uma empreitada admirvel,Francisco Teixeira, Reinaldo Gonalves, Felipe Marques, Renata La Rovere, VniaCury, Jorge Katz, Lia Hasenclever, Anne-Marie Maculan, Luis Antonio Caruso,Eduardo Viotti, Ricardo Redisch, Fabio Erber e Jos Victor Bomtempo contriburamcom seu conhecimento e experincia com crticas e sugestes valiosas. Elesnaturalmente esto eximidos de qualquer responsabilidade sobre os eventuaiserros e omisses, que so de responsabilidade exclusiva do autor.

    Por fim, agradeo a Lorraine pelo apoio afetivo para escrever este livro e tambmpor suas crticas e sugestes inteligentes, que ajudaram a tornar o texto maisagradvel de ser lido. Dedico este livro a voc e a nossos filhos Antonio, Vicente,Andr, Ricardo e Marcos.

  • Introduo

    Ainovao tecnolgica constitui uma ferramenta essencial para aumentar aprodutividade e a competitividade das organizaes, assim como para impulsionaro desenvolvimento econmico de regies e pases. O desenvolvimento no derivade um mero crescimento das atividades econmicas existentes, mas residefundamentalmente em um processo qualitativo de transformao da estruturaprodutiva no sentido de incorporar novos produtos e processos e agregar valor produo por meio da intensificao do uso da informao e do conhecimento. Omundo est cheio de exemplos recentes de pases que vm conseguindo superar osubdesenvolvimento graas a investimentos em educao e tecnologia e entradabem-sucedida em setores mais inovadores e dinmicos da economia mundial. Odesenvolvimento depende essencialmente de transformaes que gerem empregosmais qualificados, criem novas formas de organizao, atendam a novasnecessidades dos consumidores e melhorem a prpria forma de viver.

    Do ponto de vista empresarial, as empresas mais dinmicas e rentveis domundo so justamente aquelas mais inovadoras que, em vez de competir emmercados saturados pela concorrncia, criam seus prprios nichos e usufruem demonoplios temporrios por meio de patentes e segredo industrial. A gerao eapropriao de inovaes, entretanto, um processo complexo que depende noapenas das qualificaes e dos recursos tcnico-financeiros detidos pela firma, mastambm do ambiente institucional no qual est inserida e do poder de negociaocom fornecedores e clientes.

    Este livro explora os diferentes aspectos relacionados economia e gesto dainovao em empresas e organizaes, uma rea do conhecimento que principalmente multidisciplinar. A organizao da produo objeto de estudo deengenheiros de produo e administradores; a anlise dos processos de inovao edifuso tecnolgica est assentada na contribuio de especialistas em tecnologia;os impactos sociais e econmicos e os mecanismos de incentivo inovao socampos de estudos compartilhados por economistas e socilogos, enquanto aspolticas pblicas de inovao recebem o aporte terico de cientistas polticos. Aliteratura relacionada inovao, apesar dos esforos de integrao, aindaencontra-se fragmentada entre diferentes reas do conhecimento, que adotamfocos de anlise e metodologias distintas. Por meio deste livro, procuramoscontribuir para a formulao de uma viso mais integrada, reunindo esistematizando trinta anos de experincia em pesquisa, ensino, consultoria e gesto

  • empresarial na rea de inovao, pautada principalmente na realidade brasileira. Otexto apoiado por estudos de casos nacionais, assim como leiturascomplementares recomendadas e um glossrio que esclarece conceitos edefinies.

    O foco na realidade brasileira visa a preencher lacunas na literaturainternacional, mesmo a relativa s questes de pases em desenvolvimento, queno atende s particularidades e singularidades do nosso pas. As teorias foramformuladas em pases mais desenvolvidos, onde a economia mais estvel e oambiente de negcios gera menos incertezas. O Brasil tem a contradio deapresentar caractersticas tecnolgicas tpicas de pases em desenvolvimento, aexemplo da pouca escolaridade da fora de trabalho e da baixa intensidadetecnolgica de grande parte da atividade econmica e, por outro lado, reunircomprovada capacitao para desenvolver e utilizar tecnologias avanadas emvrias reas do conhecimento. Isso coloca o pas em uma situao sui generis para oenquadramento em modelos analticos sobre inovao, exigindo um tratamentoespecfico que combine a literatura internacional com a anlise das caractersticaslocais.

    O livro est organizado em trs partes. A Parte I analisa como as teoriaseconmicas sobre a firma vm incorporando a questo da mudana tecnolgica,desde a revoluo industrial at os dias de hoje. Para isso, foi adotada umametodologia que associa inovaes tecnolgicas ao contexto em que foramelaboradas, partindo do princpio de que a tecnologia no neutra nem sedesenvolve sem as condies institucionais apropriadas. O argumentodesenvolvido nos quatro captulos iniciais que a mudana tecnolgica provocatransformaes no funcionamento da economia que no so facilmenteincorporadas pelas teorias econmicas. A anlise da evoluo das teorias da firma esua relao com paradigmas tcnico-econmicos distintos mostram que no existeum corpo terico nico e coerente, pois as teorias esto condicionadas pordiferentes filiaes metodolgico-tericas, enfocam aspectos distintos e baseiam-seem contextos institucionais, histricos e setoriais diversos.

    A Parte II aborda os aspectos meso-econmicos que caracterizam a relao entreinovao e competitividade. Inicialmente revemos os conceitos de inovao edifuso tecnolgica, seus fatores condicionantes e indicadores. Em seguida,discutimos o papel das diferentes fontes de tecnologia para a competitividadeempresarial, com nfase na realidade brasileira, para ento examinar o papel detrs importantes fatores condicionantes da inovao empresarial: o setor deatividades em que a empresa se insere, sua localizao regional e as limitaes eoportunidades para inovao segundo o porte da empresa. Por fim, so analisadosos impactos da mudana tecnolgica sobre a competitividade internacional, assimcomo examinada a demanda tecnolgica das empresas exportadoras brasileiras.

    A Parte III trata da gesto da inovao propriamente dita, uma atividade que sedesenvolve no contexto microeconmico. O principal argumento que o sucesso na

  • introduo de novas tecnologias depende do matching entre a oferta deconhecimentos e a capacidade de as empresas absorverem eficientemente novosequipamentos, sistemas e processos produtivos. Inicialmente so apresentadas asdiferentes estratgias tecnolgicas adotadas pelas empresas, mostrando que asopes no so necessariamente voluntrias, pois dependem da capacitao tcnicada empresa, sua fora financeira e das condies dos mercados em que atuam. Umbom produto ou processo apenas uma das variveis a ser considerada naformulao de uma estratgia competitiva e as decises tecnolgicas precisam estarem harmonia com o modelo de negcios adotado pelas empresas. Apresentamostambm as principais mudanas na organizao da produo de bens e serviosdesencadeadas a partir do ltimo quartil do sculo passado e o processo deinovao organizacional coletivo caracterstico das redes de firmas, destacando: (i)a relao entre redes de firmas e competitividade; (ii) as formas de estruturaodas redes segundo modelos de hierarquia e coordenao; e (iii) a mobilidade dasempresas dentro das redes. O ltimo captulo discute as oportunidades abertaspelas tecnologias da informao para inovar e criar novas prticas de gestoempresarial.

  • PARTE ITeorias econmicas da tecnologiaCaptulo 1 Teorias econmicas clssicas da tecnologiaCaptulo 2 A tecnologia nas vises marxista e neoclssicaCaptulo 3 A era fordista e a concorrncia oligopolistaCaptulo 4 O ps-fordismo e as novas teorias da firma e da tecnologia

  • CAP T ULO 1

    Teorias econmicas clssicas da tecnologiaArevoluo industrial constitui um divisor de guas na histria econmica doOcidente, dados seus impactos sobre o crescimento da produtividade. Desdemeados do sculo XVIII observam-se sucessivas ondas de inovaes obtidas pormeio da introduo de mquinas e equipamentos, de novas formas de organizaoda produo e do desenvolvimento de novas fontes de materiais e energia. Paraanalisar o pensamento sobre o papel da inovao na competio e nofuncionamento das empresas, necessrio conhecer o contexto histrico, tcnico,econmico e institucional nos quais as diferentes teorias foram formuladas. Asteorias no so elaboradas no vazio, referindo-se em maior ou menor grau a umarealidade emprica, representada pelo tipo de indstria, tecnologia e ambiente denegcios que caracteriza cada poca. Entendemos que mesmo as teorias maisabstratas, apoiadas em mtodos pretensamente mais cientficos, estoindiretamente relacionadas a uma viso real ou idealizada do funcionamento daeconomia.

    Este captulo inicia nosso estudo sobre a economia da inovao abordando agnese do pensamento econmico sobre a tecnologia. Utilizando uma metodologiacomum aos demais captulos da Parte I, que consiste em associar as teoriaseconmicas ao seu contexto histrico-institucional e s grandes ondas de inovaesde suas pocas, mostraremos as principais transformaes tecnolgicas queocorreram a partir do sculo XVIII at meados do sculo XIX, quando ocorreu achamada Primeira Revoluo Industrial. Nesse perodo, surgiram grandesinovaes, como a mquina a vapor e a automao da manufatura, dando origem sprimeiras interpretaes dos autores clssicos Adam Smith e David Ricardo sobre o papel da tecnologia na criao de riquezas.

  • Bases tcnicas e institucionais da RevoluoIndustrialAt meados do sculo XVIII, quando efetivamente se inicia a primeira revoluoindustrial, a agricultura era a principal atividade econmica em todo o mundo. Asmercadorias eram feitas individualmente de forma artesanal e nenhum produtoera exatamente igual ao outro. O conceito de fbrica ainda no existia, apesar dealgumas corporaes desenvolverem trabalho cooperativo, permitindo umprocesso de aprendizado profissional organizado hierarquicamente do aprendiz aomestre. Sem a utilizao de mquinas e processos organizacionais voltados para amelhoria da produtividade, o aumento da produo dependia de um aumentoproporcional dos fatores de produo utilizados. Assim, para dobrar a produo,dobrava-se o nmero de trabalhadores, a quantidade de insumos e a rea dasoficinas, replicando as formas de produo preexistentes.

