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Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Unimep Junho/2014 • Edição 01 Jornal Classe de Em abril de 1964 o Brasil inicia uma das fases mais sombrias de sua história. Um golpe civil e militar depõe o presidente João Goulart e instala um estado de exceção que irá perdurar até o início dos anos 80. O período marcou a vida do país e, de modo especial, de muitos brasileiros que sofreram perseguição política, violência, tortura, foram presos, exilados e obrigados a viver na clandestinidade. Muitos piracicabanos e pessoas que passaram pela cidade foram vítimas destas atrocidades e hoje, 50 anos depois, ainda sentem os efeitos deste momento, mas já narram com serenidade o que passaram, inclusive para que as novas gerações possam ter a real dimensão do significado uma ditadura. Páginas 4 a 6 Em 1984, vinte anos depois de inicia- do o maior período de ditadura que o Brasil já enfrentou, os brasileiros foram às ruas mobilizados pelo desejo de ele- ger de forma direta e livre o presidente da República. O movimento Diretas Já, que comemora 30 anos, somadas as manifestações que ocorreram em todo o país, levou milhões de pessoas às ruas. Os piracicabanos participaram ativamente do processo. Na cidade fo- ram realizados comícios e concentração para acompanhar a votação e rejeição pelo Congresso da emenda constitucio- nal Dante de Oliveira, que restauraria o voto direto. Página 7 Reportagem fotografica homenageia sensibilidade, percepção aguçada e estilo geométrico do fotojornalista francês. Página 9 Crônica de viagem narra atuação de estudante de jornalismo em três países do Sudeste Asiático: Myanmar, Malásia e Indonésia. Página 13 Vencendo barreiras no esporte O Mal de Alzheimer atin- ge principalmente as mu- lheres a partir de 65 anos. Doença que não tem cura, afeta o sistema cerebral e compromete a memória recente dos doentes. O tratamento visa retardar o desenvolvimento e o tem- po até a fase mais aguda. Pacientes dependem do apoio dos familiares, que precisam alterar sua rotina para garantir condições de conforto aos diagnostica- dos com a doença. Página 3 A prática de atividades culturais contribui para a integração e mudança social. Crianças, jovens e adolescen- tes envolvidos com grupos de dança, música e artes am- pliam suas perspectivas de vida e em determinados casos até superam problemas de saúde. Apesar dos conhecidos benefícios neste campo, espe- cialistas e produtores revelam que obter recursos públicos ainda é desafio. Página 12 Em 1984, piracicabanos se mobilizam e vão às ruas na luta pelas Diretas Já Dez anos sem Cartier-Bresson Estudante e voluntário na Ásia 1 964 Lucas Guizo Alexandre Fonseca Alzheimer afeta pacientes e a rotina dos seus familiares SAÚDE Marcos Muzi Prática cultural muda vidas Única piloto profissio- nal de motovelocidade a disputar o Superbike, Cris Trentim fala sobre os de- safios do esporte. A atleta conta sua trajetória, relata o cotidiano de treinos e reclama que a falta de pa- trocínios é um dos fatores que impede a presença maior das mulheres na modalidade. Página 8 CIDADANIA ENTREVISTA

Jornal de Classe ed. 01/Junho/2014

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Jornal Laboratorial do Curso de Jornalismo da Unimep

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Page 1: Jornal de Classe ed. 01/Junho/2014

Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Unimep

Junho/2014 • Edição 01

Jornal Classede

Em abril de 1964 o Brasil inicia uma das fases mais sombrias de sua história. Um golpe civil e militar depõe o presidente João Goulart e instala um estado de exceção que irá perdurar até o início dos anos 80. O período marcou a vida do país e, de modo especial, de muitos brasileiros que sofreram perseguição política, violência, tortura, foram presos, exilados e obrigados a viver na clandestinidade. Muitos piracicabanos e pessoas que passaram pela cidade foram vítimas destas atrocidades e hoje, 50 anos depois, ainda sentem os efeitos deste momento, mas já narram com serenidade o que passaram, inclusive para que as novas gerações possam ter a real dimensão do significado uma ditadura. Páginas 4 a 6

Em 1984, vinte anos depois de inicia-do o maior período de ditadura que o Brasil já enfrentou, os brasileiros foram às ruas mobilizados pelo desejo de ele-ger de forma direta e livre o presidente da República. O movimento Diretas Já, que comemora 30 anos, somadas as manifestações que ocorreram em

todo o país, levou milhões de pessoas às ruas. Os piracicabanos participaram ativamente do processo. Na cidade fo-ram realizados comícios e concentração para acompanhar a votação e rejeição pelo Congresso da emenda constitucio-nal Dante de Oliveira, que restauraria o voto direto. Página 7

Reportagem fotografica homenageia sensibilidade, percepção aguçada e estilo geométrico do fotojornalista francês. Página 9

Crônica de viagem narra atuação de estudante de jornalismo em três países do Sudeste Asiático: Myanmar, Malásia e Indonésia. Página 13

Vencendo barreiras no esporte

O Mal de Alzheimer atin-ge principalmente as mu-lheres a partir de 65 anos. Doença que não tem cura, afeta o sistema cerebral e compromete a memória recente dos doentes. O tratamento visa retardar o

desenvolvimento e o tem-po até a fase mais aguda. Pacientes dependem do apoio dos familiares, que precisam alterar sua rotina para garantir condições de conforto aos diagnostica-dos com a doença. Página 3

A prática de atividades culturais contribui para a integração e mudança social. Crianças, jovens e adolescen-tes envolvidos com grupos de dança, música e artes am-pliam suas perspectivas de vida e em determinados casos até superam problemas de saúde. Apesar dos conhecidos benefícios neste campo, espe-cialistas e produtores revelam que obter recursos públicos ainda é desafio. Página 12

Em 1984, piracicabanos se mobilizam e vão às ruas na luta pelas Diretas Já

Dez anos sem Cartier-Bresson

Estudante e voluntário na Ásia

1964Lucas Guizo

Alexandre Fonseca

Alzheimer afeta pacientes e a rotina dos seus familiares

SAÚDE

Marcos Muzi

Prática cultural muda vidas

Única piloto profissio-nal de motovelocidade a disputar o Superbike, Cris Trentim fala sobre os de-safios do esporte. A atleta conta sua trajetória, relata o cotidiano de treinos e reclama que a falta de pa-trocínios é um dos fatores que impede a presença maior das mulheres na modalidade. Página 8

CIDADANIA ENTREVISTA

Page 2: Jornal de Classe ed. 01/Junho/2014

O jornalismo vive um momento de grandes transformações. Novas tecnologias de infor-mação e as mudanças no comportamento

das novas gerações, sobretudo a dos nativos digitais, implicam desafios enormes à profissão. O cenário exige que se repense o modelo de financiamento da atividade, suas rotinas e linguagens.

A área do jornalismo mais afetada, sem dúvida, é a dos meios impressos, principalmente o jornal. Seu papel de informar, levar aos leitores um relato com-pleto dos acontecimentos de interesse público, é alvo de questionamento por pesquisadores e lideranças profissionais. Para muitos caberá ao jornal, daqui para frente, outra função, a de contribui com o processo de dar sentido aos fatos, de oferecer elementos para a sua contextualização e análise.

Nos primeiros anos da Internet, especulou-se muito sobre o destino do jornal. Desenharam-se alternativas de reação e um dos caminhos, que chegou a ser buscado por algumas empresas, foi o de aproximar-se do mun-do digital e da imagem. Alguns jornais apostaram que diante do crescimento da rede e da informação visual, a saída era produzir um jornalismo impresso que tam-bém explorasse estes recursos, apresentando aos leitores

textos mais curtos, páginas mais coloridas e ilustradas. O caminho, no geral, não deu bons resultados.

Outras empresas e iniciativas apostam em nova via, a de um jornalismo pautado pela reportagem, pela capacidade de contar boas histórias, pela possibilidade de ir além do mero relato do fato. A perspectiva é de um jornalismo de contexto, que investigue os proble-mas contemporâneos, que ofereça ao leitor conteúdo de qualidade, com informação apurada e bem editada.

Esta é a aposta do Jornal de Classe, espaço labo-ratorial desenvolvido pelos alunos do 5º semestre do Curso de Jornalismo da Unimep. Nesta primeira edição, as reportagem exploram temas significativos, como a importância política deste 2014, no qual se rememoram fatos como o Golpe de 64 e as Diretas Já; o aumento assustador do número de homicídios na região; e a dificuldade enfrentada todos os dias por crianças da zona rural para chegar à escola.

Nossa expectativa é de que realizar esta edição, em todas as suas etapas, tenha proporcionado aos estudan-tes bom exercício de pensar e praticar o jornalismo. Ao mesmo tempo, esperamos que os textos e imagens contribuam para estimular o debate e o pensamento críticos entre os nossos leitores.

Jornalismo e pensamento crítico

Sexo frágil não foge à luta

Sobre o amor e seriados

Pági

na

edição 01 • Junho/2014Jornal Classede

EXPEDIENTE

Órgão laboratorial do Curso de Jornalismo da Unimep (Universidade Metodista de Piracicaba).

Reitor:Gustavo Jacques Dias Alvim

Diretor da Faculdade de Comunicação: Belarmino Cesar Guimarães de Costa.

Coordenador do Curso de Jornalismo: Paulo Roberto Botão

Orientação de Conteúdo e Editor Responsável:Paulo Roberto Botão (MTB 19.585).

Orientação de Fotografia:Joyce Guadagnucci.

Editores Assistentes:Isa Franco de Campos e Maria Luiza Gonçalves Mariano.

Editor Assistente de Imagem:Lucas Gian Guizo.

Repórteres:Alexandre Rezende Fonseca, Ariane Precoma, Bruno Henrique Miano Aguiar, Cristiano Aparecido Augusto Araujo, Diego Ulerich, Gloria Bonilha Cavaggioni, Isa Franco de Campos, Joanan de Oliveira Batista, João Victor Longo, José Luiz Zuliani Júnior, Júlia Alves Barbosa, Karine Fernanda Silva Florêncio, Laiane Maria Guastaldello, Leonardo Augusto Nocete, Lucas Gian Guizo, Lucas Neri Gerarde, Maria Luiza Gonçalves Mariano, Matheus de Munno Durante, Natália Cristina Elias, Nathalie Cristine Gallo, Patrícia Aparecida dos Santos, Stephanie Alves de Araujo, Thais de Cássia Firmino, Walkiria Pompeo.

Ilustrações:Mateus Ferreira Lima, Danilo de Almeida Souza, Allan Prado dos Santos, Victor Vicentim(Alunos do 3º semestre de Design Gráfico, sob a orientação do professor Camilo Riani).

Projeto Gráfico e Arte Final:Sérgio Silveira Campos (Laboratório de Planej. Gráfico)

Versão digital:soureporter.com.br.

EDITORIAL

PONTO DE VISTA TELEVISÃO

Isa [email protected]

A capacidade das mulheres de al-terar o rumo da sociedade e os

valores das pessoas não é segredo nenhum. A histó-ria é prova concreta disso.

O século XIX foi palco da reivindicação feminista mais notável: o direito de votar e fazer parte de esco-lhas políticas. Com início na Inglaterra e nos Estados Unidos, a reivindicação alterou a estrutura política dos países e influenciou outras nações a seguirem o mesmo caminho. Este é o caso do Brasil, que só liberou o direito ao voto às mulheres em 1932, no governo Getúlio Vargas.

As três grandes fases do feminismo propuseram a alteração de padrões da so-ciedade em níveis culturais e políticos, principalmente no ocidente. As conquistas das mulheres abrangem o direi-to ao voto e à propriedade, o direito pela integridade de seu corpo, o direito à proteção contra a violência doméstica, o  assédio se-xual e o estupro, os direitos

trabalhistas, entre outros.O ponta pé inicial, dado

no século XIX, tem reflexos até hoje no mundo inteiro. A busca por espaços na sociedade transformou ge-rações de mulheres e jovens em questão de anos e os conflitos ainda são visíveis.

Ao analisar uma família comum, notamos nitida-mente o conflito de valores entre avós e netas. Há 80 anos, falar para uma jovem que estava “pronta para casar” por seus dotes culi-nários ou domésticos era considerado elogio. Hoje, é considerado machismo, pois a ideia de submissão ao homem já não é mais aceita na sociedade com tanta naturalidade.

A distinção de valores entre gerações foi influen-ciada por líderes feministas na busca de um modelo igualitário de sociedade e libertação de padrões opressores. Entre as mais notáveis, podemos citar a francesa Simone de Beau-voir, a alemã Olga Benário Prestes, a mexicana Frida Kahlo e a brasileira Patrícia Rehder Galvão, a Pagu.

Nada mais justo! As mu-lheres já provaram que são

capazes de desenvolver tudo o que era considerado privi-légio ou ‘tarefa’ dos homens e conquistaram, por mérito, um espaço de destaque na sociedade, mas essa luta está longe de terminar.

O preconceito ainda exis-te em pensamentos machis-tas – até mesmo partindo das próprias mulheres – e a sociedade ainda não está acostumada com a ideia por completo. Essa realidade ficou clara esse ano quando o Ipea (Instituto de Pesqui-sa Econômica Aplicada) divulgou uma pesquisa em que 26% de quase 4 mil entrevistados responderam que mulheres que mostram o corpo “merecem ser estu-pradas”. A repercussão desse fato foi significativa, princi-palmente nas redes sociais, e desencadeou uma revolta feminina no país inteiro.

Fica claro que, apesar das várias conquistas das mulheres, a cultura ma-chista ainda persiste no Brasil e está longe de ser completamente dissolvida. Resta agora não encarar a luta feminista de forma temporária, e sim, como ações constantes e realmen-te significativas.

Maria Luiza Gonç[email protected]

Tão populares como as novelas, os seria-dos têm ganhado

um número de fãs cada vez maior, tornando comum, hoje, encontrar pessoas que assistem, às vezes mais de um, e que têm um prefe-rido. E com uma ajuda da internet, eles estão ficando cada vez mais populares, isso porque escolher as-sistir a um seriado pela televisão, no Brasil, signi-fica ficar defasado em se-manas, até mesmo meses, em relação aos episódios transmitidos fora do país. Os downloads gratuitos e transmissões simultâneas ajudam a alimentar esse relacionamento entre fã e série. Muitas vezes, uma relação de amor.

Escolher um seriado para assistir é quase como entrar em um relaciona-mento. Os primeiros cin-co episódios da primeira temporada são como a fase da conquista: você está conhecendo o “objeto”, sabendo o que faz, do que gosta e como se comporta. Se naquele período ele não conquistar seu coração, pode esquecer. Nem se esforce muito, pois pode ser que não seja uma série muito boa. São aqueles seriados que até chegamos a acompanhar, mas que quando terminam repen-tinamente, e às vezes até ficarmos tristes com isso, reconhecemos que foi para o melhor e que, pelo me-nos, tentamos. Para quem quiser testar a sensação, recomendo Flash Forward.

Mas, se o seriado for aprovado, é a vez da fase de começo de namoro. Tudo é gostoso, tudo é novo, diferente, e cada encontro é esperado com grande expectativa e ansiedade. Mil perguntas se formam na cabeça, e é grande a vontade de saber mais e

de passar mais tempo com a pessoa. Este é o período do meio de temporada, no qual todos os problemas e grandes cenas aconte-cem para se desenrolar até o final. Mas, o final da temporada, esse sim pode ser comparado à época do primeiro “eu te amo”, da paixão arrebatadora. Alguns finais nos deixam tão atônitos que esperar meses por uma próxima temporada é um martírio. E assim são todos os últi-mos episódios de Game of Thrones, assim como Su-pernatural em sua fase de ouro e a nova série Arrow, sobre o Arqueiro Verde.

Depois disso, é só co-nhecer a casa da sogra, ser apresentado para a família, e se sentir confortável no relacionamento. Estas são as segundas e terceiras temporadas em diante. As séries nos conquistam, sabemos que vamos nos encontrar naquele mesmo dia da semana, no mesmo horário durante meses, e quase já podemos prever alguns fatos, cenas e falas, já decoramos os bordões e cenários. E assim como em muitos relacionamen-tos, por anos vamos viver juntos. Friends, Gilmore Girls, Um Maluco no Peda-ço, E.R., Sex and The City, How I Met Your Mother e inúmeras outras séries têm tido este potencial de impacto. No final das temporadas choramos e sofremos por dias, até mes-mo semanas. Mas, claro, há dois modos de acabar: com um lindo final, ótimas lem-branças e um sentimento de que valeu a pena, ou com raiva, depois de um péssimo final, sentindo que as últimas cenas foram as responsáveis por estragar toda a sua linda história de amor, quando na verdade você foi inocente demais para perceber os sinais de que ela já havia acabado há algum tempo.

Correspondência:Faculdade de Comunicação – Campus Taquaral – Rodovia do Açúcar, Km 156 – Caixa Postal 68 – Telefone: (19) 3124.1676 - E--mail: [email protected]

Impressão: Jornal de Piracicaba. Tiragem: 1.000 exemplares.

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edição 01 • Junho/2014 3Jornal Classede saúde

José Luiz Zuliani Jú[email protected]

Uma doença envolta em mitos, verdades e uma única certeza:

sem cura conhecida. O mal de Alzheimer se encaixa na categoria das patologias neurodegenerativas, ou seja, que afetam o sistema cerebral e diminuem suas funções, como explica o neurologis-ta clínico André Gallina: “Trata-se de uma doença de causa desconhecida, sen-do seu principal sintoma a demência. Classicamente, se inicia comprometendo a memória recente do indiví-duo, sendo posteriormente afetados a linguagem, a ca-pacidade executiva, a orien-tação tempo-espacial e até o comportamento”.

