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AGNALDO GARCIA (ORG.) RELACIONAMENTO INTERPESSOAL Uma Perspectiva Interdisciplinar 1ª Edição Vitória Associação Brasileira de Pesquisa do Relacionamento Interpessoal ABPRI 2010

RELACIONAMENTO INTERPESSOAL Uma … · 8.Bullying: De Onde vem a Violência que assola a Escola? Luciene Regina Paulino Tognetta 9. Conflitos Interpessoais entre Adolescentes Vanessa

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AGNALDO GARCIA

(ORG.)

RELACIONAMENTO

INTERPESSOAL

Uma Perspectiva Interdisciplinar

1ª Edição

Vitória

Associação Brasileira de Pesquisa do Relacionamento Interpessoal

ABPRI

2010

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1ª Edição – 2010

CAPA e EDITORAÇÃO ELETRÔNICA

REVISÃO

O autor

IMPRESSÃO

Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)

(Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, RJ, Brasil)

_____________________________________________________________

Relacionamento interpessoal – uma perspectiva interdisciplinar / Agnaldo

Garcia (org.).

– Vitória: Associação Brasileira de Pesquisa do Relacionamento

Interpessoal - ABPRI; Vitória - ES, 2010.

225 p. : 21cm

Inclui bibliografia.

ISBN

1. Relacionamento Interpessoal. 2. Psicologia Social. 3. Psicologia do

Desenvolvimento. I. Garcia, Agnaldo.

_____________________________________________________________

É proibida a reprodução total ou parcial desta publicação, para qualquer

finalidade,sem autorização por escrito do organizador. Reservados todos os

direitos de publicação em língua portuguesa à Associação Brasileira de

Pesquisa do Relacionamento Interpessoal - ABPRI.

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SUMÁRIO

Apresentação

1. Transição para a Vida Adulta: Processo de Transformação de Pais e

Filhos

Edna Lúcia Tinoco Ponciano e Terezinha Féres-Carneiro

2. Preenchendo Vazios: Dinheiro e Relações Parentais

Valéria Meirelles e Rosane Mantilla de Souza

3. Antes do Sim: Rituais, Celebrações e Práticas Pré-Nupciais

Juliana Fonseca Simões e Rosane Mantilla de Souza

4. Relacionamento Conjugal e Saúde Mental na Gestação

Joseane de Souza, Poliana Aliane Patrício, Larissa Horta Esper e Erikson

Felipe Furtado

5. Mediação e Promoção do Potencial Cognitivo de Crianças com

Problemas de Desenvolvimento e Aprendizagem

Kely Maria Pereira de Paula, Ana Cristina Barros da Cunha, Tatiane

Lebre Dias, Sônia Regina Fiorim Enumo, Claudia Patrocínio Pedroza

Canal, Flavia Almeida Turrini

6. Utilizando Recursos Tecnológicos para a Avaliação e a Promoção de

Habilidades Sociais

Adriana Augusto Raimundo de Aguiar e Zilda Aparecida Pereira Del Prette

7. Relações Amistosas: Concepções de Professores e Desenhos Infantis

Jussara Cristina Barboza Tortella, Josiane Raymundo dos Santos e Edna

Aparecida Pereira Perobelli

8.Bullying: De Onde vem a Violência que assola a Escola?

Luciene Regina Paulino Tognetta

9. Conflitos Interpessoais entre Adolescentes

Vanessa Fagionattovicentin

10. A Gestão do Convívio Escolar

Maria Isabel da Silva Leme

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11. Aspectos Básicos da Relação Enfemeiro-Paciente e a Prática do

Enfermeiro na Intervenção Breve para os Problemas Relacionados ao Uso

de Álcool

Angélica M. S. Gonçalves, Sandra Cristina Pillon, Priscila Tagliaferro,

Sônia Zerbetto e Sônia Vivian de Jezus

12. O Cuidado do Enfermeiro e o Relacionamento Interpessoal

Rejane Maria Dias de Abreu Gonçalves, Renata Maria Dias de Abreu,

Quênia Cristina Gonçalves da Silva e Leila Aparecida Kauchakje Pedrosa

13. Relacionamento Interpessoal e a Adesão na Fisioterapia

Marina Medici Loureiro Subtil

14. Relacionamento Interpessoal e Economia Solidária

Raquel Ferreira Miranda, Fernanda Henrique Cupertino Alcântara,

Fernanda Simplício Cardoso, Agnaldo Garcia e José Roberto Pereira

15. Amizades Interamericanas de Estudantes Universitários Brasileiros: Um

Estudo Descritivo

Agnaldo Garcia, Lívia Ramos Brandão, Lorena Queiroz Merizio Costa e

Marco Aurélio Togatlian

16. Amizades Intercontinentais de Estudantes Universitários Brasileiros:

Um Estudo Exploratório

Agnaldo Garcia, Fernanda Gomes Dettogni, Lorena Queiroz Merizio Costa

e Marco Aurélio Togatlian

17. Amizades Internacionais de Universitários Brasileiros: Uma Análise dos

Episódios Marcantes

Agnaldo Garcia, Cloves Bitencourt Neto, Luciana Teles Moura e Claudia

Balestreiro Pepino

18. Amizades de Universitários Africanos no Brasil: Uma Análise dos

Episódios Marcantes

Agnaldo Garcia, Dominique Costa Goes, Luciana Teles Moura e Claudia

Balestreiro Pepino

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APRESENTAÇÃO

A realização do I Congresso Brasileiro de Pesquisa do

Relacionamento Interpessoal (I ConBPRI), em Vitória, no ano de 2009,

representou um marco histórico para a pesquisa sobre o relacionamento

interpessoal em nosso país. Este livro, que traz textos de participantes do

evento, mostra um pouco da riqueza do tema, quanto à diversidade de áreas

que lidam com relações interpessoais.

Agradecemos a todos que, de uma forma ou outra, contribuíram

para a elaboração deste livro, em especial à administração central da

Universidade Federal do Espírito Santo e ao Programa de Pós-Graduação

em Psicologia desta universidade e a todos que apresentaram trabalhos e

participaram do I ConBPRI, em Vitória.

Esperamos que o presente livro desperte o interesse dos leitores

para as relações interpessoais e que também seja um estímulo para o avanço

das pesquisas sobre o tema em nosso país.

Agnaldo Garcia

Presidente da Associação Brasileira de

Pesquisa do Relacionamento Interpessoal - ABPRI

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TRANSIÇÃO PARA A VIDA ADULTA:

PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO DE PAIS E FILHOS

Edna Lúcia Tinoco Ponciano

Terezinha Féres-Carneiro

Ao longo do ciclo de vida, os pais assumem diferentes papéis no

cuidado com os filhos. De acordo com essa perspectiva (MacGoldrick &

Carter, 1995), podem ser relacionados os seguintes papéis para os pais,

paralelamente à transformação dos filhos: 1) adolescência – os filhos

começam a tomar decisões, desenvolvendo, de modo crescente, a

autonomia; os pais têm que negociar com os filhos, participando dessa

transformação modificando o exercício de sua autoridade; 2) jovem adulto

(saindo de casa) – os filhos têm independência para viverem suas próprias

vidas; a relação parental é cada vez menos hierárquica; os pais participam

orientando e aconselhando; 3) jovem adulto (casando) – a independência é

consolidada a partir da formação de uma nova família, os pais têm que

aceitar a escolha dos filhos quanto ao futuro cônjuge, não tendo,

geralmente, influência direta sobre essa escolha; 4) adulto (tornando-se

pais) – com a chegada dos filhos, forma-se o subsistema parental e, a partir

da presença de uma nova geração, os recém pais têm que se adaptar à

diferente participação de seus pais em suas vidas; inicia-se a construção de

novas identidades, a de pais e a de avós, nas quais, os últimos, a partir do

contato com os netos, desenvolvem uma nova forma de se relacionar com

os filhos; 5) adulto (em idade mais avançada) – os pais (avós) têm que

aceitar o fato de poderem ser mais dependentes dos próprios filhos e,

dependendo da saúde dos pais, pode haver uma inversão hierárquica.

A perspectiva descrita acima retrata uma visão tradicional de

família, sendo típica da classe média americana. Apesar de entendermos

que, em relação ao Brasil, há semelhanças e diferenças a serem

consideradas, nesse momento, vamos adotar essa perspectiva para

discutirmos um tipo específico de transformação do relacionamento pais e

filhos, enfatizando a aquisição da autonomia e a independência dos filhos.

Atualmente, devido à continuidade da dependência dos filhos após a

adolescência, há uma variação nas fases do ciclo de vida, relativizando

essas fases. Deve ser acrescentada, ao ciclo vital, a transição para a vida

adulta, que constitui uma fase distinta, alterando a passagem direta da

adolescência ao mundo adulto. Entre esses dois momentos surge a transição,

na qual o jovem não é adolescente nem adulto.

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Os jovens hoje experimentam uma variedade de estilos de vida e de

relacionamentos íntimos, sem necessariamente assumirem as

responsabilidades esperadas de um adulto ou deixar a casa dos pais.

Possuem autonomia para tomarem certas decisões, sem o ônus da completa

independência. Por exemplo, hoje é possível ter uma relação amorosa,

“morar” parte da semana na casa do parceiro(a) e manter a casa dos pais

como a sua própria casa. É possível arriscar-se em uma relação amorosa,

sabendo que se pode voltar para a casa dos pais, comportamento típico dos

jovens bumerangues (Mitchell, 2006). Não só as relações amorosas estão

baseadas em vínculos mais frágeis como também a situação do mercado de

trabalho e a exigência de uma prolongada formação profissional não

oferecem garantias de total independência dos pais. Relações afetivas e de

trabalho podem-se dissolver muito mais facilmente do que na época dos

pais dos jovens de hoje. A transição para a vida adulta, portanto, é marcada

pela incerteza, indefinição e complexidade (Camarano, 2004; 2006;

Guerreiro e Abrantes, 2005; Mello e Camarano, 2006; Pais et al, 2005).

A percepção de maior instabilidade para a juventude de hoje é

amplificada ao se traçar um paralelo com uma suposta estabilidade da

família tradicional. Entretanto, supondo que, mesmo na família tradicional,

não haja um momento de estabilidade completa, pode-se aceitar a

diversidade e as flutuações presentes em todas as fases do ciclo de vida e,

especialmente, na transição para a vida adulta (Ponciano, 2002; Ponciano &

Féres-Carneiro, 2003). Desse ponto de vista, ao relativizar o modelo

tradicional, o comportamento dos jovens pode ser compreendido como uma

transição e não um impedimento ou bloqueio no desenvolvimento. É

preciso, portanto, investigar como a transição para a vida adulta,

diversificada e incerta, na qual a independência dos filhos tende a ser

alcançada paulatinamente, tem afetado a relação entre pais e filhos.

Para os jovens de países industrializados, os anos finais da

adolescência até o período dos vinte anos são muito importantes e de

profundas mudanças. Muitos obtêm o nível de educação e de treinamentos

necessários para a vida adulta no trabalho. As possibilidades de mudança

são variadas no trabalho e no amor, sendo exploradas diferentes visões de

mundo. No final dos vinte anos, muitos jovens fizeram escolhas de vida que

têm ramificações duradouras, mas até lá viverão um período de intensa

experimentação. Os jovens podem experimentar mais livremente que os

adolescentes, porque são menos monitorados pelos pais, e mais livremente

que os adultos, porque são menos constrangidos por papéis sociais. O uso

de drogas, como experimentação, por exemplo, tende a aumentar durante e

no final dos vinte anos e tende a diminuir com o casamento e a paternidade,

que trazem as responsabilidades do mundo adulto (Arnett, 2000).

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A sexualidade também é um campo a ser explorado com liberdade,

experimentando e conhecendo várias possibilidades, antes de um

compromisso sério. A exemplo disso, nos anos de 1980, no Brasil, o ficar

difundiu-se como um novo modo de relacionamento, oferecendo ao jovem a

oportunidade de ampliar o contato com parceiros variados, em uma noite ou

por um breve instante, não tendo, necessariamente, repercussões para o

futuro (Bozon, 2004; Heilborn et al., 2006).

Os jovens, assim, têm mais comportamentos de risco, vivenciando

a noite, a busca do prazer, ficando mais vulneráveis às situações de perigo

que incluem violência e podem ameaçar a vida. O jovem, caracterizando o

seu mundo pela experimentação, busca-se conhecer, construindo sua

autonomia individual, adotando comportamentos independentes de sua

família de origem, em um mundo desconhecido pelos pais.

Ainda assim, o jovem prolonga sua permanência na casa dos pais,

fazendo com que esse processo de maior autonomia e de independência seja

vivido no interior da família. Enquanto não assumem completamente a vida

adulta, nesse momento de transição, a relação com os pais sofre

modificações. A principal mudança é uma maior aproximação dos pais,

sendo estabelecido um relacionamento de maior reciprocidade, de respeito

mútuo, desenvolvendo-se mais para a igualdade do que para a hierarquia

(Singly, 1996; 2000). A relação de dependência e independência é alternada

conforme a situação e a necessidade dos filhos. Os pais continuam

oferecendo suporte financeiro e emocional, principalmente quando não há

condições favoráveis de entrada no mercado de trabalho e quando as

relações amorosas são instáveis, não definindo um projeto de casamento e

de saída da casa dos pais.

Consequentemente, os pais assistem a um aumento de

complicações quanto ao desempenho de suas tarefas. A adolescência dos

filhos chega ao fim, mas não há uma diminuição das responsabilidades. É

preciso continuar auxiliando os filhos no desenvolvimento de maior

autonomia emocional e financeira. Da adolescência à vida adulta, os pais

mantêm um importante papel para o crescimento dos filhos, podendo

facilitar a transição (Arnett, 1994; Doyle & Moretti, 2000; Gitelson e

McDermott, 2006; Gower e Dowling, 2008; Reichert & Wagner, 2007;

Sampaio, 2004).

Diante dessa configuração, é necessário investigar como as mães e

os pais de jovens estão percebendo a transição para a vida adulta,

procurando identificar: as experiências vividas, os significados atribuídos a

esse momento em que não há previsibilidade para o comportamento dos

jovens e, ainda, que tipo de suporte oferecem, enquanto seus filhos não se

tornam adultos independentes.

Utilizamos uma metodologia qualitativa, em que a primeira autora

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realizou vinte entrevistas com diferentes pais de jovens. Nosso objetivo foi

o de compreender os significados atribuídos à experiência de serem pais que

participam e observam seus filhos tornarem-se adultos. Delimitamos a faixa

etária dos filhos entre os 16 e os 26 anos, mas abrangemos uma faixa de

idade um pouco para menos ou para mais, devido à presença de filhos com

idades variadas, na mesma família. Os demais critérios para a seleção dos

entrevistados foram: classe média e moradores da zona sul da cidade do Rio

de Janeiro.

Das vinte entrevistas, treze foram feitas somente com as mães,

sendo onze separadas dos pais de seus filhos e duas casadas com os pais. As

sete entrevistas restantes foram feitas com casais e são distintas devido à

possibilidade de observar a interação entre os pais, revelando a dinâmica

conjugal aliada à dinâmica parental.

Todos os pais entrevistados (n=27) têm formação universitária,

sendo que nem todos exercem a profissão, sustentando-se com outras

atividades, e três pais e uma mãe são aposentados. Quanto à formação dos

filhos: os mais novos têm o projeto de ingressar na universidade; os mais

velhos já estão cursando; poucos estão formados e no início da carreira. A

idade dos pais varia entre 40 e 67 anos e a dos filhos entre 11 e 28 anos. As

vinte famílias somam o total de 45 filhos. Desse total, vinte e sete filhos

estão na faixa dos vinte anos, dezesseis estão entre 14 e 19 anos, e dois com

11 e 12 anos. Quanto ao número de filhos: quatro famílias têm apenas um

filho; a maioria, onze famílias, tem dois filhos; duas famílias têm três filhos;

duas têm quatro filhos; e uma família tem cinco filhos. Desse total, apenas

três filhos não moram com os pais.

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Tabela I

Família dos entrevistados

Família Entrevistados Nº

filhos

Idades e gênero dos filhos

1 Mãe 1 23 fem

2 Mãe 1 20 masc

3 Mãe 1 24 fem

4 Mãe 1 16 fem

5 Mãe 2 23 masc e 25 fem

6 Mãe 2 14 masc e 24 masc

7 Mãe e Pai 2 22 fem e 27 masc

8 Mãe 2 22 fem e 25 masc

9 Mãe 2 11 fem e 16 fem

10 Mãe 2 21 fem e 24 masc

11 Mãe e Pai 2 21 fem e 23 fem

12 Mãe 2 16 fem e 19 fem

13 Mãe e Pai 2 15 fem e 18 masc

14 Mãe e Pai 2 15 fem e 23 masc

15 Mãe 2 21 fem e 28 masc

16 Mãe 3 23 fem, 25 masc e 26 masc

17 Mãe e Pai 3 16 masc, 25 fem e 28 masc

18 Mãe 4 12 masc, 16 fem,18 fem e 23 fem

19 Mãe e Pai 4 12 fem, 17 fem, 20 fem e 21 masc

20 Mãe e Pai 5 14 fem, 15 fem, 17 masc, 23 fem e 24

masc

Em uma análise inicial das entrevistas, a questão que se destaca é:

o que os pais sabem sobre a vida de seus filhos jovens? O mundo dos jovens

é dividido em três categorias: a noite, com seus perigos e diversão, alheios à

vida adulta; a escolha profissional, caracterizada pela dúvida e auxílio dos

pais, marcando mais objetivamente a possível entrada na vida adulta; e a

relação amorosa/sexualidade, sem vinculação com o projeto de casamento e

marcada pela diferença de gênero. Nos três casos, a mãe é uma fonte de

consulta e aconselhamento, fazendo com que ela tenha mais informações

sobre a vida dos filhos de ambos os sexos.

O mundo dos jovens tem características específicas, principalmente

no contexto da noite, e os pais parecem saber disso por ouvirem falar ou

quando percebem algo extraordinário na vida dos seus filhos, revelando

ignorarem, a maior parte do tempo, os reais acontecimentos. Os pais

acompanham os filhos, monitorando-os, muitas vezes com o auxílio do

celular, mas dificilmente conhecem de perto o mundo dos seus filhos

jovens. Por maior que seja a abertura, as informações são filtradas, levando

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os pais a estarem sempre em estado de tensão diante da possibilidade de

algo inusitado acontecer, algo que desconhecem e sobre o qual não têm

controle. Por essa razão, é frequente que os pais entrevistados hesitem em

afirmar com toda convicção saber o que se passa com os filhos, quando

estão se divertindo à noite. Atribuem os perigos ao contexto social, mas

desconhecem como seus filhos comportam-se nesse contexto. O uso de

drogas, por exemplo, é uma preocupação, mas os pais não têm absoluta

certeza sobre a experiência dos filhos. Nesse sentido, ainda se pode falar da

diferença entre gerações e da presença de segredos, que indicam o

afastamento entre as experiências dos filhos jovens e a possibilidade de

conhecimento e compreensão dos pais.

A escolha profissional é um tópico bastante discutido entre pais e

filhos e, sendo mais próximo da vida dos pais, parece também a área mais

ligada à ideia de passagem para a vida adulta. Mesmo assim, não há uma

urgência e tudo deve ser ponderado para que sejam feitas as melhores

escolhas de formação e de exercício profissional, devendo ser consideradas

as dificuldades apresentadas pelo mercado de trabalho. Não há,

necessariamente, um encontro de ideias a respeito da profissão a seguir.

Pais e filhos podem discordar seriamente nesse tópico, mas os filhos

procuram os pais como fonte de orientação e suporte para esse importante

processo de decisão. Aqui, revela-se uma maior dependência, tanto

emocional quanto financeira. Emocionalmente, os filhos sentem-se

inseguros e esperam ter o apoio dos pais em suas escolhas de formação

profissional e, para isso, vão precisar também do suporte financeiro. A

dependência se prolonga ainda mais, em função de os pais estarem

preocupados em oferecer aos filhos melhores condições de entrada no

mercado de trabalho. Surge, então, um paradoxo: a área que se aproxima

mais do mundo dos pais, enquanto adultos que trabalham, é também fonte

de maior dependência, devido às exigências de formação e de preparo para

o mercado, que se aliam à preocupação dos pais quanto a um futuro melhor

para os filhos. Em síntese: os filhos permanecem numa relação de

dependência dos pais enquanto se preparam para a entrada no mundo adulto

do trabalho.