    A Revoluo Industrial foi uma experincia inusitada na histria da humanidade.Segundo Landes (1969), as transformaes anteriores, polticas ou econmicas,sempre haviam acabado por se estabilizar em uma nova posio de equilbrio. Masesta revoluo claramente continuava e prometia prosseguir indefinidamenteapesar dos esforos de seus opositores para reduzir seu ritmo. A difuso dasinovaes inicialmente lenta e concentrada na indstria txtil e, em menormedida, na fabricao de ferro. Mas, no final do sculo XVIII, quando Adam Smithescreveu A Riqueza das Naes, a revoluo industrial j estava efetivamente emmarcha, promovendo o aumento da produtividade e o crescimento econmico.

    Uma sucesso de inovaes tecnolgicas, iniciadas nas etapas de fiao e emseguida na tecelagem, permitiu que o custo de produo dos tecidos baixasserapidamente, estimulando a expanso do mercado atravs do mecanismo deelasticidade-preo da demanda. A queda do preo do tecido de algodo n.100, quepassou de 38 shillings em 1786 para apenas seis em 1807, mostra como os aumentosde produtividade acabaram sendo transferidos aos preos, beneficiandoconsumidores e expandindo a indstria (Freeman, 1997:38). Tal revoluoconcentrou-se na Inglaterra, tendo sido necessrias muitas dcadas para queoutros pases alcanassem um nvel semelhante de industrializao. Em 1820, cercade 60% da produo britnica de produtos txteis era exportada e os tecidospassaram a ser a maior commodity industrial do mundo.

    Um conjunto de fatores de ordem tcnica, institucional, social e econmicaexplica o surgimento da revoluo industrial na Inglaterra e sua gradativa migraopara a Europa continental e a Amrica do Norte. A mudana tecnolgica no umprocesso automtico, pois representa a substituio de mtodos j estabelecidos,causando prejuzo ao capital investido. necessrio haver uma combinao defatores que incitem essa mudana e a possibilitem. Nesse sentido, Landes (1969)

  • aponta dois fatores preponderantes: (1) uma oportunidade de aperfeioamentoem razo da inadequao das tcnicas vigentes ou uma necessidade deaprimoramento criada por aumentos autnomos dos custos dos fatores; e (2) umasuperioridade de tal ordem que os novos mtodos fossem compensatrios paracobrir os custos de mudana. Somente uma forte combinao de incentivospoderia ter levado os empresrios a aceitarem essas mudanas e superarem aresistncia dos trabalhadores mecanizao.

    Historicamente, cincia e tecnologia tiveram caminhos separados. Na poca deGalileu, por volta de 1600, a Europa comeava a assumir a liderana cientficamundial, posio desempenhada at ento pelos chineses, que inventaram o papele a plvora, e os rabes, que herdaram a lgebra e a geometria dos gregos edesenvolveram aplicaes dessas cincias muito antes de o Renascimento terchegado Europa. No sculo XVII, grande parte do continente europeu j haviaabsorvido os conhecimentos orientais e dado os primeiros passos para assumir aliderana cientfica mundial. Apesar desse avano, o continente no se diferenciavamuito do restante do mundo em termos de riqueza, fato que somente veio aocorrer com a revoluo industrial. As preocupaes da cincia tinham um carteressencialmente filosfico, buscando explicar os fenmenos naturais que tantodespertavam a curiosidade humana. Ao introduzir a noo de mtodo cientfico,propondo sistematizar o tratamento analtico atravs da experimentao, Galileucontribuiu decisivamente para o avano cientfico do Ocidente sem, contudo, afetaro ritmo e a direo do progresso tecnolgico.

    As inovaes ocorridas nas etapas iniciais da revoluo industrial eram denatureza essencialmente prtica, desenvolvidas por mecnicos, ferreiros ecarpinteiros engenhosos praticamente sem formao cientfica. A cincia noconstitua uma resposta ao objetivo de aumentar a produo de bens, de forma aatender s necessidades humanas. Os vnculos entre cincia e tecnologiacomearam a se estreitar com a fundao da Escola Politcnica por NapoleoBonaparte, visando formar engenheiros de alto nvel para seus esforos militares.

    Entretanto, o uso comercial da cincia s veio ocorrer efetivamente no final dosculo XIX, quando surgiram os laboratrios de pesquisa empresariaisdirecionados a aplicar mtodos e conhecimentos cientficos ao desenvolvimento denovos produtos e processos. Thomas Edson criou o primeiro laboratrio depesquisa e desenvolvimento com propsitos comerciais no mundo, apelidado porele de fbrica de invenes. Tal iniciativa s foi possvel em funo dosurgimento de um mercado capitalista com poder de consumo, resultado daprpria Revoluo Industrial. Por outro lado, a cincia s passou a influenciardiretamente o progresso tcnico quando a tecnologia industrial passou do mundovisvel das polias e engrenagens para o campo invisvel do eletromagnetismo e dasreaes qumicas.

    As inovaes ocorridas na Revoluo Industrial podem ser agrupadas em trsprincpios: a substituio da habilidade e do esforo humano pelas mquinas

  • rpidas, constantes e incansveis; a substituio de fontes animadas de energia porfontes inanimadas, em especial a introduo de mquinas para converter o calorem trabalho; e o uso de matrias-primas novas e muito mais abundantes,sobretudo a substituio de substncias vegetais ou animais por minerais. Aaplicao desses princpios permitiu um progressivo aumento autossustentado naprodutividade e na renda, motivando um fluxo ininterrupto de investimentos einovaes tecnolgicas. O efeito combinado das invenes acabou por ter umimpacto radical nos processos produtivos, dando origem Revoluo Industrial. Aintroduo da maquinaria e da diviso do trabalho na indstria txtil pode serdestacada como ncleo da chamada Primeira Revoluo Industrial, comoveremos a seguir.

    Automao Da Indstria TxtilA primeira unidade produtiva organizada de forma a permitir a automao e adiviso do trabalho foi uma tecelagem acionada por roda-dgua construda em1719 perto de Derby, na Inglaterra. O novo conceito de fbrica introduz no apenasmquinas que automatizam a fora humana, mas principalmente mudanas naorganizao da produo, visando especializar os trabalhadores e aprofundar suacapacitao. Contnuas inovaes, geralmente introduzidas de forma annima,permitiram um salto de produtividade no final do sculo XVIII reduzindo onmero de horas de operao necessrias para produzir tecidos de algodo emmais de uma ordem de magnitude. A fora humana e a trao animal foramsubstitudas pela mquina a vapor. Como observou Adam Smith (1776), aintroduo de novos equipamentos e processos produtivos resultava em melhoriasincrementais obtidas pela melhor combinao de princpios mecnicos bsicoscomo alavancas, catracas, polias, engrenagens e roldanas. As melhorias tambmeram derivadas da observao prtica sobre diferentes formas de organizarmquinas e trabalhadores.

    O principal fator indutor das inovaes na indstria txtil era a acelerao doprocesso produtivo de forma a obter economias de tempo. A organizao dosprocessos de produo visava coordenar o uso de mquinas de forma a eliminargargalos e acelerar o ritmo de produo. O aumento contnuo da produtividade dotrabalho obtida pela substituio de teares manuais por mecnicos permitiu orpido declnio dos preos e o crescimento na popularidade dos tecidos de algodo.

    As inovaes na indstria txtil surgem em uma sequncia de desafio e respostaa situaes de desequilbrio ao longo da cadeia produtiva. Inovaes em uma etapada cadeia contribuam para agravar o desequilbrio nas demais etapas, pois aoaumentar a produtividade de uma tarefa criava gargalo nas demais. Por exemplo, odesenvolvimento das fiadeiras de fusos e dos filatrios contnuos aumentou tanto aprodutividade e a oferta de fios de algodo no final do sculo XVIII que foramnecessrios aperfeioamentos na etapa seguinte da cadeia (tecelagem) para reduzir

  • a dependncia que criou junto aos teceles manuais que vivenciaram ento suafase urea. Nesse processo, as pequenas conquistas foram to importantes quantoas mudanas iniciais mais radicais, pois nenhuma inovao chega indstria emsua forma perfeita. Inmeros ajustes e aperfeioamentos foram necessrios paraque as mquinas pudessem operar comercialmente de forma mais integrada.

    O Desenvolvimento Da Mquina A VaporA mquina a vapor constitui o grande cone dessa poca, apesar de ter sido poucoempregada inicialmente em funo da baixa qualidade do ferro utilizado em suafabricao e de seu baixo rendimento energtico inicial. A tecnologia a vaporevoluiu visando aumentar sua eficincia energtica, ou seja, produzir mais fora ecalor com a mesma quantidade de combustvel, por meio de mltiplosaperfeioamentos quase sempre annimos: melhores materiais, nveis detolerncia mais restritos, a introduo de vlvulas e medidores de segurana, aadoo de um carvo especialmente adequado produo de vapor e a compilaode informaes precisas sobre o desempenho das mquinas em condiesdiferentes.

    Algumas grandes invenes, atribudas a gnios individuais, permitiram saltosfundamentais no sentido de viabilizar as aplicaes comerciais da mquina a vapor.Savery desenvolveu em 1698 sua mquina de aquecer sem ter, no entanto,aplicao prtica vivel. Poucos anos depois, o ferreiro Thomas Newcomendesenvolveu a primeira mquina verdadeira, ou seja, um dispositivo de gerao defora que era transmitida a uma mquina que executava o trabalho desejado. Amquina de Newcomen continha uma bomba separada do cilindro que recebia ovapor. O problema era que os cilindros produzidos com o ferro ento disponvelapresentavam pouca resistncia fsica. Quando a presso aumentava, os cilindrosse rompiam, impedindo a operao em alta presso. Em consequncia, orendimento da mquina era de apenas 1%, ou seja, 100 unidades de energia eramtransformadas em apenas uma unidade de fora. Nessas condies, a nicaaplicao economicamente vivel da mquina de Newcomen foi o bombeamentode gua das minas de carvo, j que junto mina o insumo energtico eraamplamente disponvel. Tal aplicao pioneira permitiu que a produocarbonfera inglesa duplicasse no perodo de 1700 a 1750 (Moreno, 1999),contribuindo decisivamente para a substituio do carvo vegetal, cuja ofertadeclinava com o fim das florestas naturais, pelo carvo mineral.