Segundo dados da ABRAz (Associação Brasileira de Al-zheimer), no Brasil existem por volta de 1,2 milhão de casos, mas nem todos diag-nosticados. Gallina observa que a doença se manifesta com mais frequência em mulheres na faixa etária aci-ma dos 65 anos. Outro fator amplia o drama vivido pelos portadores é fato da doença ser considerada incurável. “Não existe cura comprova-da, e certamente há muito (trabalho de pesquisas) sen-do desenvolvido, mas muito pouco para ser colocado em prática na parte clínica do tratamento”, complementa.

A única alternativa no tratamento é o uso de me-dicação e estimulação da atividade cerebral, mas, mes-mo assim, os efeitos obtidos são apenas de retardamento da fase mais avançada. “O paciente tratado ou não tra-tado terá o mesmo tempo de sobrevida, mas o que não recebeu tratamento passará mais do seu tempo total da doença em uma condição pior”, explica Gallina.

Para piorar a situação, quem depende do serviço público de saúde tende a enfrentar complicações para o tratamento dos portadores. A liberação de atendimento e medicação gratuita de-pendem de avaliação feita por um método chamado de Meem (Mini Exame do Estado Mental), aplicado aos pacientes diagnostica-dos pelos órgãos públicos de saúde. Dependendo da pon-tuação obtida pelo portador nesse teste cognitivo, ele é encaixado em um dos quatro graus de progressão (leve, moderado, moderadamente avançado e avançado). Nos casos em que se o grau já se encontrar em níveis elevados, a cessão de medicação gratui-ta não é autorizada, já que o alto investimento não teria os efeitos de retardo satisfató-rios, configurando-se como “investimento sem retorno”.

Gisele Capucci, enfermei-ra e uma das fundadoras da casa de repouso Nosso Lar, que atende 25 senhoras portadoras do Alzheimer, explica que o tratamento de-manda um alto investimento financeiro, e esse suporte

Portadores de Alzheimer sofrem com ausência de suporte do poder público; cotidiano dos familiares também é influenciado

restrito do poder público faz com que as famílias optem por instituições particulares para o auxílio e orientação. “As vagas disponíveis em instituições públicas como o Lar Betel, por exemplo, têm uma fila de espera grande e são disponibilizadas também com base no grau da doença que o portador se encontra, o que é detectado por uma entrevista física e mental feita antes”, acrescenta.

Mas, segundo Cássia Sam-paio, que também dirige a instituição, outros pontos

levam os familiares a procu-rarem auxílio profissional particular. “É muito difícil conseguir gente de confiança que trabalhe como cuidador de idosos, principalmente com Alzheimer. Além dis-so, o cuidador se encaixa na categoria de empregado doméstico, que agora conta com uma série de legalidades trabalhistas, o que encarece seu custo. E principalmente a dificuldade da família em cuidar dos portadores da doença, que demanda uma exclusividade muito grande de tempo dos envolvidos em relação ao cotidiano do portador”, esclarece.

Na visão do neurologista André Gallina, a defasagem no atendimento público é

Naira Pacífico e sua mãe Neide, portadora da

doença há dois anos: apoio faz a diferença

Perfil

1,2 milhão - É o número

estimado de pessoas com

Alzheimer no Brasil

35,6 milhões - Número total

estimado de diagnosticados

no mundo

Mulheres acima 65 anos

- Perfil da maioria dos

diagnosticados no país

12 anos - É a expectativa de

vida média de um portador a

partir do diagnóstico

O que pode levar ao

Alzheimer?

• Episódios passados de

depressão

• Alcoolismo

• Tabagismo

• Sedentarismo

• Diabetes

• Estresse frequente

• Hipertensão

Tratamento• É uma doença sem cura conhecida pela medicina

• Possui um método paliativo de tratamento, via medicação• As fases mais graves da doença podem ser retardadas com apoio da família e amigos

• Atividades que estimulam o lado mental e cognitivo dos portadores auxiliam no atraso da fase terminal

Como detectar o Alzheimer?• Lapsos de memória frequentes, como esquecer nomes de pessoas próximas, ou localização de objetos• Mudanças repentinas de humor e comportamento• Senso de direção e localização prejudicados (como por exemplo, esquecer o caminho de casa após sair para alguma atividade)• Repetição de ações e informações

Consequências• Perda da capacidade cognitiva e mental;

• Capacidade motora comprometida;• Em graus elevados, atinge as funções do sistema digestivo;• Por afetar diversos sistemas do corpo, serve de porta de entrada para cânceres, mal de Parkinson e outras doenças degenerativas.

Convivendo com o “Mal”

decorrente de diversos pon-tos, desde falta de pessoal especializado até a ausência de políticas públicas adequa-das. O especialista mostra, entretanto, pontos positivos no atendimento. “Percebo que nosso sistema de saúde é falho quanto à disponibilida-de de profissionais de triagem e especialistas qualificados para dar o suporte médico ao paciente. O que hoje está bom é a disponibilidade de pelo menos uma categoria de medicamento modificador da doença, distribuído pela farmácia de alto custo da cidade. Mas, infelizmente, a outra classe de medicamen-tos de primeira linha que complementa o tratamento não está disponível”, analisa.

ExperiênciasO programador Vitor

Lima, 22, teve um caso da doença em sua família. Seu pai faleceu aos 67 anos com complicações decorrentes do Alzheimer, e Lima relembra a dificuldade em optar por ações públicas no tratamento da doença. “Para o tratamen-to pagamos (internação) particular. Não optamos por tratamentos públicos, pois infelizmente não funciona em nosso país”, pontua.

O contato entre família e portador é um dos pontos principais para se lidar com a doença, como relata Lima, que teve seu pai diagnosticado com Alzheimer há três anos. Logo após a confirmação da doença, toda a rotina da família se alte-rou. “Foi complicado. Tivemos que nos estruturar para cuidar de uma pessoa com uma do-ença diferente. Minha mãe parou de trabalhar, passamos a esconder as chaves da casa, coisas perigosas etc”, relembra.

Os primeiros indícios da doença geraram preocupa-ção na família do progra-mador. Quando saiu para pagar algumas contas, “seu” Ari esqueceu o caminho de casa e se perdeu, sendo en-contrado somente no outro dia. Lima lembra que o pai, mesmo com o diagnóstico comprovado, se negava a aceitá-la. “Ele dizia que não tinha nada, que estava tudo bem, mas nós percebíamos que ele respondia de um jeito como se não entendesse o que queríamos dizer. Parecia que estava vivendo em um mundo paralelo”.

Ari faleceu três meses atrás, vítima de um câncer na faringe e com um grau avançado de Alzheimer. Seu filho lembra as experiências que o convívio proporcio-nou para ele e sua família e a importância da ação ativa de todos os familiares. “Aprendi que mesmo com a doença, mesmo ele vivendo em um mundo paralelo, a melhor coisa a se fazer era apoiá-lo, cuidar e dar carinho dizendo coisas boas que o confortas-sem. Fazê-lo feliz, mesmo doente”, complementa.

Exemplo de que a con-vivência com um portador da doença é uma questão de adaptação e apoio é o da artista plástica Naira Pacífico, cuja mãe foi diagnosticada há dois anos com Alzheimer e atualmente está sob os cuidados de uma instituição particular de assistência. Naira explica que sua mãe não tem noção de que está doente, e que o cotidiano – na visão de sua mãe – continua o mesmo. “O mais importante é a família compreender e aceitar. Não fazer disso um drama. E dar todo o apoio necessário, estando sempre presente”, recomenda Naira.

A artista plástica acrescen-ta que disposição e apoio são imprescindíveis nessa nova fase que sua mãe passa, e que o diálogo e convívio dos familiares e pessoas próximas em relação aos portadores faz com que o tratamento e adaptação sejam menos dolorosos. “Nós temos que aceitar os desafios. A vida nos leva a aprender e a conviver com eles da melhor forma possível”, finaliza.

Fotos: José Luiz Zuliani Junior

Alzheimer provoca perda da memória e afeta cotidiano dos portadores e familiares

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edição 01 • Junho/20144 Jornal Classedegolpe de 64

Gloria [email protected] de Cássia [email protected]

PRISÃOManoel Cirilo olha para

o passado e vê uma uma contradição. Sente-se ven-cido pela ditadura: “fomos derrotados pelo inimigo”. Por outro lado tem a convicção de que, mesmo assim, estava no caminho certo: “faria tudo de novo”. Militante da ALN (Ação Libertadora Nacional), participou de diversas ações armadas da guerrilha urbana nos anos de chumbo. Foi preso no dia 30 de setembro de 1969. “A minha maior mi-litância foi dentro da cadeia, eu passei dez anos preso, dez anos é uma existência”, avalia.

Foram dez anos difíceis. “Ao longo desse período eu vi de tudo. Vi toda a esquer-da ser dizimada e não só a esquerda armada. Todas as organizações, todos os indi-víduos que tinham o mínimo de dignidade que se revolta-vam foram dizimados, tortu-rados, chacinados”, desabafa.

Na cadeia, Cirilo lutou pela sobrevivência física e psíquica. “Eu estava conde-nado a 54 anos, e a ditadura estava muito forte. Você tem que se apegar a alguma coi-sa. Eu me apeguei à minha ideologia, à minha posição política, à minha visão de luta. Só depois que consegui sair da cadeia é que me dei ao luxo de relaxar, abaixar a guarda”, afirma.

Cirilo considera os mili-tares vitoriosos. “Golbery e Geisel diziam ser necessário encontrar meios e caminhos para institucionalizar o gol-pe. Eu, modestamente, acho que eles ganharam, acho que nós somos institucionaliza-dos. Essa história de que a democracia é um processo, que a gente está avançan-do, está conquistando, acho que é uma grande balela. Porque toda a estrutura e a superestrutura política, jurí-dica do país permaneceram a mesma. A legislação no que tinha de essencial continuou a mesma”, critica.

Olhando para os anos de luta, avalia correta a estraté-gia. “Sou, sim, um defensor ferrenho da forma de luta que adotei. Tinha erros e a história mostrou que tinha, sim, nós fomos derrotados pelo nosso inimigo. Mas eu sou contra a posição de inú-meros outros companheiros meus que começam a fazer seus relatos pela autocrítica dos nossos erros. Cabe a

mim apresentar o que eu fiz e defender. Faria novamente? Faria novamente, sim, se as mesmas condições se apre-sentassem.”

MORTEEstudante de medicina,

preso em cinco de janeiro de 1972, Hiroaki Torigoi foi militante da VPR (Vanguar-da Popular Revolucionária), da ALN (Ação Libertadora Nacional) e líder do Mo-lipo. Baleado e morto sob tortura, seu corpo nunca foi encontrado. Hoje, como um destes caprichos do destino, o viaduto que leva o seu nome passa justamente sobre a avenida 31 de março.

Mas, se Hiroaki tem um viaduto que leva seu nome, falta a ele um túmulo, uma lápide. Seu irmão, Shuniti Torigoi, testemunha a tristeza da família. “Foi muito difícil, principalmente para os meus pais. Pra mim também. Meu pai faleceu, minha mãe fale-ceu. Já passaram 42 anos e as ossadas nunca foram locali-zadas. Meu pai e minha mãe eram budistas e os budistas veneram muito os mortos.”

Hiroaki foi torturado por uma equipe liderada pelo atual coronel reformado Car-los Alberto Brilhante Ustra, na época o chefe do DOI--CODI (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna) de São Pau-lo. A lei da anistia impediu o militar de ser preso pelos seus crimes. “O Brilhante Ustra, que foi um dos grandes torturadores, um dos grandes assassinos da época, está livre”, reclama Torigoi.

A história dessa família reflete o clima pesado im-posto pelos anos da ditadura no Brasil. Silêncio, opressão, truculência, desumanidade. Torigoi compreende que a po-lítica tomou outro rumo e que o país vive agora um período democrático. Mas quando relembra o assassinato do irmão, desabafa: “A dor ficou”.

EXÍLIO“Aos 17 anos eu sofri um

golpe.” Sim, o golpe não foi só no Brasil, mas em bra-sileiros como Ana Mariza Fontoura  Vidal. Carioca de

Santa Tereza, em 1964 vivia em Recife com os pais. Tra-balhava num órgão cultural do Instituto do Açúcar e do Álcool, o Museu do Açúcar e, através dele teve contato com a elite intelectual e artís-tica de Recife, pessoas como Ariano Suassuna, Paulo Frei-re e Francisco Brennand.

Em 1963 conheceu Paulo Freire, que fazia o treina-mento do método que criou para alfabetizar adultos da periferia e do campo. “Era um método criativo maravi-lhoso, que ensinava a partir do contexto da comunidade, que mostrava o malefício da exploração do trabalho, da divisão de classes.”

Com o golpe militar, em 64, todo esse trabalho parou. Segundo Ana Mariza, co-meçaram as perseguições, as torturas e prisões em todas as áreas da sociedade que tinham um pensamento mais de esquerda. “Foi um choque muito grande, porque tudo o que eu fazia até aquele mo-mento estava calcado em toda minha formação. E eu não conseguia ver aquilo como motivo de prisão, tortura e morte. Era uma coisa esqui-zofrênica, surrealista”, explica.

Anos após o gol-pe, ela passou a ser perseguida, por ter trabalhado com Paulo Freire e, posterior-mente, com dom Hél-

PASSO A PASSO DO REGIME

Contar a verdade

A minha maior militância foi dentro da cadeia, eu passei dez anos preso, dez anos é uma existência.Manoel Cirilo

Já passaram 42 anos e as ossadas [do irmão Hiroaki] nunca foram localizadas.Shuniti Torigoi

A ditadura alienou completamente as pessoas da participação política. Vivemos em um mundo fake.Ana Mariza

der Câmara e, seguindo a orientação de um advogado de presos políticos, ficou fora do país por dois anos. Nem mesmo seus pais conheciam seu endereço.

Analisando o contexto atual, Ana Mariza apresenta uma visão crítica. “Isso que está aí e que chamam de democracia pelo menos nos garante o direito ao voto e à livre expressão. Mas que democracia é essa em que as pessoas pensam de acordo com o que ouvem na mídia? O que ouvem é montado ideologicamente”, dispara. “Eu me considero derrotada em ideais, em valores, em desejos e sonhos. Nós fomos derrotados no sonho de um país melhor, no sonho de um país do qual a gente tivesse orgulho”.

A psicóloga lamenta a ilu-são difundida pela imprensa de que um dia, um governo bom fará um país maravi-lhoso, sem a necessidade da participação e envolvimento do povo. “A ditadura alienou completamente as pessoas da participação política. Vi-vemos em um mundo fake. Todas essas palavras que dizem respeito ao ser huma-

1964

Os anos da ditadura civil militar iniciada em 1964 transformaram o cenário do Brasil. Em todos os estados do país a censura e a repressão mudaram a história de muitos brasileiros heróis da resistência, que têm suas vidas marcadas pela prisão, morte, exílio, tortura e clandestinidade.

19/03/1964 31/03/1964 09/04/1964 27/10/1965 13/12/1968 25/10/1975 02/03/1983 25/01/1984 15/01/1985 15/03/1985O protesto marcha da família com Deus pela liberdade reúne cerca de 500 mil pessoas em São Paulo.

Tropas militares se deslocam de Minas Gerais em direção ao Rio de Janeiro para depor Jango.

Instaurado pelos militares, o AI-1 suspende os direi-tos políticos dos opositores.

O AI-2 torna indiretas as eleições para presidente e acaba com os partidos.

O AI-5 concede poderes ilimitados ao presidente da República.

O jornalista Vladimir Herzog é morto na sede do Doi-Codi em São Paulo.

O deputado federal Dante de Oliveira (MDB) propõe emenda que restau-ra eleições diretas para presidente.

Na Praça da Sé, em São Paulo, acontece o maior comício pelas Diretas Já.

Tancredo Neves vence Paulo Ma-luf em eleição indireta para presidente.

O presidente eleito Tancredo Neves não assume a Presidência por motivos de saúde, entra em cena o seu vice José Sarney.

Evandro Teixeira

Gloria Cavaggioni

Thais Firmino

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edição 01 • Junho/2014 5Jornal Classede

dóigolpe de 64

no: solidariedade, liberdade, consciência política, arte, tudo isso é fake. E aí, haja brilho artificial, porque não há mais brilho nos olhos, não há mais esperança.”

Ana Mariza sente-se uma pessoa muito feliz por ter vivido metade do século XX, uma época que considera rica pela presença da ação de pessoas que, mesmo equi-vocadamente às vezes, ba-talharam pelo bem, tinham causas, ainda que ilusórias. Entretanto, é pessimista em relação à herança do período. “O legado do golpe, aliado à nossa cultura [política], é um país em ruínas.”

TORTURANo último dia 03 de maio

José de Lima completou 82 anos. “Mas tenho ainda luci-dez suficiente para denunciar as sujeiras que esse pessoal fez”, afirma referindo-se aos militares.