Os pais parecem perguntar: meu filho, um adulto? Os filhos são

vistos como adultos em alguns aspectos e em outros não. Nesse sentido, o

mundo dos jovens contrapõe-se ao mundo adulto, que se localiza à frente,

distanciado no tempo. O projeto de se sustentar sozinho, casar e ter filhos,

característico do ciclo de vida tradicional, não é visto, nem pelos pais nem

pelos filhos, como urgente. É preciso preparar-se para entrar no mundo

adulto, aprendendo a viver de uma forma independente. Assim, a entrada na

vida adulta é adiada porque os filhos ainda não estão preparados. O que

define essa preparação que possibilitará o alcance do status de adulto? A

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formação profissional e a independência financeira parecem ser as respostas

necessárias para uma definição quanto ao futuro. Enquanto isso, não há um

marcador que determine a entrada definitiva na vida adulta e a relação com

os filhos prolonga-se indefinidamente em uma situação de dependência.

A relação amorosa e a sexualidade são temas presentes, mas

falados com algumas reservas. A discussão se apresenta quando há

necessidade de se tomar decisões, quanto a dormir ou não com o

namorado(a) em casa, por exemplo. A respeito da sexualidade, há, ainda,

uma forte distinção de gênero. As mães participam mais, recebendo

algumas informações ou ajudando a tomar decisões, principalmente com

suas filhas mulheres. Os filhos homens costumam dividir com as mães

aspectos emocionais de sua vida amorosa, geralmente, quando têm dúvidas

ou estão em crise no relacionamento.

Os conflitos entre pais e filhos ocorrem, não tanto entre gerações,

mas entre pessoas com pensamentos e desejos diferentes. Há, portanto,

alguns conflitos e muita negociação, o que suaviza a distinção geracional. A

negociação, por vezes, sugere uma indistinção e uma possível troca de

papéis. A hierarquia entre pais e filhos não é completamente abolida, mas

ela é intercambiável em um processo relacional pautado pela negociação e

pela maior proximidade entre as gerações.

Desse modo, numa família em que pais e filhos estão cada vez

mais próximos, sendo os filhos nomeados como amigos, principalmente no

discurso dos pais, a ideia de conflito entre as gerações perde sua força

heurística para compreender a relação pais e filhos. Os conflitos não deixam

de existir, mas a negociação é a forma de resolvê-los, levando a uma

convivência mais permissiva e possibilitando a coexistência de diferentes

perspectivas, que contribuem para formar e manter em funcionamento as

regras da família, em um processo contínuo de relativização dessas regras.

Nas entrevistas com as mães separadas, predomina a afirmação de

que o pai não participa da vida dos filhos desde a infância e, com a

separação, há uma piora, consolidando-se o afastamento paterno, ao longo

da adolescência e do início da vida adulta. As mães marcam a ausência de

participação do pai e acentuam sua presença como aquele que falta e/ou

falha. Nas entrevistas em que os pais estão presentes, eles têm a

oportunidade de falar e tendem a concordar com as mães, quanto à sua

pouca participação. E, quando participam mais, há uma crítica das mães, o

que parece confirmar a maior habilidade delas participarem,

independentemente de sua situação conjugal e da fase de desenvolvimento

dos filhos.

Há, portanto, uma diferença entre a posição do pai e da mãe,

principalmente após a separação, que é perpassada pela questão de gênero e

pelas histórias da conjugalidade e da parentalidade. A diferença entre a mãe

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e o pai é retratada tanto nas entrevistas dos pais que permanecem casados

quanto nas entrevistas com as mães separadas e, para essas, há uma

exacerbação da diferença e da desvalorização do pai.

O discurso unânime das mães separadas, inicialmente, fez-nos

pensar em entrevistar os ex-maridos, mas desistimos dessa ideia porque não

era nossa intenção estabelecer um confronto com o discurso das mães.

Ainda assim, gostaríamos de oferecer um espaço para a voz do pai.

Futuramente, consideramos necessário entrevistar pais separados, que não

seriam os ex-maridos das entrevistadas, mas, sim, outros pais dispostos a

falar da participação na vida dos seus filhos jovens. Desse modo,

poderemos contemplar a complexidade da relação pais e filhos, que

continua após a dissolução do casamento, ao entrevistarmos apenas o pai,

trazendo o discurso do homem a respeito de sua participação na vida dos

seus filhos jovens.

A transição para a vida adulta, sendo uma fase distinta do ciclo

vital, transforma tanto o desenvolvimento do filho jovem quanto de seus

pais, acarretando mudanças para o sistema familiar como um todo. Na

transição, com seus vários movimentos de idas e vindas, a instabilidade é

uma certeza que afeta o comportamento de pais e filhos (Gitelson e

McDermott, 2006; Gower e Dowling, 2008; Hauser, 1984; Larson,

Richards, Moneta, et al. 1996). Consideramos, a partir de nossa pesquisa,

que os pais estão vivenciando esse processo sem perceberem as implicações

da continuidade da dependência dos filhos. Vivenciam a transição sem

terem clareza de estarem atravessando uma nova fase, que demanda a

transformação do papel parental.

Por essa razão, a recente transformação do desenvolvimento

pessoal e familiar, que rompe com a expectativa de maior autonomia do

filho no início dos seus vinte anos, precisa ser mais estudada, enfocando a

mudança do papel dos pais, já que os filhos prolongam a sua dependência.

Não é mais a relação inicial da infância, que demandava cuidados físicos de

sobrevivência, sendo caracterizada pela total dependência. Trata-se de um

novo tipo de relação de cuidado que, mesmo considerando o

desenvolvimento crescente da autonomia, exerce o papel de apoio ao

crescimento do filho. Esse é um desafio presente na transição para a vida

adulta: em uma relação de extensão da dependência, ainda que relativa, os

pais precisam criar condições para o desenvolvimento adulto dos filhos

(Mitchell, 2006; Moore, 1987; Ryan e Lynch, 1989).

Nossos entrevistados são de classe média. Por isso, nossos dados

refletem a situação de um grupo privilegiado da cidade do Rio de Janeiro,

apesar das dificuldades enfrentadas para encaminharem os filhos para o

mundo adulto. Seus filhos vivem um processo de experimentação que é

protegido e, na ausência de políticas públicas, têm, no suporte familiar, a

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condição de enfrentarem os obstáculos que poderiam paralisar o seu

desenvolvimento. A escolha profissional é um exemplo do modo como

podem experimentar várias opções, escolhendo dentre alternativas que se

opõem e alongando o período de formação, enquanto os pais acolhem e

sustentam esse processo. A sexualidade também é vivida de uma forma

protegida, tendo na mãe, principalmente, uma fonte de consulta e de

orientação, que pode assumir responsabilidades na tomada de decisão. Se há

uma indecisão quanto a que profissão seguir, se a camisinha fura, a mãe

orienta e ajuda a decidir e, ainda que haja conflitos durante o processo, a

negociação é a tônica de uma relação não mais baseada na autoridade e no

estabelecimento de uma rígida hierarquia. Essa dinâmica pode alienar o pai

de uma relação mais próxima de seus filhos e levar os filhos a terem

dificuldades em assumir a responsabilidade por seus atos. Para inserir o pai,

transformando o seu modo de participar, a conjugalidade deve ser analisada

como um fator importante que determina o funcionamento da relação pais e

filhos. Assim, haverá, igualmente, uma transformação dos papéis de gênero,

que não deve excluir a diferença entre o pai e a mãe, mas aproveitar os

recursos de ambos para ajudar no crescimento dos filhos e na assunção de

responsabilidades de adultos (Féres-Carneiro, 2005; Gallardo et. al., 2006;

Heilborn et. al., 2006; Hurstel, 1999; Miljkovitch e Pierrehumbert, 2005;

Roudinesco, 2003).

O que ouvimos de nossos entrevistados, portanto, reforça a idéia de

que os pais estão participando da vida de seus filhos jovens, ajudando a

prolongar o período de dependência. O único tópico que parece escapar à

influência direta dos pais é o uso de drogas, surgindo como um tema que

envolve segredos entre pais e filhos. Seria essa área que identificaria mais

nitidamente a separação entre o mundo dos jovens, caracterizado pela

experimentação, e o mundo dos adultos, caracterizado pela observação e

obediência às regras sociais? Essa área é uma das poucas que os pais

consideram não conhecer como os filhos estão vivendo, restando quase

nada que pudesse escapar do conhecimento e da participação dos pais.

Considerando que o desconhecimento/afastamento dos pais é paralelo à

construção da identidade dos filhos jovens, como se daria essa construção

quando os pais afirmam conhecer e estar tão próximos dos filhos? Para

respondermos a essas perguntas, necessitamos empreender mais pesquisas.

Até aqui, porém, podemos afirmar que os pais participam ativamente no

período de transição para a vida adulta, cumprindo o papel de oferecer

suporte para o crescimento e a autonomia dos seus filhos jovens. Esse papel

não é exercido por autoridades, mas por amigos mais velhos, mais

experientes, prontos a aconselhar, ajudando a tomar decisões, o que,

paradoxalmente, prolonga a permanência na casa dos pais, dificultando o

desenvolvimento de uma maior autonomia. Por consequência, é preciso

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investigar como o amadurecimento ocorre com o suporte dos pais, sendo

acompanhado por um processo de diferenciação, que, ocasionalmente, leva

a comportamentos que se afastam, se distinguem e/ou se opõem aos dos

pais.

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2

PREENCHENDO VAZIOS:

DINHEIRO E RELAÇÕES PARENTAIS

Valéria Meirelles

Rosane Mantilla de Souza

Embora o dinheiro seja um dos grandes e potentes intermediários

dos relacionamentos interpessoais, e as relações econômicas sejam objeto

de diferentes disciplinas já há muito, na Psicologia, seu estudo é recente.

Este capítulo tem como objetivo descrever um estudo de caso sobre

endividamento discutido por meio de conceitos da Psicologia Econômica.

Apresenta um atendimento psicoterapêutico com enfoque sistêmico a uma

mulher de 30 anos, filha única, solteira, executiva de multinacional, com

rendimentos mensais acima de 20 salários-mínimos, que, a despeito de

todos seus esforços, não conseguia sair das dívidas superiores a cinco vezes

seus ganhos quando do início do processo terapêutico. Ao longo do

atendimento buscou-se compreender o significado agregado ao dinheiro, ao

seu mau uso e as conseqüências em sua vida, bem como a sair do

endividamento.

Introduziremos inicialmente alguns conceitos, de modo a favorecer

a compreensão e divulgação da importância de o psicólogo e o

psicoterapeuta tomar contato com o campo da Psicologia Econômica

quando atua com indivíduos de forma contextual, ou seja, considerando

seus relacionamentos e os significados a eles atribuídos.

Psicologia Econômica

De acordo com Ferreira (2008), a Psicologia Econômica tem suas

origens na Europa com o objetivo de ampliar a compreensão dos fenômenos

econômicos sempre influenciados pela participação humana com a

imprevisibilidade ou irracionalidade de seus movimentos. A disciplina

estuda:

“o comportamento econômico dos indivíduos (denominados,

frequentemente, consumidores ou tomadores de decisão, do

inglês „decision makers‟), grupos, governos, populações, no

sentido de compreender como a economia influencia o indivíduo

e, por sua vez, como o indivíduo influencia a economia, tendo

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como variáveis pensamentos, sentimentos, crenças, atitudes e

expectativas” (p. 39).

O objetivo dos psicólogos econômicos é entender os movimentos

humanos relativos ao uso do dinheiro e ao processo de tomada de decisões

que envolvam ou não a sua administração. Sendo assim, estudam as

„anomalias‟ que envolvem o uso de recursos finitos que neste caso, é o

dinheiro.

Furnham & Argyle (1998) são os autores responsáveis pela

construção de uma teoria sobre dinheiro dentro do campo da Psicologia. A

Psicologia do Dinheiro tem como objetivo entender seu uso pelas pessoas,

uma vez que se considera que o dinheiro “tem, não apenas muitas

definições, mas múltiplos significados e muitos usos” (p. 7), que necessitam

ser entendidos como mais uma importante manifestação do comportamento

humano. Ainda de acordo com estes autores, ao se estudar as atitudes em

relação ao dinheiro devemos, em primeiro lugar, buscar compreender seu

significado para cada pessoa (poder, prestígio, segurança), uma vez que é a

partir deste significado que poderemos entender atitudes como gastar,

desperdiçar, poupar, doar, e outras.

A multiplicidade de possíveis significados atribuíveis ao dinheiro

nos remete a necessidade de entender, junto a cada pessoa, as narrativas

segundo as quais estes sentidos foram sendo construídos ao longo de seu

desenvolvimento. Trata-se de um processo complexo, baseado no

relacionamento interpessoal com as figuras fundamentais de apego (família

de origem, amigos próximos e parceiros românticos) que ocorre dentro de

limites sociais, históricos e culturais específicos. É sob esta circunstancia

que consideramos que a Psicologia do Dinheiro e o Pensamento Sistêmico

podem fazer uma parceria teórica produtiva no sentido de permitir não só

compreender, mas instrumentalizar, as pessoas a se entenderem, e no caso

que discutiremos mais adiante, a sair do endividamento.

Significados Atribuídos ao Dinheiro

Quando pensamos em dinheiro, naturalmente evocamos o lado

quantitativo, ou seja, dinheiro é um número. Porém, é um número que atrela

vários atrativos sociais: poder, talento, habilidade, beleza, saúde,

inteligência e oferece a possibilidade de a pessoa sentir-se sempre especial

(Ferreira, 2008). Nas sociedades capitalistas, o dinheiro também está

associado à segurança, sucesso, liberdade, independência, esperteza, benção

de Deus, status, merecimento, bem estar (Furham & Argyle, 1998; Lea,

Tarpy, Webley, 1997).

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Para o antropólogo Weatherford (2009: 11), autor do livro „A

história do dinheiro‟, nas sociedades atuais ele “serve como a chave que

abre as portas de quase todos os prazeres, mas também de muitas dores”.

Ao mesmo tempo em que constitui “o ponto de convergência da cultura

mundial moderna, ele define as relações entre as pessoas”, inclusive os

relacionamentos mais próximos.

De fato, o dinheiro tem múltiplas representações sociais para além

da mera quantidade, permeando a rede social pessoal, incluindo-se as

relações mais primárias, como aquela com a família de origem, embora

ainda poucos psicólogos reconheçam este impacto. Madanes& Madades

(1997: 11), é uma das raras terapeutas a destacar o dinheiro e seu uso no

campo de estudo e atendimento a famílias, afirmando que este se encontra

na base de toda a vida conjugal e familiar. A autora destaca que:

“(...) usamos o dinheiro, dissimuladamente, em nossa luta pelo

poder com os nossos maridos, esposas, pais ou filhos. Nós

exprimimos nossos desejos, nossos anseios de confiança, nossa

necessidade de vingança e retribuição por meio do dinheiro. Esta

força secreta do dinheiro nos reúne a todos - irmãs e irmãos,

jovens e velhos - em nome do amor, da vaidade, da compaixão e

da raiva”.

Se não podemos desconsiderar o papel que o dinheiro ocupa, ainda

que „secretamente‟, nos relacionamentos, quando atuamos como

psicoterapeuta torna-se relevante compreender suas decorrências nas

relações interpessoais atuais, tanto quanto delinear a construção destes

significados ao longo do desenvolvimento, junto aos relacionamentos

primários, ou seja, com as figuras parentais.

Os pais dão dinheiro aos filhos e, direta ou indiretamente, ensinam-

nos a administrá-lo e valorizá-lo, ou seja, realizam um programa de

socialização econômica. Mas, como afirmam Furnham & Argyle (1998:64),

alguns pais “com potencial para „comerciantes de amor‟1, dão dinheiro no

lugar do amor”. Portanto, os psicoterapeutas deverão estar atentos às

questões financeiras de seus pacientes, observando fatores psicológicos que

freqüentemente levam a problemas mais sérios de uso do dinheiro. Para

estes autores, algumas pessoas têm o dinheiro como substituto da emoção e

afeto, “que é usado para comprar afeição, lealdade e auto-estima” que

podem conduzir a várias patologias financeiras, entre elas o endividamento

(p. 139).

1 No original: „love dealers‟.

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Endividamento

Segundo Tolotti (2007) “uma pessoa pode ser considerada

endividada quando não consegue cumprir seus compromissos financeiros e

possui um atraso que oscila entre 1 mês e 3 meses”, sendo possível

caracterizar dois tipos de endividamento: passivo e ativo. O primeiro ocorre

quando as dívidas do indivíduo crescem devido a circunstancias imprevista

e alheias a sua vontade, como no caso de doenças, acidentes, desemprego e

congêneres. Já o endividamento ativo é proveniente de escolhas

equivocadas, isto é, má gestão financeira: “Os endividados ativos são

aqueles que estão constantemente endividados, independente dos

rendimentos que possuem” (p.31).

Nos casos de endividamento ativo devemos considerar as

motivações e aspectos subjacentes. Ou seja, pode haver o endividamento

por consumo excessivo ou baixos rendimentos, mas há também o

endividamento pelas questões afetivas, que nem sempre é percebido pela

própria pessoa, nem por aqueles que a cercam.

Dimensionar o endividamento ativo implica em compreender como

que as escolhas financeiras podem estar pautadas em motivações afetivas e

não pela racionalidade. Neste sentido, como esclarece Tolotti (2007), o

endividamento financeiro pode ser conseqüência do endividamento afetivo.

Segundo a autora, “parte dos endividamentos e das falências pessoais

decorre de insatisfações e tristezas profundas (...) e maior parte dos

endividados, sente culpa, vergonha, baixa estima ou sensação de

impotência” (p. 73), como será evidenciado a seguir.

Apresentação do caso

Silvia recebeu a indicação de uma colega para procurar a primeira

autora deste capítulo, que vem atuando e pesquisando temas associados a

“mulher e dinheiro”, em busca de um processo terapêutico que a auxiliasse

a enfrentar seu prolongado e difícil endividamento.

Silvia tem 30 anos, é solteira, e tem um namorado há dois anos,

com quem pretende morar junto no futuro, embora relate constantes crises

entre o casal. Com educação superior em área financeira, atua como

executiva de uma empresa multinacional e tem rendimento mensal acima de

20 salários mínimos. Poderia ser descrita como bem sucedida

profissionalmente caso não considerássemos a incapacidade de dimensionar

suas dívidas que correspondiam a cinco vezes o valor de seu salário, na

época do início do atendimento psicoterápico. Ela esclareceu que, em

função dos juros, não conseguia se livrar delas e conforme o tempo estava

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passando, os valores devidos aumentavam desproporcionalmente a sua

entrada financeira.

Segundo os conceitos de endividamento, Silvia deve ser

considerada como uma endividada ativa que, embora possua informações,

formação e um bom entendimento financeiro, manifesta o que Tolotti

(2007) caracteriza como endividamento devido a questões afetivas sendo

importante, portanto, compreender como se construiu esta manifestação ao

longo dos seus relacionamentos.

Em vista do quadro emergencial trazido por Silvia, optamos por

um procedimento terapêutico focal de modo a favorecer um enfrentamento

mais imediato de sua condição, o qual poderia ser seguido de um

atendimento psicoterapêutico posterior mais de longo prazo. Usando

técnicas mais estruturadas como o genograma familiar, autobiografia,

mapas de rede etc, realizamos, durante algumas sessões um estudo da

história de vida de Silvia de modo a compreender seu processo de formação

de vínculos afetivos, explorando também as atitudes de seus pais em relação

ao dinheiro, sua socialização econômica e construção do significado do

dinheiro.

Silvia nasceu no interior do país, em cidade pequena, com escassos

recursos educacionais. Filha única de uma relação conjugal instável, seu

pai, logo após seu nascimento, mudou-se de cidade e, até hoje mantém

pouco contato com a filha (duas vezes ao ano, no máximo). A família

extensa da mãe de Silvia, natural da cidade de seu nascimento, e com

recursos financeiros que foram diminuindo ao longo do tempo, pouco apoio

lhe ofereceu, culpando-a pelo casamento contrário a seus desejos. Assim,

sua mãe teve que trabalhar muito para dar conta da situação em que se

encontrava, para cuidar da filha e garantir-lhe uma vida melhor que a sua,

mas parece não ter lhe permitido boas condições de vinculação.