    Outro passo fundamental foi dado por Watt, que construiu um condensador(patente de 1769) que permitiu economizar a energia que antes era desperdiadano reaquecimento do cilindro a cada golpe do pisto. A inovao consideradadecisiva para a viabilizao do vapor, no apenas em razo da economia decombustvel, mas tambm por abrir caminho para os aumentos contnuos deeficincia que permitiram sua aplicao em todos os ramos da economia,

  • transformando o engenho a vapor em uma mquina motriz universal.Uma inovao puxa outra: o uso do carvo mineral na metalurgia permitiu

    melhoramentos na qualidade do ferro. Com cilindros mais resistentes presso,foi possvel desenvolver mquinas a vapor mais eficientes e menores, passveis deserem utilizadas economicamente na indstria e nos transportes ferrovirio emartimo. O conceito de vago sobre trilhos utilizando trao humana e animal jexistia havia muitos anos nas minas de carvo. A reduo do peso e do tamanho damquina a vapor permitiu combinar duas inovaes pouco difundidas em uma dastecnologias mais revolucionrias da era moderna.

    Alm do aspecto tecnolgico, a Revoluo Industrial inglesa foi produto de umasociedade mais liberal e aberta ao capitalismo, da realizao de investimentospblicos e privados prvios em meios de transportes (principalmente fluviais), dareduo da cobrana privada de pedgio e outros privilgios historicamentedetidos por nobres e grandes proprietrios de terras, de um Estado burocrtico queoferecia a transparncia e a estabilidade poltica propcias atividade empresarial,do poder de compra mais elevado da populao frente Europa continental, assimcomo de uma melhor distribuio de renda, que favoreciam a produo de bensmais padronizados e, portanto, mais adaptados manufatura fabril.

  • A tecnologia e o capitalismoPara Marx, a inveno da mquina a vapor foi um fator essencial para o avano docapitalismo. Ele entendia que a relao entre tecnologia e sociedade no eradeterminista, pois um sistema econmico no poderia ser moldado apenas pelatecnologia, visto que dependia fundamentalmente das instituies polticas esociais. H, entretanto, um processo de forte interao entre a direo tecnolgica eo regime de acumulao. A partir da Revoluo Industrial, o desenvolvimentotecnolgico passou a servir ao processo de acumulao de capital e apresentar umvis de substituio de trabalho por mquinas. A competio entre empresas exigiaa constante renovao dos mtodos produtivos, de forma a reduzir custos deproduo e introduzir novos produtos. Para Marx, o capitalismo no se sustentavasem a constante transformao das formas de produo.

    O fato de o capitalismo ter antecedido a Revoluo Industrial pode sercomprovado pelo aparecimento de formas tipicamente capitalistas de produoantes mesmo do surgimento das fbricas. O sistema produtivo conhecido comoputting-out introduziu as relaes capitalistas na manufatura quando esta atividadeainda era essencialmente artesanal. Esse sistema, bastante utilizado a partir dosculo XVIII, se assemelha s prticas de faco (ou terceirizao) utilizadas athoje na indstria de confeces. Atravs do putting-out, o processo produtivo deixade ser feito inteiramente dentro de oficinas corporativas, como era a prtica desdea era medieval, para ser faccionado, coordenado e financiado por um empresriocapitalista. Mesmo sem ter uma fbrica, o empresrio controla as diferentes etapasdo processo produtivo, adquirindo, por exemplo, a l e o algodo de agricultores,repassando a matria-prima a uma oficina de fiao, depois a uma casa detecelagem e finalmente a outra oficina para ser tingido e acabado. O capitalista seapropria, assim, do resultado da produo, pagando pelo trabalho e vendendo oproduto final com lucro no mercado. O putting-out muda as relaes de produona medida em que retira dos artesos a propriedade sobre o produto final de seutrabalho.

    O advento da fbrica acrescentou dois aspectos novos ao sistema putting-out queforam fundamentais para a consolidao do capitalismo na indstria. O primeirofoi concentrar artesos independentes em um mesmo teto, facilitando a logsticade transportes e a diviso de trabalho. O segundo foi a introduo de automao,atravs de mquinas e equipamentos que aumentavam a produtividade e reduziama dependncia do trabalho artesanal. O capital fsico (imveis e ferramentas), queantes pertencia aos prprios artesos, passou a ser de propriedade do capitalista.Antes, portanto, de as novas tecnologias manufatureiras serem introduzidas pelaRevoluo Industrial, j estavam ocorrendo mudanas nas relaes sociais,transformando o arteso independente em trabalhador assalariado e transferindo apropriedade dos bens de produo aos capitalistas.

  • O capital encontrou na tecnologia e na manufatura uma oportunidade de sereproduzir em escalas muito superiores permitida pela atividade mercantil. Asinovaes do sculo XVIII e XIX ofereceram uma oportunidade mpar para ocapitalismo, que, por sua vez, estimulou o desenvolvimento tecnolgico atravs doinvestimento produtivo. O dinamismo dessas variveis est de tal forma imbricadoque se torna ocioso discutir o clssico dilema: a tecnologia determina o social ou osocial determina o tecnolgico?. Tal qual a questo do ovo e da galinha, tal litgiono tem soluo objetiva. A tecnologia precisa de condies institucionaisadequadas para se difundir, enquanto a ordem econmica e social influencia adireo assumida pelo desenvolvimento tecnolgico. Nesse sentido, odesenvolvimento tecnolgico no neutro, assumindo a direo apontada pelasforas econmicas e sociais em um processo de interao dialtica.

    A Revoluo Industrial no dependeu, portanto, apenas de inovaestecnolgicas, mas principalmente de condies institucionais favorveis aodesenvolvimento capitalista. No por acaso que ocorreu na Inglaterra, onde asforas absolutistas e feudais j haviam sido derrotadas na guerra civil de 1640 esubstitudas por um parlamento constitucional. Marx identifica na acumulaoprimitiva de capital em atividades mercantis a origem da implantao docapitalismo industrial. Desde a vitria sobre a armada espanhola em 1588, aInglaterra assumira o controle do comrcio internacional, passando a dominarterritrios e rotas comerciais em todo o mundo. O capital acumulado em atividadescomerciais podia ser empregado com segurana em um contexto socioinstitucionalque reconhecia e estimulava o capitalismo industrial. O parlamento oferecia aestabilidade poltica e o controle social necessrios para que a burguesia investisseseus lucros mercantis na produo manufatureira. Um sistema jurdicoindependente, que garantia a propriedade fsica e intelectual (por meio daspatentes), ofereceu as condies necessrias para que os capitalistas no corressemos riscos de expropriaes arbitrrias.

    Na pennsula Ibrica, por outro lado, regio que tambm se beneficiava pelaexplorao mercantil e colonial, o poder absolutista e a inquisio expropriavam eexpulsavam a nascente burguesia que poderia promover uma Revoluo Industrial.Os regimes feudais e mercantilistas no ofereciam estmulos ao investimentoprodutivo, dado o risco de impostos abusivos, concesses de monoplios e outrosfavores discricionrios que tornavam a atividade manufatureira altamentearriscada. Os fatores institucionais necessrios para fomentar o processo inovadorestavam, portanto, mais presentes na Inglaterra dos sculos XVIII e XIX do que emqualquer outro pas do mundo. As revolues francesa e americana no final dosculo XVIII foram eventos que abriram o caminho para que estes pases tambmentrassem na revoluo industrial, criando condies institucionais favorveis aodesenvolvimento do capitalismo.

    A histria mostra que o desenvolvimento de novas tecnologias e ativosprodutivos muito mais importante para o crescimento econmico do que a mera

  • acumulao de reservas de metais preciosos, como propunha o mercantilismo. Oouro e a prata ibricos acabaram se depreciando em relao aos produtosindustrializados, que, atravs da inovao, renovavam seu valor no mercado. Atecnologia permitiu a criao de vantagens comparativas por meio de novosprodutos e processos que economizavam recursos escassos e desenvolviam o usode novas fontes de materiais e energia.

  • A tecnologia no pensamento econmicoclssicoOs economistas clssicos tinham conscincia do papel das transformaes tcnicasno crescimento econmico, na medida em que vivenciavam o surgimento darevoluo industrial. Adam Smith e David Ricardo colocam a acumulao decapital no centro de suas anlises sobre o processo de crescimento econmico.Smith atribui o crescimento da produtividade introduo da maquinaria e diviso do trabalho, enquanto Ricardo se dedica principalmente anlise dosimpactos dessas inovaes sobre o emprego e a renda. Diferente dos fisiocratasfranceses, que atribuam o crescimento da renda nacional produtividade agrcola,eles identificam a tecnologia como principal agente transformador da economia.

    Adam Smith foi o primeiro a reconhecer a relao entre mudana tecnolgica ecrescimento econmico. Baseando-se em observaes sobre as mudanasestruturais que ocorriam na Inglaterra na poca em que escreveu A Riqueza dasNaes, ele identifica duas inovaes que favoreciam o crescimento daprodutividade: a diviso social do trabalho e os melhoramentos na maquinaria.Utilizando o famoso exemplo da fbrica de alfinetes, Smith demonstrou que,subdividindo as tarefas necessrias para a produo em diferentes etapas, em quecada trabalhador seria especializado em uma funo especfica, a produtividadeaumentava significativamente em relao ao processo artesanal, no qual todotrabalho era desenvolvido por uma nica pessoa. A inovao, para Smith, eraresultado do aprender-fazendo, ou seja, da busca pelo aperfeioamento dasformas tradicionais de realizar tarefas produtivas por meio da observao e daexperincia. Ele argumenta que atravs da diviso social do trabalho seria possvelaumentar a quantidade de trabalho realizado de trs formas diferentes: A especializao de um trabalhador em uma nica tarefa, repetida ao longo dos

    anos, permite que ele adquira maior destreza na realizao da operao,encontrando tacitamente as formas mais rpidas e eficientes de executar a tarefa.