José de Lima, Lima ou Zezo para os familiares, é uma das pessoas que deixa-ram sua vida particular para se dedicarem à luta contra o regime ditatorial. Eletricis-ta industrial, sindicalista e militante, foi o responsável pela formação da base da

Valeu a pena, faria tudo de novo. Tenho orgulho de ter feito o que fiz, porque eu não me acovardei.José de Lima

Renato Simões *

O dia 31 de março de 1964 tem que ser lembrado como um dos mais trágicos da his-tória do Brasil. A deposição do presidente da Repúbli-ca João Goulart pelo golpe militar impediu que fossem realizadas reformas estrutu-rais na sociedade brasileira que até hoje nos fazem falta.

Apesar do curto perío-do e de todas as tribulações ocorridas – quando houve, inclusive, um período em que Jango teve seu poder limitado, pois, em desrespeito às leis brasileiras da época, passou a vigorar o parlamentarismo no país– o mandato de João Goulart é um dos mais signi-ficativos que o Brasil já teve.

Há mais de cinquenta anos, Jango pautou de maneira pio-neira temas de fundamental importância para o país. Suas reformas de base, comandadas por nomes como Darcy Ribei-ro, Celso Furtado, San Thiago Dantas, Roberto Lyra, Ulisses Guimarães e Afonso Arinos de Melo Franco, dentre outros, criaram marcos institucionais de referência para a democra-cia brasileira, como o Estatuto do Trabalhador Rural.

As reformas propostas e to-lhidas pelo golpe foram e são referências para as que ainda hoje estão sendo propostas para o país. Temas como o das reformas agrária e urbana adentraram na pauta nacional e os projetos então propostos são claramente inspiradores dos que hoje são debatidos no Congresso Nacional.

Os militares viam “fan-tasmas” do comunismo em todos os lugares. Isso gerou o horror das torturas e de-saparecimento de milhares de pessoas que se opunham ao regime. Tantas outras que sequer tinham qualquer envolvimento com os movi-mentos de oposição tiveram suas vidas ceifadas.

A ditadura militar se tor-nou responsável direta pela maioria das injustiças sociais existentes no país quando tomou o poder de assalto e

Rescaldos da ditaduraimpediu as mudanças que estavam sendo realizadas.

A grande concentração de terras, a especulação imobi-liária e financeira, a pesada carga tributária que recai majoritariamente sobre os trabalhadores e as classes populares da sociedade, en-quanto os mais ricos têm seus tributos amenizados e, claro, a concentração e falta de democracia dos meios de comunicação que reina no Brasil são consequências da tomada de poder pelos mili-tares e do regime de exceção que se implantou no país.

A censura e a autocensura da imprensa não permitia que o conjunto da popula-ção percebesse o que estava acontecendo. Tanto no que se refere a aspectos sociais, quanto aos econômicos. As enormes dívidas interna e ex-terna brasileiras tiveram um grande salto neste período.

O chamado “milagre eco-nômico” não passava de um truque, uma campanha de marketing, que se somava à repressão, para contribuir com imobilismo social. Uma velha tática de manutenção da hegemonia.

A alteração das forças sociais foi retomada com a chegada do PT ao governo federal. Mas, engana-se quem acha que o poder está nas mãos do PT, nas mãos dos trabalhadores. Este é apenas o início da guerra. Muitas das denúncias contra o PT e seu governo fazem parte do jogo de poder que têm regras impostas pela atual elite do-minante e têm a intenção de impedir que o PT e os mo-vimentos sociais e populares que o apoiam se consolidem como a principal força social e realizem as reformas estru-turais das quais o país precisa.

*Renato Simões é filósofo, pós-gra-duado em direitos humanos. Membro do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, integrante da Comissão Especial de Indenização aos Ex-Presos Políticos do Estado de São Paulo, desempenha importante papel na defesa dos direitos humanos, inclusive em relação à violência do Estado contra o cidadão. Atualmente é deputado federal pelo PT/SP.

PRESIDENTES DA DITADURA MILITAR

1964 a 1967 Humberto de Alencar Castello Branco1967 a 1969 Arthur da Costa e Silva1969 a 1974 Emílio Garrastazu Médici1974 a 1979 Ernesto Geisel1979 a 1985 João Baptista Figueiredo

a verdade

ALN (Ação Libertadora Na-cional) em Guarulhos. Ouvir suas histórias só reforça a percepção da truculência da ação dos militares no perío-do. Prisões arbitrárias eram a rotina e a tortura prática comum. “Fiquei dez dias no DOI–CODI e fui torturado de uma maneira absurda. Depois me mandaram para o DOPS. Quando eu cheguei no DOPS [Departamento de Ordem Política e Social], às duas horas da manhã, fui direto para o pau de arara”, narra o ex sindicalista.

Durante os sete meses em que ficou preso teve contato com diversos personagens que marcaram a história. Conta que frei Tito, ao deixar a prisão, fez questão de cum-primentar cada companhei-ro. Lembra também a solidão dos presos: “Na prisão a gente fala o menos possível. Mes-mo com os companheiros, por mais que a gente tenha coisas em comum. Quanto menos falar melhor”.

Quando saiu da prisão toda a organização havia sido dizimada. “Não tinha mais ninguém”, salienta. Lima procurou a justiça militar e denunciou as torturas sofri-das, mas muitos companhei-

A Unimep com certeza foi um oásis para algumas pessoas. Para mim foi.Dorgival Henrique

Análise

19/03/1964 31/03/1964 09/04/1964 27/10/1965 13/12/1968 25/10/1975 02/03/1983 25/01/1984 15/01/1985 15/03/1985O protesto marcha da família com Deus pela liberdade reúne cerca de 500 mil pessoas em São Paulo.

Tropas militares se deslocam de Minas Gerais em direção ao Rio de Janeiro para depor Jango.

Instaurado pelos militares, o AI-1 suspende os direi-tos políticos dos opositores.

O AI-2 torna indiretas as eleições para presidente e acaba com os partidos.

O AI-5 concede poderes ilimitados ao presidente da República.

O jornalista Vladimir Herzog é morto na sede do Doi-Codi em São Paulo.

O deputado federal Dante de Oliveira (MDB) propõe emenda que restau-ra eleições diretas para presidente.

Na Praça da Sé, em São Paulo, acontece o maior comício pelas Diretas Já.

Tancredo Neves vence Paulo Ma-luf em eleição indireta para presidente.

O presidente eleito Tancredo Neves não assume a Presidência por motivos de saúde, entra em cena o seu vice José Sarney.

Marcos Muzi

Gloria Cavaggioni

Lucas Guizo

ros seus não suportaram e morreram. “Manoel Filho, Vladimir Herzog, foram as-sassinados brutalmente. Se eu não tivesse uma estrutura física muito boa eu tinha morrido. O que eu sempre digo, depois de tudo que a gente passou nessa ditadura militar, é que quem supor-tou é um vencedor. Até hoje eu tenho sequelas disso, eu sonho que estou sendo tor-turado. E isso não é de graça.”

Fazendo as contas, afirma categoricamente: “Valeu a pena, faria tudo de novo. Tenho orgulho de ter feito o que fiz, porque eu não me acovardei. Vi uma cena na televisão, um dirigente do Comitê Central do Partido Comunista, Gregório Be-zerra, amarrado na traseira de um jipe e arrastado pelas ruas de Recife, como se fosse um troféu. Isso é uma covardia. Naquele momento eu resolvi ir pra luta armada contra a ditadura militar, com muito orgulho”.

Ativo, Lima continua en-volvido com política. “Eu sempre digo que por pior que seja essa democracia em que nós estamos, nós temos que aperfeiçoá-la, não ir para uma ditadura. Na democracia temos a chance de fazer um país justo, sem tanta desigual-dade social. A ditadura não conserta nada, ela só destrói, ela só mata, ela só aleija.”

CLANDESTINIDADEDiretor da faculdade de

Gestão de Negócios da Uni-mep, Dorgival Henrique escrevia, no início dos anos 60, contra o aumento das mensalidades escolares num pequeno jornal fundado por ele e mais dois colegas, em São José do Rio Preto, ativi-dade considerada “coisa de comunista”. “Não podemos deixar de considerar que vivíamos uma conjuntura internacional interessante. Nós vivíamos na guerra fria, era 1964. A revolução cubana tinha acontecido em 1959. Os EUA, como é bem sabi-do, financiavam tendências golpistas que interessavam à América do Norte, queriam um alinhamento automático nosso”, explica o professor.

Durante a ditadura, estu-dou na UNB (Universidade de Brasília) e em 1968, um ano considerado por ele “bas-tante inflamado”, antes do Ato Institucional número 5, trabalhava de dia e estudava de noite. Experimentava o clima de uma grande uni-versidade como militante da AP (Ação Popular). “A UNB vivia mobilizada e agitada em torno de assembleias, muitas passeatas. Vivia constante-mente ameaçada de invasões. Se prezava muito a autono-mia universitária, até haver a invasão da universidade para se prender o líder do DCE [Diretório Central dos Estudantes]”, conta.

Com o AI 5, as coisas tomaram outro rumo. Tudo passou a ser clandestino. A ditadura criou um decreto chamado 477, que punia tanto os professores como os alunos considerados sub-versivos com a suspensão do direito de ministrarem ou assistirem aulas durante três anos.

“Comecei a viver a mi-litância clandestina nessa época”, diz Dorgival. Em 1972 houve o julgamento de um processo no qual seu nome estava envolvido e foi condenado por integrar or-ganização subversiva.Vários companheiros de movimen-to estudantil foram presos. Resolveu, então, morar em São Paulo, clandestinamente. “Até a própria residência era difícil arrumar, porque tudo era vigiado”, lembra.

Dorgival veio para Piraci-caba em 1979. Segundo ele, na Unimep encontrou um clima muito interessante, muito participativo. “Fui ao Salão Nobre e encontrei o professor Elias Boaventura, que era o reitor da época, dizendo que a universidade não pode ser tecnoburo-crata, que precisávamos ter participação de estudantes e professores. Isso em 79, sob o regime de João Batista Figueiredo”, relata. A cida-de favorecia o encontro da oposição, pois o prefeito era João Herrmann Neto, que também teve sua militância na esquerda. A Unimep, por seu lado, começou a abrigar e dar guarida a vários congres-sos. “A Unimep com certeza foi um oásis para algumas pessoas. Para mim foi.”

Ao analisar o passado, reconhece que teve uma trajetória muito difícil, po-rém salienta que, o fato da Unimep ser um espaço dis-ponível para muitos perse-guidos ou presos políticos recomeçarem suas vidas fa-voreceu a formação de uma universidade participativa. E completa: “Na Unimep esse caldo cultural efervescente fez com que fossem cons-truídas políticas acadêmicas e fosse institucionalizada a questão da participação, dos colegiados, da democracia, que compõem o estatuto, o regimento e a cultura de gestão dessa universidade”.

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edição 01 • Junho/20146 Jornal Classedegolpe de64/entrevista

As primeiras reações na cidadeA cidade, no geral, apoiou

o golpe. Foram poucas as re-ações contrárias aos militares naquele momento. Mais ou menos 10% da cidade eram formados por operários. Piracicaba já estava acostu-mada com uma movimen-tação grande de greves e de reivindicações, e talvez até por causa disso tivesse tam-bém o seu lado conservador, com as elites acostumadas, inclusive, a solicitar a ajuda da polícia desde os anos 40 e 50 pra combater esse tipo de manifestação. Os repre-sentantes do poder não rea-giram contra, pelo contrário aplaudiram. O golpe aconte-ce no dia 31 e os vereadores continuam falando sobre luz, água, buraco, como se nada houvesse.

Marcha pela famíliaO mais emblemático da

cidade, de como ela apoia os militares, é a marcha pela família, que acontece no dia 9 de abril, depois do golpe. A convocação foi para as três da tarde. As indústrias pararam, o comércio fechou, as escolas dispensaram os alunos, ou seja, a cidade parou para que as pessoas pudessem ir à marcha. Ela começou na es-tação da Paulista e terminou aqui na catedral. Havia real-mente uma multidão imensa. Todo tipo de entidade que você pudesse imaginar estava na marcha.

A cidade após o golpeO clima da cidade é de

preocupação, no sentido de que a repressão começa aparecer. O delegado regio-nal, que é o representante do DOPS na cidade, prende as lideranças sindicais e alguns estudantes. Para Piracicaba vêm, por exemplo, alguns vereadores de cidades pró-ximas que são considerados comunistas ou suspeitos de subversão. Os sindicalistas

Piracicaba caminha do apoio à reação ao golpe

ficam presos bem mais tem-po. É como se a cidade tivesse um núcleo comunista, de subversivos, muito grande, porque em dois ou três dias a cadeia lota. Há prisões das mais absurdas, por causa de livros, por causa de quadro que tem o Marx em um de-senho. É uma época em que tudo aquilo que você ouve, que você lê que acontece nas grandes cidades, acontece em Piracicaba, envolvendo notadamente estudantes e sindicalistas.

Informantes da UnimepHá registros deixados

pelo ex-reitor, o professor Elias Boaventura, de que a universidade era solicitada pelos órgãos da repressão a encaminhar informações sobre professores e alunos, com relação a atividades sub-versivas. Muitos professores, inclusive, não chegaram a ser

presos porque a universidade tinha informantes dentro da polícia, que faziam o jogo e que informavam antes que a repressão surgisse.

Mudança de posturaA partir dos anos 78,

quando o João Hermann chega à prefeitura, há uma aliança entre ele e o reitor da Unimep, que permite que a quebra da ditadura comece a ser feita. Piracicaba deixa de ver a questão meramente local pra abrir espaço pra uma reação que começa a se formar nacionalmente, contra a questão da censura, pela anistia, contra a tortura, de reativação dos partidos políticos, de organizações populares. Então quem não

Você só vai conseguir formar

novas gerações que entendam

o que foi a ditadura se essas novas gerações se apropriarem dessas histórias

pessoais

1964

Beatriz Vicentini estuda há anos o que aconteceu em Piracicaba durante o período da ditadura militar e com a participação de outros autores locais, organizou um livro sobre o tema. Nesta entrevista, avalia os impactos da ditadura em Piracicaba, fala sobre a reação inicial favorável da maioria da cidade e a mudança de postura, já no final dos anos 70.

Thais [email protected]

A Comissão Nacional da Verdade foi instituída em maio de 2012. Criada atra-vés da Lei Federal 12.528, de 2011, seu objetivo é explicar e apurar as violações aos direitos humanos que ocor-reram no país entre 1964 e 1988 e como vivia o Brasil no período da ditadura militar.

A iniciativa repercutiu em Araras (SP) e graças a uma proposta do presidente da Câmara Municipal, Breno Zanoni Cortella (PT), o gru-po foi criado no município no dia 7 de maio de 2013. A comissão é composta por cinco membros: os verea-dores Eduardo Elias Dias (PHS), Francisco Nucci Neto (PMDB) e Valdevir Carlos Anadão (PT) e o historiador

Comissão apura violação de direitos humanos em Araras

Fábio Eduardo Cressoni, além do presidente.

O principal objetivo da Comissão em Araras é escla-recer os fatos relacionados ao afastamento de um prefeito que foi impedido de exercer suas funções, coletar docu-mentos e informações sobre a história da cidade durante a ditadura militar, e contribuir

com as comissões Nacional e Estadual da Verdade.

Durante a ditadura, Ara-ras sofreu uma intervenção federal, que resultou na cas-sação do mandato do então prefeito Milton Severino. Ele foi afastado do seu cargo em 1970, e quem assumiu, como interventor, foi o coronel Theodoro de Almeida Pupo.

“O nosso objeto de es-tudo não é o mandato da interventoria na cidade de Araras. O objetivo é a viola-ção do direito dos cidadãos de Araras de não poderem eleger e serem governados por um dos seus represen-tantes”, diz Cortella.

O trabalho da Comissão incluiu pesquisa em acervos dos jornais locais e também nas atas das sessões da câ-mara na época. Também foram realizadas pesquisas em documentos do Arquivo Público do Estado de São Paulo, da Biblioteca Nacio-nal do Rio de Janeiro e do Distrito Industrial. O passo seguinte foi a captação de depoimentos, e de um total de 30 pessoas selecionadas apenas dez se dispuseram a falar. “As pessoas que viveram

tem onde se reunir acaba vindo para Piracicaba. Os petroleiros de Paulínia, por exemplo, decretam a primei-ra greve depois de 64 num congresso que eles fazem no Campus Taquaral. Os meta-lúrgicos do ABC, que estão começando a ter a sua orga-nização, se reúnem muitas vezes com Lula aqui. É um outro momento que a cidade começa a viver, é o processo de reação à ditadura.

Parceira Unimep e prefeituraO papel da Unimep cresce

realmente a partir do reitora-do do professor Elias. Eu diria que não existe coincidência na história. O fato é que Pira-cicaba foi privilegiada por, no

mesmo momento, estarem em postos de lideranças na cidade o João Hermann e o Elias Boaventura. A Unimep poderia ter um discurso acadêmico muito ousado pra época, mas se ela não tivesse um suporte na cidade para, politicamente, encaminhar as suas lutas, é provável que ela não tivesse tido uma papel tão significativo como teve. Os dois congressos da UNE aconteceram porque estavam juntos prefeitura e Unimep.

Apoio aos perseguidosNão da pra se ter essa ilu-

são de que João Hermann e Elias concordavam em tudo, eles tinham diferenças sérias em muitas questões, mas no essencial eles concordavam, que era a necessidade de enfrentar os militares, de enfrentar a ditadura. E nesse aspecto Piracicaba realmente é uma referência, porque, tanto na prefeitura quanto na Unimep, pessoas quando chegavam do exílio e preci-savam refazer a vida profis-sionalmente e politicamente tinham espaço.