Enquanto morou com a mãe, aprendeu o valor do trabalho e a viu

se esforçar para fazer dinheiro e não desperdiçar, pois o pai nunca

contribuiu financeiramente com sua educação. Reconhece que sua mãe foi,

e ainda é, um bom exemplo em termos de retidão e comprometimento

profissional, condutas que Silvia reproduz em seu trabalho e que lhe ajudam

a crescer na carreira. Mas, também relata a pouca disponibilidade e

envolvimento afetivo com a mãe, e o total afastamento em relação ao pai.

Refere “sempre se sentir sozinha, com baixa auto-estima em decorrência

das ausências paterna e materna”. Silvia mostra os sintomas de não ter

conseguido construir um apego seguro em relação aos cuidadores primários

e, posteriormente de não ter vivenciado outras relações que pudessem

alterar esta configuração.

A mãe que não lhe supri afetivamente, e que apesar dos esforços,

também não conseguia dar à filha a vida que “ela deveria ter” (nas palavras

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da mãe) quase desaparece da vida da filha quando, tendo em vista a

expectativa de vida melhor, Silvia se muda para a casa da madrinha, para

estudar em uma cidade maior e em outro estado, tão logo entrou na

adolescência. Durante este período não apareceram relações que

permitissem re-elaborar sua representação insegura de si e do mundo.

Descreveu que vivia bastante isolada e se ressentia da diferença de nível

sócio-econômico entre a família da madrinha e as colegas do colégio onde

estudou, e procurava superar seus sentimentos de inferioridade com muito

estudo e bom desempenho escolar sempre estando entre as melhores alunas

da classe. Silvia encontra, então, na competência intelectual um modo de

lidar compensatoriamente com a insegurança que, no entanto, permanecerá

sem solução, permeando seus relacionamentos e exigindo cada vez mais

mostras de poder.

Aos 22 anos mudou-se para São Paulo em busca de

desenvolvimento profissional e desde então trabalha e se mantém sozinha.

Embora a competência profissional de Silvia seja inegável, o sucesso

profissional parece nunca ter sido suficiente para suprir sua fragilidade de

vinculação afetiva e ela relata que sempre gastou um pouco mais do que

podia, pois “queria sentir-se bem vestida, bonita e aceita perante as

pessoas tanto de seu trabalho quanto da rede social”.

Atualmente, freqüenta uma das melhores academias de ginástica da

cidade, pois considera importante investir em saúde, freqüentar lugares

diferenciados. Por onde passa, faz novos contatos e, por isto mesmo,

constantemente vai a festas, eventos e aniversários que fazem com “sempre

tenha que levar algum presentinho”. De fato, o que percebemos é que

Silvia constantemente gasta mais do que seria razoável se pensamos tratar-

se de contatos sociais pouco íntimos.

Tem predileção por shows, teatro e viagens e não abre mão dos

mesmos, considerando-os “parte de seu processo de formação e cultura”.

Seu padrão de consumo aparece como eminentemente compensatório. Gasta

com roupas, acessórios, shows, presentes caros aos „amigos‟, tudo para que

pareça poderosa e forte, ao mesmo tempo em que, inconscientemente,

implora pela atenção e admiração das pessoas, sem saber como se

aproximar e manter intimidade.

Quando sai com o namorado, ele é quem paga as contas, mas

“como ele é de um nível sócio–econômico mais elevado, precisa estar

sempre bem arrumada”. Não se sente a altura do namorado ou da relação.

Sua dificuldade de assumir/ofertar a si mesma no relacionamento se

expressa comprando constantemente roupas e acessórios novos, o que fez

com que aprendesse a buscar liquidações, brechós, pontas de estoque, mas

não impediu de endividar-se cada vez mais. Embora diga gostar muito do

namorado, Silvia freqüentemente briga com ele e as rupturas e retornos,

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após promessas de „melhoras‟ de sua parte, tornaram-se o padrão do

relacionamento.

A somatória das necessidades de ser reconhecida, forte, poderosa,

independente, competente, culta, enfim, legitimada e amada pelas pessoas,

fez com Silvia passasse a exagerar em seus gastos e sem se dar conta do que

estava acontecendo, a ponto de quase ficar sem crédito. Neste momento,

mobilizou-se para procurar cursos voltados à educação financeira, contudo,

mesmo com as importantes informações disponíveis, Silvia não conseguia

segui-las. Finalmente, acabou se convencendo de que precisava buscar

outro tipo de ajuda, voltada aos aspectos psicológicos do dinheiro: procurar

uma psicoterapia.

Em uma carta autobiográfica Silvia escreveu: “Minha relação com

o dinheiro sempre foi conturbada. O poder que o dinheiro representa para

mim, ao menos neste momento, perdeu sua força ao mesmo tempo em que

me sinto fraca diante dele” (...) queria ter um acompanhamento de minha

mãe, que se desdobrou para cuidar de mim, mas que teve se distanciar de

mim (...). Comprava muito, desde compras inúteis até bons livros, CDs,

viagens. Busquei um estilo de vida que não era meu. Era como eu me

presenteasse com a vida e o carinho que meus pais não puderam me dar

(...). Desde que cheguei a São Paulo busquei minha identidade em coisas

que „podia‟ comprar e desta forma fui me endividando (...). Hoje,

compreendo que o dinheiro representa meus pais, a presença deles, a

família e a vida e o reconhecimento que não tive”.

Análise do caso

Do relato acima, podemos interpretar que, para Silvia, comprar

significava “cuidar de mim mesma, ser amada, dar coisas boas, ser vista”,

enquanto postergar desejos, realizando escolhas, era repetir as atitudes de

seus pais, que "nunca tinham tempo para mim e me davam alguns presentes

depois, para compensar o tempo que não ficavam comigo. Era uma

tentativa de me fazer sentir especial para eles.”

Silvia não conseguia deixar de repetir consigo mesma a trama que

a enrodilhava. O dinheiro era usado por Silvia para suprir a presença dos

pais na sua vida, uma vez que segundo ela, foi „de um vazio muito grande‟.

Segundo Furnham & Argyle (1998), “Para alguns, dinheiro é dado como

um substituto para emoções e afeto. Dinheiro é usado para comprar

afeição, lealdade e auto-estima” e foi o que ocorreu com ela. Nesta linha de

raciocínio, o significado do dinheiro era de cuidado parental, um substituto

dos afetos, daí a dificuldade em poupar e se privar de coisas que desejava:

“não suportaria mais uma vez dar conta de „nãos‟”, considerados aqui

como a ausência dos pais.

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Ao favorecer a Silvia identificar como foi sendo construído o

significado atribuído ao dinheiro em sua vida, foi-lhe possível compreender

o comprar e os gastos abusivos como meios de dar conta de vazios

relacionados a relação com as figuras parentais, aos quais se associaram a,

durante a adolescência e vida adulta, a busca de prestígio e aceitação social.

Furnham & Argyle (1998, p. 38) afirmam que o “dinheiro tem o

poder de despertar o nosso lado irracional” e podemos perceber, por meio

deste caso, como a „irracionalidade‟ pode se manifestar em gastos

descontrolados, na expectativa de encontrar o acolhimento e carinho que

não se recebeu no passado e/ou que se espera receber dos relacionamentos

interpessoais atuais, mesmo quando a pessoa tem a capacidade intelectual e

as informações necessárias para não ultrapassar o que sua receita permite.

Retomando Tolotti (2007), que considera que parte dos processos

de endividamento são oriundos de tristezas profundas, no processo

terapêutico de Silvia, foi necessário que ela criasse meios internos para

sobreviver ao „apelo psicológico‟ do dinheiro como substituto de algo que

faltou no passado, o que só foi possível de ser realizado investigando sua

história de vida familiar, juntamente com o significado atribuído ao dinheiro

em seus relacionamentos interpessoais. Ao ter contato e reconhecer suas

emoções, Silvia passou a ter atitudes mais comedidas em relação a si

mesma e ao uso do dinheiro. Antes de fazer alguma compra passou a

perguntar-se „para que‟ e „em nome de que‟ a faria. E mudou a forma de se

perceber, reconhecendo que “seu sucesso profissional também faz parte de

uma forma amorosa de cuidar de si mesma”.

A partir de então, Silvia pode conciliar os conhecimentos de

educação financeira com aqueles a respeito de si mesma, colocando em

prática o que aprendera. Montou uma planilha de gastos que permitiu fazer

projeções para economizar e passou a reduzir despesas. Um exemplo

interessante foi a diminuição dos valores dos presentes dados aos amigos.

Ao invés de algo caro, passou a buscar o inédito, algo como um artesanato

de sua terra natal, superando inclusive a vergonha de ser do interior.

Remanejou gastos, pesquisou preços, trocou a marca de roupas, vinhos;

diminuiu drasticamente a freqüência a shows e, acima de tudo, conseguiu

ficar um mês sem sair do programado financeiramente, embora isto tenha

lhe custado “esforços emocionais altíssimos”.

Na verdade Silvia passou a negociar consigo mesma. A “criança

insegura” passou a ser capaz de esperar para ter algo no futuro e a confiar

que poderia obtê-lo, à medida que, aos poucos conseguiu mudar hábitos de

consumo, bem como amortizar uma parte de sua dívida. Como

conseqüência, sua auto-estima elevou-se e relatou sentir-se mais confiante

em suas decisões. Voltou a ter “desejos” como passar uma semana de

férias em New York, comprar um apartamento, confiando em ser capaz de

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realizá-los, desde que a médio e longo prazo e consciente de para quem esta

se organizando para conseguir estas aquisições, ou seja, mudando o

referencial e significado do dinheiro em sua vida.

Livre da patologia financeira, Silvia pode dedicar-se mais a si, ao

namorado e a sua rede de amizades, bem como trabalhar mais concentrada,

uma vez que as dívidas estavam literalmente tirando seu sono e

concentração. Encerrado o processo terapêutico, a cada dois meses, envia

notícias por e-mail à terapeuta, que ainda faz um acompanhamento do caso.

No mais recente, havia comprado seu pacote de viagem de férias, dentro do

orçamento e sem se sentir culpada. O namorado iria junto e as brigas

haviam diminuído bastante.

Considerações finais

Para Madanes & Madanes (1997: 11): “Dinheiro é

freqüentemente, a ponta de um iceberg, ocultando problemas mais

profundamente escondidos entre os membros de uma família. O dinheiro

pode ser o ponto crucial que está por trás de outros conflitos em relação ao

amor e à justiça”.

Acreditamos que a história das dificuldades de Silvia em

administrar o próprio dinheiro, apesar da competência profissional e dos

esforços racionais, evidenciam como processos de endividamento podem

encobriam questões mais profundas que dizem respeito às relações parentais

e outros relacionamentos interpessoais. Neste sentido, para a compreensão

de situações de endividamento é necessário identificar os aspectos

relacionados ao significado e uso do dinheiro, bem como a dinâmica

interpessoal dos afetos nele depositados.

Quando atendemos pessoas em situações de risco financeiro,

devemos sempre considerar os aspectos psicológicos do dinheiro, com

atenção especial aos temas familiares e interpessoais, em paralelo aos

aspectos econômicos de gestão de seu uso ou abuso. Mas, consideramos

também ser importante pensar na criação trabalhos de prevenção e cuidado

que favoreçam a interação entre relacionamento interpessoal e psicologia

econômica, expandindo ainda mais os campos de atuação das duas áreas.

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econômico influencia nas nossas decisões. Rio de Janeiro:

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3

ANTES DO SIM: RITUAIS, CELEBRAÇÕES E PRÁTICAS PRÉ-

NUPCIAIS

Juliana Fonseca Simões

Rosane Mantilla de Souza

É cada vez mais comum que jovens morem juntos antes de se

casar. Na prática psicoterapêutica, ou mesmo no cotidiano em uma

universidade, dois aspectos ressaltam desta condição. O primeiro refere-se à

insatisfação, principalmente feminina, quando essa experiência se torna

muito longa, leia-se mais de um ano, sugerindo a idéia de que a

conjugalidade “verdadeira” implica em realizar a cerimônia de casamento

com “tudo o que se tem direito” (pedido, aliança de noivado, todo o preparo

para a cerimônia e festa de casamento, lua-de-mel); o segundo aspecto

relaciona-se à freqüência com que, poucos meses após a cerimônia de

casamento, muitos destes casais se separam, agregando ao próprio

sofrimento, o estupor, quando não, a hostilidade, da família de origem de

um ou de ambos recém-casados.

Embora o campo da terapia familiar e de casais tenha se expandido

muito no Brasil e, particularmente a conjugalidade desperte o interesse de

um número enorme de pesquisadores, quase nada se sabe sobre o que

acontece, ou não acontece, no relacionamento dos casais que vivem junto

antes de casar legalmente. O presente capítulo traz algumas reflexões sobre

o tema baseadas nos resultados da pesquisa de mestrado de Simões (2007),

que tratou a situação sob a perspectiva sistêmica dos rituais conjugais e

familiares, e em atendimentos clínicos realizados pelas autoras.

A conjugalidade em questão

As mudanças demográficas e econômicas do final do século XX, e

as reformulações dos papéis femininos e masculinos contemporâneos,

contribuíram significativamente para uma transformação da intimidade e

das expectativas acerca da importância do relacionamento amoroso na vida

dos indivíduos. Hoje, não podemos mais falar em modelo hegemônico de

conjugalidade. As uniões da atualidade, caracterizadas em sua maioria pela

evolução dos sentimentos, e não mais necessariamente pela tutela religiosa

ou jurídica, tornaram o casamento apenas uma das possibilidades,

admitindo-se uma pluralidade de outras opções como o morar junto antes de

casar, as uniões estáveis, as uniões sem filhos e os relacionamentos LAT –

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sigla advinda da literatura norte americana Living Apart Together que

designa indivíduos que se consideram comprometidos, mas vivem em casas

separadas.

Se, em um passado ainda vivo no imaginário social, as mulheres

saiam da casa dos pais, devidamente casadas, para viver com o marido, sob

uma lógica prescrita segundo a qual ele seria o provedor, ocupando a

posição familiar e social hierarquicamente superior, e ela seria a dona-de-

casa, hoje os relacionamentos são muito mais livres de regras rígidas e o

equilíbrio conjugal tende ao igualitário: ambos os parceiros trabalham e tem

que dar conta da complexa tarefa de equilibrar a satisfação dos projetos

pessoais com a qualidade da experiência conjugal.

Segundo Kimmel (1991) os novos modelos masculinos e femininos

mais flexíveis muitas das vezes não assumiram o lugar dos anteriores,

desenvolvendo-se em paralelo. O que se percebe, então, é uma tensão entre

os diversos papéis desenvolvidos, interferindo nas idéias de família e

desestabilizando o casal que precisará vezes e vezes ao longo de seu

percurso, avaliar o relacionamento e negociar o padrão de satisfação. Com

isso, os ideais românticos dos séculos XIX e XX fundados na imobilidade

da idéia da escolha certa dos parceiros que, assim, permaneceriam “juntos

até que a morte os separe”, perderam espaço para a qualidade do

relacionamento sexual, para o companheirismo, intimidade, igualdade,

equilíbrio entre satisfação do projeto pessoal e relacionamento conjugal

(Norgren, Souza, Kaslow, Hammerschmidt e Sharlin, 2004).

A sobrevivência absoluta da família deixou de ser o foco principal

da conjugalidade. A fidelidade aos deveres familiares e sociais deu lugar à

lealdade aos próprios sentimentos: o indivíduo tornou-se o centro das

atenções, com suas necessidades e anseios sexuais, de afeto, apoio e

segurança. Porém, como estas demandas ocorrem no contexto de um

relacionamento íntimo entre duas pessoas, os conflitos se multiplicaram e

com isso, nunca se falou em relacionamento amoroso/conjugal.

O Nós

Se, vincular-se é uma condição humana e apaixonar-se é uma

experiência muitas vezes vivenciada já na infância, na adolescência,

sustentar um relacionamento amoroso por meio do namoro é uma das

situações mais freqüentes. O namoro é um processo de experimentação -

dentro da grande experimentação que é a adolescência - e é o amar

adolescente que permitirá ao jovem a consciência do sentido vincular da

humanidade, de ser por meio do outro e também a percepção da pulsão e da

incompletude (Souza e Ramires, 2006).

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O desenrolar da adolescência permite ao jovem a exploração das

várias facetas da experiência afetivo-sexual e o desenvolvimento de uma

identidade como parceiro amoroso. Com o declínio acentuado da iniciação

sexual em ambos os sexos, cada vez mais os adolescentes permanecem com

os pais numa relação de apego e cuidado e exploram a vida amorosa e

sexual em relações que vão desde o “ficar” e outras formas maleáveis de

exploração sexual, até o namoro mais compromissado. Nesse processo, são

conformadas e testadas regras de comportamento e atribuído status

diferenciados aos parceiros, segundo os diferentes tipos e níveis de

envolvimento.

Em geral, o caminho do namoro nos anos adulto-jovem, quando o

indivíduo já tem um projeto pessoal e profissional em andamento e uma

identidade razoavelmente delimitada, leva à possibilidade de um

aprofundamento das relações românticas onde o cuidado mútuo, o

companheirismo, a satisfação sexual e a auto-realização passam a ser

praticados. Nesse momento, o namoro acaba sendo um processo de

aprofundamento que cria intimidade, compromisso e segurança emocional

numa relação com a alteridade.

Ir além do eu e definir um nós refere-se ao apaixonar-se, mas

também a um longo percurso de elaboração de diferenciação. Segundo

Kernberg (1995), o apaixonar-se do adulto e depois a manutenção do

relacionamento, refere-se a capacidade de vincular a idealização com o

desejo erótico, estabelecendo um padrão que inclua a intimidade, o

erotismo, a sexualidade, a ternura, o ideal de ego, a realização dos desejos

junto com a pessoa amada que posicione, em todas estas áreas, a

agressividade a serviço do amor. O “apaixonar-se e amar” implicariam,

portanto, em um processo de luto relacionado a crescer e tornar-se

independente. E a ambivalência estaria sempre permeando as relações

amorosas: a felicidade no encontro, o medo da perda do outro e/ou de si.

Hoje em dia, embora a conjugalidade ainda inclua a promessa ou

esperança da reconstrução do eu a partir do nós, também está cada vez mais

fluida. Quando as pessoas passam a viver juntas, mas sem a tutela do

casamento socialmente reconhecido, são poucas as informações sobre seu

cotidiano. O que sabemos é que, atualmente, na maioria dos países

Ocidentais, muitos adultos jovens estão adiando o casamento devido a

incertezas em relação à perspectiva de trabalho, devido ao aumento do

desemprego; a busca de um nível acadêmico mais elevado, o aumento do

tempo dedicado aos estudos; o aumento da riqueza e, o fenômeno chamado

de “ninho cheio”, onde existe uma tolerância moral por parte dos pais e,

consequentemente, uma menor pressão para que seus filhos saiam de casa,

favorecendo que seus parceiros amorosos/sexuais venham para dentro dela

(Cliquet, 2003; Milan e Peters, 2003).

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Nos modelos sistêmicos do ciclo vital familiar, como o de Carter e

McGoldrick (1995), pouco se explora a conjugalidade sem a tutela do

casamento, mas, pelo menos parte dos aspectos identificados relativos à

formação do casal, pode ser útil na compreensão das demandas que os

casais que vão morar junto vivenciam, ou se eximem de vivenciar.

Quando vai viver sob o mesmo teto é momento de o casal pôr em

prática o que cada um havia sonhado. Os parceiros devem ser capazes de

desenvolver um estilo de vida próprio, rever normas e valores, dividir

tarefas e responsabilidades, distribuir o tempo de trabalho e de lazer, chegar

a um consenso sobre amizades e emprego do dinheiro, além de integrar o

projeto de vida pessoal e a dois. O que trazem consigo é a experiência de

vida na família de origem da qual precisarão se diferenciar, constituindo o

núcleo próprio, delimitando fronteira mais ou menos flexíveis em relação

aos pais e irmãos e estabilizando um nós conjugal.