    Tal especializao evitaria a necessidade de deslocamento ao longo da fbrica eeconomizaria o tempo necessrio para a troca de ferramentas. O produto emprocesso que deveria passar de mo em mo, uma ideia que, mais de um sculodepois, deu origem linha de montagem.

    A aplicao de mquinas adequadas a cada funo resultaria na maior facilidadede execuo e abreviao do trabalho. A fora motriz substitui a fora humana,permitindo o aumento do ritmo de trabalho e a incorporao de trabalhadoresmenos habilitados fisicamente.

    Smith atribui os melhoramentos na maquinaria ao papel dos filsofos (o termocientista s apareceu no sculo XIX), cuja atividade no fazer nada, alm deobservar tudo, e ser capaz de combinar os poderes de objetos distantes e

  • dissimilares. Essa referncia pioneira s atividades de pesquisa edesenvolvimento (P&D) tambm relacionada diviso social do trabalho. Paraele, a filosofia e a especulao se tornaram, a exemplo de outros empregos, aprincipal ou a nica ocupao de uma classe de cidados, subdividida em umgrande nmero de ramos, resultando em maior destreza e maior rapidez dotrabalho.

    Para Smith, a diviso do trabalho no era propriamente um produto da sabedoriahumana, mas sim resultado de uma implementao lenta e gradual da propensonatural do homem para negociar, mudar ou trocar uma coisa pela outra. Atravs douso das faculdades da razo e do dilogo, ocorria a especializao segundo ostalentos individuais de cada um, a exemplo das tribos primitivas, nas quais pessoasmais habilidosas se especializavam na produo de arcos e flechas, trocando-os poralimentos com os caadores. A busca de novas tcnicas para produzir com a menorquantidade de trabalho possvel, entretanto, encontrava limites pela extenso domercado. Quando o mercado muito pequeno, nenhuma pessoa pode ter oestmulo necessrio para se dedicar inteiramente a um nico trabalho. Seuargumento que determinadas ocupaes s poderiam ser realizadas em grandescidades. Smith estende esse raciocnio para o comrcio internacional, cujaintensificao ampliaria as possibilidades de diviso do trabalho. Ele adverte paraas dificuldades do comrcio entre pases, devido grande distncia geogrfica e falta de acesso apropriado, em uma era em que os transportes ferrovirio emartimo a vapor ainda no existiam. O tema da diviso internacional do trabalhofoi retomado quatro dcadas depois por David Ricardo.

    Ricardo trata da questo do progresso tcnico principalmente no captulo sobre amaquinaria do livro Princpios de Economia Poltica, editado em 1817. Ele segue opostulado de Smith de que o aumento do capital constitui a principal fonte decrescimento. Entretanto, constata que a introduo de uma nova mquina substituio trabalho humano, provocando o aparecimento do desemprego. Na medida emque o capital aumenta, h um crescimento proporcionalmente maior do uso demquinas. Com o crescimento da produo, a demanda por trabalho tambmsegue aumentando, mas em menores propores e de forma decrescente. Ricardofaz a primeira anlise econmica da questo da substituio do trabalho por capitalna indstria, abordando a questo da perda de empregos e salrios dostrabalhadores, que se tornava polmica em sua poca.

    Por volta de 1820, um garoto operando dois teares mecnicos era capaz deproduzir at 15 vezes mais do que o arteso domstico, resultando na perda deempregos e drsticas redues de salrios. O antagonismo homem-m-quinatomou propores dramticas com o movimento, liderado pelo mitolgico generalMartin Ludd, de destruio de mquinas pelos trabalhadores, como forma depreservar sua dignidade. O movimento terminou de maneira traumtica, comenforcamentos em massa em York. As ideias ludistas simbolizam at hoje oeterno conflito entre automao e emprego.

  • Os clssicos acreditavam que por meio do uso de mquinas seria possvelaumentar simultaneamente a produtividade do trabalho, a produo e a oferta demercadorias. De acordo com a lei de Say, deveriam tambm aumentar a demanda,tornando o desemprego de trabalhadores um efeito temporrio. Com o aumentoda produo, a fora de trabalho seria novamente empregada, seja na mesma ouem outras fbricas, de forma que o progresso tcnico beneficiaria toda a sociedade.Essa opinio, segundo Moreno (1999), dominou a teoria econmica do sculo XVIIIao XIX e era uma resposta ao antagonismo com que se acolheu a difuso do uso damaquinaria.

    Ricardo abandonou a viso terica da lei de Say, entendendo que os empresriospoderiam efetivamente aumentar seus lucros atravs da automao, mas que issono beneficiaria necessariamente os trabalhadores. Recorrendo a umademonstrao aritmtica, Ricardo mostra que o produto lquido1 (PL) poderiaaumentar sem um aumento proporcional no produto bruto (PB), ou seja, os lucrospoderiam aumentar independentemente do crescimento da massa salarial. Como asustentao do emprego da populao depende do PB, haveria uma diminuio nademanda pela fora de trabalho, resultando em desemprego, pobreza e mal-estar.

    Mais tarde, no captulo sobre a maquinaria da terceira edio de Princpios,Ricardo aperfeioa sua tese propondo que a introduo das mquinas comporta atransformao em capital fixo de uma parte do capital circulante empregado nopagamento dos salrios . Assim, a formao de um capital circulante adicionalseria uma condio necessria para a reintegrao dos desocupados. Ele tambmameniza seu entendimento sobre os impactos sociais negativos da automaoesclarecendo que o aumento do PL levaria forosamente a uma maior facilidadede transferir recursos para o capital. A reinverso de lucros e a necessidade deamortizar o capital investido em mquinas levariam o benefcio do aumento daprodutividade para toda a sociedade por meio da reduo de preos. Na medidaem que o aumento do consumo alimenta o investimento produtivo, surge anecessidade de empregar mais trabalhadores. Dessa forma, parte das pessoasdeslocadas na primeira etapa da automao poderia ser empregada depois.

    As concluses de Ricardo acabam por corroborar a viso de Smith de que osfrutos do progresso tcnico so distribudos para a sociedade essencialmente peloprocesso de queda dos preos em relao aos rendimentos nominais. Atransferncia dos ganhos de produtividade para os preos pressupe a existnciade concorrncia, uma condio de mercado que constitui um dos pilares das teoriasclssicas.

  • ResumoAs grandes mudanas tecnolgicas so acompanhadas de transformaeseconmicas, sociais e institucionais, pois a tecnologia no se difunde no vcuo,necessitando de regimes jurdicos, motivao econmica e condies poltico-institucionais adequados para se desenvolver. O processo de acumulao primitivade capital, associado s revolues burguesas europeias a partir do sculo XVI,criou as condies necessrias para as inovaes tcnicas que deram origem manufatura.

    Do ponto de vista tecnolgico, a revoluo industrial se caracteriza pelasubstituio da habilidade e do esforo humano pelas mquinas, pela introduode novas fontes inanimadas de energia e pelo uso de matrias-primas novas emuito mais abundantes, sobretudo a substituio de substncias vegetais ouanimais por minerais. Alm dessas inovaes tcnicas, ocorreram importantesinovaes organizacionais, a exemplo da diviso do trabalho. Cabe lembrar que asinovaes dessa poca no eram ainda produtos da cincia, mas sim deobservaes, especulaes e experimentao prtica.

    Adam Smith e David Ricardo foram pioneiros na anlise das causas econsequncias da automao da manufatura, tendo em vista suas preocupaes emidentificar a origem da riqueza das naes e seus impactos sobre renda e trabalho.A identificao da tecnologia como fator de dinamismo econmico contrasta com opensamento dos fisiocratas, que sustentavam que somente a terra ou a naturezaseria capaz de produzir algo novo. As demais atividades, como a indstria e ocomrcio, no fariam mais do que transformar os produtos da terra.

    No prximo captulo, examinaremos como a tecnologia foi tratada por Marx epela teoria econmica neoclssica que teve origem no final do sculo XIX.Utilizando a mesma metodologia adotada neste captulo, vamos relacionar opensamento econmico sobre empresas e tecnologia s grandes inovaestecnolgicas e condies socioinstitucionais desse perodo, com foco na Inglaterra,pas que foi o bero da Revoluo Industrial.

  • Leitura complementarPara aprofundar o estudo da gnese do pensamento econmico sobre a tecnologia,recomendamos a leitura dos Captulos 1, 2 e 3 de A Riqueza das Naes, de AdamSmith; dos captulos sobre a manufatura nos Princpios de Economia Poltica, deDavid Ricardo; e da Parte Quarta do Livro 1 do Capital, de Karl Marx.

    J do ponto de vista histrico, o livro de David Landes Prometeu Desacor-rentado,recentemente traduzido para o portugus e lanado pela Editora Campus-Elsevier,constitui um clssico sobre o desenvolvimento da tecnologia da RevoluoIndustrial at hoje. Para aprofundar os temas levantados nesta parte do livro,sugerimos a leitura dos Captulos 2, 3 e 4.1O conceito de produto lquido de Ricardo equivalente margem de lucro.

  • CAP T ULO 2

    A tecnologia nas vises marxista eneoclssicaNa segunda metade do sculo XIX ocorreu um aprofundamento do processo deindustrializao europeu, definido pelos historiadores como a Segunda RevoluoIndustrial. A difuso das aplicaes da mquina a vapor, aps vrias dcadas deaprimoramento tecnolgico, deu origem a um boom sem precedentes na indstriamanufatureira e nos transportes ferrovirio e martimo. A metalurgiaexperimentou uma grande expanso graas ao uso do carvo mineral e invenodo ao. A indstria txtil, por sua vez, finalizou o processo de substituio dasenergias hidrulica e humana pela mquina a vapor, aumentando a escala dosequipamentos e unidades produtivas. Nesse perodo, a Europa Continentalconseguiu equiparar-se Inglaterra em termos de desenvolvimento industrial,embora a ilha ainda mantivesse sua condio de maior potncia manufatureira domundo. Mudanas institucionais importantes foram observadas nas reas jurdica,financeira e poltica, de forma a permitir o avano do crescimento industrial.