História localRecontar a história de

Piracicaba é falar em outras relações entre empresários e sindicalistas, em todo o processo em que eles eram presos, é falar de diretores de escolas que denunciaram professores, é falar, por exem-plo, de estudantes que foram presos porque professores denunciaram. Quem é mais jovem não vai nunca entender o que é a ditadura se não con-seguir saber dessas histórias, especialmente as histórias do vizinho, do pai, do irmão, do tio, da avó, do conhecido e do parente. Porque são justa-mente as pessoas a quem você é emocionalmente ligado que conseguem trazer para mais próximo de você a sensação do que é você ser censurado, preso, exilado, você perder o emprego, você ser vigiado. Você só vai conseguir formar novas gerações que entendam o que foi a ditadura se essas novas gerações se apropria-rem dessas histórias pessoais e não apenas da teoria da história geral que aconteceu no país, e isso só acontece se você souber das histórias na cidade onde você vive.

naquela época têm certa res-trição de falar, preferem dei-xar no passado esse período ruim, que não lhes trás boas lembranças”, avalia Cortella.

Os trabalhos da Comissão deveriam ter sido concluídos no dia 1º de abril, mas o prazo para encerramento foi prorrogado por mais um ano. Os resultados ficarão arma-zenados na Câmara Munici-pal e poderão ser consultados pela população, o que pode facilitar a ação de pesquisa-dores interessados em fatos que ocorreram neste perío-do. ”E a nossa Comissão da Verdade segue aquele mesmo espírito que nacionalmente tem sido divulgado, para que nunca mais se esqueça, para que nunca mais aconteça”, enfatiza Cortella.

Integrantes da Comissão da Verdade em reunião na Câmara Municipal de Araras

Diretoria de Comunicação da Câmara Municipal de Araras

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Page 7: Jornal de Classe ed. 01/Junho/2014

edição 01 • Junho/2014 7Jornal Classede política

Stefanie [email protected] [email protected]

O movimento Diretas Já, um dos mais ex-pressivos da história

política do Brasil, completa 30 anos em 2014. Em 1984 centenas de milhares de pes-soas, em todo o país, foram às ruas para exigir eleições dire-tas para presidente da Repú-blica e, com isso, encerrar de vez a ditadura que se instalou a partir de 1964. E Piracicaba foi um centro importante nesta mobilização popular, seus cidadãos participaram ativamente deste momento histórico.

As primeiras manifesta-ções contra a ditadura na cidade começaram antes, já em 1980. Elias Boaventura, reitor da Unimep (Univer-sidade Metodista de Piraci-caba) e João Hermann Neto (MDB), prefeito da cidade na época, fizeram história ao viabilizarem a realização do primeiro congresso da UNE (União Nacional dos Estudantes) após sua proi-bição pelo regime militar. Com apoio da prefeitura e da universidade, a cidade sediou o 32º congresso da entidade.

José Pedro Soares Martins, jornalista de O Diário de Pi-racicaba destaca o significado político da iniciativa para a cidade e em âmbito geral. “Foi uma festa de cidadania. Milhares de estudantes de todo país, pedindo o fim da ditadura, pedindo um ensino democrático, livre e gratuito para todos”, relata.

O congresso foi o início de uma série de outras manifes-tações que se seguiram nos anos seguintes. O sociólogo Luis Fernando Amstalden explica que no fim de 1982 ocorreram diversas mani-festações de protesto e pela democratização do país. “Em 1983 elas começaram a cres-cer e em 1984 chegaram ao auge”, observa.

O ponto central da mobi-lização popular no país e na cidade a partir de 1983 pas-sou a ser a chamada emenda Dante de Oliveira, que foi apresentada ao Congresso pelo então deputado federal, do MDB do Mato Grosso. Tratava-se de uma emenda

constitucional objetiva, com apenas um artigo e um pará-grafo único, mas que tinha a importância de, se aprovada, restabelecer a possibilidade do voto direto de todos os eleitores para eleger o presi-dente do Brasil.

O país passou a se unir cada vez mais e em Piracica-ba não foi diferente, como re-lata Martins: “Havia uma dis-puta grande entre os grupos políticos de esquerda, como o MR-8 (Movimento Revo-lucionário 08 de outubro), a Libelu (Liberdade e Luta), a Convergência Socialista, e o núcleo do PT que estava em formação na cidade e no Bra-

sil. Mas todos os grupos se uniam no momento de pedir as liberdades democráticas”.

Para Marcos Muzi, na época fotógrafo de O Diário de Piracicaba, o momento era de intensa mobilização social em busca de um único objetivo. “As pessoas tinham um grito na garganta que queriam por pra fora, essa sensação da injustiça, da diferença social, da má edu-cação, sabiam da onde vinha isso, sabiam que existia um inimigo comum a todos e que se mantinha só pela força”, observa.

O bancário e vereador de Piracicaba, na época mili-tante em prol do movimen-to, José Antonio Fernandes Paiva (PT) relembra a an-siedade da sociedade. “A gente presenciou, naquela oportunidade, o desejo que a cidade tinha de participar do processo de decisão e não mais admitia que as decisões se dessem pelo voto indireto”, enfatiza.

Grande parte das pesso-as atuantes no movimento das Diretas Já era composta por estudantes e professores que, por meio de seus ma-

Primeiros anos da década de 80 foram de intensa mobilização em favor da democracia na cidade

nifestos, eram vistos como subversivos aos olhos dos setores conservadores e vi-gilantes da cidade. Bruno Pucci, docente da Unimep e participante ativo do movi-mento, observa que o corpo estudantil daquela época não movimentava apenas os setores acadêmicos, mas também as ruas, em defesa da democracia. “Os estudantes, tanto da Unimep, quanto da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Quei-roz) movimentavam não só os setores acadêmicos, mas também as ruas na defesa da democracia”.

Bucci completa: “Piraci-caba, através de seus pode-res políticos e religiosos, de seus segmentos estudantil e docente, de seus partidos políticos, e de inúmeras orga-nizações sociais, se transfor-mou em uma pólis inquieta e combativa na luta pela democracia brasileira”.

Nessa atmosfera de ebuli-ção social, Piracicaba reunia lideranças das mais diferen-tes áreas da política, em atos que expressavam a vontade e o direito da população de decidir de forma direta quem

presidiria o país. Os atos em prol das Diretas Já foram realizados na Unimep e por toda a cidade, com destaque para a praça José Bonifácio, local em que a população em que ocorreram os co-mícios com maior número de participantes. Também foram realizadas passeatas pela cidade. Mas, segundo Amstanden, “o importante eram os comícios das Diretas Já que aconteciam”.

O movimento atraía à ci-dade as principais lideranças políticas do Estado de São Paulo e do país. “Os prin-cipais políticos vinham até aqui. Piracicaba sempre foi e

é até hoje um grande centro político, naquela época isso se mostrava, porque todos os grandes nomes da polí-tica estiveram nos comícios que Piracicaba organizou, era uma força, era um movi-mento tão forte quanto São Paulo, e sincero. Você via que não tinha manipulação de ninguém, era espontâneo”, observa Muzi. Uma das pre-senças marcantes na cidade foi a de Dante de Oliveira, que fez uma conferência na Unimep, no campus Centro.

Juan Antonio Moreno Sebastianes, professor de química desde 1968 e hoje fi-liado do Partido Verde (PV), relata a dificuldade de lecio-nar naquela época. “Como professor de Química, não tinha muito espaço para falar sobre o assunto nas aulas, mas vesti camiseta das Dire-tas e defendia a proposta com curtas falas em aulas e fora delas, pois sempre defendi a democracia plena”.

O ponto alto da mobi-lização ocorreu no dia 25 de abril de 1984, quando a emenda proposta por Dante de Oliveira foi votada no Congresso, e a expectativa que ela fosse aprovada era grande, tanto que foi decla-rado Estado de Emergência em Brasília.

Em decorrência das co-municações naquela época serem restritas, a Unimep criou um “sistema” de recebi-mento de notícias através da televisão, rádio e telefone. As informações eram recebidas na universidade e levadas até a praça José Bonifácio, como conta o jornalista José Pedro Soares Martins: “As informa-ções eram levadas para a pra-ça José Bonifácio, onde havia uma grande concentração popular. Eu acabei agindo como um dos mensageiros para levar informações para o povo reunido na praça”.

Para que a emenda fosse aprovada eram necessários 320 votos, mas apenas 298 deputados votaram a favor, os outros 65 votaram contra e três se abstiveram. Além disso, mais de 110 deputados não compareceram no dia da votação. Apesar de toda ex-pectativa em relação à aprova-ção da emenda que concedia à população o direito de votar diretamente para presidente do Brasil, o resultado foi de-cepcionante em virtude da pequena quantidade de votos favoráveis que faltaram para garantir a aprovação.

Mas, a sociedade não de-sistiu. A conquista do voto direto para presidente veio alguns anos depois, com a aprovação da Constituição de 1988. Em 1989 os brasileiro spuderam voltar às urnas, já em ambiente de liberdade de organização partidária, para votar de forma direta e livre para o cargo mais alto do Poder Executivo.

Piracicabana luta pelas

faz a diferença

Diretas Já

As pessoas tinham um

grito na garganta que queriam por

pra fora

Começou em 1983 e chegou ao auge da mobilização em 1984

Marcos Muzi, fotógrafoLuis Fernando Amstalden, sociólogo

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Fotos: Lucas Guizo

Page 8: Jornal de Classe ed. 01/Junho/2014

edição 01 • Junho/20148 Jornal Classedeentrevista

Isa Campos [email protected]

Piracicaba recebeu a Vi-rada Cultural Paulista nos dias 24 e 25 de maio em diversos pontos da cidade. Dentre inúmeras atrações, a banda pernambucana Nação Zumbi era a mais esperada e reuniu aproximadamente 10 mil pessoas no Parque do Engenho Central.

Com uma estrutura bem montada e organização da equipe, apesar do grande número de pessoas, nenhum tumulto foi relatado. Além da música, o evento contou com apresentações de dança, teatro, cinema, artes visuais, artes plásticas e literatura.

O grupo Nação Zumbi teve início em 1990 e hoje é influência para outras gran-des bandas como Paralamas do Sucesso, Planet Hemp e O Rappa. Com músicas como “Maracatu Atômico” e “Quando a Maré Encher”, os pernambucanos inovaram a música brasileira nas melo-dias e nas letras e movimen-taram Piracicaba.

Virada reúne 10 mil para ver Nação Zumbi

Isa [email protected]

A Unimep inaugura ofi-cialmente, no próximo dia 06 de junho, a exposição dos trabalhos do 22º Salão Uni-versitário de Humor de Pi-racicaba. A abertura acontece às 20h45, no átrio da Biglio-teca, mas será antecedida por um debate com cartunistas, às 19h30, no Sala Vermelha.

O Salão recebe todos os anos produções de alunos brasileiros e estrangeiro. Se-gundo Camilo Riani, profes-sor do curso de Design Grá-fico e presidente da comissão organizadora do evento, os trabalhos são classificados nas categorias charge, car-tum, caricatura e histórias em quadrinho e todos são julgados por especialistas. Os autores dos trabalhos vencedores recebem prêmio em dinheiro.

Além do prêmio em di-nheiro, o trabalho vencedor na categoria temático que

Unimep inicia 22º Salão Universitário de Humor

Isa [email protected] Luiza Gonç[email protected] [email protected]

Treinos de três a quatro horas de duração, ge-ralmente debaixo de

sol escaldante, em cima de uma moto de 1.000 cilindra-das que chega a 299 km/h. Esta é a rotina de um piloto de motovelocidade, e há quem pense que as exigên-cias estariam fora das pos-sibilidades de uma mulher. Cristiane Aparecida Tren-tim, 35 anos, mais conhecida como Cris Trentim, prova o contrário. Piloto profissional desde 2011, ela é a única mulher do Superbike.

Cris vive em Araraquara e sempre foi apaixonada por motos, mas há quatro anos essa paixão virou coisa séria. Desde então recebeu duas premiações, em sua primei-ra corrida, por ser a única mulher do campeonato, e conquistou o sétimo lugar em uma corrida debaixo de chuva, em Interlagos, sem nunca ter corrido sob estas condições antes.

Na entrevista a seguir, fala sobre sua carreira, di-ficuldades, conquistas e a preocupação da família com a sua opção.

Como você começou?Eu já andava de moto na

rua. Na época eu pertencia a uma equipe e tinha um parceiro de equipe, e ele também andava de moto na rua, além de ter corrido em 2010. Ele sofreu um acidente na primeira etapa, parou e fi-cou o ano de 2010 inteirinho sem o campeonato. Nós nos encontramos, e ele comentou sobre isso. Ele queria que eu saísse das rodovias e fosse pra um autódromo competir, por causa dos perigos que existem. Eu propus a ele um acordo: “eu começo a pilotar no autódromo, mas você retorna comigo”. Ele voltou e começamos a treinar.

Você sempre gostou de moto?Sempre gostei de carro e de

moto, mas meu pai nunca me deixou tirar habilitação de moto. Se eu tirasse de moto, não ia ganhar a habilitação. Mas, eu comecei a namorar e meu marido, na época, tinha uma moto, e comecei a pegar gosto. Aí eu me casei, tirei carta e acabou. Ninguém manda mais em mim, nem o marido (risos).

Como você se sente sendo a única mulher na sua categoria?Você não se sente a úni-

ca mulher, porque a hora que você coloca o capacete e o macacão você se sente igual aos homens. Eu sou mais um piloto no meio de tantos que tem aqui. Porque a gente se rotula mulher, a

gente se rotula frágil, mas eu nunca me vi dessa forma e eles nunca me viram dessa forma, os meninos sempre me trataram de igual para igual. Esse negócio de: “tem que ter mais cuidado, ela é diferente” (não existe). Eu não sofri preconceito, era mais uma admiração. Então, preconceito não teve.

No Brasil conseguir patrocínio é difícil. Você conseguiu rápido?Não. Eu achei que fosse

mais fácil por ser a primeira mulher na motovelocidade, no Super Bike, apostarem que eu futuramente fosse dar frutos. Mas é igual para todo mundo. Porque pra nós, aqui no Brasil, é só futebol. A exposição (da motovelocidade) continua fraca. A gente é um público grande, que assiste a moto-velocidade. São vários pilotos praticando o esporte, mas não é visto por todo mundo.

Qual foi o maior desafio da sua carreira?Foi correr na chuva. Porque

a hora que você se adapta com a coisa, que você está treinan-do, que você está fazendo, vem o imprevisto, que é a chuva. A gente treina no sol, a gente anda no sol, tem muito mais corridas com tempo bom do que com tempo ruim. Aí de repente você treina sexta-feira e sábado com um tempo mara-vilhoso e no domingo levanta e está chovendo.

E a maior conquista?Foi chegar em sétimo lugar

na chuva, nesse mesmo dia, inclusive. Eu larguei em 23º e cheguei em sétimo embai-xo de chuva. Então foi uma conquista e uma superação ao mesmo tempo.

Em época de competi-ção, como é sua rotina de treino?Em época de competição

a gente aumenta um pouco o ritmo de treino. Eu treino em kartódromo para condi-cionamento físico e depois a gente acaba indo mais pra cidade de origem, como In-terlagos, que são os lugares que mais têm as provas. Eu acabo saindo dos kartódro-mos e indo para Interlagos para treinar lá, porque aí eu estou dentro de casa, é maior. Eu faço isso três vezes por semana, às vezes duas, dependendo do meu ritmo, às vezes uma vez por semana em época de competição.

Como é seu treino?Treino pra moto velocida-

de é mais condicionamento físico. Ficamos pouco sen-tados na moto e as pernas é que seguram, tem que forçar a perna no tanque da moto porque os braços têm que ficar bem suaves, pra fazer a curva, porque se tencionar o braço, é dureza. E pra mim o melhor condicionamento físico é quando vou ao kar-tódromo, porque é pequeno

e não dá tempo de explorar todas as marchas. Não faço academia, porque não pode-mos ganhar massa muscular, porque senão ficamos tensos. Mas tem que ter exercícios aeróbicos. E eu também faço zumba, pra agilidade.

Qual o fato mais curioso da sua carreira?Foi a minha primeira cor-

rida, quando ninguém sabia que eu era mulher. Muita gente não sabia, só quem vi-via ali comigo, dentro do au-tódromo, pilotos, mas quem veio pra assistir não. Então gerava muito comentário: “Nossa! Parece uma mulher, mas será que é uma mulher ou um homossexual? Porque tem corpo de mulher, mas pode ser um menino”.

E quando você decidiu que ia entrar no campe-onato, como foi a reação da sua família?Então, na verdade, eu não

pedi e não comuniquei. Eles achavam que não ia aconte-cer isso e, quando eles viram, eu já estava dentro do cam-peonato. Eu não passei muito por esse negócio de pedir permissão, comunicar.

Eles reagem bem então?Não gostam. Meu pai prin-

cipalmente. É sempre assim: “Esse ano você não vai, não é? Está bom já, não é?”, mas não batem de frente comigo, não impõem o que eles querem, não tem essa imposição, mas eu sei que não é do agrado.