O casamento não envolve só os cônjuges: trata-se de procedimento

familiar e social. Quando se mora junto, o compromisso e as lealdades com

a família de origem podem ser mais ou menos flexíveis. A experiência de

atendimento psicoterápico a jovens nos indicava que esta vivência é

“essencialmente conjugal”, quer dizer, há pouca ou nenhuma diferença em

relação ao namoro no que se refere a administrar a inclusão e convivência

do parceiro na vida da família de origem e extensa e incluí-los em seus

rituais e celebrações, mas, ao mesmo tempo, ao contrário dele, quando

frente ao conflito se podia voltar para o especo seguro da casa dos pais,

quando se mora junto deve-se rever o padrão aprendido na família de

origem de organização do cotidiano, de comunicação, proximidade e

solução de conflitos, negociando um padrão dos dois. Por isso, nos

propusemos à compreender um pouco mais o caráter especial desta

conjugalidade, optando por estudá-la na perspectiva dos rituais, dado que

estes sempre foram os grandes organizadores da vida social e familiar.

Rituais, celebrações, rotinas e identidade conjugal

A compreensão das formas ritualizadas de relacionamento pode

oferecer um esboço conceitual particularmente interessante quando tratamos

de relacionamentos fluidos e experimentais como o morar junto, pois, ao

longo da vida humana, os rituais e celebrações sempre deram forma aos

relacionamentos e ao cotidiano. Os rituais podem ser religiosos, profanos,

festivos, formais, informais, simples ou elaborados, o importante neles

refere-se a sua forma, caráter convencional e repetição, e não o conteúdo

explícito (Peirano, 2003).

Segundo Rodolpho (2004), socialmente, os rituais concedem

autoridade e legitimidade quando estruturam e organizam a posição de

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certas pessoas, os valores morais e a visão de mundo, colaborando para que

a coletividade possa trazer os diversos acontecimentos cotidianos que

envolvem cada um, para dentro de uma esfera social ordenada e organizada.

Dentre os rituais, os que celebram o casamento são dos mais freqüentes

entre os grupos humanos, dado sua centralidade para o reconhecimento do

status adulto para o indivíduo e para a inserção e continuidade da família.

Os rituais combinam o fazer e o pensar, fornecendo a ponte entre,

por um lado, o pensamento cultural e significações complexas e por outro, a

ação social e os fenômenos imediatos (Lind, 2004), bem como ajudam a

constituir a identidade conjugal e familiar: a maneira particular que o casal e

a família tratam dos eventos que lhes são importantes. Como forma

simbólica de comunicação, repetida de maneira mais ou menos

estereotipada, proporcionam significados e satisfação aos seus participantes,

à medida que é por meio deles que cada casal e cada família definem suas

funções, limites e regras, além de afirmar e compartilhar seu sistema de

crenças e valores.

Segundo Bennett, Wolin e McAvity (1991) os rituais têm um alto

poder de organização, pois além de seguir um padrão e uma ordem

identificáveis, envolve todos os participantes, que irão coordenar suas

atividades individuais a favor do rito que será realizado. Desse modo, cada

núcleo familiar, ao mesmo tempo sustenta e repete, bem como cria, seus

rituais, sejam eles cotidianos ou de celebração, os quais, freqüentemente,

possuem elementos de outros rituais já realizados pelas gerações anteriores.

Para as famílias, então, o núcleo da prática do ritual é o fortalecimento dos

relacionamentos e a designação de que os indivíduos são importantes

membros do grupo (Fiese e Tomcho, 2001).

Para Wolin e Bennett (1984), seja qual for o nível sócio-

econômico, a raça ou a crença religiosa, os rituais que fazem parte da

experiência de vida das famílias podem ser organizados em três ordens:

celebrações, tradições e rotinas.

As celebrações são os festejos em dias de feriados ou ocasiões

semelhantes, largamente partilhadas pela cultura, e que cada família em

particular, considera especial. É o chamado Calendário Externo da Família.

Esses rituais estão muitas vezes associados a mudanças sazonais e são

caracterizados pela universalidade dos símbolos que lhe são próprios e por

sua considerável padronização. Muitas vezes, são específicos de

determinada cultura ou sub-cultura. Por meio da repetição, ano após ano,

estas celebrações possibilitam a continuidade de datas conhecidas, de

símbolos e de ações simbólicas. A repetição reinventa os eventos para se

tornarem significativos.

Os rituais de passagem (casamentos, funerais, batismos) fazem

parte desta categoria tanto quanto as festas religiosas anuais (Páscoa, Natal).

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Possuem importantes funções familiares ao oferecer a seus membros a

oportunidade de clarificar seu status na ordem social e familiar, bem como

uma rica possibilidade para a transmissão de valores e costumes.

Enquanto as celebrações permitem manter a identidade grupal e

dão significado à interligação com uma comunidade étnica, religiosa ou

cultural mais ampla, as tradições são menos específicas em relação à cultura

e mais idiossincráticas, podendo ser consideradas como um Calendário

Interno da Família. Elas não possuem a periodicidade anual dos feriados,

nem a padronização dos ritos de passagem, embora se repitam com

regularidade na maioria delas. Em termos da extensão de preparação e

especificidade do evento, são menos estruturadas e organizadas se

comparadas aos rituais de celebração. Por meio de suas tradições, a família

revela o que é importante na sua vida, exprimindo suas crenças e processos

de tomada de decisão.

Cada família descreve o próprio conjunto de tradições como as

férias de verão, as visitas aos membros da família extensa, costumes de cada

aniversário, refeições especiais etc. Embora a cultura influencie a forma

desses rituais, cada família escolhe as ocasiões que irão adotar ou enfatizar

como tradição. Os elementos de escolha contribuem para o aumento do grau

de significado que os membros atribuem a suas tradições, criando um

contexto do tipo “quem está dentro e quem está fora”.

Apesar de ser a categoria ritual mais freqüentemente realizada, as

rotinas diárias são menos planejadas, intencionais e conscientes. Nessa

categoria encontram-se o horário das refeições e/ou quem as processa, o

tratamento costumeiro com as visitas, as atividades de lazer no final de

semana, quem, quando, e onde se faz as compras para a casa etc. As rotinas

organizam o dia, dão um sentido de ritmo à vida cotidiana, ao mesmo tempo

em que ajudam a definir os papéis a as responsabilidades. Exprimem o que

somos como unidade conjugal, como identidade do casal, provendo a todos

de um sentido de continuidade, previsibilidade e segurança ao longo do

tempo. É dos aspectos da vida conjugal inicial que deve ser negociado mais

prontamente, dado que as heranças das famílias de origem raramente não se

confrontam e estas heranças são praticadas no cotidiano, automaticamente,

e sem reflexão.

Para que se vai morar junto

Se nos anos de 1970, viver como casal, mas sem o ritual religioso

ou civil, era interpretado como um desafio as convenções, o morar junto

atual se cobre de novos sentidos. Ao escolher realizar uma pesquisa

qualitativa (Simões, 2007) por meio de entrevistas semi-estruturadas com

adultos jovens de ambos os sexos, que depois de um período de co-

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habitação casaram-se no religioso e/ou civil, tivemos a oportunidade de

identificar alguns temas, desejos e demandas que diferenciam estas duas

condições, particularmente úteis para o trabalho dos psicoterapeutas.

Quase sempre o viver sob o mesmo teto acontece “naturalmente”,

dando continuidade ao namoro, à intimidade decorrente do tempo da

relação, como se fosse o próximo passo a ser dado. Alguns jovens se

organizam como casal para ter uma residência comum; na maioria dos

casos, no entanto, um dos parceiros “vai ficando”, cada vez com mais

freqüência na casa do outro que já tem residência própria – porque a

família mora em outra cidade, ou mesmo quando tem situação econômica

estável - que um dia só resta não voltar mais para a casa dos pais.

Perguntados acerca das motivações subjacentes, todos nos explicaram ser

uma forma de resolver o desejo de permanecerem mais tempo juntos, mas

sem se comprometerem demais.

Como conseqüência desse movimento contínuo, quase “natural”

por meio do qual os casais resolvem efetivamente morar juntos, são pouco

freqüentes as celebrações, ou mesmo se considerar a data como algo

especial a ser posteriormente celebrado. Assim, entre os casais que

entrevistamos, sempre identificamos datas tradicionais comemoradas, como

o dia em que se conheceram ou começaram a namorar, mas nada associado

à decisão ou mesmo a chegada definitiva na nova residência, somente a

data do posterior casamento. Neste sentido, o caráter de transição

envolvido, ou não é identificado, ou mesmo, propositadamente, os jovens

buscaram não ressaltá-lo, em nome do caráter experimental da situação.

Somente quando o morar junto é concomitante a um noivado

oficial, ocorre uma comemoração com ou da família de origem. Caso

contrário, embora sem uma aprovação explícita, os pais expressam a

mesma tolerância já verificada durante o namoro quando permitiam a

ausência do filho/a, as viagens com o/a parceira ou a permanência deste/a

em sua própria casa. Em ambos os casos, a presença destes “cônjuges” nos

rituais familiares era semelhante à observada no namoro, geralmente

participavam dos rituais de passagem e de festas tradicionais que não

colidiam entre as duas famílias de origem. Quando isso ocorria cada um

ficava com os seus. A convivência com as famílias extensas, ou mesmo de

origem, era pouco solicitada não sendo motivo dos conflitos que depois

aparecerão, já na preparação da cerimônia de casamento quando

expectativas, valores familiares e culturais produzem confrontos. Ou seja, a

continuidade do namoro em seu caráter experimental é implicitamente

acordada por pais e filhos.

De fato, com muita freqüência, tanto os homens como as mulheres

fizeram referências ao morar junto como sendo uma fase de experiência do

relacionamento, chamado de test-drive ou vestibular. Considerando a

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complexidade do que significa ser um casal que mora junto, segundo os

modelos do ciclo vital familiar, ou seja, desenvolver um estilo de vida

próprio, rever normas e valores, dividir tarefas e responsabilidades,

distribuir o tempo de trabalho e de lazer, chegar a um consenso sobre

amizades e emprego do dinheiro, além de integrar o projeto de vida pessoal,

a dois, e delimitar um relacionamento com as famílias de origem, (Carter e

McGoldrick, 1995), notamos que poucos casais tem clareza do que

exatamente está sendo testado; o que eles dizem é que estão verificando se

combinam entre si, se tudo dá certo, se a relação permanece boa quando a

convivência se torna compulsória.

Os jovens relatam que ocorre uma conversa na qual ficam

estabelecidos critérios para as rotinas do cotidiano como divisão de tarefas

e de orçamento. Quando são as mulheres que vão morar na casa do

namorado, tende-se a realizar alguma modificação na decoração da casa e,

por meio desta prática ritualística defini-se um processo de apropriação de

um espaço que se torna mais neutro para comportar os dois.

Em nossa pesquisa e no cotidiano do trabalho psicoterapêutico,

identificamos os temas associados ao gênero, principalmente no que diz

respeito às rotinas domésticas. Mesmo quando vai morar na casa do

namorado, que antes dava conta do funcionamento de sua casa, a tendência

é que as mulheres passem a ter uma responsabilidade maior sobre as tarefas

da casa. Os motivos podem ser o desconhecimento de outra divisão que não

a tradicional, considerar-se mais habilitada, ou porque questionar a divisão

redundaria em conflitos. O fato é que, o não questionamento tende a

estressar tanto as mulheres sobrecarregadas, quanto os homens que dizem

não entender o que contribuir para a insatisfação delas. Mas, pouco se testa

do equilíbrio doméstico, neste período de experiência!

Já em relação às finanças ocorre uma divisão mais igualitária de

responsabilidades. Considerando que as questões de gênero e outros temas

de repetição de modelos trigeracionais exigem o desenvolvimento de um

padrão de comunicação efetiva para a negociação das diferenças, o que

percebemos é que para a maioria dos casais é mais fácil conversar sobre as

questões mais práticas da convivência, tais como o uso do dinheiro, a

tomada de decisões como troca de carro, compra de aparelhos eletro-

eletrônicos ou até apartamento novo, e mesmo como cada um vai se

organizar profissionalmente, à medida que são extensões dos padrões do

namoro.

Analisando sob a perspectiva dos rituais, são as rotinas que

exprimem o que somos como unidade conjugal, provendo um sentido de

continuidade, previsibilidade e segurança ao longo do tempo. A negociação

sobre as rotinas diárias e as responsabilidades de cada um na relação, que se

traduz na identidade conjugal, o jeito como nós fazemos as coisas, produz

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temor de rompimento, quer entre as mulheres, quer entre os homens e,

então, muitos deles perdem a oportunidade ou adiam para o casamento a

demanda de desenvolver e testar a efetividade de parte significativa do que

é a conjugalidade.

O morar junto aparece como o período necessário para importantes

ajustes individuais, no que se refere a sentir-se seguro com a própria

maturidade como adulto, para depois dar o passo definitivo que sela a

transição: casar-se. Assim, muito do que se faz é em nome de o casal ficar

mais afinado, para assegurar que o relacionamento é bom e pode durar, isto

é, para que os jovens internalizem a idéia de convivência e conjugalidade,

para que só depois possam, ou na verdade, necessitem compartilhá-la

socialmente.

Considerando a promessa que a concepção do amor romântico traz

- que se encontrarmos a pessoa certa chegaremos ao paraíso conjugal –

compreendemos que não é a conjugalidade ou a convivência cotidiana que é

testada ao se morar junto, mas sim o sentimento amoroso. Porém, em nome

da harmonia doméstica, os temas que envolvem os sentimentos (medo de

não dar certo, insegurança, vontade de casar oficialmente, ciúmes,

reclamações sobre o comportamento do outro etc) também são pouco

expressos em conversas, porque, no imaginário do amor romântico, nos

relacionamentos positivos não há conflitos, só compreensão mútua.

Portanto, para evitar conflitos não se manifestam desejos e diferenças e,

com isso restringe-se a própria vida.

Desse modo, parece que o tema central do vestibular interpessoal

do morar junto, refere-se à pessoa e não a relação que está sendo construída,

ou seja, fica-se na expectativa de ser amado completa e incondicionalmente

pelo outro, sem que haja uma conexão direta com o tipo de relacionamento

estabelecido pelo casal. O que nos parece é que quase ninguém consegue

abrir mão da concepção de amor romântico, aquela que nos permite

escolher o parceiro livremente e de forma idealizada e, sendo assim, talvez

o morar junto seja a “tentativa mágica” de sustentar a crença nesse amor,

mudando o comportamento e não a crença. Ainda existe nesses casais o

medo de falhar na idéia do amor romântico. Com isso, o test-drive aparece

como uma tentativa de evitar o erro potencial da separação e do divórcio, ao

mesmo tempo em que evidencia outro medo, o de colocar a crença em

questão.

Dizemos isto porque é justamente o amor romântico que vai

estimular a idealização do parceiro e expectativas de desenvolvimento da

relação, gerando um auto-questionamento constante entre os sujeitos,

inquirindo se os sentimentos são suficientemente profundos para suportar

um envolvimento prolongado. Parece ser este um dos possíveis motivos do

aumento do número de casais morando juntos: por medo de falhar no

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casamento ou até no amor, os jovens parecem estar optando por testá-lo

antes da escolha “definitiva”. Porém, negociando pouco à convivência, o

caráter interpessoal e entre-famílias implicado na conjugalidade, eles podem

estar deixando de testar aquilo que estressa os relacionamentos: a

convivência no cotidiano, aquela que o caráter experimental do morar junto

permitiria.

O que observamos permitiu-nos compreender que é devido à

fluidez envolvida, e a insegurança provocada pelos paradoxos sobre o que

se deseja testar e o que é testado realmente, o que mobiliza a busca da

formalização do casamento. O ritual traz a promessa de continuidade das

relações afetivas, a sensação de pertencimento ao grupo e a elaboração de

um significado de vida, gerando satisfação a todos os participantes. Na

preparação, cerimônia e festa de casamento, os jovens podem compartilhar

a decisão de ficar juntos com a família e amigos, que então servirão de

testemunhas de tal decisão, trazendo assim mais segurança de que agora é

“prá valer, agora é para sempre”.

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39

4

RELACIONAMENTO CONJUGAL E SAÚDE MENTAL NA

GESTAÇÃO

Joseane de Souza

Poliana Aliane Patrício

Larissa Horta Esper

Erikson Felipe Furtado

Relacionamento conjugal durante a gestação

O nascimento de uma criança é um dos momentos que proporciona

mudanças no sistema familiar, principalmente no relacionamento conjugal.

O casal que até então se constituía unicamente de homem e mulher, com o

nascimento do filho, precisa assumir também o papel de pai e mãe. A

transição para a parentalidade é um processo emocional e psicológico que

envolve muitas transformações nas dinâmicas individuais e na interação

conjugal. O relacionamento conjugal precisa ser totalmente reformulado por

meio de renegociações de papéis e funções que são construídos nesse

momento da vida familiar (Cerveny & Berthoud, 2002). É responsabilidade

do casal negociar suas tarefas para se ajustar aos cuidados do bebê e criar

espaço para o novo membro da família. Tornar-se pai e mãe não é uma

tarefa fácil, desta forma exige uma transformação e adaptação dos padrões

anteriores de interação conjugal (Prado, 1996; McGoldrick, 1995).

A decisão de ter um filho é uma experiência que envolve desejos,

medo da responsabilidade, planejamento financeiro, dúvidas, sentimentos

ambivalentes, fortes emoções e opções de vida como, por exemplo, dedicar-

se à carreira profissional ou ao filho. O momento de decisão, o período

gestacional e o nascimento do filho são vivenciados de forma diferente para

o homem e para a mulher, pois está intimamente relacionado ao momento

de vida de cada um. Em geral a mulher sente-se mais fragilizada e sensível

e o homem sente a vinda do filho como um grande desafio a ser enfrentado.

O casal ora sentem-se próximo um ao outro, ora a experiência que estão

vivendo os distancia (Cerveny & Berthoud, 2002).

Pesquisadores como Wilkinson (1995) e Crohan (1996)

investigaram as mudanças na qualidade da relação conjugal de casais que

passavam pela transição para a parentalidade a partir do nascimento do

primeiro filho, comparando-os a casais que não tinham filhos. Eles

obtiveram resultados semelhantes em suas pesquisas, que mostraram que o

declínio na felicidade e na satisfação conjugal é mais pronunciado entre os

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casais que passam pela transição para a parentalidade do que os que não o

fazem. A hipótese de que as mulheres sofrem mais o impacto do nascimento

do primeiro filho na relação conjugal do que os homens foi confirmada.

Um dos momentos críticos entre os casais é o fim da fase

romântica que geralmente coincide com a fase da gestação, quando os

cônjuges conscientizam-se de que são parte de algo maior do que sua

condição de casal e têm, com isso, que renegociar seus padrões

interacionais e seus valores anteriores (Pittman, 1994). Assim, o nascimento

de um filho é considerado um acontecimento que redefine a relação

conjugal.

O declínio na satisfação conjugal tem sido associada ao período

pré-natal (Belsky et al., 1985), além disso uma relação insatisfatória com o

companheiro pode influenciar na adaptação com a gestação e com o papel

de mãe (Richardson, 1983; Pereira, Santos & Ramalho, 1999). Outro estudo

contradiz este resultado mostrando que a satisfação conjugal, segundo as

mulheres, aumentou durante a gravidez e diminuiu após o nascimento do

bebê (Lawrence, Nylen & Cobb, 2007).

Cowan e cols. (1985) verificaram, mediante suas pesquisas, que o

conflito conjugal aumenta da gravidez até os 18 meses após o nascimento

do bebê, sendo que a satisfação dos homens muda pouco desde a gestação

até os seis meses pós-parto, mas declina mais dramaticamente dos seis aos

dezoito meses do bebê e, contrariamente, a satisfação das mulheres declina

mais da gravidez até os seis meses do bebê, com um declínio moderado dos

seis aos dezoito meses do mesmo. Também Lewis (1988) constatou que as

exigências e tarefas que a maternidade traz às mulheres as levam a ter um

aumento da insatisfação com o casamento, o que gera um aumento nos

conflitos entre os cônjuges.