    Do ponto de vista do pensamento econmico sobre indstria e tecnologia, esseperodo foi particularmente frtil, dando origem a duas correntes de interpretaosobre a dinmica do sistema capitalista que so at hoje influentes, emboratenham assumido direes diametralmente opostas. Por um lado, Karl Marxretoma a tradio da escola clssica, especialmente Adam Smith e David Ricardo,para elaborar sua teoria do valor-trabalho. Por outro, comea a ser desenvolvida achamada teoria neoclssica a partir dos princpios tericos de equilbrio geralestabelecidos por Leon Walras.

    As abordagens marxista e neoclssica sobre a firma e o papel da tecnologia nadinmica econmica tm muito pouco em comum, apesar de terem sido elaboradasna mesma poca e no mesmo contexto institucional da segunda revoluoindustrial. Para entender o tratamento marxista e neoclssico do progresso tcnico,precisamos rever o ambiente institucional e tecnolgico da Segunda RevoluoIndustrial britnica, iniciada na segunda metade do sculo XIX. Neste captulo,inicialmente revemos as principais inovaes e seus impactos e o ambienteinstitucional caracterstico do perodo. Em seguida, analisaremos as interpretaesbsicas das duas correntes do pensamento em relao ao funcionamento dasfirmas e dos mercados. Por fim, as ltimas sees contrastam a viso neoclssica emarxista sobre quatro aspectos particularmente importantes para o estudo daindstria e da tecnologia: (i) concentrao de capital; (ii) equilbrio; (iii)

  • diferenciao de produtos; e (iv) acesso tecnologia.

  • As inovaes da Segunda Revoluo IndustrialPor volta de 1880, apesar do surto de desenvolvimento industrial da EuropaOcidental e dos Estados Unidos, a Gr-Bretanha havia consolidado seu papel desuperpotncia. A nao que foi o bero da Revoluo Industrial era responsvel porcerca de 40% das exportaes mundiais de produtos manufaturados, contra apenas6% dos Estados Unidos. Sua superioridade organizacional e tecnolgica seexpressava tambm por uma produtividade do trabalho 14% maior do que aamericana (Lazonick, 1992). Seus industriais no temiam a concorrncia de outrospases e aceitaram a eliminao das histricas protees artificiais em relao aprodutos estrangeiros. Em consequncia, o modelo de operao das firmasbritnicas serviu como referncia para as formulaes tericas tanto de Marx comode Walras e Marshall. A Inglaterra era o modelo de excelncia que todosobservavam para aprender com sua experincia.

    Do ponto de vista tecnolgico, o perodo caracterizado pela rpida difuso damquina a vapor, da metalurgia do ferro e do ao, das ferrovias e das novas prticasna indstria qumica. Embora o uso da energia a vapor j fosse conhecido desde osculo XVIII, sua difuso em massa s ocorreu quando inovaes complementaresnos materiais e em novas fontes de energia (carvo mineral) estavam disponveis.Foi uma poca marcada pelo aprimoramento de inovaes desenvolvidasanteriormente, visando torn-las mais operacionais e econmicas. Esse perodo deamadurecimento tecnolgico e de difuso de progressos anteriores no significaausncia de criatividade. Inovaes radicais importantes, como a eletricidade, otelgrafo e o motor a combusto interna surgiram nessa poca, mas seus impactoseconmicos s sero sentidos mais profundamente no sculo XX, como veremos noCaptulo 3. A difuso do progresso tecnolgico na segunda metade do sculo XIXpode ser observada nas reas definidas a seguir.

    Transportes Ferrovirios E MartimosDesde o incio do sculo XIX, observa-se um contnuo melhoramento dos sistemasde transportes na Europa em funo do aumento da demanda e da unificaointerna dos mercados nacionais. A princpio, os melhoramentos se deram naconstruo de estradas, permitindo o uso de carroas, e no aproveitamento da viasfluviais, inclusive com a construo de canais e eclusas. Os barcos eraminicialmente puxados por cavalos que trafegavam nas margens dos canais. Oprimeiro barco a vapor foi o Clermont, desenvolvido por Fulton em 1807 paranavegar no rio Hudson nos Estados Unidos. O uso de barcos e barcaas a vaporexigia vias navegveis de maior profundidade e confiabilidade, e por isso ficoupopular no rio Mississipi e na travessia do Atlntico.

    As estradas de ferro exigiram um tempo maior para se desenvolver, dado seu

  • carter sistmico. O estabelecimento das ferrovias requeria uma srie de inovaescomplementares na tecnologia do vapor, na indstria mecnica, na qualidade domaterial e no manejo de equipamentos pesados, a exemplo do macaco a vapor edos guindastes suspensos. Stephenson construiu a primeira estrada de ferro (1818-1825), dando origem orgia ferroviria na Inglaterra nas dcadas seguintes. NosEstados Unidos, o primeiro boom ferrovirio iniciou-se na dcada de 1840 e, em1860, a rede j havia alcanado 60 mil milhas (Chandler, 1990). Na Europaocidental, as principais conexes ferrovirias s foram estabelecidas nas dcadasde 1850 e 1860. O Brasil entrou na era ferroviria em 1854, quando o Baro de Mauconstruiu a ferrovia Mau--Raiz da Serra de Petrpolis.

    Os impactos econmicos das ferrovias no podem ser subestimados. Por umlado, foi possvel incorporar mercados antes isolados pelos altos custos detransportes e adicionar novas fontes produtoras de matrias-primas e alimentos.Por outro, criou-se uma demanda de ferro sem precedentes em uma amplavariedade de formas acabadas que iam de itens relativamente simples, como trilhose rodas, at motores e mquinas complexas, dando impulso metalurgia e indstria mecnica.

    Indstria TxtilPor volta de 1870, a Inglaterra j havia substitudo os teares manuais e a maioriados moinhos hidrulicos pioneiros da Revoluo Industrial por mquinasautomticas movidas a vapor. A partir de ento, o desafio passou a ser obter ganhosde produtividade por meio de inovaes mecnicas incrementais e da soluo degargalos, formados por elos da cadeia produtiva que ficaram margem do processode inovao. As reas de fiao e tecelagem de algodo e l entraram em umprocesso de aperfeioamento contnuo que conferia crescente produtividade. Ainovao na indstria txtil era alimentada por fornecedores de bens de capitalespecializados, que, por sua vez, contavam com os avanos na metalurgia do ferropara desenvolver mquinas mais precisas, com maior potncia e com transmissomais eficiente.

    A automao provocou novos saltos de produtividade e acentuou a substituiode mo de obra. Os teares automticos permitiam a operao simultnea de vriosequipamentos por trabalhador. Na preparao do fio, as mquinas aperfeioadasdifundiram-se com rapidez, praticamente extinguindo uma grande e antesflorescente arte manual.

    Caso 2.1

    Automao e I mperialismoA automao da fiao e tecelagem retirou a dependncia da

  • indstria de fontes de trabalho barato. Na primeira metade dosculo XIX, a indstria de fios e tecidos de algodo de Bengala, nandia, era prspera e competitiva graas ao baixo custo e habilidadedos operadores de teares manuais. Tal indstria foi destruda quandoos ingleses impuseram a abertura do mercado local aos tecidos dealgodo fabricados na metrpole.

    O Brasil conheceu uma ao semelhante quando a empresa inglesaMachine Cotton forou a compra e o fechamento da pioneiraFbrica de Linhas para Cozer, instalada por Delmiro Gouveia nasproximidades da cachoeira de Paulo Afonso, no rio So Francisco.Em episdio at hoje no esclarecido, o industrial foi assassinado, asmquinas destrudas e o Brasil voltou condio de importador delinhas de coser.

    Ferro E AoA produo metalrgica est sujeita a fatores de competitividade muito diferentesdaqueles observados na indstria txtil. H menor diversidade de matrias-primase produtos finais, as mudanas tecnolgicas no so dificultadas pela concorrnciaentre diferentes modos de produo e a localizao definida pela disponibilidadede recursos naturais.

    Landes (1969) assinala que o principal fenmeno da metalurgia foi a vitriadefinitiva do combustvel mineral. A inelasticidade da oferta de madeira, assimcomo a disperso forada e a capacidade limitada dos fornos que queimavam estematerial, tornaram antieconmica a fundio de carvo vegetal. O novocombustvel permitiu um aumento contnuo do tamanho do equipamento e dasusinas, gerado e estimulado por aperfeioamentos tecnolgicos que no foramespetaculares ou revolucionrios em si, mas que constituram, individualmente,uma grande transformao. O jato de ar tornou-se mais potente e mais quente e oresfriamento mais eficaz, permitindo fluxos de fundio mais longos e decarregamento mais fcil.

    O grande gargalo da indstria metalrgica era a rea de purificao. A separaodo metal descarbonizado em processo de solidificao dependia diretamente deum penoso trabalho humano, um fator que limitava o tamanho dos fornos e osaumentos de produtividade. As respostas vieram de uma direo inteiramentediferente: a fabricao de ao barato e seu emprego como substituto do ferroforjado na maioria dos usos. As grandes inovaes que contriburam para essatransio foram o processo de Bessemer, de 1856, e a tcnica do forno aberto deSiemens-Martin, de 1864. Tais inovaes, entretanto, levaram vrias dcadas paraserem aperfeioadas e efetivamente dominarem o processo produtivo.