Existem muitas mulheres entrando no esporte, ele está se popularizando? Eu acho que sim, até por-

que logo que eu entrei, em Brasília, as meninas colo-caram um grid feminino. Reuniram várias meninas, acho que eram sete. O espor-te já começou a seguir para outro lado, mesmo quem não competia com os ho-mens já tentava montar um grid feminino e as mulheres começaram a se encorajar com isso.

Mas você sente falta de mais participação delas?Eu penso o seguinte: a

gente sente falta dessa par-

Piloto profissional de Superbike, Cris Trentim revela os desafios do esporte

Sobre

trate de questões educacio-nais ainda recebe o Prêmio Educar para Crescer – Facul-dade de Comunicação Uni-mep. Neste caso, a premiação inclui o pagamento referente

a dez obras do autor, que se-rão publicados pela Editora Abril. O regulamento e mais informações estão disponí-veis no site do evento: www.unimep.br/salaodehumor.

ticipação feminina, mas a gente entende que é por causa de patrocínio que isso não acontece mais, porque você tem que trabalhar para pegar o dinheiro do seu trabalho para manter esse esporte, e aí isso se transforma em um hobby porque o esporte no país não é visto da forma que é visto o futebol.

Você sente que tem algu-ma coisa em que os ho-mens são privilegiados? Não. O privilegio é o da

natureza, o homem é mais forte, talvez tenha mais con-dicionamento físico, mais por esse lado. Só que nós, mulheres, por sermos sen-síveis e, às vezes mais leves, também temos o lado privi-legiado da natureza, que é o sexto sentido, o racional, a gente pensa muito pra fazer. Os homens são mais impul-sivos, as mulheres são mais racionais.

Você já caiu?Cai uma vez só, a primeira

vez que fui ao autódromo. Isso foi em novembro e o campeonato era em feverei-ro. Eu andei o dia todo, e no final eu caí. E isso não me desmotivou em nada, muito pelo contrário, me deixou até com mais vontade porque aí eu queria mostrar que caí por imprudência minha, eu estava cansada, não tinha dormido e ainda estava ace-lerada, só caí por causa do abuso mesmo.

O que você sente quando está correndo?É indescritível, é difícil

falar, seria o mesmo prazer que o chocólatra tem quando come chocolate, é um prazer, uma adrenalina que só quem vai consegue sentir. É uma sensação de liberdade.

A corrida dura quanto tempo? Como você se sente quando chega ao fim?30 minutos. E você ter-

mina cansada com dor nas pernas, nas costas em tudo, mas é o prazer que conta. É o mesmo que o lutador: quanto mais bate e apanha, melhor, e as marcas que deixam é a certeza de que você fez.

duas

É indescritível, é difícil falar. (Correr) É uma sensação de liberdade

Cris Trentim corre desde 2011 e é a única mulher no

Superbike.

Para Riani, salão insere o humor gráfico na agenda universitária

Maria Luiza Gonçalves

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Page 9: Jornal de Classe ed. 01/Junho/2014

edição 01 • Junho/2014 9Jornal Classede arte

10 anosREPORTAGEM FOTOGRÁFICA

BressonTexto e Fotos: Lucas Guizo

[email protected]

Geometria, sensibilidade, percepção aguçada. Talvez estas três palavras possam definir – de maneira modes-

ta – os olhos do fotojornalista Henri Cartier-Bresson. Neste ano, completam-se 10 anos de sua morte, mais

precisamente, no dia 02 de agosto de 2004, aos 95 anos. Esta reportagem fotográfica relembra o legado dei-

xado por Bresson. Nasce do desafio de tentar (re)pro-duzir, em Piracicaba e redondezas, imagens baseadas nas técnicas inventadas e utilizadas por ele. São cenas do cotidiano da sociedade e a beleza da urbanização.

As fotografias representam sensações geométricas da estrutura da cidade, os passos rápidos dos cidadãos ocupados, momentos pitorescos – porém únicos – de

equilíbrio que só podem ser imortalizados pela câme-ra. Uma homenagem ao fotógrafo que produzia essas

cenas tão brilhantemente.

sem

Nascido em M o n t j u s t i n , França, em 22 de agosto de 1908, Henri-

-Cartier Bresson foi um dos fotojor-

nalistas mais importantes do sé-culo XX e denominado o pai do fotojornalismo, por dar início a uma percepção inovadora nesse quesito. Iniciou sua trajetória ar-tística pela pintura, expressando criatividade por meio do surre-alismo. Descobriu sua primeira máquina fotográfica, a famosa Leica, em 1932 e desde então se entregou completamente à fotografia.

Em 1947, em parceria com os fotógrafos Robert Capa, George Rodger, David ‘Chim’ Seymour e William Vandivert,  Cartier criou a agência de fotojorna-lismo Magnum, que resiste até hoje. Publicou inúmeros livros e artigos. Um dos principais é o Images à la sauvette, no qual ex-plicou que não há nada no mun-do que não tenha um momento decisivo. A obra recebeu o título de “instante decisivo”, atribuído por um tradutor do livro.

Até sua aposentadoria, em 1970, Bresson dedicou-se a clicar a vida europeia com exí-mio. Sempre foi extremamente criterioso com a finalidade que suas fotografias poderiam to-mar. Elaborava a composição e fotografava. Suas imagens eram sempre publicadas sem nenhum corte, realçando a borda negra do negativo, para confirmar sua veracidade. Cartier faleceu deixando um legado de conheci-mento, livros, exposições, filmes e prêmios por todo o mundo.

O “Olho do Século”

Arquivo

Page 10: Jornal de Classe ed. 01/Junho/2014

edição 01 • Junho/201410 Jornal Classedepolícia

Laiane [email protected] de [email protected]ália Crsitina [email protected]

Piracicaba registrou aumento de 23% no número de homicí-

dios em 2013. Em Limeira o crescimento foi de 20,8% e em Rio Claro de 70%. No ano passado Piracicaba sofreu com 58 casos de assassinato contra 48 ocorridos em 2012. Em Limeira foram 25 mortes desse tipo em 2013 e 18 casos em 2012 e em Rio Claro o aumento foi maior, foram 27 casos em 2012 contra 45 no ano passado. Os números são da Secretaria de Segurança Pú-blica do Estado de São Paulo.

As armas mais usadas em assassinatos em Piracicaba são os revólveres de calibre 38 e as pistolas 380. As vítimas são, na maioria dos casos, ho-mens, na faixa etária entre 20 e 30 anos. A idade dos mata-dores varia, principalmente, de 17 a 25 anos e preocupa também o envolvimento constante de menores.

As informações da área de segurança também mostram que são vários os motivos que levam a um assassinato: vingança, motivo passional, raiva, autodefesa, dívida, latrocínio, homicídio segui-do de suicídio, consumo de bebida, dívida de droga, uso de drogas, ganho pessoal, e disputa de ponto de tráfico.

Apesar desta diversidade de causas, de acordo com o investigador André Luís Miyazaki, da DIG (Delega-cia de Investigações Gerais) de Piracicaba, a vingança é o principal motivo. “O que mais vemos é vingança, uma briga, um motivo torpe. Tem homicídio relacionado a ponto de venda de tráfico, ou relacionado com pseudo estupradores, que uma facção criminosa manda executar. Eles simplesmente pegam uma pessoa que alguém falou que é estuprador e matam”, explica.

Além disso, a desvalo-rização do ser humano e a falta de um sistema penal rígido ajudam a explicar a incidência alta do crime. “É a banalização da vida e a certeza da impunidade, pois a pessoa sabe que ao ser julgada receberá uma pena que logo terá uma progressão de reg ime”, re ss a l t a o investigador.

Dados do Ministério Pú-blico divulgados em novem-bro de 2012 revelam que entre os anos de 2011 e 2012 os homicídios cometidos por impulso ou por motivos fúteis correspondem entre 25% e 80% das mortes iden-tificadas no Brasil. No estado de São Paulo, 83% dos assas-sinatos esclarecidos tiveram essas motivações.

A pesquisa incluiu na ca-tegoria “Impulso + Motivo Fútil” os homicídios classi-ficados como briga, ciúme, conflito entre vizinhos, de-savença, discussão, violência doméstica, trânsito, passio-nal, consequência de vias de fato etc. No caso de vingança e rixa, o fato pode ser enqua-drado tanto como homicídio cometido por impulso ou assassinato premeditado.

A arma de fogo é o princi-pal instrumento para as mor-tes, e o comércio ilegal está relacionado com isso, pois quase sempre a venda ilegal tem ligação com roubos. “É um comércio mais local mesmo, que vem dos furtos e roubos dos proprietários legítimos”, explica Miyazaki. Ele pondera, entretanto, que em brigas de família ou em bares, por exemplo, o tipo de recurso usado para matar é outro, a faca, que exige envolvimento maior com a vítima, a aproximação física, situação oposta a da arma de fogo, que pode ser usada a distância.

O Mapa da Violência de 2013 indica que o Brasil é líder no ranking de mortes por armas de fogo entre os 12 países com a maior popula-ção mundial. De acordo com a estatística mais recente,

nos últimos 30 anos o país teve uma alta de 346% em mortes provocadas por essas armas, sendo 8.710 mortes em 1980 e 36.792 homicídios por tiros em 2010. No total são 19 mortes por armas de fogo para cada 100 mil habi-tantes, praticamente o dobro do recomendado pela ONU (Organização das Nações Unidas). Nos Estados Uni-dos, no mesmo ano, o índice de assassinatos foi de apenas de 3,2 por 100 mil habitantes.

Perícia

Nem sempre os casos de homicídio são solucionados. Na maioria das vezes o prin-cipal obstáculo é identificar o

uma vi da?

assassino e para isso é funda-mental a atuação das equipes da Polícia Civil e do Instituto de Criminalística, que têm o objetivo de determinar a ocorrência dos fatos. Para chegar ao criminoso existem diversas etapas que vão desde a apuração de depoimentos até a criteriosa investigação pericial.

A prova pericial é conside-rada uma prova objetiva, ou seja, qualquer elemento físico coletado na cena do crime. O pai da criminalística, Hanns Gross, dizia que o trabalho dos peritos criminais é uma análise sistemática de sinais que o suspeito deixou.

A perita criminal Solange

Cresce número de assassinatos na região; Os motivos vão do uso de drogas e álcool à vingança e prática de roubos

Quanto vale

Fátima Pousa, do Instituto de Criminalística de Piracicaba, explica que o trabalho envol-ve a mobilização de diversos tipos de recursos. Sempre que ocorre um crime contra pessoa, a perícia utiliza a chamada “maleta de local”, que contém equipamentos essenciais, entre os quais ela destaca as lanternas com lu-zes de diferentes frequências, que usadas em conjunto com um óculos especial permitem determinar a presença de fluidos corporais, como san-gue e esperma, mesmo que o local já tenha sido lavado.

Solange destaca a impor-tância desses equipamentos para o trabalho da equipe.

“Essas maletas nos permitem coletar resíduos do local do crime como cabelo, farpas de tecidos, ou outras coisas que possam ser enviadas para um laboratório”. Esse material pode ser usado em uma comparação imediata ou futura, e até mesmo em testes de DNA.

A preservação do local do crime também é importante para o trabalho da polícia científica. Qualquer descuido pode significar a perda de vestígios fundamentais para futuras análises em laboratório e por isso o artigo 169 do Có-digo Penal Brasileiro garante a necessidade do isolamento e da preservação da cena do

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Laiane Guas Taldello

O Brasil é lider no ranking de mortes por armas de fogo entre os países com maior população; as estatísticas dos últimos 30 anos indicam alta de 346% de mortes provocadas por essas armas

Page 11: Jornal de Classe ed. 01/Junho/2014

edição 01 • Junho/2014 11Jornal Classede polícia

TIPOS DE HOMICÍDIOS PENAS

Homicídio Qualificado

Reclusão de doze a trinta anos

Homicídio Privilegiado

A pena pode ser minorada de 1/6 até 1/3 da pena

Homicídio Culposo

Detenção de um a três anos

Homicídio Doloso

Reclusão de seis a vinte anos

Direitos humanos são os direitos fundamentais de todas as pessoas, e entre os direitos essenciais está o direito à vida. Quando um assassinato atinge o núcleo de uma família ele priva não somente quem morreu, mas todas as pessoas envolvidas com ela no dia a dia, pois o direito básico de ter a fa-mília completa foi violado brutalmente.

Marcelo Borrasca, diretor e secretário geral  da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Piracicaba e tam-bém diretor coordenador da Comissão de Direitos Hu-manos da Subseção de Pira-cicaba da OAB de São Paulo, acredita que o problema da elevação do número de homicídios é reflexo de um contexto social mais amplo, de descaso das autoridades com a população.

O diretor da OAB ex-plica que o aumento da taxa de homicídios na so-ciedade brasileira tende a acompanhar o aumento da

criminalidade como um todo. “Hoje, infelizmente, o cidadão está refém daqueles que vivem à margem da lei”, argumenta ao referir-se principalmente aos casos de homicídios ligados aos roubos, consumo de drogas e álcool.

Na avaliação de Borras-ca, o sistema não funcio-na como deveria, pois há policiais descontentes e em número insuficiente, ausência do Estado em de-terminados locais, uma educação pública precária e uma saúde pública que, na maioria das vezes, não consegue oferecer o básico. “Os direitos humanos não são afetados apenas e tão somente pelo aumento dos assassinatos, mas por todas estas questões ponderadas”, analisa.

Para tentar melhorar a situação, a Comissão de Piracicaba promove reu-niões constantes com os representantes do Poder Público. “Também estamos

No ano de 2011, o muni-cípio de Saltinho presenciou um dos crimes mais chocan-tes registrados na cidade. No dia 7 de maio, por volta das sete da noite, um sítio foi invadido por dois indivíduos encapuzados e armados – um deles o menor C. S., de 14 anos – que mantiveram como reféns dois moradores.

Enquanto os assaltantes aguardavam a chegada do comerciante e chefe de famí-lia Carmelindo Lopes, de 57 anos, e do filho dele, Valmir Lopes, de 20 anos, ameaça-ram os moradores com arma de fogo para que entregas-sem o dinheiro. Após serem rendidos e obrigados a dar o montante exigido pelos assaltantes, o pai reagiu, entrou em luta corporal e foi atingido por cinco dis-paros. Carmelino Lopes não resistiu e morreu no local. O filho, Valmir, foi baleado na cabeça e após ser socorrido permaneceu em estado grave por 17 dias.

Os assaltantes fugiram após os disparos e deixaram para trás uma mochila que continha cartões bancários

dos infratores, o que permitiu à polícia identificar rapida-mente os criminosos, pois um deles havia sido funcio-nário de estabelecimento de propriedade do comerciante assassinado. O homem res-ponsável pelo assassinato foi condenado e permanece em regime fechado.

Carmelindo era conhecido por ser uma pessoa que tinha

Crime é reflexo do contexto socialdisponíveis para atender a população e esclarecer o que for preciso, esse é o nosso comprometimento”, finaliza Borrasca.

As posições são com-partilhadas pela psicóloga Marina Ribeiro, para quem a análise da situação de quem comete um crime de homicídio precisa levar em conta um contexto mais am-plo, que consiga averiguar qual a situação social do indivíduo e seu momento emocional no momento do assassinato. “Não se pode determinar sem ter contato e vínculo com o homicida, sem saber seu histórico, seus pensamentos, sua ideologia”.

A especialista observa que é mais fácil individu-alizar, culpar totalmente o sujeito e esquecer o contex-to em que ele está inserido. “Não podemos deixar de lado as questões políticas e culturais em que o indiví-duo está inserido”, ressalta. A psicóloga exemplifica.

“Nos casos mais frequen-tes que acompanhamos na mídia, de assaltantes que matam as vítimas na se-quência do roubo, muitos desses sujeitos estão em situação desfavorável no sistema, envoltos e nascidos na criminalidade, no seu histórico há discriminação e exploração, o que culmina em um momento de medo, desespero e frieza”.

As políticas públicas de combate ao crime, segundo Marina, deveriam incluir uma abordagem psicológi-ca. Uma das maneiras pode ser a prevenção, a partir da ação direta em locais vulneráveis ou diretamente com o sujeito que está em sofrimento psíquico. Para quem já passou pela situa-ção há outro caminho. “É possível fazer um acompa-nhamento psicológico ou psicoterápico e direcionar o tratamento à família da vítima ou ao próprio sujeito que cometeu o homicídio”, finaliza Marina.

Famílias sofrem impactos permanentes

boa convivência com todos os que estavam à sua volta. “Ele ajudava todo mundo, ajudou até o homem que o matou”, afirma Valmir Lo-pes. Sobrevivente do assalto, ele diz o que sente em relação a tudo isso. “É muito difícil aceitar uma perda como a do meu pai, que era uma pessoa muito querida. No dia 7 ele foi assassinado e no dia 10

iria receber o prêmio de ci-dadão saltinhense”. O jovem ainda expõe a sua revolta contra os responsáveis pela morte do pai. “Os bandidos não mereciam estar vivos, porque não tem nenhuma maneira de trazer o meu pai de volta”.

Caso Bená No dia 1º de maio de 1998,

por volta das 17 horas, na rua Tiradentes no Centro de Piracicaba, Dalton de Netu-no Dorta Bená, 18 anos, foi assassinado pelo disparo de arma de fogo. Estava dentro de sua casa, acompanhado de dois amigos, sendo um deles o autor do disparo.