Brown (1994) verificou que nas famílias de mulheres gestantes, um

ou ambos os cônjuges relataram mais discórdias conjugais. E apontando

ainda que as famílias de gestantes que apresentaram mais problemas no

casamento vivenciaram menor satisfação com o suporte do companheiro,

alto nível de estresse, menor bem-estar e mais sintomas psicológicos e

somáticos.

Em um estudo longitudinal com 114 casais, Rothman (2004)

concluiu que a satisfação com a relação de casal permaneceu estável desde

o início do casamento até o fim da gravidez, mas declinou

significativamente durante a transição para a parentalidade. Para essa

autora, tal declínio foi mencionado tanto pelos homens quanto pelas

mulheres dos casais considerados, mas relacionado a diferentes motivos.

Para os homens, a tendência a fazer atribuições positivas sobre o

comportamento das companheiras explicou o declínio de sua satisfação com

o casamento, enquanto para as mulheres, fatores como depressão e

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temperamento do bebê foram referidos como influenciando o declínio da

satisfação conjugal.

Um dos motivos apontados pelas gestantes sobre a insatisfação

com o relacionamento conjugal foi o excesso de proteção do companheiro e

o aparecimento de ciúme e insegurança com o companheiro e com o próprio

bebê (Piccinini, 2008).

O sentimento de irritação relatado pelas gestantes especialmente no

primeiro trimestre, geralmente direcionado para o companheiro pode estar

associado com o aumento de conflito na relação conjugal. Assim sendo,

durante a gestação os conflitos conjugais podem aumentar, e com isso

ocorre um declínio da qualidade da relação do casal, especialmente em

relações já anteriormente conflituosas (Belsky, Spanier & Rovine, 1983).

A gestação também afeta a relação sexual devido à presença dos

mitos culturais e das transformações físicas e hormonais que alteram o

desejo sexual da mulher. A sociedade muitas vezes defende a diminuição

da freqüência sexual no período gestacional comprometendo o

comportamento de homens e mulheres, muitos desses casais passam a

acreditar que o sexo não condiz com a maternidade. Quanto ao desejo por

relações sexuais, algumas gestantes referem diminuição do libido em

decorrência dos desconfortos físicos da gestação, tais como

enjôo,crescimento abdominal, vômitos e náuseas. Estas alterações poderiam

influenciar o relacionamento afetivo e sexual do casal (Flores & Amorim,

2007).

A gravidez não é um mero período de preparação psicológica para

maternidade e paternidade, mas sim o primeiro momento do relacionamento

dos pais com seu bebê (Piccinini, 2008). Dependendo das condições que o

casal vivencia esta fase eles poderão ter maior dificuldade no

relacionamento conjugal após o nascimento do bebê, fato este que poderá

afetar negativamente o desenvolvimento da criança.

Saúde mental na gestação

É importante considerar a gestação não somente como um evento

biológico, mas como um processo de adaptação em virtude das

transformações físicas, emocionais e sociais que ela acarreta. Essas

transformações vão desde a aceitação da gestação, mudanças físicas

corporais, preparação para o parto e o nascimento do bebê até o

desenvolvimento de uma relação diferenciada com o marido e a família

(Brockington, 1998).

Além das transformações decorrentes do próprio processo de

adaptação gestacional que, por si só, podem afetar o estado de saúde mental

da mulher, há de se considerar a presença de outras inúmeras variáveis que

a colocam em risco para o desenvolvimento de transtornos e sintomas

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psiquiátricos. Essas variáveis podem ser: gravidez não planejada, conflitos

familiares, insatisfação conjugal, violência doméstica, eventos estressores,

falta de suporte social e familiar, baixa condição sócio-econômica, sintomas

físicos característicos (náuseas, fadiga, azias, dores musculares, inchaços,

dentre outros), alteração hormonal (especialmente, entre as mulheres

sensíveis à variações hormonais), variáveis obstétricas (como, por exemplo:

aborto, morte fetal ou neonatal, parto pré-termo), dentre outras.

Muito embora sejam estudadas as transformações e fatores de risco

relacionados ao sofrimento psiquiátrico na gestação, este período em si não

significa risco para o desenvolvimento de transtornos psiquiátricos, como

devidamente comprovado por um amplo estudo epidemiológico realizado

nos Estados Unidos (National Epidemiologic Survey on Alcohol and

Related Conditions – NESARC) (Vesga-Lopez et al., 2009). Neste estudo

foi realizada uma comparação das prevalências de transtornos psiquiátricos

(último ano) do eixo I do DSM-IV entre gestantes, puérperas e mulheres

não gestantes em idade fértil e não foram observadas diferenças

estatisticamente significativas (Vesga-Lopez et al., 2009).

Há de se considerar, contudo, que a presença de sintomas e

transtornos psiquiátricos no período da gestação podem trazer sérias

consequências à saúde da mulher e do bebê.

Estudos têm sugerido que a depressão durante a gestação está

relacionada a complicações obstétricas como pré-eclâmpsia (Kurki, 2000),

analgesia epidural, cesariana e trabalho de parto prematuro (Mackey et al.,

2000), bem como à complicações para o bebê, como baixo peso ao nascer

(Araújo et al., 2010), admissão dos recém nascidos na Unidade de Terapia

Intensiva (Mackey et al., 2000), além de alterações no funcionamento

neuro-comportamental na infância (Jones et al., 1998).

A ansiedade no período gestacional também está relacionada à uma

série de problemas para a mulher e seu bebê, como prematuridade e baixo

peso ao nascer (Araújo, Pereira & Kac, 2007), menor índice de apgar

(Consonni, 2002), analgesia ou anestesia na segunda fase do trabalho de

parto (Perkin et al., 1993), pré-eclampsia e retardo no crescimento intra-

uterino (Teixeira et al.,1999), problemas comportamentais na infância

(Glover & O‟connor, 2002), hiperatividade e déficit de atenção em garotos

e problemas emocionais e comportamentais em garotas na idade de quatro

anos (O‟Connor et al., 2002) e depressão pós-parto (Faisal-Cury &

Menezes, 2006).

O consumo de álcool neste período está associado, de maneira

dose-dependente, à restrição do crescimento fetal, a deficiências cognitivas,

ao aumento da morbimortalidade, ao desenvolvimento da Síndrome Fetal do

Álcool e outros transtornos do comportamento infantil associados à

exposição intra-útero ao álcool (Hanson, Jones & Smith, 1976). A

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exposição ao álcool também traz agravos à saúde da mãe, como doenças

cardiovasculares, câncer, depressão e distúrbios neurológicos. Além disso,

está associada ao ganho de peso gestacional insuficiente, menor número de

consultas no pré-natal e aumento do risco de uso de outras drogas (Simão,

Kerr-Correa & Dalben, 2002). Pinheiro, Laprega e Furtado (2005)

verificaram que o diagnóstico de uso nocivo ou dependência de álcool

estava relacionado a uma maior prevalência de sintomas de ansiedade e

depressão durante a gestação. Já Aliane (2009) em um estudo prospectivo

com 177 gestantes verificou que quanto maior o consumo de álcool durante

a gestação maior a presença de sintomas depressivos no pós-parto.

Embora sejam muitas as conseqüências prejudiciais dos sintomas e

transtornos psiquiátricos descritos anteriormente, é possível encontrar no

Brasil uma prevalência de aproximadamente 14,2% de depressão na

gestação (Pereira et al., 2009), 5,6% de transtornos ansiosos (entre gestantes

adolescentes) (Mitsuhiro et al., 2006) além de 22,1% de uso de risco de

álcool (Fabbri, Furtado & Laprega, 2007) em amostras de conveniência.

Uma forma de evitar/prevenir esses sintomas e suas consequências

pode ser conseguido através da amenização dos fatores de risco inicialmente

relacionados, ou ainda através de intervenções psicossociais que vão desde

abordagens diretas com a gestante até orientações familiares e melhora do

suporte social da gestante.

Estresse, suporte social e familiar

A literatura identifica que a mulher é potencialmente mais sujeita

ao estresse do que o homem devido principalmente às profundas exigências

e transformações nos papéis desta na economia, na família e na sociedade

(Turner & Avison, 2003; Rossi, 2004), sendo que a própria gestação é

considerada como uma importante fonte de estresse (Lipp, 2006; Homes &

Rahe, 1967). Porém, apesar da maior vivência de estresse cotidiano, a

mulher parece lidar melhor com este problema, o que a torna menos

suscetível a determinadas doenças (Rossi, 2004). A característica feminina

associada à diminuição destes riscos é relacionada com a maneira com que

as mulheres reagem ao estresse. As estratégias de enfrentamento são

focalizadas em suas emoções, ou seja, estratégias que buscam equilibrar o

estado emocional como, por exemplo, conversar com o companheiro e

expressar seus sentimentos, as ajudam a lidar com a vivência freqüente de

eventos estressores (Breslin, 2005; Lipp, 2006; Chaplin et al, 2008).

Chaplin e colaboradores (2008) encontraram importantes

diferenças de gênero em seus estudos. As mulheres parecem reportar mais

tristeza e ansiedade e expressam mais suas emoções após um estado de

estresse, porém apesar da maior emoção subjetiva e comportamental,

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algumas alterações fisiológicas prejudiciais, tais como o aumento abrupto

da freqüência cardíaca e pressão arterial, são menos freqüentes entre elas,

fato que as protegeria de possíveis danos cardíacos.

Diante de uma situação estressante as mulheres tendem a buscar o

suporte social e falar sobre os seus problemas (Rossi, 2004; Wang et al.

2009). Em um estudo realizado por Lipp e colaboradores (1996) foi

identificado que a principal estratégia utilizada por gestantes para lidar com

o estresse deste período foi à busca do apoio familiar e do suporte e

participação do marido ou companheiro na gestação. Esta estratégia parece

favorecer as mulheres na diminuição da ansiedade e depressão que podem

aparecer nesta fase (Coutinho et al 2002; Baptista et al 2006).

Um outro processo importante para a adaptação para a

parentalidade refere-se a formação da rede de apoio. Amigos, parentes e o

parceiro(a) constituem importante fonte de apoio emocional para o casal.

Receber ajuda, sentirem-se acolhidos e o papel do pai participativo são

movimentos do sistema familiar que facilitam a transição e diminuem o

estresse (Cerveny & Berthoud, 2002).

A falta de suporte social tem significativo impacto na saúde mental

da mulher no período da gestação e após o nascimento do bebê. Uma

pesquisa comparou a influência do status conjugal, o suporte do marido e

saúde emocional de gestantes. A saúde mental de 1578 gestantes foi

avaliada pelo inventário EPDS (Edinburgh Posnatal Depression Scale). Os

autores concluíram que mulheres com pobre suporte conjugal tiveram maior

risco de depressão comparado com mulheres solteiras. E o risco de

depressão nas mulheres solteiras estava associado ao aparecimento de

problemas emocionais sendo estes o maior evento estressor (Bilszta et al.

2008).

O acúmulo de situações estressantes no decorrer da gestação

também poderia causar desfechos negativos à saúde mental de gestantes em

função do desgaste físico e psíquico envolvidos. Holmes & Rahe (1967), os

pioneiros em trabalhos com eventos estressores, já mencionavam que a

exposição a diversos eventos estressores no decorrer de um determinado

período de tempo poderia ter um efeito prejudicial a saúde do indivíduo.

Estes achados também estão de acordo com outros estudos, Muhwezi e

colaboradores (2009), por exemplo, identificaram em sua amostra que as

gestantes depressivas quando comparadas a um grupo controle, reportam

mais eventos estressores, níveis de impacto negativos mais intensos e maior

prevalência de eventos independentes.

Mulheres com elevados níveis de estresse durante a gestação e que

necessitam do suporte do marido são vulneráveis ao desenvolvimento da

depressão pós-parto (Tavares, 1990). Autores apontam a discórdia conjugal

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e falta de suporte social como fatores de risco para depressão pós-parto

(Clay & Seehusen, 2004).

Fatores relacionados ao estresse estão associados também a

diversos prejuízos a saúde física da mãe e do bebê. Os altos níveis de

estresse e ansiedade maternos durante a gestação parecem aumentar os

riscos para aborto espontâneo, trabalho de parto prematuro e complicações

obstétricas (Whiteheard, 2008; Mulder, 2002). O desenvolvimento fetal

também parece ser prejudicado, os elevados níveis de cortisol materno

liberados em resposta ao estresse físico ou psicológico, produzem

permanentes alterações cerebrais no feto gerando importantes danos ao seu

desenvolvimento (Spietz, 2002; Egliston, 2007) tais como malformações

congênitas, deformações crânio-neurais (Hansen, 2000), baixo peso ao

nascer e problemas emocionais (Rice, 2007; Wadhwa, 1993).

O suporte emocional do companheiro pode contribuir para reduzir

o estresse materno (Maldonato, 1985) proporcionando assim uma gestação

mais tranqüila e saudável. Portanto a qualidade do vínculo da gestante com

seu companheiro é muito importante, podendo funcionar como um

amortecedor dos efeitos dos eventos estressores.

Minuchin (1985) e Bronfenbrenner (1986) revelaram que

casamentos saudáveis proporcionam mais suporte para os cônjuges, em

especial do marido para a esposa, citando ainda que o apoio emocional

oferecido pelos pais às mães contribui para o desenvolvimento dos filhos.

Vários autores apontam que a qualidade da relação conjugal exerce uma

forte influência nas atitudes parentais (Weindrich et al. 1992; Erel &

Burman, 1995).

Segundo Osório (1996), o oferecimento de um adequado suporte

pelo grupo familiar favorece a superação da desestruturação causada pelas

crises vitais. O provimento e o recebimento do suporte familiar influem

diretamente no bem-estar físico, psíquico e social do indivíduo, sendo que a

falta desse suporte é um dos fatores que traduz predisposições à doença

mental (Souza & Baptista, 2008).

Considerações finais

A gestação influência a relação conjugal, portanto especial atenção

deve ser dada ao ambiente familiar nesta fase do ciclo de vida. A concepção

da idéia da gestação pelo casal, discussões sobre o bebê, seu nome e seu

futuro, renegociação das tarefas, o compartilhamento das interações com o

bebê durante a gravidez e de todas as atividades envolvidas no pré-natal são

atividades que ajudam o casal a incorporar a gestação na vida conjugal.

A gravidez também altera outras relações. A mulher neste período

também sente mais necessidade de cuidado e atenção dos membros da

família e dos amigos. Sendo assim, muitas mulheres se tornam mais

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próximas da família de origem e da família do marido (Brockington, 1998).

A rede de suporte familiar ajuda o casal a enfrentar os estressores presentes

neste período.

Avaliar o momento gestacional requer do profissional vinculado ao

atendimento da gestante uma análise dos múltiplos fatores que estão

associados a saúde mental da gestante, a saúde do bebê e as questões do

relacionamento conjugal, tais como: falta de suporte familiar e conjugal,

vivencia de conflitos conjugais, histórico de transtornos psiquiátricos,

presença de eventos estressores, violência doméstica, uso de álcool pelo

marido ou da própria gestante entre outros.

O casal que tem um bom relacionamento conjugal enfrenta com

mais facilidade as situações estressantes do nascimento do filho. Portanto, é

importante investigar quais são as situações que estão associadas as

dificuldades de relacionamento neste período e quais condições tem

fortalecido o vínculo conjugal.

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51

5

MEDIAÇÃO E PROMOÇÃO DO POTENCIAL COGNITIVO DE

CRIANÇAS COM PROBLEMAS DE DESENVOLVIMENTO E

APRENDIZAGEM

Kely Maria Pereira de Paula

Ana Cristina Barros da Cunha

Tatiane Lebre Dias

Sônia Regina Fiorim Enumo

Claudia Patrocínio Pedroza Canal

Flavia Almeida Turrini

O atendimento à população que apresenta alguma deficiência tem

sido influenciado pelas transformações ocorridas na sociedade moderna,

com constantes variações nos procedimentos de intervenção. Desse modo,

uma maior exigência no sentido de inclusão de grupos minoritários,

decorrente de mudanças socioculturais e educacionais, ocorridas a partir da

segunda metade do século XX, levou a variações nos procedimentos

metodológicos de atendimento. Passamos de uma proposta de treinamento e

reeducação para uma de suporte teórico e prático que permite à pessoa com

deficiência o desenvolvimento de suas potencialidades (Marchesi & Martín,

1995).

Tais mudanças tiveram impacto nas instituições de atendimento

clínico e educacional a essa clientela, no sistema de educação do país,

estreitando relações entre as modalidades de educação regular e educação

especial, assim como no desenvolvimento de pesquisas da área (Enumo,

Dias, Paula & Ferrão, 2003). Nos últimos anos, temos acompanhado todo o

movimento de inclusão de pessoas com deficiência (Batista, 2001; Batista

& Enumo, 2004; Mantoan, 1997; Stainback & Stainback, 1999), mas para a

garantia da efetividade desse processo e não somente a mera inserção física

desse grupo nos diferentes ambientes sociais (Glat, 1995a, 1995b), as

estratégias de intervenção psicoeducacional deverão contemplar o

atendimento das necessidades específicas de aprendizagem.

Como medidas para enfrentar os efeitos negativos dessa exclusão,

despontaram no cenário da Psicologia e áreas afins, abordagens teórico-

metodológicas, tais como a concepção sócio-interacionista de Lev S.

Vygotsky (1896/1934), mais focalizada no conceito de zona de

desenvolvimento proximal, e as teorias da Modificabilidade Cognitiva

Estrutural (MCE) e Experiência de Aprendizagem Mediada (EAM) do

psicólogo Reuven Feuerstein (Feuerstein, Feuerstein, 1991), nascido na

Romênia, que preconizam a capacidade de mudança na estrutura cognitiva

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(cognitive modifiability), a partir de estratégias adequadas de prevenção e

promoção do desenvolvimento sócio-afetivo e cognitivo, ainda que

condições adversas como a deficiência ou dificuldades de aprendizagem

estejam presentes.

Para Vygotsky (1991) a aprendizagem é mediada, sobretudo, pelas

interações sociais, tanto na esfera interpessoal como no plano sócio-cultural,

o que estabelece uma relação de mútua interdependência entre os domínios

cognitivo e social. É uma concepção que confere destaque às influências

sociais para o processo de mudança cognitiva, entre elas, a orientação e o

suporte dos adultos. Assim, ao conduzir, apoiar, propor desafios, corrigir,

fornecer modelos de comportamento e estruturar a participação da criança

em diferentes atividades, os adultos se colocam como “incentivadores

cognitivos”, fornecendo instruções e estratégias para a solução de

problemas. Esta instrução, geralmente, apresentada de forma espontânea,

pois está entrelaçada no cotidiano da criança em seu processo de interação

com outros significativos, aos poucos se torna formal e sistematizada por

ordem da entrada da criança no ambiente escolar.

De forma semelhante, na perspectiva de Feuerstein, o

desenvolvimento humano é fruto de uma interação adequada, ou seja,

aquela que, baseada em princípios de mediação, possibilita a maximização

do potencial de desenvolvimento da criança, favorecendo a aquisição de

novas ferramentas de aprendizagem (Feuerstein & Feuerstein, 1991;

Tzuriel, 1999, 2001). A inteligência, vista como um constructo fluido,

plástico e modificável, envolve a capacidade do aprendiz para utilizar

experiências anteriormente adquiridas, adaptando-as a novas situações. Está

implicada a idéia de que, a despeito dos déficits de aprendizagem, a partir

das mediações intencionais, a criança tem aptidão, tanto para ser modificada

por uma situação de aprendizagem como para usar tais modificações em

adequações futuras (Fonseca & Cunha, 2003; Lunt, 1994).

As abordagens de Vygostky e Feuerstein acerca do

desenvolvimento infantil podem ser compreendidas sob a perspectiva do

modelo de desenvolvimento transacional, como resultado das interações que

a criança estabelece com o outro e seu meio (Sameroff, 1991). Sob este

princípio, essa análise não pode prescindir das relações entre

desenvolvimento infantil, padrão de interação adulto-criança e

aprendizagem mediada. Segundo Haywood (1995), em uma visão

“transacional” a respeito da natureza e desenvolvimento cognitivo, todo o

indivíduo necessita adquirir processos cognitivos fundamentais antes de se

tornar um pensador eficiente. Logo, o insucesso nas aprendizagens

acadêmicas e sociais não reflete necessariamente um déficit de inteligência,

mas é decorrente de uma aquisição inadequada em termos de processamento

das funções cognitivas.