  • O panorama institucionalO uso da mquina a vapor, apesar de revolucionar o processo produtivo, nopermitiu, de incio, um aumento significativo das escalas de produo. Por umlado, faltavam recursos tcnicos e financeiros para promover investimentos emequipamentos e desenvolver formas de organizao que garantissem a produoem massa com qualidade. Por outro, a presena de economias externas em distritosindustriais dinmicos, a exemplo de Manchester, garantia a eficincia coletiva dasempresas individuais. As economias externas derivam da disponibilidade de fatoresde produo especializados no mercado local, e no de uma melhor utilizao dosrecursos produtivos no interior da firma. A esse respeito, Marshall observou que asfirmas podem usufruir economias externas quando o crescimento de uma indstriapermite diluir os custos fixos j investidos na economia como um todo em umvolume maior de produo. Ele reconhecia que economias externas podiam serobtidas com base na coordenao, pelo mercado, dos fatores de produo (eparticularmente dos fatores variveis de produo) adquiridos com frequncia pelafirma. Tais princpios permanecem at hoje adequados para descrever a fora dedistritos industriais especializados, articulando pequenas e grandes firmas.

    A forma jurdica e os arranjos tpicos de propriedade e gesto de empresas nasegunda metade do sculo XIX tambm impunham dificuldades ao crescimento dafirma. A maioria das manufaturas txteis era do tipo firma--propriedade,gerenciada pelos prprios donos, geralmente uma famlia ou um pequeno grupode scios. Restrita por seus limitados recursos gerenciais e financeiros, a empresatendia a ter uma nica planta, especializada em uma estreita gama de atividades(Tigre, 1998). O modelo competitivo de pequenas empresas era reforado por umregime jurdico que atribua responsabilidade integral dos proprietrios pelasdvidas da firma. Em caso de falncia, os proprietrios respondiam com seus benspessoais. Embora o regime de sociedades annimas por cotas j existisse naInglaterra desde 1862, os sucessivos escndalos decorrentes da quebra de empresaslimitaram a aceitao pblica dessa forma de organizao legal. O regime deresponsabilidade integral limitava o crescimento da firma e evitava a concentraodo mercado. Alm disso, fomentava o conservadorismo da classe empresarialavessa a riscos que pudessem resultar em sua runa pessoal.

    O final do sculo XIX, particularmente entre 1873 e 1896, foi um perodocaracterizado pela deflao, com uma queda mdia de aproximadamente 1/3 nospreos das commodities. A taxa de juros tambm caiu a tal ponto que os economistastericos passaram a admitir a possibilidade de o capital ser abundante o suficientepara ser considerado um bem livre. As barreiras entrada, sejam de origem tcnicaou financeira, no desempenhavam um papel to importante como hoje naestruturao dos mercados.

  • Marx e o papel da tecnologia na dinmicaeconmicaPara Karl Marx, a busca por maiores lucros, a concorrncia e a mudana tecnolgicaeram os fatores que induziam os capitalistas a investirem o excedente produtivo(que eles expropriavam dos trabalhadores) em mquinas poupadoras de trabalho.Assim, o capitalismo considerado um processo essencialmente evolucionrio,alimentado pelo progresso tcnico e que reflete a luta de classes entre capital etrabalho.1

    A mudana tecnolgica constitui um elemento fundamental na obra de Marx,tanto pela influncia que tem no avano da sociedade, quanto por seus impactos noprocesso de trabalho. Ele considera a tecnologia um elemento endgeno presentenas relaes produtivas e na valorizao do capital. A economia capitalista nopode ser entendida sem que se compreenda a lgica da mudana em tecnologia,pois a burguesia em si no poderia existir sem revolucionar constantemente osmeios de produo.

    As inovaes em bens de capital e o aprofundamento da diviso social dotrabalho constituem, segundo Marx, a base tcnica necessria para o processo deacumulao de capital. As empresas capitalistas procuram a todo custo aumentar otempo de trabalho excedente, ou seja, a mais-valia, por meio do aprimoramento doprocesso de produo e pela introduo de mquinas que substituem o trabalhovivo pelo trabalho morto. A observao do processo tecnolgico o leva adescrever detalhadamente o funcionamento das mquinas para ento revelar suasimplicaes econmicas e sociais, como mostra o Caso 2.2.

    Caso 2.2

    A automao e seus impactos segundoM arxToda maquinaria desenvolvida consiste em trs partesessencialmente distintas: o motor, a transmisso e a mquinaferramenta ou mquina de trabalho. O motor a fora motriz detodo mecanismo. A transmisso constituda de volantes, eixos,rodas dentadas, turbinas, barras, cabos, cordas, dispositivos eengrenagens de transmisso de espcie variada. O motor e atransmisso existem apenas para transmitir movimento mquinaferramenta que se apodera do objeto do trabalho e o transforma deacordo com o fim desejado. A mquina ferramenta um mecanismo

  • que realiza as mesmas operaes que antes eram realizadas pelotrabalhador com ferramentas semelhantes, porm impulsionada pormotores capazes de multiplicar sua fora e velocidade. A mquinarompe uma barreira orgnica que a ferramenta manual de umtrabalhador no podia ultrapassar, permitindo um aumentoexponencial da produtividade do trabalho. Assim se obtm umaquantidade maior de mercadorias com o mesmo desgaste (ou custo)da fora de trabalho. Quanto mais cresce a produtividade dotrabalho, tanto mais pode reduzir-se a jornada de trabalho e, quantomais se reduz a jornada, tanto mais pode aumentar a intensidade dotrabalho.Fonte: O Capital, Vol.1, Tomo 2, pp. 426 e 606.

    Marx entendia que a inovao era uma forma de obter um monoplio temporriosobre uma tcnica superior ou produto diferenciado. O aumento da produoresultante da introduo de novos meios de produo em uma nica empresacapitalista no diminua o valor unitrio ou o preo da mercadoria em curto prazo.O sucesso do inovador acabaria por atrair, mais cedo ou mais tarde, imitadores que,por meio do processo concorrencial, provocariam a reduo dos preos dosprodutos. O perodo de monoplio temporrio permitia que a empresa inovadorausufrusse de margens de lucro acima da mdia e acumulasse capital em escalamuito superior a seus concorrentes.

    A preocupao de Marx com a questo tecnolgica no estava restrita a seu papelna dinmica econmica, mas visava principalmente analisar seus impactos sociais.A tecnologia permitia ao capital aumentar a explorao da fora de trabalho,utilizando os mecanismos de oferta e procura. Ao poupar mo de obra, o capitaldiminua sua demanda e, consequentemente, os salrios. A automao criava umexrcito industrial de reserva, disposto a aceitar menores salrios e piores condiesde trabalho e tambm a servir de amparo aos surtos cclicos de crescimento erecesso. Em suas anlises detalhadas sobre o funcionamento das inovaes namaquinaria,2 ele descreve, por exemplo, como a substituio da fora humana pelafora motriz na indstria permitia o emprego de mulheres e crianas, mais barataspara o capital.

  • A viso neoclssica sobre a firma e a tecnologiaA economia neoclssica difere tanto da tradio clssica quanto de Marx por negara teoria do valor-trabalho, substituindo-a por um fator subjetivo a utilidade decada bem e sua capacidade de satisfazer as necessidades humanas. Baseia-se nocomportamento dos indivduos e nas condies de equilbrio, focando sua anlisenos ciclos de negcios.

    Ao se definir como o estudo da alocao de recursos escassos para a satisfaode necessidades alternativas, o foco de interesse da disciplina se fixa na questode formao de preos e alocao de recursos. A economia clssica, por outro lado,estava mais preocupada com as origens e causas da riqueza das naes e,portanto, com os determinantes do processo de desenvolvimento. Essa mudanade foco do agente individual para a relao econmica entre diferentes agentesresulta em certa negligncia acerca do papel da tecnologia no processo decrescimento. Assim, chegou-se a um modelo formal e estilizado da economia queno comporta em suas metodologias estudos empricos sobre a firma. ParaFreeman e Soete (1997), o negligenciamento histrico dos economistas neoclssicosdas questes relativas organizao industrial e mudana tecnolgica se deve ideia de que esses temas esto fora do mbito de competncia e especializao doseconomistas, devendo ser tratados por engenheiros e administradores deempresas. Tal lacuna revela, mais do que uma questo de capacitao, um escapeideolgico do problema.

    Leon Walras procurou ordenar de forma lgica o funcionamento da economiapor meio de um modelo matemtico de equilbrio geral, formado por uma srie deequaes simultneas. Ele prope um mecanismo no qual todos os preos equantidades so determinados de uma nica forma. Em seu modelo, a lei da oferta eda procura determina os preos e as quantidades produzidas, funcionando comoum sistema automtico de regulao da economia.

    Alfred Marshall (1890) aperfeioa o modelo walrasiano atravs das teorias deequilbrio parcial. Apesar de tambm recorrer ao mtodo matemtico, ele no via aeconomia com suas anlises e leis como um corpo de dogmas imutveis euniversais, mas como uma mquina para a descoberta da verdade concreta.Marshall tinha em mente um modelo idealizado de funcionamento da firma,derivado de observaes casuais, que guardava certa analogia com a realidade dasfirmas tpicas de sua poca.

    Apesar do maior realismo da viso marshaliana, a teoria neoclssica acaboudominada pela proposta walrasiana, que trata a firma como agente individual, semreconhec-la como entidade coletiva, dotada de objetivos e regras diferenciadas.Atribui firma um princpio comportamental nico, a maximizao do lucro ,desconsiderando o princpio de utilidade de cada um dos agentes econmicos. Afirma neoclssica tratada no como instituio, mas sim como ator, com um status

  • similar ao consumidor individual. Um ator passivo e sem autonomia, cujas funesse resumem em transformar fatores em produtos e aperfeioar as diferentesvariveis de ao. A natureza das variveis que a firma manipula no determinadaendogenamente, mas sim pela estrutura de mercado que se impe a ela.Considerando a disponibilidade de informaes, a perfeita capacidade de clculo ea incerteza probabilizada, a empresa se comporta como um autmato, programadauma vez para sempre.

    Nesse contexto, a questo da mudana tecnolgica deixou de ocupar o interesseda economia ortodoxa. As preocupaes centrais passaram a se concentrar nasquestes de equilbrio geral, em que a tecnologia dada por meio de umconjunto de funes de produo. A microeconomia passou a ser dominada pelasquestes relativas formao de preos, nas quais a conformao do mercado (eno a produo) era o objeto principal de investigaes. A macroeconomia, por suavez, centrou sua ateno quase exclusivamente nas questes de inflao edesemprego, de carter cclico ou crnico, pouco se ocupando dos fatores queinfluenciam o ritmo e o padro de crescimento em longo prazo (Nelson, 1987).