A primeira versão sobre o fato, publicada no Jornal de Piracicaba, relatava a entrada de ladrões na casa. Como re-ação, um dos presentes teria feito dois disparos de revolver, um dos quais atingiu e matou Dalton Bená. Os jovens que estavam no local com ele fugiram e só se apresentaram à polícia sete dias depois, na companhia de seu advogado. Apresentaram então nova ver-são sobre o crime: o tiro fora acidental e ocorreu durante manuseio da arma.

O processo se arrastou por 11 anos, até que em fevereiro de 2009 o acusado foi a júri popular e condenado a 12 anos de prisão em regime fechado. Seu advogado recor-reu da sentença e por força de habeas corpus conseguiu que o réu respondesse em liberdade. O primeiro julga-

mento foi anulado, sob a tese de que o corpo de jurados foi contrário às provas dos autos. Quatro anos depois, o Tri-bunal do Júri de Piracicaba decidiu por nova condenação a 12 anos em regime fechado, por homicídio consumado, qualificado por uso de re-curso que dificultou a defesa da vítima. Insatisfeita com o resultado do segundo jul-gamento, a defesa recorreu novamente da decisão e o réu permanece respondendo ao processo em liberdade, por ser primário.

O pai de Dalton, Edemir Matias Bená, afirma ter cer-teza da culpa do acusado e lamenta a existência de tantas instâncias e possibilidades de recurso. “São as barbari-dades decorrente destas leis esdrúxulas que regem esta desacreditada instituição chamada Judiciário”, diz. De-cepcionado com o andamen-to do processo, ele também reclama das consequências do fato para sua família: “Recorrer do que mais meu Deus? O rombo que fez em minha família jamais será preenchido”.

crime. Uma das dificuldades nesta questão, segundo So-lange, é que quem preserva o local são os policiais fardados ou policiais civis. “Muitas vezes eles não têm a mínima noção de como fazer isto e acabam prejudicando o nosso traba-lho, por exemplo, ao pegar em objetos sem o uso de luva específica”, analisa.

JulgamentoO homicídio, ou seja, o

crime contra a vida, é o único que só pode ser julgado por um júri popular, mas nem sempre o resultado agrada a todas as partes. Há sempre os que dizem que a justiça foi feita, aqueles que consideram a condenação injusta e tam-bém aqueles que acreditam que o caso se encerrou na impunidade.

Neste contexto, o advoga-do criminal Homero de Car-valho reforça que é preciso ter como referência o que diz a Constituição brasileira. “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral são assegurados o contraditório

e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela ine-rentes”. Carvalho enfatiza que todos têm direito à de-fesa, e mesmo que o acusado seja confesso a defesa deverá ser exercida em toda a sua plenitude, sempre buscando um resultado dentro dos direitos que cabem ao réu.

O trabalho de acusação também exige rigor, pois mes-mo que todos tenham direito à defesa, os crimes não devem ficar impunes. O advogado explica que a acusação em casos de homicídio é exercida, na maioria das vezes, pelo Ministério Público. Carva-lho comenta que quando o caso é levado a júri popular a sociedade sempre vivencia a sensação de impunidade. “Um estudo realizado pelo IBCCRIM (Instituto Brasi-leiro de Ciências Criminais), revelou que 72% dos jurados estão mais dispostos à conde-nação, ainda que a prova seja duvidosa”, informa.

Para o advogado, o conta-to com as famílias, tanto da vítima quanto do acusado, é de extrema importância e na defesa esse ponto pode ser também de grande ajuda. “Sempre que defendo algum acusado tenho contato com a família, pois dessa forma, muitas vezes descobrimos qual a motivação do indiví-duo, o que o levou a cometer o delito. Não podemos pensar no crime apenas no exato momento em que ocorreu, mas também em seus antece-dentes”, ressalta o especialista.

Natália Elias

Lucas Guizo

uma vi da?Quanto vale

Homicídios estão ligados a criminalidade e problemas sociais e psicológicos

A família de Dalton Bená usa túmulo para protestar contra demora na ação da justiça

Page 12: Jornal de Classe ed. 01/Junho/2014

edição 01 • Junho/201412 Jornal Classedecultura

cultural

Bruno [email protected] [email protected] [email protected]

Adotado aos dez anos de idade, Renan de Souza Leite, 14, teve

sua vida transformada após ganhar uma bolsa para pra-ticar capoeira. O presente foi dado por João Henrique Afonso Dias, 32, campeão mundial do esporte e repre-sentante do grupo  Muzen-za de capoeira no exterior. 

“Íamos treinar saltos no jardim do Lago [bairro de Limeira] e víamos o Renan pulando. Lá ele viu a gente saltando, se interessou e eu ofereci uma bolsa a ele”, conta Dias, que é proprietário de uma academia de capoeira e jiu-jitsu em Limeira. “Renan passou a frequentar a aca-demia após ter conseguido a bolsa e começou a desen-volver bem a luta. E toda vez que acabava a aula eu per-cebia que ele não tinha para onde ir e descobri que ele morava numa casa alugada e perdia dias de escola. Então eu o segurei comigo”, explica Dias, que acabou adotando o menino. 

Segundo ele, a mãe de Renan estava com proble-mas de saúde e pediu para que  ficasse com o garoto. “A primeira coisa que fiz foi levá-lo à escola. Houve uma época em que ele queria fu-gir, porque a diretora queria levá-lo ao Conselho Tutelar, mas logo consegui sua guar-da provisória. Contratei dois advogados e depois de dois meses me concederam sua guarda definitiva”, conta. 

A história familiar de Dias está interligada com sua his-tória esportiva. Ele conheceu sua esposa, Neide Aparecida Vieira, 31, quando ela come-çou a treinar em sua equipe. Ela também é lutadora de ca-poeira e campeã de jiu-jitsu, e juntos eles têm mais dois filhos: Henrique Vieira Dias, 13, e Enmilly Vieira Dias, 6. “A capoeira ocupa meus três filhos e eles não ficam nas ruas. Todos os dias eles vão à escola e depois treinam à tarde. Eu procuro encami-nhá-los pensando no futuro deles”, comenta o mestre, que dá aulas da luta desde 1995. 

Renan foi campeão em 1º lugar de capoeira na catego-ria infantil dos festivais bra-sileiros de 2011, 2012 e 2013,

cidadaniaCrianças, jovens e adultos se beneficiam e conquistam inclusão social

e conquistou o 2º lugar no campeonato mundial da luta, em 2013, no Rio de Janeiro, na categoria juvenil, que en-globa dos 13 aos 17 anos de idade. “Consigo ter a mesma disciplina do treino na escola. Quero ser mestre de capoei-ra, me formar em educação física e ter minha academia própria”, diz Renan, que se orgulha do esporte e das conquistas ao lado de sua nova família. 

 ExemploA superação de obstáculos

ocorre também em outras áreas, como nas artes. Este é o caso da aluna de ballet Vic-toria  Vieira Barbosa,  10. Apesar de ter nascido com problemas graves de saúde, ela pratica a dança há quatro anos na Emcea (Escola Mu-nicipal de Cultura e Artes Maestro Mário  Tintori),  de Limeira. “A Victoria nas-ceu com Artroglipose  (rigi-dez que afeta os músculos e articulações), que não tem cura. Ela  já passou por cin-co cirurgias corretivas”, conta sua mãe, Raquel Cristina Vieira, 36.

Segundo Raquel, a filha sempre quis ser bailarina. “Eu procurei a escola e a matriculamos no curso de ballet. Na época, o diretor da Emcea nos disse que se a Victoria não fosse uma baila-rina de cima para baixo, seria de baixo para cima”, comen-ta. Graças às aulas de ballet, Victoria melhorou sua coor-denação motora. “A dança foi uma das coisas que mais ajudou o desenvolvimento dela”, explica a mãe.

A primeira apresentação de ballet de Victória se ba-seou na sua própria história. “O primeiro espetáculo dela foi muito emocionante para mim. Ela entrou no palco

Apesar de muitos muni-cípios desenvolverem pro-jetos culturais e apoiarem iniciativas que promovam atividades ligadas à cultura, nem sempre a área é tratada como deveria. Segundo o maestro da  Osli  (Orquestra Sinfônica de Limeira), Rodri-go Müller, 38, o poder púbico investe em saúde e segurança, mas deveria investir também em  cultura. “As crianças e jovens ocupam seu tempo ao estudar música e tocar seus instrumentos e não ficam nas ruas”, salienta Müller. 

Para Cleusa  dos  Santos, 48, diretora do Decadie (De-partamento de Cultura Afro--Descendente  e da Integra-ção  Étnica da  Secretaria da Cultura de Limeira), o apoio do Estado à cultura fica além do que seria necessário. “So-

Artistas e especialistas cobram mais apoio do poder público

na cadeira de rodas, vestida de princesa, quando o Papai Noel se aproximou dela. Logo em seguida, se levantou e começou a dançar”, ressalta. 

Atualmente a estudante está na sexta série do ensino fundamental, e além do ballet tem aulas de natação. “Meu sonho sempre foi  ser baila-rina. Gostei das primeiras aulas e hoje não me vejo sem o ballet”, diz Victória. A mãe completa: “Ela  sem-pre me dizia que andaria aos sete anos de idade, e isso

promove

fremos bastante com a não valorização da classe artís-tica”, diz. 

Lerissa Maziero, 25, baila-rina formada pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas)  e professora de ballet e jazz em Santa Bárbara D’Oeste,  relata que o apoio do Estado, especialmente na dança, é feito através de seleção pública de projetos, que são aprovados e tem premiação feita pela Secre-taria de Estado da Cultura. Segundo  ela, o objetivo é fomentar as produções cul-turais do interior, revelando valores em segmentos que não teriam acesso aos meios de comunicação e com pouca visibilidade no meio cultu-ral. Mas, em sua opinião, as oportunidades na área de dança são pequenas. “Infeliz-

mente o número de editais e incentivos fiscais é pequeno na área da dança, são poucas as companhias contempla-das”, lamenta.

Para o maestro Müller, através da música os alunos não aprendem somente a to-car instrumentos, como tam-bém teoria musical e sobre a vida dos músicos, e com isso adquirem responsabilidade, respeito e socialização.  O problema, na sua avaliação, é que a falta de recursos leva muitos à desistência. “Acon-tece muito de alunos talento-sos, que estão desenvolvendo bem, pararem de estudar mú-sica para trabalhar”, observa. 

Atualmente Conselhei-ra do CMDCA (Conselho Municipal da Criança e do Adolescente), Cleusa desta-ca também os benefícios da

prática cultural diretamente com as crianças. “Através da cultura desenvolvemos a éti-ca e a  cidadania, utilizando a música, o teatro e a dança, que vão  ajudar a criança  a ter uma vida de qualidade e uma juventude consciente”, argumenta.

Os  profissionais  também apontam propostas que de-veriam ser  pensadas para a melhoria e valorização da cultura. “Se todas as cidades tivessem uma orquestra, um corpo de ballet remunerados, por exemplo, isso faria muito a diferença”, diz Müller. Le-rissa, por outro lado, defende a importância de investimen-tos nos talentos brasileiros e lamenta: “Infelizmente os grandes bailarinos e bailari-nas acabam indo para com-panhias de outros países”.

Prática

aconteceu dois meses antes do seu aniversário. Cada con-quista que ela consegue é uma vitória para mim. Ela não tem vitória apenas no nome”. 

Profissão A cultura também pode

influenciar positivamente os adultos e as contribuições po-dem ir desde o fortalecimento da capacitação profissional até a mudanças de perfil. A professora de educação infan-til Priscila  Tonietto  Felicio, 31, é exemplo nesta área, pois

utiliza seus conhecimentos de teatro em sua atividade de trabalho.

Professora de Educação Infantil da rede municipal de ensino de Limeira, Pris-cila começou a desenvolver um trabalho diferenciado com seus alunos em 2012, após entrar para o cur-so de teatro de Limeira, na  Emcea. “O teatro está atrelado à educação. As técnicas dele incorporadas às aulas colaboram para a ampliação dos conceitos

da criança, ideias, campo imaginativo e permite fazê--las pensar, se mover, refletir, criar algo novo, recriar”, diz Priscila. 

Atualmente estudante do  quarto  ano de teatro, a professora desenvolve du-rante a aula com seus alunos, de três anos de idade, inter-venções teatrais, brincadei-ras,  contações  de histórias utilizando fantoches, objetos de sala ou dedoches e inse-rindo os alunos como atores. Também aplica técnicas de alongamento e brincadeira musical. “Na história ‘Os três porquinhos’ as mesas da sala se transformam em casas. Faço intervenção sobre a dengue, usando objetos simbólicos. Em reunião, já fiz intervenção com os próprios pais”, explica a pedagoga. 

Priscila comenta  que as técnicas e recursos de teatro em sua profissão colaboram para que as crianças ampliem seus conceitos de criação e de possibilidades, com foco na aprendizagem. “A teatraliza-ção em si consta no Referen-cial Curricular da Educação Infantil do Brasil. Com von-tade e criatividade, somos capazes de levar a cultura a qualquer lugar”, explica.

Maestro Rodrigo Müller, da Osli (Orquestra Sinfônica de Limeira); abaixo, o professor Lucas Frigeri, em aula com a turma de teatro do Colégio Objetivo Nova Odessa

Professora Lerissa dando aula de expressão corporal aos alunos da terceira série no Colégio Ideal em Santa Barbára D’Oeste

Bruno Aguiar

Karine Florencio

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halie

Gal

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Page 13: Jornal de Classe ed. 01/Junho/2014

edição 01 • Junho/2014 13Jornal Classede crônica de viagem

Alexandre Rezende [email protected]

Sou voluntário da AME (Associação Missão Esperança), ONG

que  nasceu da neces-sidade e visão de al-cançar os povos na Ásia, socorrendo as pessoas que sofrem em catástrofes da natureza ou por razões humanas, como guerra e per-seguição religiosa ou tribal, com aten-dimento de saúde, social e psicológico, visando sempre o as-pecto espiritual.

Entre dezembro de 2013 e janeiro deste ano, tive a oportunidade de co-nhecer três países: Myanmar, Malásia e Indonésia. Nesse período, fui fotógrafo e ci-negrafista, estudei as culturas locais, atuei em projetos so-ciais e também tive contato com novos idiomas.

Em Myanmar observei e interagi com um grupo de mulheres do estado Chin momentos antes de partici-parem da celebração de 200 anos da chegada do cristia-nismo ao país.

Visitando orfanatos, per-cebi que os órfãos são trata-dos como filhos de verdade e com muito amor, em lares cuidados por cristãos, onde possuem alimento saudável e a oportunidade de irem à escola, tendo a chance de serem alguém na vida.

Em um desses orfanatos, conheci um casal cristão recém casados com seus 13 filhos adotivos. Parece lou-cura, mas eles confiam em Deus e cuidam das crianças com amor genuíno. A cada dia todas as necessidades são supridas.

Myanmar esteve cin-quenta anos sob uma di-tadura militar, mas abriu as portas para o mundo no início de 2012, perío-do quando internet, TV e celular começaram a se popularizar. Há milhares de crianças órfãs vítimas de guerras, tráfico humano e desastres naturais, como o ciclone de 2008 que deixou mais de dois milhões de

Vivendo no

desabrigados. Outras foram abandonadas, com poucos anos de idade, por seus pais não terem condições finan-ceiras de pagar os estudos e muito menos alimentá-las.

Na Malásia passei o pri-meiro Ano Novo longe de casa, mas meus pais, meu irmão e amigos estavam comigo, tornando essa data memorável e divertida. Não tivemos um banquete, e nem fez falta, porque todos esta-vam ali de coração, unidos como uma família.

País de primeiro mundo, a Malásia é caracterizada pela presença de chineses, india-nos e malaios, e cada povo tem maneiras diferentes de tratar as pessoas. Depois do malaio, o inglês é a segunda língua oficial.

Na Indonésia, terceira e última parada, a posição ocupada pelas mulheres me chamou a atenção, por que elas são responsáveis sozi-nhas por todas as atividades domésticas. Os homens, por trabalharem fora, não fazem absolutamente nada em casa. Andando pela rua, fiquei chocado ao ver uma senhora carregando a mercadoria pesada nas costas, enquanto o homem a acompanhava, sem ter a gentileza de dar

Patrícia [email protected] [email protected]

Referência no campo da educação no Estado de São Paulo, o Centro Paula Souza enfrenta, nos últimos anos, dificuldades na contratação de docentes, o que tem ge-rado reclamação por parte de alunos da instituição. As causas incluem salários insatisfatórios, condições de trabalho e concorrência com outros setores do mercado de trabalho. No início deste ano, a instituição chegou a enfrentar uma greve de pro-fessores e funcionários, que entre outras reivindicações, defendiam aumento salarial e plano de carreira.

Para Wellington Aires da Cruz Pereira, diretor da Etec de Nova Odessa, o salário, entretanto, não é a única di-ficuldade para a contratação, a questão é mais ampla. “A carreira docente não é uma das mais atraentes, e isso não só em escolas técnicas”, comenta. Segundo ele, o quadro da Etec de Nova Odessa está completo.

A situação, entretanto, não é a mesma na Etec Po-livalente de Americana. Em funcionamento desde 1977, a unidade tem enfrentado pro-blemas nesta área e os alunos e ex-alunos reclamam. “Nos dois primeiros anos, eu tive troca de professores no meio do ano letivo, e esse ano co-meçamos sem professores de

semestre contrataram um professor realmente bom, que ficou até o final do ano”, recorda Amanda.