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53

Partindo dessas premissas, surge um novo paradigma de

intervenção psicoeducacional junto a crianças com necessidades específicas

de aprendizagem que, baseado nas referidas abordagens teóricas e

metodológicas, destacam o papel das variáveis sócio-culturais no

desenvolvimento cognitivo (Feuerstein & Feuerstein, 1991; Tzuriel, 2001;

Vygostky, 1991), e refletem uma preocupação pragmática ao propor

ferramentas de avaliação e intervenção, que podem ser usadas para

compreender o processo de aprendizagem infantil e melhorar o desempenho

acadêmico e social. Nesse sentido, essas ferramentas têm como objetivo

possibilitar oportunidades para aquisições cognitivas que capacitem esse

grupo a ser ativo no processo de construção do seu próprio

desenvolvimento, de forma autônoma e responsável, o que impulsionaria o

processo de modificabilidade cognitiva estrutural.

No entanto, o que isto significa? Dentro da perspectiva teórica da

MCE, a modificabilidade cognitiva do aprendiz (learner modifiability)

envolve tanto as mudanças cognitivas em termos de respostas em situações

de intervenção, quanto o aumento do emprego de relevantes processos

metacognitivos na solução de problemas. Não se trata, assim, de uma

modificação que ocorre como resultado de processos circunstanciais de

desenvolvimento e de maturação, mas de uma mudança qualitativa na

cognição, derivada de mediação da aprendizagem que seja significativa,

sólida, durável e generalizável, independente das condições adversas do

ambiente (Fonseca & Cunha, 2003; Jensen & Feuerstein, 1987; Linhares,

1995; Tzuriel, 1999, 2001).

Em termos gerais, os processos cognitivos básicos são adquiridos

pelo indivíduo através de duas formas de aprendizagem: por exposição

direta aos estímulos ou por meio da mediação. Na perspectiva da teoria da

EAM é a segunda modalidade de aprendizagem que afeta

fundamentalmente o desenvolvimento da estrutura cognitiva da criança.

Quando existem situações de intervenção baseadas nesse modelo, a

possibilidade de mudança cognitiva no indivíduo é aumentada, favorecendo

a sua capacidade de aprendizagem em diferentes contextos (Feuerstein &

Feuerstein, 1991).

Há três princípios essenciais para que uma interação possa ser

considerada uma EAM: intencionalidade e reciprocidade, transcendência e

significação (Tzuriel & Haywood, 1992). De acordo com Feuerstein e

Feurstein (1991) e Tzuriel (1999, 2001), a intencionalidade e a

reciprocidade ocorrem quando um mediador intencionalmente chama a

atenção da criança para um objeto e ela responde a este estímulo, criando,

assim, um estado de alerta que facilita o registro eficiente de informações

(input), um processamento adequado (elaboração) e uma resposta efetiva

(output). A transcendência diz respeito à atitude do mediador de conduzir a

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criança para além de suas necessidades mais imediatas, de forma que ela

aprenda princípios gerais e objetivos que ultrapassem o “aqui e agora” de

uma situação específica. Na interação adulto-criança, o mediador deve, pela

observação desse aspecto, favorecer a generalização da aprendizagem de

regras, estratégias e princípios de uma dada experiência para novas

situações. Por fim, a significação se refere ao comportamento do mediador

em enfatizar aspectos de um estímulo, por meio da expressão de afetos e

pela indicação do valor e sentido do mesmo. Em outras palavras, em uma

situação de aprendizagem mediada, a criança aprende o significado dos

estímulos e internaliza este processo, passando, mais tarde a buscar,

espontaneamente, novas informações, sem esperar passivamente a ajuda do

outro.

Além desses componentes, existem outros princípios de mediação

importantes que devem estar presentes no comportamento do adulto, tais

como: a mediação de sentimentos de competência; de regulação e controle

do comportamento da criança; da diferenciação individual e psicológica;

dos objetivos de busca, de planejamento, de realização e desafio; do

comportamento de partilhar; de mudança (Jensen & Feuerstein, 1987; Lidz,

1991) e, ainda, a mediação do sentimento de pertencimento, valor gerado

em todas as culturas e que leva o indivíduo a estabelecer referências

psicossociais, que o ajudarão a se reconhecer e ser reconhecido, a se

identificar e ser identificado com seus pares (Gomes, 2002).

Considerando os benefícios que a EAM fornece no

desenvolvimento cognitivo de crianças com deficiência e dificuldades de

aprendizagem (Feuerstein & Feuerstein, 1991; Lidz, 1991) foram

estabelecidos procedimentos metodológicos para a avaliação do padrão de

mediação presente nas interações. Essa análise serve de base para a

identificação de aspectos mais específicos do comportamento do mediador

considerados potenciais para que uma interação seja considerada uma

mediação de aprendizagem.

Como proposta de mensuração da EAM, Lidz (1991) elaborou a

Escala de Avaliação da Experiência de Aprendizagem Mediada (Mediated

Learning Experience Rate Scale), instrumento que oferece uma avaliação

do repertório de comportamentos do mediador em áreas que são relevantes

para o desenvolvimento cognitivo da criança. Essa proposta, que resulta dos

trabalhos clínicos de Feuerstein e colaboradores, fornece a possibilidade de

calcular as experiências ambientais e de socialização que têm potencial

influência no processo de aprendizagem infantil, e de operacionalizar os

critérios da EAM.

Além de incluir alguns dos componentes já descritos por

Feuerstein, a escala de Lidz traz modificações e inovações da literatura ao

estabelecer 12 indicadores analisados como atitudes de mediação de

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aprendizagem: 1) intencionalidade (intentionality); 2) significação

(meaning); 3) transcendência (transcendence); 4) atenção compartilhada

(sharing/joint regard); 5) experiência compartilhada (sharing/sharing

experience); 6) competência/regulação na tarefa (competence/ task

regulation); 7) competência/elogio e encorajamento (competence/praise-

encouragement); 8) competência/desafio (competence/challenge); 9)

diferenciação psicológica (psychological differentiation); 10)

responsividade contingente (contingent responsivity); 11) envolvimento

afetivo (affective involvement); e 12) mudança (change). Para cada um dos

componentes se avalia um gradiente de quatro níveis, que variam do nível 0

(ausência de mediação) até o nível 3 (nível máximo de mediação). Este

nível “ótimo” de mediação diz respeito aos resultados esperados de um

funcionamento cognitivo apropriado: aprendizagem ativa, auto-regulação,

estratégias de resolução de problemas e pensamento representacional. Desse

modo, cada nível é determinado a partir das atitudes adequadas do mediador

ao proporcionar a criança situações de interação baseadas na EAM (Lidz,

1991).

Para Lidz (1991) a elaboração de uma escala para avaliar a

mediação de aprendizagem é relevante já que a maioria dos instrumentos

para avaliação da interação adulto-criança se direciona quase que

exclusivamente para interações entre mães e crianças ou possuem uma

estreita seleção de componentes de interação. Além disso, pesquisadores e

avaliadores têm se mobilizado no objetivo de integrar teoria, avaliação,

intervenção e pesquisa.

Ainda, segundo a autora, as pesquisas sobre a EAM, de forma

geral, conduziram a importantes conclusões: a) a mediação está associada a

um aumento do desempenho dos participantes, em diferentes tarefas; b) a

prática sozinha (diferente da prática mediada) não é capaz de produzir

aumento do desempenho dos sujeitos em tarefas complexas de

aprendizagem; c) a verbalização e o feedback elaborativo são os

componentes mediacionais mais significativos para produzir mudança

cognitiva nos sujeitos; d) as intervenções mediacionais resultam em

melhora no desenvolvimento de estudantes com baixo funcionamento

cognitivo; e) o QI é um bom preditor de aprendizagem, quando associado a

outros dados, mas quando o foco se volta para o processo de aprendizagem,

as abordagens assistidas oferecem melhor predição; e f) o procedimento

assistido traz mais contribuição para a análise da variação do desempenho,

do que aquele oferecido por medidas estáticas, como o QI.

No país, algumas dessas considerações foram discutidas em

estudos que tiveram por objetivo operacionalizar a escala desenvolvida por

Lidz (1991), aplicando a abordagem assistida em crianças com deficiência

visual (Cunha & Enumo, 2010; Cunha, Enumo & Canal, 2006), problemas

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de comunicação e dificuldades de aprendizagem (Dias, Paula & Enumo,

2009; Paula & Enumo, 2007), e na interação professor-aluno (Dias, Mello

& Moreira, 2009; Faria, Maranhão & Cunha, 2008). Além dos

comportamentos mediacionais apresentados pelo examinador em

procedimentos de avaliação e programas de intervenção, uma importante

variável destacada foi o padrão de responsividade do aprendiz nestes

contextos. Os principais resultados serão discutidos nas seções seguintes.

Avaliação da aprendizagem mediada: possibilidades de

desenvolvimento

Os três estudos2 que serão apresentados fizeram parte de um

projeto integrado de pesquisa (2003 a 2007) que produziu uma grande

quantidade de dados sobre crianças com diferentes problemas no

desenvolvimento, incluídas no sistema regular de ensino das regiões

metropolitana da Grande Vitória, ES e do Rio de Janeiro, RJ.

Considerando somente as informações sobre a mediação,

participaram, no Estudo 1, 12 crianças com deficiência visual (DV),

predomínio de baixa visão leve, cuja média de idade era de 7 anos e 6

meses. No Estudo 2, sete crianças (8-11 anos) com problemas expressivos

na linguagem oral (déficits que variavam de leve a severo nas habilidades

de linguagem e comunicação decorrentes de diferentes etiologias tais como

síndrome de Down, deficiência mental, tetraplegia mista, entre outros). Um

grupo de 17 alunos com dificuldades de aprendizagem, com idade entre 8 e

12 anos, participaram de um programa de criatividade, no Estudo 3.

Esses estudos tiveram como principal produto metodológico a

elaboração de um sistema de categorias comportamentais de mediação da

aprendizagem baseado em comportamentos observáveis do adulto/mediador

em contextos de interação, durante as fases de avaliação e intervenção de

habilidades cognitivas, comunicativas e de criatividade, o que pode ser útil

para fins de pesquisa e de implementação de estratégias educacionais em

grupos que apresentam deficiência e problemas de aprendizagem, em idades

pré-escolar e escolar.

A partir da escala original de Lidz (1991) novas versões foram

obtidas mediante a definição operacional de cada um de seus 12

2 Projeto Integrado de Pesquisa “Influências de variáveis mediadoras do

desempenho cognitivo, lingüístico, matemático e criativo em intervenções e

provas assistidas para crianças com necessidades educativas especiais”, sob

coordenação da Professora Sônia Regina Fiorim Enumo. CNPq Processo n.

501014/2003-9.

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componentes mediacionais, considerando o tipo de interação entre o

examinador e a criança, a tarefa realizada e a condição da pesquisa (se

avaliação ou intervenção). Mais especificamente foram analisados os

padrões de interação entre: a) examinador e criança com DV durante

aplicação de prova cognitiva assistida; b) examinador e criança com

problemas de comunicação na aplicação de provas cognitivas assistidas e

em intervenção com sistemas de comunicação alternativa e ampliada

(CAA); e c) examinador e criança com dificuldades de aprendizagem em

programa de promoção da criatividade. Por conseguinte, em função das

peculiaridades de cada pesquisa foram obtidos três protocolos para análise

da EAM, a saber: a) Estudo 1 com 36 categorias de comportamentos do

examinador (ex.: solicitar atenção e evocar experiências) organizados nos

12 componentes da escala já citados (intencionalidade, significação, entre

outros); b) Estudo 2 com 13 categorias mediacionais, sendo 26

comportamentos do examinador (por exemplo, expandir a comunicação e

incentivar o relato) distribuídos nos 12 componentes da escala, além de 13

categoriais de comportamentos da criança (manter atenção na tarefa e

responder à questão do examinador, por exemplo), utilizadas para

operacionalizar o único item relativo ao examinando (responsividade à

mediação); e c) Estudo 3 com 9 categorias de mediação analisadas a partir

de um sistema de 17 comportamentos do examinador (ex.: oferecer

feedback informativo e dar dicas).

Em relação ao Estudo 1 os resultados revelaram que, tanto para o

total da amostra de crianças quanto para o total dos critérios de mediação, o

nível de mediação do examinador foi considerado alto (Md = 3). Esse nível

variou entre o nível 0 (sem mediação) para experiência partilhada e

mudança, passando pelo nível 2 (bom), considerando os critérios

intencionalidade e significação, por exemplo, até o nível 3 (ótimo) para,

pelo menos, cinco indicadores de mediação, incluindo a transcendência.

Na análise do padrão de mediação do examinador relacionado ao

desempenho cognitivo na prova assistida, para o total da amostra de

crianças com DV (n=12) observou-se grande variação intragrupo. O

examinador adotou níveis diferenciados que se ajustaram ao desempenho de

cada criança. Nesse sentido, para as que requeriam maior assistência na

execução da tarefa o examinador mais freqüentemente apresentou o nível 3

de mediação (ótimo). Para aquelas com bom desempenho, o nível 2 (bom)

foi bem aplicado. Assim, pode-se afirmar que o examinador apresentou, de

forma sistemática, comportamentos verbais e não-verbais condizentes com

a proposta da interação e que tinham potencial de mediar a aprendizagem da

criança face às limitações apresentadas em tarefas cognitivas.

No Estudo 2, no programa de intervenção com sistemas de

comunicação alternativa, o examinador apresentou um padrão ótimo de

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mediação em seis categorias da EAM: intencionalidade, significação,

regulação na tarefa, elogiar/encorajar, responsividade contingente e

envolvimento afetivo. As categorias transcendência, atenção partilhada e

desafiar apresentaram uma classificação média (Md=2). Embora o

examinador não tenha apresentado o Nível 0 (ausência de mediação), as

categorias experiência partilhada e mudança apresentaram os índices mais

baixos de mediação (Md = 1). Desse modo, foi mais baixa a freqüência de

comportamentos cujo objetivo era compartilhar com a criança as próprias

experiências ou fornecer informações sobre as modificações no nível de

desempenho cognitivo do aprendiz.

Pode-se afirmar que os diferentes comportamentos do mediador

representaram seu esforço consciente de envolver e manter a criança no

objetivo da interação (ex.: solicitar à criança atenção e auto-regulação para

se manter na tarefa), fornecendo relevância e significado aos estímulos do

ambiente, a fim de conduzi-la a um melhor desempenho nas habilidades

lingüístico-cognitivas (ex.: enfatizar elementos, oferecendo modelo verbal).

Vale ressaltar que, ainda que a categoria transcendência tenha se

apresentado com classificação média, alguns episódios importantes

envolveram a subcategoria estabelecer ponte cognitiva conceitual, mediante

dicas ou estratégias de resolução de problemas, cujo objetivo foi auxiliar a

criança a identificar aspectos conceituais em substituição aos aspectos mais

perceptuais e concretos da atividade.

No tocante ao padrão de comportamentos da criança, o grupo

apresentou nível de responsividade moderado às estratégias de mediador no

contexto de intervenção (Md=2), com maior variabilidade nesta categoria

(AV = 0-3). Poucas sessões necessitaram ser interrompidas devido a forte

resistência da criança para se engajar e manter na tarefa (Nível 0). Assim, o

grupo, na maior parte do programa de CAA, se mostrou receptivo, porém,

com resistência ocasional.

Entre os principais resultados do Estudo 3, a experimentadora

emitiu, nas cinco sessões de intervenção para a promoção de criatividade,

três categorias mediacionais com maior freqüência: 1)

competência/regulação na tarefa (35,1%), que incluiu os comportamentos

de dar dicas (14,9%), fazer questões sobre a tarefa (10,1%), clarificar a

tarefa (7,4%) e incentivar o relato da criança (3,2%); 2) responsividade

contingente (28,5%), agrupando os comportamentos de responder à questão

da criança (15,1%), comentar sobre a criança (11,8%) e responder à

solicitação da criança (1,7%); e 3) competência/elogiar - encorajar

(16,8%), com os comportamentos comentar desempenho da criança

(15,2%), que teve a maior freqüência na escala, e dar feedback positivo

(1,5%).

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Houve, por parte da experimentadora, a preocupação em enfatizar

as estratégias usadas pela criança, de modo a auxiliá-la nas atividades,

assim como em responder às questões feitas pela mesma, e ofertar dicas,

pistas e estratégias que a conduzissem a um bom desempenho. Todavia, não

ocorreu mediação do tipo dar feedback elaborativo/comparativo, sugerindo

a dificuldade do mediador em apresentar comportamentos verbais que

descrevessem as mudanças processadas no desempenho cognitivo da

criança antes e depois da interação.

A análise de dados do Estudo 3 indicou que não houve relação

estatisticamente significativa entre os níveis de mediação (variação de 0 –

3) oferecidos entre as cinco sessões, tampouco entre aquelas realizadas no

mesmo dia nos dois períodos (matutino e vespertino), sugerindo que não

houve alteração no padrão de mediação empregado ao longo da intervenção.

O gradiente de mediação da examinadora variou entre 1,8 e 2,2, ou seja, as

ações se traduziram em mediações adequadas para conduzir o aprendiz à

expressão das habilidades criativas, como, por exemplo, criar, descobrir,

imaginar e inventar.

Por fim, de modo geral, observou-se nos três estudos que o padrão

de mediação proporcionou maior envolvimento por parte das crianças no

tocante as atividades propostas (desempenho cognitivo em prova assistida,

ampliação da comunicação mediante programa computadorizado, e

desenvolvimento de comportamentos criativos), destinada a otimizar a

situação de aprendizagem nos diferentes contextos.

Considerações finais

A adoção da proposição teórica da Experiência de Aprendizagem

Mediada (EAM) realizada por Reuven Feuerstein, que tem como foco

principal a interação enquanto fator de modificabilidade cognitiva do ser

humano, como base dos estudos aqui descritos, vem sendo considerada por

pesquisadores da área como bastante adequada para contextos de avaliação

e intervenção com crianças com problemas de desenvolvimento (Enumo,

2005a, 2005b; Linhares & Enumo, 2007; Linhares, Escolano & Enumo,

2006), seja de natureza cognitiva, afetiva ou psicossocial. Desse modo, por

se tratar de uma perspectiva teórica e metodológica que não ignora a

presença de fatores intervenientes no desenvolvimento cognitivo, e por

destacar a configuração e dinâmica da mediação, além de valorizar as

variáveis afetivo-motivacionais desse processo (Tzuriel, 1991), a avaliação

da EAM certamente contribui para a compreensão das dificuldades e

necessidades da população referida, oferecendo subsídios para a elaboração

e implementação de intervenções mais efetivas para a aprendizagem.

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As versões da Escala de EAM dão diretrizes sobre a aplicação de

conceitos considerados essenciais para que uma interação se configure em

uma mediação de aprendizagem (Feuerstein & Feurstein, 1991; Tzuriel,

1999, 2001). Por se basear em observação direta do comportamento, foi

possível obter exemplos de comportamentos de mediadores interagindo em

situações de ensino-aprendizagem com crianças que apresentavam quadros

diversos de dificuldades cognitivas, lingüísticas, perceptivas, emocionais e

de aprendizagem, as quais tendem a afetar seu desempenho sócio-

acadêmico.

Destacamos, ainda, que sua utilização em programas de orientação

e capacitação de pais e professores tem como objetivo favorecer a

construção de uma visão mais positiva e otimista acerca do potencial de

aprendizagem infantil, com conseqüente mudança na postura do adulto na

interação com a criança com necessidades específicas de ensino. Mais

particularmente, a identificação e a descrição desse padrão de interação

poderá subsidiar a prática de mediadores significativos para favorecer

diferentes habilidades no desenvolvimento infantil.

Como limitações da nossa proposição, a aplicação do

procedimento demanda maior tempo no registro dos indicadores

mediacionais, fator que deve ser considerado na aplicação da escala fora do

âmbito experimental. Outro ponto que requer discussão em estudos

adicionais se refere à obtenção de alguns índices de fidedignidade mais

baixos do que os estabelecidos nos estudos observacionais no que tange à

definição de alguns comportamentos e padrão de mediação do examinador.