    As preocupaes da teoria neoclssica com o sistema de preos em detrimentoda organizao interna das empresas derivam, em parte, de motivaes ideolgicas.Segundo Demsetz (1993), a teoria tem origem no debate entre mercantilistas edefensores do livre mercado sobre o papel do Estado na economia. A viso liberalse apoiava na mo invisvel de Adam Smith, que j no sculo XVIII apontavapara a caracterstica autorreguladora do sistema de preos. A necessidade decombater aqueles que, a exemplo de Marx, evocavam a necessidade deplanejamento central para evitar o caos econmico levou os liberais a examinaremmais atentamente as condies necessrias para o sistema de preos funcionar deforma a substanciar o ideal de livre mercado.

    A partir dos anos 90, a abordagem neoclssica incorporou avanos tericos nosentido de tratar a inovao como varivel explicativa da dinmica do sistema.Segundo Higachi (2006), dois avanos tericos podem ser destacados. O primeiro a introduo de um novo conceito de tecnologia, pelo qual esta deixa de serconsiderada um bem pblico puro e passa a ser considerada um bem econmicopassvel de excluso. O segundo consiste em introduzir a concorrncia imperfeitaem alguns setores da economia de forma a justificar a sobra de produto pararemunerar as atividades inovadoras, admitindo assim a existncia de retornoscrescentes escala na gerao de novas tecnologias. Tais avanos so importantespara reduzir o carter exgeno atribudo tecnologia na abordagem neoclssicatradicional. Contudo, o fosso em relao interpretao histrica da economiaheterodoxa permanece profundo, como veremos a seguir.

  • Tecnologia e concentrao de capitalA teoria neoclssica parte do pressuposto de que as atividades produtivas socoordenadas pelo mercado atomizado, no qual nenhuma empresa tem foraindividual suficiente para influenci-lo de modo significativo. Sucessivosaperfeioamentos na teoria permitiram a incorporao de outras estruturas demercado ao modelo de anlise, mas o pressuposto concorrencial permanece, senocomo realidade, pelo menos como um ideal a ser perseguido.

    O pressuposto de concorrncia, ainda que no perfeita, est associado noo dedeseconomias de escala. A empresa industrial de meados do sculo XIX eratipicamente de pequeno porte e enfrentava grandes dificuldades institucionais,tecnolgicas e organizacionais para crescer. Marshall admite que o uso demaquinaria e atividades administrativas especializadas proporciona economias deescala, mas entende que tal benefcio limitado a algumas indstrias e servios.Para as demais, haveria deseconomias, tanto internas quanto externas, em funodo aumento dos custos variveis, como trabalho e insumos materiais. Os custosunitrios sobem porque o aumento da demanda por insumos variveis pressionaseus preos no mercado (deseconomias externas) e porque os recursos fixos, comomquinas e administradores, no conseguem interagir com um volume maior deproduo com a mesma produtividade (deseconomias de escala internas), dada adificuldade em garantir qualidade, evitar desperdcios e atrasos e controlar aeficincia da mo de obra. Como mostra a curva de custo em forma de U descritapor Cournot, em algum ponto as deseconomias podem superar as economias deescala.

    Em flagrante contraste, Marx entende que o processo competitivo uma buscaincessante pela eliminao de concorrentes, visando ampliar mercados e aumentarlucros. A concorrncia (perfeita ou no) no se sustenta diante dos efeitos damudana tecnolgica sobre a competio. Ele argumenta que os investimentos emmquinas e equipamentos e o aumento das escalas produtivas requerem um capitalcada vez maior e os capitalistas que no logram reunir um montante mnimo derecursos tendem a ser excludos, permitindo a concentrao do capital. medidaque se eleva a massa de lucros, a acumulao de capital se incrementa, a produocapitalista se reproduz aceleradamente e amplia seu campo de ao.

    Apesar dos avanos da automao em determinados segmentos da indstria,havia nesse modelo de organizao industrial uma escala tpica, determinadapela capacidade nominal dos bens de capital disponveis no mercado e pelosmodelos organizacionais vigentes. Observando a informalidade dos princpiosorganizacionais e a dependncia dos recursos externos da firma do sculo XIX,podemos reconhecer o realismo circunstancial dos princpios neoclssicos dedeseconomias de escala. O aumento da produo dependia do aumento da ofertaexterna de trabalho e matria-prima, implicando um padro rgido de localizao

  • industrial. A grande concentrao regional e setorial da indstria indicava que osempresrios dependiam no s da oferta de trabalhadores qualificados comotambm de uma insero favorvel em uma comunidade de negcios.Especializada em um segmento da cadeia produtiva, a firma precisava de mercadosconsolidados a jusante e a montante para poder operar eficientemente. medidaque o mercado para um determinado bem se expandia, o crescimento da ofertaocorria, no tanto pelo crescimento das empresas existentes, mas principalmentepela entrada de novas empresas no mercado (Lazonick, 1992).

    A tendncia concentrao do capital, entretanto, passou efetivamente adominar muitos segmentos da economia mundial. A partir do incio do sculo XXsurge a grande empresa industrial e o advento da competio oligopolista. Sob esseponto de vista, o entendimento de Marx tem um carter visionrio. Ao seconcentrar na dinmica e no no equilbrio, ele projeta uma tendncia que s vaiefetivamente se configurar algumas dcadas aps a sua morte.

  • Equilbrio e dinmica tecnolgicaA dinmica tecnolgica , em larga medida, negligenciada pela teoria neoclssica.Formulada a partir de um modelo abstrato e descentralizado de funcionamento daeconomia capitalista, ela v a empresa industrial como um ponto dentro do sistemaeconmico. No h uma preocupao em observar seu funcionamento interno,considerado uma caixa preta que combina mecanicamente os fatores deproduo disponveis no mercado e os transforma em mercadorias. O mercado,embora possa apresentar situaes transitrias de desequilbrio, tende aestabelecer condies de concorrncia e informaes perfeitas. A firma se deparacom um tamanho timo de equilbrio. As possibilidades tecnolgicas sousualmente representadas pela funo de produo, que especifica o resultado dacombinao possvel de fatores. A tecnologia considerada um fator exgenodisponvel no mercado, seja atravs de bens de capital ou no conhecimentoincorporado pelos trabalhadores.

    A ideia de equilbrio, pelo menos de curto prazo, permanece incorporada athoje nos modelos neoclssicos ortodoxos. Em contraste, Marx atribui ao sistemacapitalista um carter instvel e extremamente dinmico, sintetizado pela famosafrase do Manifesto Comunista: Tudo que slido desmancha no ar. A competioleva o capitalista a inovar incessantemente, com vistas a eliminar a concorrncia ereduzir a composio orgnica do capital.

    Para Marx, a economia capitalista no pode ser estacionria, mas tambm no seexpande de forma meramente constante. Est sempre sendo revolucionada pornovos empreendimentos, isto , pela introduo de novas mercadorias, novosmtodos de produo ou novas oportunidades comerciais na estrutura industrialexistente em qualquer momento. Todas as estruturas e todas as condies de fazernegcios da economia capitalista esto sempre em processo de transformao emum turbilho de permanente desintegrao e mudana, de luta e contradio.

  • Diferenciao de produtos e processosAo se concentrar nas questes relativas concorrncia e formao de preos, ateoria neoclssica no d o devido destaque s inovaes tecnolgicas,principalmente aquelas que visam diferenciao de produtos. Um novo produto considerado um novo mercado, que criar sua prpria demanda. Assim, o processode formao de preos tem por princpio uma relativa homogeneidade do produto.Tal pressuposto pouco realista nos dias de hoje, pois o processo concorrencial ostensivamente intenso em marketing e diferenciao de produtos.

    Tal viso podia ser justificada no sculo XIX, quando praticamente inexistiammarcas associadas a produtos manufaturados. As mercadorias eram vendidas agranel como produtos indiferenciados, cuja origem no podia ser claramenteassegurada. Os bens de consumo eram precificados em funo da qualidade dotrabalho e do material empregado. Sem marcas, tampouco havia necessidade depropaganda. O marketing ainda no havia surgido como ferramenta competitiva,conferindo aos produtos manufaturados o carter indiferenciado que constitui umdos pilares da teoria neoclssica de formao de preos.

    Por outro lado, Marx j havia argumentado que as inovaes aceleravam aobsolescncia dos meios de produo e dos prprios bens de consumo ainda emfuncionamento, na medida em que eles se tornam caducos e pouco competitivos.Os novos produtos competem com os velhos, com a vantagem de serem maiseficientes. Mais cedo ou mais tarde, a maior competitividade dos novosempreendimentos provocar a morte de determinadas tecnologias e das empresasmais tradicionais que no souberam absorv-las. As novas mquinas eequipamentos tornam as tcnicas preexistentes obsoletas, alimentando assim oprocesso de destruio criadora. Para ele, para permanecer efetivamente nomercado, todas as empresas teriam de, mais cedo ou mais tarde, investir eminovaes e abandonar as formas tradicionais de produo.

  • Tecnologia endgena e exgenaNa teoria neoclssica, a tecnologia considerada exgena empresa, ou seja,constitui um fator de produo que pode ser adquirido no mercado por meio dacompra de bens de capital ou via contratao de trabalhadores especializados. Atecnologia est disponvel da mesma forma como se compram matrias-primas ouobtm-se emprstimos e financiamentos.

    O contexto da difuso tecnolgica da segunda revoluo industrial confere certorealismo noo de exogeneidade tecnolgica. No sculo XIX, ainda no existia aseparao entre o trabalhador manual e o trabalhador intelectual. Inovaesorganizacionais eram pouco frequentes, na medida em que os prpriostrabalhadores qualificados eram responsveis pela definio do processoprodutivo. Trabalhadores eram encarregados no apenas de estabelecer fluxos erotinas como tambm de contratar trabalhadores juniores, que eram por elestreinados e supervisionados, reduzindo assim a necessidade de se investir emestruturas administrativas. A tecnologia podia ser considerada exgena por estarincorporada em trabalhadores experientes que podiam ser contratados nomercado.