Raquel Teresa Dainese, assistente administrativa da Etec Polivalente, justifica que a ausência prolongada do professor de Geografia neste ano se deu pela dificul-dade de conseguir substituto para um docente que pediu afastamento após o início do semestre. “Mesmo havendo cadastrados para substitui-ção, após o início das aulas alguns já assumiram com-promissos em outras escolas. Isso limita a disponibilidade de horário e até inviabiliza a contratação”, explica.

O diretor da Etec Pro-fessor Armando Bayeux da Silva, de Rio Claro, Jeferson Antonio Alves, explica que a dificuldade é maior para os docentes de cursos técnicos, que exigem a contratação de engenheiros, administrado-res, contadores e enfermei-ras, principalmente por causa do salário inicial.

O diretor da Etec de Nova Odessa, Wellington Aires da Cruz Pereira, em contrapar-tida, lembra que as escolas técnicas de São Paulo apre-sentam as melhores notas em exames como o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) quando considera-das as escolas públicas. Para ele, isso é prova de que o processo de aprendizagem tem tido sucesso.

Ariane [email protected]

Mesmo com boa aceita-ção de serviço, a empresa de consultoria agrícola do engenheiro Luiz Faria não estava livre de problemas. Isso porque o modelo de trabalho que utilizava para fornecer informações espa-ciais e imagens de satélites aos clientes consumia, so-mente com cinco fazendas, todo tempo da equipe. Foi pensando em aumentar a escala de atendimento que Faria passou a investir em inovação tecnológica.

“Diante dessa necessidade resolvemos incubar nosso projeto KPI Farm, um siste-ma WEB GIS, que mapeia as necessidades e processos dos clientes com aplicações na internet, atendendo assim di-ferentes demandas agrícolas e ambientais”, explica Faria, que desde 2013 tem sua em-presa incubada na EsalqTec – Incubadora Tecnológica da USP (Universidade de São Paulo), em Piracicaba.

A iniciativa não é isolada. Segundo mapeamento con-duzido pela Fusp (Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo), no primeiro se-mestre de 2013, em parceria com a Secretaria de Desenvol-vimento Econômico, Ciência e Tecnologia, só no Estado de São Paulo 461 empresas estão incubadas em uma das 34 incubadoras existentes. E já há 452 empresas já graduada.

“A incubação é o primeiro passo para tirar uma ideia inovadora do papel e colocar em prática. Afinal ela auxilia no direcionamento da ino-vação, do plano de negócio, e com isso leva sua ideia ao mercado”, explica Faria.

De acordo com a Anprotec (Associação Nacional de En-

tidades Promotoras de Em-preendimentos Inovadores), uma incubadora tem como objetivo principal oferecer aos empreendedores infraestrutu-ra com baixo custo (ou mesmo custo zero) por um tempo determinado. Ela também ofe-rece capacitação e suporte ge-rencial e orienta sobre aspectos administrativos, comerciais, financeiros e jurídicos.

Ainda segundo a Anprotec, no caso de empresas de base tecnológica, os empreendedo-res também têm oportunida-de de acesso a universidades e instituições de pesquisa e de-senvolvimento, com as quais muitas incubadoras mantêm vínculo. Isso ajuda a reduzir custos e riscos do processo de inovação, pois permi-te o acesso a laboratórios e equipamentos que exigiriam investimento elevado.

Essas startups – empresas nascentes em fase de desen-volvimento – necessitam, na maioria das vezes, de apor-tes financeiros para poder se desenvolver. De acordo com José Antônio Silvério, coordenador de capacita-ção tecnológica do MCTI (Ministério da Ciência, Tec-nologia e Inovação), os re-cursos não reembolsáveis oferecidos pelo Programa de Subvenção Econômica, por intermédio de editais e chamadas públicas, e com parceira das Fapesp (Funda-ções de Apoio à Pesquisa dos Estado), CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimen-to Científico e Tecnológico) e Finep são boas opções.

No entanto, o gerente exe-cutivo da EsalqTec – Incu-badora Tecnológica, Sergio Barbosa, explica que a via-bilização do capital para o início do negócio também pode ser feita por outras

Estudantes de Etecs reclamam da ausência de professores

três matérias”, conta Arthur Pompeo, do último ano do Ensino Médio.

Para os alunos, o que pre-ocupa é o futuro. “Quando contratarem um professor, ele vai ter que cumprir o cronograma anual, e exigir a matéria perdida. E no fu-turo, dependendo da facul-dade que fizermos, essa falha pode atrapalhar nossa base de conhecimentos”, ponde-ra a jovem Tamiris Milena, estudante do segundo ano escola. A queixa é reforçada por Renan Del Conte. “Eu comecei sem professores de duas matérias, que foram substituídos há algumas semanas”, critica.

Segundo relatos de ex-alu-nos, o problema é antigo. “No mínimo há uns 15 anos isso prejudica o desenvolvimento do ensino na escola e parece que nada foi feito”, afirma Horus de Oliveira, que estu-dou na instituição entre 2003 e 2004. O ex-aluno reclama de constantes períodos de greve e faltas e troca excessiva de docentes.

As estudantes Amanda Dilser e Thais Bueno, que se formaram em 2011, enfrenta-ram problemas semelhantes. “Ficamos sem professor até o fim do primeiro bimestre, quando entrou uma que nos avaliou. Ela saiu logo depois, ficamos sem professor por um bom tempo de novo, e no final do bimestre, aconteceu a mesma coisa. Só no segundo

Incubadoras dão suporte para criação de novas tecnologias

instituições. “Temos o pró-prio BNDES, o Desenvolve SP, universidades, institutos e agências governamentais. Existem também, na inicia-tiva privada, importantes instituições e empresas ‘an-coras’, como a Petrobrás e a Microsoft”, indica Barbosa.

No caso de Faria, a empresa contou com o apoio do CNPq e, mesmo incubadora, já tem novos planos de atendimento aos clientes. A expectativa, ele destaca, é atender 20 clientes em 2014 e, para 2015, aumen-tar para 1.000.

RegiãoSegundo mapeamento das

Incubadoras de Base Tecno-lógica do Estado de São Paulo realizado pela Fusp, 17,6% das incubadoras estão na região de Campinas. Três delas estão localizadas na própria cidade de Campinas, duas em Piraci-caba e uma em Jundiaí.

Em Piracicaba, duas in-cubadoras se destacam: a EsalqTec – Incubadora Tec-nológica, que atende, prin-cipalmente, clientes com projetos em agronegócio e é mantida pela Fealq (Funda-ção de Estudos Agrários Luiz de Queiroz) e Esalq (pela Escola Superior de Agricul-tura Luiz de Queiroz) e a Incubadora de Empresas de Piracicaba, que tem foco em empresas de metal-mecânico e é mantida pela prefeitura em parceria com Acipi (As-sociação Comercial e Indus-trial de Piracicaba) e Simespi (Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas, de Material Elétrico, Eletrônico, Siderúrgicas e Fundições de Piracicaba, Saltinho e Rio das Pedras), com o apoio do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micros e Pequenas Empresas).

auxílio. Infelizmente, essa cena é muito comum.

Ficamos hospedados na casa de uma viúva, que nos deixou à vontade, mas na hora das refeições sempre comia sozinha. Em um dos dias que passamos juntos, nós a con-vidamos para jantar conosco. Durante a refeição ela ficou nervosa, não parava de falar e derramou lágrimas. Ficamos surpresos quando soubemos que foi a primeira refeição dela em família, e por isso não conseguiu segurar a emoção, acontecimentos raros na cul-tura indonésia.

Considerado o maior ar-quipélago do mundo, a Indo-nésia tem aproximadamente 17.508 ilhas, sendo apenas seis mil habitadas. Localizada no “círculo de fogo”, possui 150 vulcões ativos. Foi co-lônia da Holanda durante três séculos e meio. A língua nacional, bahasa indonesia, é falada há apenas 94 anos.

Deus abriu meus olhos para a realidade, e vi como o mundo precisa de pessoas que renunciem a própria vida para servi-lo e ajudar o próximo. O mundo está em caos, e vai continuar assim até que al-guém tome uma atitude e faça a diferença, e é aí que minha vida começou a ter sentido.

do mundooutro lado

Arquivo pessoal

Mulheres Chin vestidas com roupas típicas

Alexandre R. Fonseca

No topo do Borobudur na Indonésia, um dos patrimônios mundiais da Unesco, visto saia para demonstrar respeito à cultura

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edição 01 • Junho/201414 Jornal Classedeeducação

Crianças da zona rural enfrentam quilômetros

de estradas precárias para chegar à escola

a das crianças que moram nos bairros mais afastados, pois as estradas muitas vezes são mal sinalizadas, não têm acostamento e não há sequer um controle no tráfego de caminhões, que é constante nas áreas rurais.

A distância também difi-culta a interação com outras crianças da mesma idade e, segundo Tamara, quando ela não está na escola, suas alter-nativas são assistir televisão e se divertir com os jogos no celular. Como acontece com várias crianças dessas regiões, encontrar alguém com quem possa interagir e praticar as atividades de lazer é raro, o que torna ainda mais importante o papel das escolas em suas vidas. “Se pelo menos eu morasse na cidade, não teria esse ‘lance’ de esperar a vontade dos pais para ir até lá e encontrar com meus amigos”, reclama.

Gabriel Sousa da Silva, 12 anos, enfrenta as mesmas di-ficuldades. Embora passe boa parte do dia na companhia de suas duas irmãs mais novas é na escola que ele se sente mais feliz. Contudo, não con-segue esconder a insegurança que sente nos dias chuvosos. “Às vezes, quando dá aquela chuvarada, a Kombi atola e não dá pra gente chegar na escola”, revela.

A preocupação se estende aos funcionários das redes de ensino que atendem essas crianças. Receber esses meni-nos e meninas e devolvê-los aos seus pais após um dia cheio de atividades, cinco dias da semana, preservando a integridade física e moral, é também a missão de profes-sores e diretores que ficam apreensivos com a situação. “Os motoristas das peruas fazem um excelente trabalho e trazem os alunos com uma boa folga de tempo aqui para

Cristiano Araú[email protected]úlia [email protected]

Na cidade de São Pedro, interior de São Paulo, chegar à escola é um

desafio diário para as crian-ças que moram nas regiões mais afastadas do perímetro urbano, principalmente na zona rural. A maioria precisa viajar grandes distâncias e passa quase duas horas por dia dentro de peruas, ônibus ou micro ônibus.

É o que vive Tamara Cris-tina Barbosa, 13 anos, que antes do sol nascer já está de pé e, assim que ouve a buzina da perua se movimenta para mais um dia de aula. Antes, porém, precisa enfrentar um trajeto de quilômetros de estrada, na maior parte de terra ou com pavimentação precária. Todo dia uma nova surpresa pode restringir a sua vontade de chegar até a escola e fazer o que mais gosta: inte-ragir com os amigos. “A me-lhor parte do meu dia, com certeza, é conversar e brincar com os meus colegas”, conta.

Seus horários precisam ser religiosamente respeitados. Às 5h30 ela acorda, o que lhe dá meia hora para se preparar até que o transporte chegue. São necessários 40 minutos para chegar à porta da escola. Na volta, após o período de aulas, o trajeto se repete e ela só consegue chegar a sua casa por volta de 12h40. É quando aproveita para comer e descansar. O sucesso nesta jornada depende ainda de não ocorrerem imprevistos, como quebra do veículo ou algum tipo de acidente.

O trajeto percorrido pela aluna inclui buracos, ani-mais na estrada, atoleiros quando chove, pedregulhos e uma pista sem condições adequadas de segurança. E a realidade é parecida com

Cristiano Araújo

‘viajar’primeiro é preciso

Para

a escola, mas já aconteceu de um aluno meu não ter condi-ções de vir pra cá, por causa do mau tempo e as condições das estradas”, conta Edna Veronesi, diretora da escola municipal Professor Joaquim Norberto de Toledo.

“A verdade é que a gente não tem opção. Se dependes-se da preocupação dos pais com as condições das estra-das e a distância das escolas, as crianças aqui cresceriam burras”. É o que diz Maria de Lourdes Barbosa, 58 anos, avó de Tamara. “Quando chove então, eu morro de medo de mandar ela pra

escola. Aqui passa muito caminhão e por ser limite de município ninguém quer saber de dar suporte caso al-guma coisa aconteça”, afirma.

A região a que dona Maria se refere é limite do município de São Pedro, próximo à divi-sa com Santa Maria da Serra, conhecido apenas por ficar próximo ao aterro municipal. Escondidas por um ‘mar’ de cana-de-açúcar, várias famí-lias de origem simples pas-sam suas vidas praticamente isoladas do mundo e, neste contexto, o transporte para as crianças é mais um entre os problemas enfrentados.

“Nossa prioridade é sair de casa com a cabeça limpa, es-tar tranquilo para poder fazer todo o trajeto com segurança, independente das condições do tempo e da estrada”, diz o motorista José Henrique Bar-bosa. “As piores situações são, sem dúvida, nos dias chu-vosos, mas também têm os buracos, as poças d’água e os animais que eventualmente aparecem na pista”, completa.

A relação entre esses mo-toristas e os alunos também é um capítulo importante nessa história, pois embora exista a insegurança, a união e o bom humor constroem uma relação de amizade entre eles, o que muitas vezes faz com que os obstáculos pareçam insignificantes. Tamara conta, por exemplo, que faz questão de não dormir durante todo o caminho. “Eu adoro o Zé. Ele conversa e faz a gente dar bastante risada”, diz.

Segundo a Secretaria de Transportes do município de São Pedro, o custo com o transporte das crianças da zona rural é alto. O valor é dividido entre o Estado, que arca em média com 30% dos gastos, e os cofres públicos. “Nós atendemos aqui todos os alunos da zona rural a par-tir de quatro anos (Pré I) até o Ensino Médio. Além disso, seguimos todos os requisitos de regulamentação e segu-rança”, ressalta a diretora de Transporte Escolar da cidade Vera Lúcia Garcia.

Embora a Secretaria ale-gue investir no transporte das crianças da zona rural, a cooperativa que presta serviço para o município diz não contar com toda a ajuda necessária. “A ajuda que a rede púbica nos dá é apenas na questão dos pagamentos e mais nada. Todo suporte de mecânica, de combustível e das faixas nos automóveis, vem da gente. A única coisa que eles fazem realmente é pintar a frente das escolas, mas isso aí é pra dizer que dão algum suporte”, argumenta Juliano Francisco Casacho, presidente da Cooperativa.

A Cooperativa conta com quatro carros reserva, caso algum automóvel quebre. “Se uma Kombi, um ônibus ou um micro-ônibus quebrar, o responsável entra em contato com a gente aqui na sede para que possamos ir até o local e fazermos a substituição. O motorista, então, pega esse carro para continuar a linha e nós voltamos embora com o auxílio de um guincho ou deixamos nas mãos de um mecânico mesmo. Mas isso porque nós contamos com um seguro”, explica Casacho.

Júlia

Alv

es

O caminho diário até o ponto de encontro

Situação das estradas rurais piora e dificulta o transporte na época das chuvas

Apesar de todas as difi-culdades, os motoristas que compõem a frota da Coope-rativa de Transporte de São Pedro são muito queridos pelos pais e pelos próprios alunos que dependem da sua dedicação para chegarem até a escola. Ao todo, eles aten-dem 16 escolas no município, com uma frota de 47 veícu-los, entre Kombis, ônibus e micro-ônibus.

Dados da Secretaria de Transportes mostram que são percorridos aproxima-damente 6.767 quilômetros por dia, para atender em média a mais de mil alunos.

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edição 01 • Junho/2014 15Jornal Classede esporte

Times de futebol da região provocam disputa saudável entre torcedores

João Victor [email protected] [email protected]

“Clássico é clássico”. A expressão sem-pre aparece nas

rodas de torcedores toda vez que se especula o resultado de um confronto entre dois times de futebol que são ri-vais, principalmente se estes clubes são de uma mesma cidade. Corinthians contra Palmeiras, Grêmio contra In-ternacional, Flamengo contra Vasco e, fora do Brasil Inter-nazionale x Milan, na Itália, e Boca Juniors x River Plate na Argentina são exemplos da situação.

No interior de São Paulo a situação se repete e, em alguns casos até com mais in-tensidade do que nas capitais. Na região, as disputas entre Internacional e Independen-te, em Limeira, e Rio Claro e Velo Clube, em Rio Claro, movimentam os torcedores locais, mas a competição é saudável e se mantém no contexto dos estádios.

E a região também tem uma situação diferenciada, de “uma cidade de uma tor-cida só”. Em Piracicaba, o XV de Novembro, que completou 100 anos em 2014, é o único time profissional em ativida-

de não e tem adversário local. As diversas organizadas da equipe atuam em conjunto em favor de um bom de-sempenho dos jogadores do chamado alvinegro piraci-cabano.

LimeiraA cidade de Limeira é co-

nhecida historicamente por suas plantações de laranja e, mais recentemente, também por ser a cidade das joias folheadas. A população, de 260.804 pessoas (de acordo com o Censo de 2010), se divide quando o assunto é futebol. E, mesmo com a má fase dos dois seus dois times – o Independente Fu-tebol Clube e a Associação Atlética Internacional de Limeira Times – pois ambos disputam a série A3 do Cam-peonato Paulista neste ano, a rivalidade é uma marca e os torcedores de lado a lado fazem questão de evidenciar sua preferência.