Essa revisão poderá diminuir a superposição de categorias, agrupando

comportamentos topograficamente semelhantes, mas classificados em

categorias distintas (por exemplo, fornecer ponte cognitiva conceitual e

fornecer feedback elaborativo/comparativo).

Apesar das limitações apontadas, a operacionalização da Escala de

EAM produziu um checklist de possíveis comportamentos do

adulto/mediador em situação de interação permitindo avaliar o papel e a

eficácia da mediação no processo de modificabilidade cognitiva de crianças.

As versões da Escala de EAM aqui discutidas poderão, assim,

auxiliar na recomendação e elaboração de planos de intervenção baseados

na observação da interação entre o adulto e a criança, em contextos

diversos: avaliação psicológica e intervenção educacional (clínicas, escolas

e no lar) e em pesquisa. Igualmente, pode ser um instrumento auxiliar no

monitoramento da evolução do comportamento do mediador nas diversas

situações de interação social. Com isso, esperamos que os resultados aqui

apresentados contribuam para a discussão de questões metodológicas sobre

a adequação e uso de instrumentos de avaliação para a população com

deficiência ou dificuldades de aprendizagem.

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61

Por fim, cabe salientar a relevância social dos estudos sobre as

estratégias de mediação na promoção da aprendizagem de crianças com

problemas de desenvolvimento, especialmente nas áreas cognitiva e sócio-

afetiva. Certamente, tal influência tem implicações para o sucesso ou

fracasso escolar. Em outras palavras, mediações adequadas podem

modificar a trajetória desenvolvimental de crianças e jovens tipicamente

marcados por processos de exclusão social, ajudando a eliminar o

autoconceito empobrecido de sua condição de aprendiz, e a participar

ativamente, com interesse e motivação, no próprio processo de

aprendizagem.

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64

6

UTILIZANDO RECURSOS TECNOLÓGICOS PARA A

AVALIAÇÃO E A PROMOÇÃO DE HABILIDADES SOCIAIS

Adriana Augusto Raimundo de Aguiar

Zilda Aparecida Pereira Del Prette

Diante das inúmeras mudanças e transformações advindas da

modernidade e inovação tecnológica, a imagem se tornou uma forma de

comunicação de fundamental relevância no contexto da sociedade atual. A

imagem é utilizada na publicidade, televisão e revistas para comunicar

fatos, idéias e conceitos.

Associada ao som, a imagem configura o termo audiovisual. De

acordo com Parra (1975) este termo apesar de reconhecer e utilizar a

exposição oral, os livros e outros materiais verbais, é usado de modo

especial para indicar aqueles materiais de instrução e experiência que não

dependem, basicamente, da leitura para transmitir mensagens e que

recorrem, inicialmente, para os diversos sentidos. Assim, audiovisual inclui

meios e procedimentos didáticos como o cinema educativo, a televisão,

rádio educativo, gravações, ilustrações, mais recentemente recursos

multimídia e outros.

De uma maneira simples é possível dizer que o termo multimídia

remete à tecnologia audiovisual associada a recursos de interatividade.

Segundo Sabbatini (1998) o termo multimídia refere-se à tecnologia que

permite combinar, em um único programa ou método de acesso (rede, CD-

ROM, etc.), informações em diferentes meios, tais como: texto, imagens

estáticas e dinâmicas, clipes de áudio e de vídeo; incluindo ainda funções de

interatividade, ou seja, a possibilidade do usuário interagir com o programa

na forma de um diálogo bidirecional.

Tem sido crescente o uso de recursos tecnológicos para promoção

e facilitação da aprendizagem de diferentes conteúdos e em diferentes áreas.

Alcalay, Milicic e Torretti (2005) defendem que por meio das imagens as

pessoas são capazes de explorar/experienciar dilemas que de outra forma

somente poderiam ser acessados de forma conceitual. Para essas autoras,

por meio de seqüências dramáticas filmadas, é possível dar vida aos

problemas e transmitir idéias de uma maneira comovedora, vigorosa,

estética e eficaz, além de que a imagem teria a força e o impacto de quebrar

as resistências e captar a atenção do espectador.

No caso específico do campo teórico-prático das Habilidades

Sociais, muitas são as perspectivas de pesquisa e aplicações com a

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exploração de recursos multimídia. Esse campo destaca-se pela diversidade

de técnicas e procedimentos utilizados, dentre eles recursos tecnológicos,

para a promoção de habilidades de diferentes populações e em diferentes

contextos. Contudo, ainda são incipientes o uso e a investigação sobre

recursos tecnológicos auxiliares avaliação e na intervenção que

caracterizam os programas dessa área. É importante, contudo, destacar

alguns esforços de grupos de pesquisa que, dentre outros interesses, tem

como objetivo a construção de recursos para a intervenção.

Este capítulo tem como proposta apresentar: (a) alguns estudos

indicando as potencialidades do uso da tecnologia no processo de ensino-

aprendizagem; (b) uma breve revisão sobre procedimentos e técnicas

utilizadas para avaliação e intervenção de habilidades sociais no Brasil; e

(c) recursos tecnológicos desenvolvidos e em desenvolvimento pelo grupo

de pesquisa Relações Interpessoais e Habilidades Sociais (RIHS), da

Universidade Federal de São Carlos, coordenado pela Profa. Dra. Zilda A.

P. Del Prette e pelo Prof. Dr. Almir Del Prette; Ao final do capítulo discute-

se a necessidade de maiores investimentos em pesquisas sobre essa

temática, o que oferecerá contribuições importantes para diferentes

segmentos da Psicologia.

Ensino e tecnologia

De acordo com Canan e Raabe (2007), na educação, os recursos

audiovisuais, podem servir tanto para o desenvolvimento de uma

consciência crítica do educando, quanto de suporte para alcançar objetivos

pedagógicos. Para estes autores educar com a imagem, representa tirar

proveito do fato de que os alunos estão acostumados à linguagem visual

permitindo reduzir o hiato comunicativo entre educando e educador.

Resultados positivos obtidos com o uso de recursos audiovisuais

têm sido registrados por pesquisadores de diferentes áreas, tais como: no

uso de trechos de filmes e desenhos animados produzidos pela indústria

cinematográfica para o ensino de conteúdos de Física no Ensino Médio

(Clebsch & Mors, 2004); uso de televisão instrucional em um curso de

Introdução à Psicologia (Bacon, 2001); imagens em vídeo para o trabalho

da temática sexualidade e corpo (Vargas e Siqueira, 1999).

A modalidade de Educação a Distância oferece ainda uma nova

possibilidade para a adequação do processo educacional às necessidades do

mercado, adequando o tripé educando/escola/educador para

educando/sociedade/tecnologia (Marcheti, Belhot & Seno, 2005). Com isso,

tem-se hoje, por exemplo, recursos educativos em TV aberta, como projetos

governamentais, que apresentam documentários e vídeos educativos

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fazendo uma posterior discussão interdisciplinar das possibilidades de uso

do material.

Assim como ocorre com os recursos audiovisuais, a utilização de

recursos multimídia como estratégias auxiliares e facilitadoras para a

aprendizagem de diferentes conteúdos vem crescendo ao longo dos últimos

anos. Alcalay, Milicic e Torretti (2005) desenvolveram um programa

educacional que incluiu um vídeo e um jogo de atividades projetadas para

ser usado com pais no contexto escolar. Dentre as vantagens do uso das

imagens e conteúdos apresentados, as autoras citam: a) reprodução de um

evento, possibilitando a repetição para discussão; b) base concreta para o

desenvolvimento de um pensamento conceitual em relação à temática

abordada; c) contribuição para o aumento do significado do que foi

aprendido, dando a possibilidade de elaborá-lo; e d) possibilidade de fazer

uma reestruturação cognitiva dos pais, de suas experiências na relação

família-escola.

A partir dos resultados observados com a análise do recurso

audiovisual desenvolvido, Alcalay, Milicic e Torretti (2005) defendem que

o uso do vídeo desperta interesse e permite aos pais-espectadores adotar um

olhar ativo e crítico frente às mensagens audiovisuais, mas também frente a

sua própria forma de exercer sua paternidade. Defendem ainda que o vídeo

facilita a tarefa do professor na hora de trabalhar com os pais, já que a

combinação de imagem e som aumenta a probabilidade de retenção dos

conteúdos.

A utilização dos computadores nas escolas está ampliando-se cada

vez mais, existindo inúmeros softwares no mercado que são largamente

utilizados nos laboratórios de informática de escolas de ensino fundamental

e médio (Silveira & Barone, 2007). De acordo com Tarouco, Roland, Fabre

& Konrath (2004) a importância do uso dos computadores e das novas

tecnologias na educação deve-se hoje não somente ao impacto desta

ferramenta na nossa sociedade e às novas exigências sociais e culturais que

se impõe, mas também ao surgimento da Tecnologia Educativa.

A análise de estudos internacionais investigando os benefícios da

utilização de recursos multimídia permite identificar resultados positivos no

uso desses recursos no processo de ensino-aprendizagem, revelando um

potencial de flexibilidade e motivação (Brewster, 1996); maior atratividade,

apreciação por parte dos usuários e orientação visual (Neuhoff, 2000;

Pemberton, 2006; Smith, 2000); bem como maior desenvolvimento de

criatividade na resolução de problemas pelos usuários (Mayer, 1997).

No âmbito nacional é possível identificar alguns trabalhos

utilizando recursos multimídia para o ensino e aprendizagem. Assim, dentro

do universo computacional pode-se citar a hiperhistória. Segundo Balestro e

Mantovani (2007) os sistemas de hipermídia possuem como característica

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principal a interação que proporcionam ao usuário. Esta característica,

utilizada em um ambiente lúdico, define o conceito de hiperhistória. De

acordo com as autoras, em uma hiperhistória o usuário tem a possibilidade

de influenciar na história que vive virtualmente, passando de simples leitor

a explorador e construtor.

De uma forma geral, os jogos fazem parte da nossa vida desde os

tempos mais remotos, estando presentes não só na infância, mas também em

outros momentos da vida. Estudiosos defendem que os jogos podem ser

ferramentas instrucionais eficientes, pois eles divertem enquanto motivam,

facilitam o aprendizado e aumentam a capacidade de retenção do que foi

ensinado, exercitando as funções mentais e intelectuais do jogador

(Tarouco, Roland, Fabre & Konrath, 2004).

Ramos (2006) destaca os jogos eletrônicos pela sua inserção ainda

recente na infância e o crescimento acelerado de sua disseminação, e pelo

grande potencial midiático utilizado para criar possibilidades de

representação de papéis e constituição de mundos virtuais, nos quais

comportamentos são autorizados e vivenciados pelos jogadores. Os

enunciados de Ramos vão ao encontro da base para o aprendizado das

habilidades sociais: a interação da pessoa com outros interlocutores e

grupos, o que denota que a possibilidade de interagir com algo é de extrema

importância para o aprendizado significativo.

Promoção de Habilidades Sociais

O campo teórico-prático das Habilidades Sociais constitui, na

Psicologia, uma área de estudo e aplicação de conhecimento com

implicações sobre a qualidade das relações diádicas e intergrupais. De

acordo com Del Prette e Del Prette (2001) o termo habilidades sociais

refere-se às diferentes classes de comportamentos sociais no repertório de

um indivíduo que podem ser utilizadas para lidar de maneira adequada com

as demandas das situações interpessoais.

No contexto tecnológico, a utilização da modelação como técnica

de intervenção em programas de THS é de suma importância, uma vez que

a aprendizagem por observação é um dos processos básicos para isso, em

especial daqueles conteúdos que dependem em grande parte da visualização

de imagens (seja ao vivo, por meio de filmes, desenhos, figuras etc), como

acontece com os componentes não verbais das habilidades sociais.

Estudos brasileiros descrevendo programas de THS permitem

verificar que, embora sejam grandes os esforços em se adotar, no campo das

Habilidades Sociais um delineamento multimodal na avaliação e na

intervenção (Del Prette e Del Prette 1999; 2001; 2009), ainda são poucos os

estudos enfocando o uso de recursos tecnológicos como estratégias de

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ensino - utilizando ou não a modelação como base, como observado em

estudos descrevendo programas de THS (Bolsoni-Silva e col. 2006; Murta

2005).

Considerando que esta forma de interagir (socialmente habilidosa)

favorece conseqüências positivas e, portanto, pode auxiliar na prevenção

e/ou redução de dificuldades psicológicas (Bolsoni-Silva, 2002); a análise

de artigos descrevendo programas de THS permite verificar pouca

exploração do uso de recursos audiovisuais e multimídia pelo campo das

Habilidades Sociais e que os estudos revelam as potencialidades do uso de

recursos tecnológicos para o ensino de diferentes conteúdo, o

desenvolvimento de novos procedimentos e recursos tecnológicos para uso

nesse campo é fundamental para a pesquisa e a prática na área. Assim, a

divulgação de recursos e pesquisas sobre essa temática pode ser importante

para fomentar novos estudos nessa direção.

Recursos audiovisuais e multimídia desenvolvidos pelo Grupo RIHS

O Grupo Relações Interpessoais e Habilidades Sociais (RIHS) teve

início com seu núcleo base RIHS-UFSCar, coordenado pelos Profs. Dr.

Almir Del Prette e Dra. Zilda A. P. Del Prette e orientandos de graduação e

pós-graduação vinculados aos Programas de Pós-Graduação em Educação

Especial (PPGEEs) e em Psicologia (PPGPsi) da Universidade Federal de

São Carlos. Sua origem fundamentou-se no vislumbre de seus idealizadores

e coordenadores, da necessidade em organizar atividades relacionadas à

temática da produção de conhecimento e oferecer serviços no campo

teórico-prático das Habilidades Sociais (Del Prette & Del Prette, 2006a).

As preocupações do grupo RIHS com a construção de recursos visa

tanto à avaliação e investigação de habilidades sociais até recursos para a

promoção dessas habilidades. A produção científica e a construção desses

recursos estão vinculadas à projetos desenvolvidos e em desenvolvimento

pelos coordenadores do grupo3.

No âmbito da avaliação e da promoção de Habilidades Sociais

recebe destaque o Sistema Multimídia de Habilidades Sociais para

Crianças (SMHSC-Del-Prette), que engloba o Inventário Multimídia de

Habilidades Sociais para Crianças (IMHSC-Del-Prette) e o Recurso

Multimídia de Habilidades Sociais para Crianças (RMHSC-Del-Prette). O

SMHSC-Del-Prette consiste de um conjunto de materiais para avaliação e

promoção de habilidades sociais de crianças de sete a 12 anos de idade (Del

Prette & Del Prette, 2003; 2005).

3 Ver: www.rihs.ufscar.br

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O recurso para promoção de habilidades sociais foi denominado

RMHSC-Del-Prette e se consta de um CD-Rom com 21 vinhetas de vídeo,

ilustrando situações interpessoais em quatro classes amplas de habilidades

sociais: a) empatia e civilidade; b) assertividade de enfrentamento; c)

autocontrole; e d) participação.

O IMHSC-Del-Prette é o material de avaliação do SMHSC-Del-

Prette, apresentado em versão impressa e informatizada, corresponde aos

materiais de avaliação. É um instrumento aprovado pelo Conselho Federal

de Psicologia destinado à autoavaliação, avaliação da criança pelo

professor e avaliação do professor sobre os itens de habilidades. A versão

informatizada do IMHSC-Del-Prette é apresentada em CD-ROM, gerando

protocolos, gráficos e planilhas. Já a versão impressa é apresentada sob a

forma de um Caderno de Pranchas, com Fichas de Respostas, Folha de

Instruções e Cartões que pode ser apurada manualmente ou inserida no

programa de computador. Para a apuração dos dados, o sistema possui um

gerenciador informatizado que organiza os dados produzidos pelas

avaliações, gerando protocolos, gráficos e uma planilha Excel exportável

para programas estatísticos. Dentre as demais características desse

instrumento destacam-se: “(a) permite análise intraindividual (pontos

“fortes” e “fracos” da criança) e/ou interindividual (situação da criança

em relação a uma amostra normativa); (b) manual com instruções para o

uso dos resultados no planejamento de intervenções específicas; (c) opção e

instruções para o uso dos recursos multimídia em procedimentos de

intervenção, quando a avaliação de habilidades sociais é feita por meio de

outros instrumentos” (Del Prette & Del Prette, 2009).

O Grupo RIHS tem se dedicado também à construção de vídeos

instrucionais4, dentre os quais se pode citar:

Habilidades Sociais: A assertividade – pequeno vídeo

instrucional desenvolvido para uso nos programas PRODIP5 e demais

cursos e assessorias (Divulgação restrita).

Promoção de habilidades sociais na escola – Trata-se de

um vídeo-documentário de 25 minutos, expondo uma experiência prática de

Treinamento de Habilidades Sociais em uma escola de São Carlos. Nessa

experiência, os professores foram capacitados a conduzirem um programa

4 Todos estes recursos encontram-se disponíveis com os coordenadores do

Grupo RIHS. 5 Programa de Desenvolvimento Interpessoal/Profissional – programa

desenvolvido pelos Profs. Dr. Almir Del Prette e Zilda A. P. Del Prette

como uma estratégia alternativa de promoção de recursos humanos em

ambiente organizacional. Para maiores detalhes ler: (Del Prette & Del

Prette, 2006b).

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em sala de aula, de forma articulada aos objetivos acadêmicos (Divulgação

restrita).

Habilidades sociais: Treinamento de alunos na condução

de vivências – Vídeo instrucional que ilustra o processo de preparação de

alunos para coordenar atividades vivenciais e que faz parte de uma

disciplina optativa regularmente ofertada no Curso de Graduação em

Psicologia da UFSCar (Divulgação restrita)

O passeio de Bia – Vídeo instrucional construído para

aprendizado de habilidades sociais relevantes na infância. Destina-se a

crianças pré-escolares enfocando seis cenas ilustrando comportamento

socialmente habilidoso em: fazer pedidos, recusar oferta de carona,

solucionar uma briga entre amigas, ajudar uma senhora a atravessar a rua,

fazer pedidos e fazer convites.

Vivências no Treinamento de Habilidades Sociais – Esse

vídeo instrucional foi produzido para ilustrar as atividades vivenciais que

fazem parte do livro Psicologia das Habilidades Sociais: Vivencias para o

trabalho em grupo, e são conduzidas pelos coordenadores Zilda e Almir

(Divulgação restrita)

No setor clínico e educacional o Grupo RIHS vem construindo um

Tecnologia Multimídia em Habilidades Sociais (TecM-HS)6. O TecM-HS

tem como foco a população de jovens adultos de 20 a 40 anos de idade,

contemplando duas classes de habilidades sociais mais amplas: Habilidades

Sociais Assertivas de Enfrentamento e Habilidades Sociais Empáticas.

Dentre as Habilidades Sociais Assertivas de Enfrentamento inclui

as habilidades de desculpar-se e admitir falhas, encerrar relacionamento,

estabelecer relacionamento afetivo-sexual (incluindo a negociação do uso

de preservativo), fazer/aceitar e recusar pedidos, interagir com autoridade,

lidar com críticas, manifestar opinião-discordar e pedir mudança de

comportamento. Na classe de Habilidades Sociais Empáticas focaliza as

habilidades de colocar-se no lugar do outro (compreensão e sentimento), e

expressar apoio, compreensão e solidariedade.

O TecM-HS oferece um conjunto de cenas para ilustração de

alguns desempenhos possíveis (habilidosos e não habilidosos) para cada

uma dessas habilidades sociais. Ainda apresenta questões relacionadas a

cada classe de habilidade que podem ser utilizadas como material adicional

em atividades e tarefas propostas em programas de THS.

6 A construção do TecM-HS foi parte do projeto de Pós-Doutorado da

primeira autora sob orientação e supervisão da segunda autora desenvolvido

junto ao Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos

e com apoio financeiro da FAPESP sob número de processo 07/55850-8.

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Para profissionais e pesquisadores que desejam ou precisem

desenvolver recursos similares ao TecM-HS é possível acessar na seção

bônus orientações sob a forma de diretrizes para a construção de um recurso

audiovisual e multimídia.