    Dada a inexistncia de recursos gerenciais que pudessem ampliar osmecanismos de controle, os empresrios tendiam a se restringir operao de umanica planta, facilitando a entrada de concorrentes. Os empresrios se ocupavammais com operaes de compra e venda de insumos e produtos do que comquestes organizacionais internas.

    Ao delegar as inovaes organizacionais aos trabalhadores, a firma (ou o capital)no se apropriava diretamente do conhecimento envolvido na definio doprocesso produtivo, justificando, em parte, a hiptese neoclssica da exogeneidadetecnolgica. A importncia das habilidades detidas pelos trabalhadores para odesenvolvimento industrial era tal que a produtividade britnica s foi alcanadapela Europa continental a partir da contratao de mecnicos ingleses porempresas desses pases.

    Marx, por sua vez, no considerava que a tecnologia constitua um elementoexgeno ao funcionamento das empresas. A mudana tecnolgica , para ele, abase do aumento da produtividade e da gerao de lucros e sua incorporao embases exclusivas uma preocupao central do empresrio. A tecnologia no dada pelo mercado nem deriva apenas de melhorias tcnicas incrementais nointerior da fbrica. Marx observa que, medida que o capital avana, a utilizao doconhecimento cientfico se torna cada vez mais necessria para aumentar acapacidade produtiva. O acesso a esses conhecimentos no necessariamenteuniversal, sendo capturado e aplicado pioneiramente por algumas empresas maiscapacitadas tcnica e financeiramente.

  • ResumoNa segunda metade do sculo XIX, ao longo de transformaes estruturais naeconomia mundial, surgiram duas correntes de pensamento econmico que so athoje muito influentes, embora tenham assumido direes diametralmente opostasem relao interpretao do papel da tecnologia na dinmica econmica. De umlado, Marx retoma a tradio clssica para estudar o processo de criao de valor ereconhece a tecnologia como alavanca do processo evolucionrio do capitalismo.De outro, a corrente neoclssica tem como objetos centrais de estudo a formaode preos e a alocao de recursos. Suas hipteses sobre equilbrio e concorrnciaacabam por afast-la das preocupaes seminais da economia clssica sobre asorigens e causas da riqueza das naes. Nesse contexto, a questo tecnolgica amplamente negligenciada e considerada um fator exgeno ao debate econmico.

    Algumas premissas fundamentais da teoria neoclssica da firma no parecemirrealistas quando se leva em considerao o contexto tecnolgico e institucionalque vigorava no final do sculo XIX, quando Walras formulou seus fundamentostericos e metodolgicos. Isso inclui o princpio de concorrncia (embora noperfeita), o carter exgeno da tecnologia (incorporada nos trabalhadores emquinas), o tamanho timo e equilbrio da firma (em um ambiente de mudanatecnolgica lenta) e informaes disponveis (nos redutos privilegiados dosgrandes distritos industriais). Tais fatos, aliados aos precrios instrumentosmetodolgicos, falta de dados quantitativos disponveis na poca e motivaoideolgica de combater as ideias de Marx, podem justificar a direo assumidapelos desenvolvimentos iniciais da teoria neoclssica.

    No entanto, vivendo no mesmo contexto histrico, Marx foi capaz de percebermelhor o papel da tecnologia na dinmica econmica. Em vez de recorrer a ummodelo abstrato sobre o funcionamento da economia, ele analisa criticamente odesenvolvimento da economia capitalista. A inovao vista como armacompetitiva que permite ao empreendedor produzir de forma mais eficientereduzindo a dependncia excessiva sobre a mo de obra e eliminandoconcorrentes. A viso de Marx sobre o papel da inovao no processo competitivo ,hoje, muito influente no estudo da gesto da inovao incorporada nas obras deSchumpeter e seus seguidores, como veremos nos prximos captulos.

  • Leitura complementarA viso de Marx sobre o papel da tecnologia no processo competitivo pode serrevista no Livro 1, Vol. I, de O Capital nos Captulos XII, que trata da diviso dotrabalho e manufatura, e XIII, que aborda a questo da maquinaria e a indstriamoderna.

    As ideias de Marshall sobre a interao dos agentes de produo terra, trabalho,capital e organizao esto concentradas no Livro IV de Princpios de Economia.Marshall discute a correlao entre as tendncias ao rendimento crescente e aorendimento decrescente, a questo da diviso do trabalho e da maquinaria eaborda outros aspectos relacionados organizao industrial.

    Do ponto de vista da histria da tecnologia, diversos autores se destacam naanlise do processo de inovao e suas consequ ncias para a economia e asociedade. Para aprofundar o estudo do desenvolvimento tecnolgico no sculoXIX, recomendamos: Landes, Prometeu Desacorrentado, edio de 2005, editoraElsevier, Captulos 3 e 4; Ayres (1984), Captulos 4 e 5; Rosemberg e Birdzell (1986),Captulos 1 e 2; e o artigo de William Lazonick (1992).

    Chris Freeman e Luc Soete (1974 [1997]) fazem uma notvel reviso dasinovaes baseadas em avanos cientficos desde a revoluo industrial at a erados computadores na Parte I de seu clssico The Economics of Industrial Innovation.

    Para aprofundar o estudo do papel da inovao na teoria de Marx e na teorianeoclssica, recomendamos, respectivamente, os artigos de Francisco Cipiolla eHermes Higachi no livro de V. Pelaez e T. Szmrecsnyi, Economia da InovaoTecnolgica.1.Marx escreveu o Manifesto Comunista junto com Friedrich Engels em 1848. Em 1859, publicou a Crtica daEconomia Poltica e, em 1867, o clssico O Capital.2.Ver O Capital. Volume 1, Captulo XIII.

  • CAP T ULO 3

    A era fordista e a concorrncia oligopolistaN o incio do sculo XX, uma trajetria inteiramente nova se abriu para aorganizao interna da firma e sua interao com o mercado. Inovaestecnolgicas e organizacionais que havia dcadas estavam em gestao entraramem fase de rpida difuso, ampliando a escala e a dimenso geogrfica dosnegcios. Surge, nessa poca, a grande empresa industrial, uma fora capaz deacelerar o processo de concentrao econmica. O oligoplio se transformou naestrutura caracterstica de vrios segmentos das indstrias europeia e norte-americana e o capitalismo proprietrio j havia cedido lugar ao capitalismogerencial como motor dominante do desenvolvimento econmico. Um novomodelo de empresa se tornou necessrio para lidar com a crescente complexidadeorganizacional das atividades industriais, com a necessidade de aplicarconhecimentos cientficos indstria e com os altos custos fixos de investimentosem mquinas e equipamentos voltados para a produo em massa.

    Neste captulo, veremos como as teorias econmicas sobre a firma evoluramgradualmente no sentido de incorporar a nova realidade do processo concorrencial.Anlises e contribuies de diferentes correntes do pensamento criaram um corpoterico alternativo para lidar com as questes de economias de escala, escopo,transaes e progresso tcnico em um mercado dominado pela grande corporao.Nesse perodo, Joseph Schumpeter desenvolve suas interpretaes sobre o papelda tecnologia na competio e no crescimento econmico. Mas, antes de analisar asnovas correntes tericas, vamos identificar, seguindo a metodologia adotada noscaptulos anteriores, as inovaes que alimentaram a dinmica econmica naprimeira metade do sculo XX.

  • As inovaes da era fordistaAlfred Chandler (1990), considerado o pioneiro no estudo histrico das grandescorporaes, identifica a origem e o crescimento da grande empresa moderna emuma cadeia de eventos interligados. O primeiro elo da cadeia foi o cluster deinovaes que provocaram uma revoluo no campo dos transportes e dascomunicaes. A ferrovia e o telgrafo facilitaram um aumento substancial tantono volume quanto na velocidade da produo. Ao mesmo tempo, essas inovaespermitiram que determinadas firmas concretizassem a Igica dinmica decrescimento e competio pela explorao das oportunidades para obter economiasde escala e de escopo e para reduzir os custos de transao. A gradativa unificaodos mercados promoveu a internacionalizao e a concentrao do capital.

    Alm das revolues nos transportes e comunicaes, trs sistemas de inovaescontriburam significativamente para alterar a estrutura da indstria, gerandonovos modelos de firmas e mercados: a eletricidade, o motor a combusto e asinovaes organizacionais conhecidas como fordistas-tayloristas. Tais inovaesse difundiram mais rapidamente na Amrica do Norte, contribuindo para amudana do centro dinmico do capitalismo da Inglaterra para os Estados Unidose, em menor escala, para a Alemanha e a Frana.

    EletricidadeAs primeiras descobertas no campo da eletricidade e do magnetismo datam doincio do sculo XIX, quando Ampre e Joseph Henry descobriram que a correnteeltrica era induzida por mudanas no campo magntico. Tais descobertasestimularam pesquisas cientficas em todo o mundo, gerando conhecimentos quelogo foram postos em prtica. As aplicaes do eletro-magnetismo apareceram apartir de 1840, com a inveno do telgrafo eltrico. Na dcada seguinte, surgiu odnamo, seguido do motor eltrico, da corrente direta e finalmente da lmpadaincandescente. A inovao de Thomas Edison no se limitava apenas lmpada,pois envolvia todo um sistema de gerao, transmisso e aplicao de eletricidade.

    As inovaes no campo da eletricidade geraram novas empresas, que setornaram paradigmticas no sculo seguinte. Apesar de representar umarevoluo tecnolgica, a eletricidade demorou vrias dcadas para produzirimpactos econmicos, pois sua difuso ampla requeria o desenvolvimento deinovaes complementares, alm de novas aplicaes e a construo de umainfraestrutura adequada. Em 1895, foram desenvolvidos os primeiros sistemasprticos de distribuio de energia a longa distncia. Nesse mesmo ano, ascataratas de Niagara Falls eram represadas para produzir energia eltrica. Por voltade 1910, as principais cidades europeias e norte-americanas j estavameletrificadas.