O Independente, conheci-do por seus torcedores como “Galo”, apelido relacionado à prática comum de rinhas de galos na década de 1940, e também por que o animal representa garra e fibra, foi fundado em 19 de janeiro de 1944. Ainda como clube amador disputou várias com-petições e somente em 1972 se tornou profissional. No ano seguinte ganhou o título da Segunda Divisão do Paulista.

Já a rival Internacional, nome dado por seus fun-dadores para homenagear o imigrantes radicados no município, foi fundada em 5 de outubro de 1913. Seu título mais importante foi a conquista da série A1 do Campeonato Paulista em 1986. Tem como mascote o “Leão”, adotado graças a uma partida disputada contra o Comercial de Ribeirão Preto, quando a acabou com a in-vencibilidade do adversário.

Apesar de serem equipes tradicionais nas competições

paulistas, poucos derbies foram registrados entre os clubes: oficialmente foram 19 partidas, nas quais nunca foram registrados casos de violência entre as torcidas. “É uma rivalidade muito gosto-sa, tanto que os maiores pú-blicos nos últimos três anos foram vistos em dois derbies. São os maiores públicos e os jogos mais legais”, conta Allan Massari, ex-presidente da torcida organizada “Força Jovem Inter” e conselheiro da atual administração da Internacional.

A história dos clubes tam-bém mostra que é possível atuar em um time após passa-gem pelo adversário. Este é o caso do atacante Chuck, que atualmente joga pela Inter-nacional, mas jogou no ano passado pelo Independente. “No começo teve alguns boatos, mas eu sou profis-sional e tenho que defender a camisa que visto agora que é a da Inter”, afirma o jogador. O atleta também não sente hostilidade por parte das tor-cidas e diz que sua situação tem sido bem aceita. “Hoje jogo tranquilo, dando meu melhor em campo”, observa.

O que mais entristece os torcedores é a situação vivida atualmente pelo Galo. José Henrique Leite afirma que a diretoria não colabora para que o clube saia dessa situ-ação, mas que seu amor que pelo time não muda. “O Galo, para mim, representa tudo. O Galo é minha vida”, enfatiza.

A posição é a mesma para Carlos Moreira, torcedor da Inter, para quem “a rivali-dade existente é saudável”. Ele afirma que ficaria mais satisfeito se os dois times es-tivessem em situação melhor. “Por mais que seja um rival da gente, se os dois times estivessem bem, a cidade estaria melhor ainda, mais reconhecida”, garante.

Cidade AzulEm Rio Claro também

existem dois times profissio-nais de futebol, mas o quadro atual é diferente. O Rio Claro Futebol Clube já encerrou sua participação no Campe-onato Paulista na série A1, e obteve ótimo desempenho, chegando à última rodada com chances de passar à se-gunda fase da competição. Já

Rivalidadesem violência

a rival Associação Esportiva Velo Clube, atualmente dis-puta a série A2 do Paulista, sem chances de classificação para a série A1.

Fundado no ano de 1909, o Rio Claro Futebol Clube é o terceiro mais antigo do estado de São Paulo. Os mais antigos são a Ponte Preta, de 1900, e a Internacional de Bebedouro, de 1906. A Associação Espor-tiva Velo Clube foi fundada no ano seguinte, em agosto de 1910, mas como um clube que promovia o ciclismo na cidade de Rio Claro. Só em 1920 o futebol começou a fa-zer parte do clube. No mesmo ano, Velo Clube e Comercial Futebol Clube se fundiram, dando origem a atual Asso-ciação Esportiva Velo Clube Rio-clarense.

A rivalidade começa pelo fato dos dois times terem a mesma mascote, o Galo, que no caso do Rio Claro é azul e enquanto no Velo é vermelho. O confronto entre as equipes registra 128 jogos, com vantagem para o Rio Claro, e a última partida ocorreu em 2012, com empa-te em 2 a 2.

A mensagem da página inicial do Facebook da Tor-cida Rio Clarista não deixa dúvidas sobre a temperatura da disputa. “Não prezamos pela quantidade e sim pela qualidade, se você é um apai-xonado pelo azulão junte-se a nós, se não, caia fora”. Com 1.152 curtidas, a página é frequentemente atualizada, estabelecendo uma intera-tividade com o torcedor. ”A página é de fundamental importância para informar, cobrar e incentivar os torce-dores”, diz o responsável pela publicação, que prefere não se identificar. .

Os dois times têm tor-cedores apaixonados, e a rivalidade é forte, entretanto, não há registro de confrontos violentos entre as torcidas. “Existe a rivalidade, sempre vai existir. Tanto o Velo ia joga lá ou o Rio Claro vem jogar aqui, nunca aconteceu nada. É isso aí, é tranquilo.”, afirma Hélio dos Santos, tor-cedor do Velo. Esta também é a visão de Roberto Santana, torcedor assíduo do Rio Cla-ro, para quem o importante é que a disputa sempre ficou dentro do campo.

XV de PiracicabaJá Piracicaba tem um ce-

nário diferente, pois conta com uma única equipe no futebol profissional: o tradi-cional E.C. XV de Novembro. Fundado em 15 de novembro de 1913, o Nhô Quim é prati-camente unanimidade entre os que gostam de futebol e possui uma história com muitas conquistas, entre as quais o Campeonato Brasi-leiro da série C, em 1995, o vice-campeonato Paulista da primeira divisão, em 1976, e diversos títulos de campeão paulista na série A2.

Entre os muitos torcedores do clube está Felipe Jorge Dario, o Gema, presidente da torcida organizada Es-quadrão. Gema conta que a sua paixão pelo alvinegro vem do berço, e que não se recorda do primeiro jogo que viu no estádio, já que seu pai sempre o levava ao estádio Barão da Serra Negra, onde o XV manda seus jogos. “Ser apaixonado e viver o XV é igual a almoçar, acordar, dormir: é natural, faz parte da minha vida”.

A Esquadrão foi fundada no dia 15 de novembro de 2002 e desde então seus participantes começaram a acompanhar o XV fora do município. Seu presidente se orgulha do fato do time ser conhecido em todo o Brasil. ‘’O time carrega o nome da cidade, aonde você vai todos conhecem Piracicaba pelo XV e o XV por Piracicaba, é muito bom isso, pois a cidade tem o time como referência e ostenta com orgulho’’, salienta.

Na cidade também não há confronto entre as diversas torcidas alvinegras. O que ocorre são embates com organizadas de outros times da região. Carlos Leite, con-selheiro do XV e fundador da torcida Amor Real XV, ou AR-XV, se diz contra a violência, o que considera equívoco, mas afirma en-tender a atitude do torcedor em determinados momen-tos . “O torcedor é movido pela paixão, paga ingresso, muitas vezes viaja 100, 200 quilômetros pra ver o time em uma situação ruim, como exemplo. E o ‘sangue sobe’ com provocações por parte da torcia adversária”.

Torcida incentiva a Inter durante disputa com o Independente, em Limeira

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João Victor Longo

Torcida do XV atenta ao jogo

Page 16: Jornal de Classe ed. 01/Junho/2014

edição 01 • Junho/201416 Jornal Classedeesporte

Diego [email protected] de Munno [email protected]

O futebol é o esporte mais conhecido e praticado no Brasil,

que sedia a partir do próximo dia 12 de junto a Copa do Mundo de 2014. E a paixão do brasileiro pelo evento faz com que muitas pessoas guardem na memória his-tórias que viveram durante a competição, que já foi realizada no país em 1950. São dramas familiares, casa-mentos, reencontros, vitórias e derrotas que nunca serão esquecidos. Algumas destas histórias ficarão registradas também nesta reportagem.

2014O estudante Pedro Bogo,

de apenas 16 anos, terá o privilégio de ver, no dia 12 de junho, a abertura da Copa 2014 e assistir ao jogo inicial entre Brasil e Croácia. Enco-mendou o ingresso pelo site oficial da Fifa e já recebeu a confirmação da compra.

‘’Tive que economizar dinheiro e ser rápido.

Quase não consegui’’, conta.

Morador de Limei-ra, Bogo já planejou sua ida e a estadia em São Paulo e revela

que está realizando dois sonhos, já que vai

Brasileiros relatam alegrias, tristezas e fatos curiosos vividos nas Copas do Mundo de Futebol

presenciar pela primeira vez um jogo da seleção ao vivo no estádio do seu clube de coração, o Corinthians. ‘’É a primeira vez que irei para lá. Mal posso esperar para ver o Brasil jogando na Arena Corinthians’’, ressalta.

Já o estudante Raul Tolen-tino, 19 anos, irá assistir à Copa em casa, como fez em 2002, 2006 e 2010. Tolentino nasceu na madrugada do dia 17 de julho de 1994, data em que o Brasil conquistou o tetra campeonato mundial nos Estados Unidos. “Nossa família adora futebol e meu pai fez questão de instalar uma TV portátil no quarto do hospital onde minha mãe estava para assistir à final e foi uma festa. Após o nas-cimento do filho, o Brasil venceu a Itália e ganhou o título”, relata.

ReencontroNo dia 28 de junho de

2002, enquanto trabalhava na portaria de um prédio de Pi-racicaba, Ismael Souza Neto, 45 anos, atendeu o celular e quase não acreditou quando ouviu seu irmão Cláudio dizer que estava voltando ao Brasil para nunca mais sair. O irmão estava no Japão fazia mais de 20 anos e não dava notícias a pelo menos 19. “Fiquei sem palavras. Não estava acreditando no que ele estava me falando”, recorda. Cláudio voltou para Piracica-ba poucos dias antes do início da copa. “Foi maravilhoso. Esse ano nunca sairá de mim. O Brasil conquistou o penta-campeonato e Cláudio estava comemorando junto com a

gente depois de tanto tempo longe”, relembra.

A Copa seguinte, da Ale-manha, marcou a vida de Jonathan Kunigami, 33 anos, brasileiro e descendente de japoneses. Ele acompanha a competição desde 1990, mas se sentiu realmente emocionado em 2006, quando o Brasil, se defrontou com o time do país dos seus descendentes, o Japão, no dia 22 de junho, na última rodada da fase de grupos. A seleção canarinho goleou por 4 a 1. “O resultado pouco importou naquele dia, pois o mais importante foi a emoção vivida”, conta.

O rioclarense Kunigami torceu pelo Brasil, mas admi-te o vínculo com o Japão, ex-presso no sobrenome. Os pa-rentes distantes e a culinária sempre foram presentes na família que mantém proximi-dade com vários elementos da cultura do país. “Naquele dia 22 me vi dividido, porém realizado, pois sabia que era brasileiro de coração, mas consciente das minhas raízes nipônicas”, diz.

Final felizGabriel Scomparin, 19

anos, não acompanhou mui-tas copas, mas guarda uma memória curiosa da Copa de 2010, realizada na África do Sul. “Pouco antes da estreia do Brasil eu fiquei doente, peguei uma séria pneumonia e fiquei internado por mais

Nascido em São Paulo, no tradicional bairro da Mocca, o aposentado Alberico Penha, 80 anos, teve a oportunidade de assistir a um dos con-frontos da seleção brasileira durante a Copa do Mundo de 1950. Na época com 16 anos, Penha trabalhava como engraxate na praça da Sé e conseguiu juntar o dinheiro para comprar a entrada da partida entre Brasil e Suíça, no estádio do Pacaembu, váli-do pela fase inicial do torneio.

‘’Foi emocionante ver os

6 ESTÁDIOS foram construídos para a Copa 2014: Estádio Nacional Mané Garrincha-df, Arena Pantanal, Arena Pernambuco-PE, Arena da Amazônia-AM, Arena Fonte Nova-PE e Arena Corinthians-SP.

22 CIDADES irão receber as seleções participantes da Copa, oito delas no estado de São Paulo: Sorocaba, São Paulo, Cotia, Campinas, Itu, Santos, Porto Feliz, Guarujá e Mogi das Cruzes.

A Copa de 2014 contará com 32 SELEÇÕES, e apenas uma, a da Bósnia-Herzegóvina, disputa o torneio pela primeira vez.

A copa será disputada em 12 ESTÁDIOS E 12 SEDES. São 6 arenas (construídas para o evento) e outros 6 estádios, um criado a partir do zero (Brasília) e outros 5 reformados para o evento.

O valor gasto em estádios para a Copa de 2014 é 285% superior à previsão de R$ 2,8 BILHÕES anunciada pelo governo federal em outubro de 2000.

A emoção de ver a copa de 1950craques que eu mais admi-rava jogarem. Lembro que meu avô teve que me levar, pois meu pai era policial e estava trabalhando’’, conta Penha, que acompanhou a caminhada da seleção até o final da competição. ‘’Não pude viajar ao Rio de Janeiro para a final, pois era muito jovem na época e meus pais não tinham condições de sair de São Paulo, mas ouvi os 90 minutos inteiros pelo rádio do meu avô. Infelizmente o título não veio, mas me

torcedorHistória de

de uma semana”, conta. Dois dias antes do primeiro jogo da seleção brasileira, a situa-ção piorou, pois a TV de seu quarto estava quebrada e ele não poderia assistir ao jogo.

Para sua sorte, seu quadro melhorou rapidamente e no dia seguinte à internação já estava no hospital apenas para observação. Entretanto, 24 horas antes do jogo contra a Coréia do Norte, permane-cia internado. “Só recebi alta cinco horas antes do jogo, mas felizmente pude ver a partida em casa, com os ami-gos. E o melhor é que o Brasil venceu por 2 a 1”, revela.

As histórias de copas tam-bém envolvem parentesco que movimentam famílias inteiras, pois a emoção de ver alguém “do próprio sangue” em campo defendendo o país é especial. Esta é a situação que narra Eliza Avanzi, 77 anos, para quem o torneio de 1978 foi especial. Motivo: a presença no time do primo Chicão, jogador que passou pelo São Paulo, Santos, Atlé-tico Mineiro e XV de Piraci-caba. O jogador morreu de câncer em 2008.

Eliza se recorda orgulho-sa do único jogo no qual o volante atuou na Argentina, contra o time da casa. Chicão jogou os 90 minutos da cha-mada “Batalha de Rosário” e o jogo extremamente trun-cado justificou a opção do treinador, pois sua atuação

Matheus M

. Durante

considero feliz por ter tido a oportunidade de ver Ademir “Queixada”, Zizinho, Balta-zar, Jair, Maneca e Chico em campo’’, afirma.

O aposentado, que atual-mente mora em Piracicaba, não vê com bons olhos a re-alização da segunda edição do torneio no Brasil. Penha acredita que o país não vive o momento certo para realizar mais uma vez um evento desse porte e que deveria se preocu-par em investir nas necessida-des básicas da população.

foi decisiva para garantir o empate sem gols. “Foi um jogo muito difícil, um 0 a 0 bem disputado, com muitas entradas duras e uso de força física, e a escolha pelo Chicão pra mim foi clara, já que ele sempre foi um marcador muito bom”, afirma.

SorteO ditado diz sorte no jogo

azar no amor. A escrita, en-tretanto, pode ser refeita se consideradas as histórias de Selma Regina e Anderson Soares e Ariel Cremonese.

Em 2006, Selma Regina, 32 anos, e Anderson Soa-res, 30 anos, ainda não se conheciam e como muitos brasileiros optaram por as-sistirem aos jogos da copa em telões. O local escolhido foi a praça central de Ca-pivari e o que era para ser somente mais uma partida de futebol se tornou um grande passo na vida dos dois, que estão juntos há oito anos. Soares recorda o fato: “Brasil e Austrália iriam jogar pela segunda rodada da fase de grupos e em meio a tanta emoção e um grito de gol nós nos conhecemos”. Nos jogos seguintes eles sempre marcavam para assistirem juntos e depois de cinco anos de namoro, em 2011 solidificaram sua relação e se casaram. Sorte no amor

Ariel Cremonese, 31 anos, não conheceu seu grande amor numa copa, mas tam-bém deu muita sorte. Apos-tou na seleção brasileira e se deu muito bem. A Copa foi a de 2002, e devido à fraca participação do time nas eliminatórias e aos maus resultados em amistosos e na Olimpíada, muitos brasi-leiros não depositavam muita fé no time de Felipão [Luiz Felipe Scolari]. Mas esse não foi o caso de Cremonese, que apostou pesado em um bolão e não se arrependeu.

“Cda participante deveria apostar em uma possível final e cravar o vencedor. Até aí tudo bem, mas o que deixou muitos com um pé atrás foi o valor inicial da aposta: cerca de R$ 50 na fase de grupos e R$ 100 a partir das oitavas de final. O vencedor levaria um carro 0 km para casa”, relembra.

Na contramão da maioria, Cremonese apostou em um Brasil x Alemanha na final, com vitória sul-americana por 1 a 0. Errou o placar, que foi de 2 a 0, mas acertou o que era preciso, os times da final e a vitória brasileira. Foi o suficiente para ganhar um Gol e desde a aposta bem sucedida sempre participa de bolões. Sorte no jogo.

A COPA EM

NÚMEROS

Alberico: Recordações da Copa de 1950

Cremonese apostou e “se deu bem” na Copa do Japão

Kunigami: coração dividido em 2006

Scomparin: ansiedade no hospital e final feliz

Souza relembra reencontro com irmão em 2002

Selma e Anderson: sorte no amor na Copa de 2006

Eliza: orgulho pela presença do primo Chicão em 1978

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