A investigação dos recursos construídos pelo Grupo RIHS ainda

concentra-se no SMHSC-Del-Prette e no IMHSC-Del-Prette. Dentre esses

estudos é possível encontrar desde artigos envolvendo a análise dos

aspectos psicométricos do IMHSC até o emprego do RMHSC-Del-Prette

em programas de promoção de habilidades sociais em dissertações e teses.

Considerações Finais

Os dados apresentados nas seções anteriores permitem uma

reflexão sobre a importância em se ampliar a investigação dos benefícios do

uso de recursos tecnológicos em ambiente de intervenção, dentre eles em

Psicologia. A investigação desses resultados, no entanto, requer um passo

anterior que seria também um maior investimento na construção de recursos

tecnológicos voltados especificamente para essa área.

Outras fontes ainda podem ser acessadas para confirmar uma

tendência cada vez maior em se considerar os avanços tecnológicos e a

fundamental necessidade dos profissionais estarem atentos para as

transformações e evoluções da sociedade. Visando apontar que a Psicologia

também tem buscado interar-se e avançar seus conhecimentos e prática

neste segmento o Jornal CFP publicou em 2006 matéria abordando o

crescente número de estudos voltados a temas relacionados à Interface

Psicologia/Informática, ilustrado, por exemplo, no aumento significativo

dos temas abordados nos Seminários Brasileiros de Psicologia e Informática

(Psicoinfo). De acordo com o Jornal do CFP o principal tema do I Psicoinfo

foi a Psicologia e o uso da informática no dia-a-dia da profissão. Já no II

Psicoinfo os temas centrais estenderam-se para três: a informatização dos

testes psicológicos; a interação humana e os impactos da informatização na

subjetividade humana; e as possibilidades de serviços psicológicos serem

oferecidos via internet, como orientação via e-mail e a tão polêmica terapia

on-line. Ampliando ainda mais os conteúdos, o III Psicoinfo, realizado em

novembro de 2006, contemplou nove temas principais, sendo eles: a

continuidade, o aprimoramento e a validação de sites que prestam serviços

psicológicos via internet; o estímulo às universidades para a produção de

pesquisas com a finalidade de avançar a relação entre Psicologia e

informática; a publicidade de trabalhos produzidos no âmbito das interfaces

Psicologia/informática que possam colaborar para o avanço do campo;

subjetividade e impacto da internet e da tecnologia; informática aplicada à

Psicologia: Testes e instrumentos informatizados; softwares para

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Psicologia; serviços via internet; uso da informática na prática profissional;

e psicologia aplicada à informática: Inteligência artificial, redes neurais,

visão computacional, modelos cognitivos.

A existência de estudos destacando as potencialidades do uso de

recursos audiovisuais e multimídia no processo de ensino-aprendizagem,

bem como a incipiência dos estudos envolvendo a construção desses

recursos como ferramentas auxiliares em programas de THS, são apenas

alguns dos argumentos que fundamentam a necessidade de maiores

investimentos em pesquisas da Psicologia neste temática, assim como vem

ocorrendo na esfera da informática/internet.

Assim, fechamos este capítulo elencando alguns elementos

essenciais que fundamentam a defesa de que a construção de recursos

tecnológicos, dentre eles recursos audiovisuais e multimídia, no campo das

Habilidades Sociais, pode contribuir para ampliar o escopo das técnicas

utilizadas, sugerir futuros estudos e levantar pontos de reflexão sobre a

temática: (a) a escassez de pesquisas e programas de intervenção em THS

utilizando recursos audiovisuais e/ou multimídia como estratégias de

intervenção; (b) os resultados positivos, evidenciado em estudos de

diferentes áreas, em especial na Educação, frente à utilização desses

recursos no processo de ensino-aprendizagem; (c) a possibilidade de criação

de um ambiente interativo propício ao desenvolvimento das habilidades

sociais, a partir do uso desses recursos; (d) o importante papel da modelação

para a aprendizagem de diferentes conteúdos, inclusive de componentes não

verbais; (e) a ampla utilização da modelação em programas de THS; (f) a

potencialidade dos recursos audiovisuais e multimídia como fonte de

modelos de comportamento; e (g) o interesse crescente da Psicologia no

conhecimento e utilização de recursos tecnológicos que auxiliem no

processo psicoterápico.

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7

RELAÇÕES AMISTOSAS:

CONCEPÇÕES DE PROFESSORES E DESENHOS INFANTIS

Jussara Cristina Barboza Tortella

Josiane Raymundo dos Santos

Edna Aparecida Pereira Perobelli

A experiência em escolas de Educação Infantil e Ensino

Fundamental nos fez refletir a respeito de alguns aspectos relacionados ao

olhar do docente sobre as relações entre os alunos e as representações dos

relacionamentos das crianças com os seus pares. O que faz uma criança ser

feliz no contexto escolar? Qual o papel dos relacionamentos interpessoais

para o sucesso escolar? Qual o papel da amizade na escola? Essas perguntas

não são facilmente respondidas, mas, notadamente, estamos convencidos de

que os relacionamentos interpessoais são importantes para a vida humana.

Estudos específicos sobre os relacionamentos interpessoais

(amorosos, familiares e amistosos) são realizados principalmente por

pesquisadores europeus e norte-americanos. Garcia (2005) visando a

consolidação de uma “Psicologia da Amizade” aponta para a necessidade de

avanço teórico e a elaboração de modelos teóricos específicos para esta área

de pesquisa. Nesse sentido, o autor destaca a falta de investigações em

países em desenvolvimento e a necessidade da realização de estudos

comparativos e a compreensão da influência das transformações sociais,

culturais, políticas e econômicas para as relações de amizade.

Diante das necessidades apontadas, para este trabalho destacamos a

compreensão da amizade no contexto escolar, dando voz aos professores e

crianças. A observação na escola nos remete a questões cruciais dos

relacionamentos e alguns pontos nos interessam efetivamente no intuito de

compreender os relacionamentos amistosos: o entendimento dos docentes

acerca do ambiente social e da solidão e a representação das crianças por

meio do desenho sobre seus relacionamentos com amigos e não-amigos.

Mas quais seriam os aspectos que envolvem e interferem na

construção dos relacionamentos amistosos? Entendemos, a partir dos

estudos baseados na perspectiva piagetiana, que na construção da amizade,

os aspectos cognitivos, afetivos e sociomorais estão intimamente

interligados.

Supõe-se que haja o estabelecimento de relações de cooperação e

reciprocidade nas amizades. Piaget (1994) utiliza o termo cooperação

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quando aborda a questão dos relacionamentos entre as pessoas referentes à

autonomia, explicando que sem as relações entre as pessoas, a necessidade

moral deixa de existir. “A autonomia só aparece com a reciprocidade,

quando o respeito mútuo for bastante forte, para que o indivíduo

experimente interiormente a necessidade de tratar os outros como gostaria

de ser tratado” (p. 155). Para que o indivíduo consiga ter um relacionamento

amistoso é necessário que ocorra uma descentração, isto é, que a pessoa

deixe de considerar apenas as suas opiniões e sentimentos e venha a

perceber os sentimentos e opiniões do outro. Isso supõe relações de

cooperação. Assim é que o sujeito chega a construir a noção exata das

relações sociais de cooperação. Os sentimentos de lealdade, de confiança

mútua, princípios fundamentais da amizade, decorrem de uma construção

de valores.

Porém, como percebemos que há realmente uma construção e que

tais aspectos estão interligados? Por exemplo, analisando as atitudes de uma

criança que se encontra no estágio pré-operatório evidenciamos que ela

ainda não é capaz de conciliar a vontade do outro com a vontade própria;

desse modo, a criança percebe que outra criança está desejando o seu

brinquedo, mas não consegue ainda coordenar o seu desejo com o de outra.

Isso não quer dizer necessariamente que essa criança não possa brincar ou

interagir com outras crianças, mas que seus relacionamentos se dão de

acordo com suas capacidades cognitivas e afetivas. Assim, não podemos

dizer que por causa da centração e do egocentrismo a criança não faça

amizades, mas sim, que não podemos ainda considerar estas amizades em

seu conceito genuíno. Se compararmos uma criança pequena com um

adolescente, veremos neste último outras possibilidades de relacionamentos

estabelecidas, por exemplo, no estágio 3 ou 4 descritos por Selman(1981).

Os estudos desse autor demonstram que há uma evolução na

construção das relações amistosas e descreve cinco estágios de

compreensão reflexiva das amizades: estágio 0: Atividades físicas

momentâneas; estágio 1: Assistência de mão única; estágio 2: Cooperação

leal; estágio 3: Relacionamentos íntimos e mutuamente compartilhados;

estágio 4: Amizades interdependentes e autônomas.

Outro fator que interfere na construção das relações amistosas é o

aspecto social e cultural, incluindo as normas, regras e valores. Sabe-se que,

ao longo de seu desenvolvimento, a criança procura dar explicações sobre a

realidade que a cerca, tanto física e lógica como social, com base em suas

próprias vivências ou esquemas anteriores, procurando, de alguma forma,

certa ou errada, explicações para este mundo.

A unidade social com a qual a criança entra em contato após a

família, geralmente, é a escola. Entendemos que esse espaço é de extrema

importância para a construção das relações amistosas. Nos primeiros anos

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escolares, presenciamos na criança uma evolução muito importante em

todos os aspectos do seu desenvolvimento: cognitivo, afetivo, social e

perceptivo-motor e as relações que a criança estabelece com os seus pares

contribuem para este desenvolvimento. A criança só poderá tomar

consciência de seu pensamento e sentimentos ao confrontar-se com o

pensamento de outros.

Contudo, qual é a relação entre a possibilidade de desenvolvimento

das noções de amizade e o contexto escolar? Seria o ambiente um fator

relevante nessa construção?

Quando entramos em um determinado ambiente muitas vezes

podemos observar que ele fala conosco, transmitindo emoções, sensações,

recordações; raramente saímos de um ambiente sem levarmos alguma

impressão, seja ela boa ou ruim, alegre ou triste, amistosa ou não. Sendo

assim, temos que considerar a importância do ambiente escolar para a

construção da afetividade do educando.

Entende-se por ambiente solicitador aquele que é organizado pelo

docente no sentido de favorecer a construção das estruturas cognitivas e

afetivas, bem como privilegia as interações sociais e a resolução de

conflitos cognitivos e sociomorais gerados por ele. A capacidade de se

relacionar com outras pessoas remete à possibilidade de estabelecer um

convívio social que envolva produzir, dividir e aprender com o outro,

implica aprender a conviver com as diferenças de humor, de hábitos, de

costumes, de cultura, entre outros.

E quando essas oportunidades não são garantidas? O que pode gerar

a falta de um ambiente propício para o estabelecimento de relações

interpessoais? Se tal fato ocorrer, temos um ambiente pautado no

autoritarismo, dependência dos alunos, exclusão e discriminação. Um dos

fatores que pode ser destacado sobre a exclusão é o sentimento de solidão.

A solidão está relacionada aos sentimentos que geralmente não são muito

agradáveis.

Todavia, qual seria a razão dessa solidão? A amizade contaria

como um elemento importante nesse aspecto? Essas crianças teriam

problemas em estabelecer amizades ou em mantê-las? Seriam os conflitos e

as discordâncias os causadores da falta de amizade?

Conflito e discordância são comuns em amizades próximas das

crianças. Alguns autores enfocam que a maneira como as crianças resolvem

os conflitos de forma rápida e amigável é mais importante que evitar

conflitos. Esses dados parecem bem coerentes com a realidade, pois

desmistificam a ideia que se tem sobre amigos: nunca discutem ou têm

opiniões diferentes (Parker & Asher, 1993).

Alguns estudos atribuem à solidão uma combinação de

dificuldades sociais, tais como, retração e inibição de responsividade social,

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comportamento social retraído, má aceitação de colegas, poucos ou nenhum

amigo. Crianças retraídas/rejeitadas receberam maior quantidade de rejeição

dos colegas e mais baixa porcentagem de índices de melhor amigo (Asher et

al, 1990; Renshaw & Brown, 1993).

No entanto, como saber o que as crianças pensam a respeito das

suas amizades? O interesse pelas interações entre as crianças e a observação

como docentes nos fez perceber que elas, por meio de desenho, registram

mais do que é perceptível ou mais do que é solicitado, apresentando por esta

forma de expressão e por meio do relato oral, uma riqueza de detalhes que

só adquire sentido aos olhos dos adultos quando estes podem captar o que

foi desenhado e quando o associavam à fala de seus produtores. Por

exemplo, quando se pede à criança desenhar a si própria com seu amigo, ela

produz desenhos com muitos outros elementos e ao comentar sobre o

mesmo, muitas vezes, cria um enredo de uma história.

O desenho é uma forma de expressão e de representação e a

amizade é um valor, assim, associar os temas poderá contribuir para ampliar

os estudos a respeito das representações no campo dos valores. Ao se

considerar o que as crianças pensam, como se representam e como

descrevem suas interações, permite aos estudiosos analisar os fenômenos

das relações interpessoais a partir de outro prisma. Para Pinto e Sarmento

(apud Gobbi, 2005. p. 69) “... o estudo das crianças a partir de si mesmas

permite descortinar uma outra realidade social, que emerge das

interpretações infantis dos respectivos mundos de vida. O olhar das crianças

permite revelar fenômenos sociais que o olhar dos adultos deixa na

penumbra ou obscurece totalmente”.

Bombi e Pinto (1998) realizaram um estudo transversal sobre

amizade, utilizando o desenho como um instrumento de representação.

Diante da hipótese de que a criança poderia expressar, por meio do desenho,

suas ideias sobre aspectos psicologicamente importantes da amizade,

inicialmente, pediram que ela desenhasse a si mesma com um amigo. O

instrumento considerava os seguintes itens: Coesão e Distanciamento,

Semelhança, Valor e Clima emocional Os resultados dos estudos

demonstraram que a maioria das crianças, independentemente de sexo e

idade, demonstraram a exigência da igualdade entre os amigos, sendo esta

considerada como fundamental na amizade. Diante das necessidades de

ampliação nas investigações das pesquisas destacadas, apresentamos agora

dois estudos realizados no contexto escolar.

Os estudos

Ambos os estudos utilizaram a abordagem qualitativa, na busca da

compreensão sobre a maneira como professores e alunos encaram as

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questões focalizadas sobre os relacionamentos interpessoais. Na pesquisa

com os professores, utilizou-se a entrevista com questões semi-estruturadas

e para os alunos a representação gráfica, por meio do desenho.

Apresentamos agora, primeiramente, os objetivos e os resultados da coleta

de dados de cada um dos estudos separadamente.

Estudo 1

O primeiro estudo denominado “Concepções de Professores sobre

os Fatores Intervenientes na Manutenção das Relações Amistosas” (Santos

& Tortella, 2006) teve por objetivos: a) Analisar as percepções que os

professores possuem acerca da organização do ambiente social que seja

favorável para a manutenção das amizades; b) Analisar como o professor

lida com as questões de solidão. Foram participantes desse estudo 10

professores com idade entre 21 e 45 anos, todos do sexo feminino e com

formação superior, que atuavam no Ensino Fundamental em uma escola

privada no município de Campinas / SP.

Utilizou-se como instrumento a entrevista semi-estruturada

constituída de três questões abertas. Nesse instrumento, o professor pôde

falar sobre o tema proposto com base nas informações e experiências

profissionais.

Os dados das entrevistas realizadas com os sujeitos foram agrupados

em torno de cada questão. Analisou-se o teor de cada resposta, sendo que as

semelhantes foram classificadas na mesma categoria. É preciso ressaltar que

o leitor encontrará um N (frequência absoluta) nas tabelas que não coincide

com o número de participantes da pesquisa, pois cada um dos entrevistados

pôde dar mais de uma resposta para uma mesma pergunta. Organizaram-se

quadros para a visualização da quantidade de respostas e exemplos de cada

categoria.

Questão 1: Como você acredita que deva ser a organização do

ambiente social que seja favorável para a manutenção das amizades?

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Quadro 1 - O ambiente social favorável para a manutenção das

amizades

Categoria Número de

respostas

Exemplos

Responsabilidade 1 P1: A organização do ambiente social deve

ser um ambiente de trabalho com muita

responsabilidade (...).

Convivência 1 P2: O ambiente deve ter pessoas que deem

exemplos de boa convivência.

Respeito 5 P 10: Acredito que deva ser um ambiente,

principalmente, baseado em respeito e

sinceridade para a manutenção das

amizades.

Princípios da

Proposta Pedagógica

2 P 5: Quando falamos de organização

escolar, destaco a importância do Projeto

Pedagógico da escola, que representa a

identidade da mesma, pois nele estão os

princípios orientadores da ação pedagógica

no contexto escolar.

Valores 1 P 8: Para a manutenção de relações sociais

mais afetivas (como a amizade) acredito ser

indispensável a presença de valores e

atitudes.

Para esses professores, a organização do ambiente social está

diretamente relacionada com um trabalho pautado no respeito mútuo, nos

princípios descritos na proposta Pedagógica e nos exemplos de convivência.

Questão 2: Você já observou algum aluno que não conseguia

estabelecer laços de amizade com outros na sala de aula? Como acredita que

devam ser trabalhadas as questões de solidão?

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Quadro 2 - Solidão Categoria Número

de

respostas

Exemplos

Intervenção 5 P 10:

Acredito que devemos integrar esse aluno ao

resto da turma. Já observei alguns alunos com

esse tipo de dificuldade. Acredito que devemos

integrar esse aluno ao resto da turma

propondo, por exemplo, atividades em grupo,

estabelecendo funções para esse aluno na sala

de aula e exaltando suas qualidades sem

denegrir dos outros colegas (...)

Mostrar a

importância dos

relacionamentos

2 P 8: Estímulo à construção de novos laços de

amizade ou relacionamento. De maneira sutil

e não evasiva, o professor pode levar os

alunos a perceberem a importância de termos

amigos e nos relacionarmos bem com todas as

pessoas, sem falsa demagogia, ou seja, não

que todos tenham que ser melhores amigos,

íntimos entre si, mas devemos nos respeitar e

conviver bem.

Motivação 1 P 4: É preciso motivá-los a se relacionar com

o grupo, mostrando que a solidão é ruim e

sinalizando a importância da amizade, e esta

importância ganhará significado quando o

aluno vivenciar; assim, vivenciando a

amizade, verá que a solidão não é boa.

A intervenção e o demonstrar a importância dos relacionamentos

pode ajudar nos problemas de solidão, segundo os participantes da pesquisa.

Nota-se que uma das formas de intervenção sugerida foi o trabalho em

grupo e a valorização de condutas pró-sociais.

A partir dos dados apresentados nos quadros 1 e 2, infere-se que,

para os participantes da pesquisa, o ambiente escolar precisa ser planejado a

partir de princípios e valores pautados na ética que regem os

relacionamentos interpessoais.

Estudo 2

O segundo estudo denominado “O Desenho da Amizade como

Forma de Expressão no Contexto Escolar” (Perobelli & Tortella, 2008)

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objetivou: a) analisar as diferenças dos desenhos das crianças quando

representam a si mesmas junto com um amigo e quando representam a si

mesmas junto com um não amigo; b) verificar quais elementos predominam

na representação de um amigo e na representação de um não amigo.

Participaram da pesquisa 27 crianças com idade entre 6 e 9 anos de

ambos os sexos. O material utilizado foi organizado a partir de uma

adaptação de um instrumento criado por Bombi e Pinto (1998), que mede as

características dos desenhos infantis que representam as pessoas amigas. De

acordo com os objetivos estabelecidos e a opção pela análise qualitativa, um

novo instrumento foi organizado para subsidiar a observação dos dados

qualitativos do desenho. O instrumento foi denominado “Instruções para

análise qualitativa dos desenhos dos amigos e não amigos” e contém 6 focos

de observação: 1. Olhar; 2. Atividade Comum; 3. Proximidade; 4. Clima

Emocional; 5. Perturbação na relação; 6. Semelhanças.

Para este artigo apresentamos os dados referentes aos itens 4 e 5.

Apresentaremos, primeiramente, o foco de observação, alguns desenhos

ilustrativos do foco e por último os dados quantitativos de cada foco.

Explicamos em cada um dos focos a questão norteadora e o critério de

análise por entender que este material pode auxiliar o leitor na compreensão

dos dados.

Foco de observação 4 – Clima emocional

Pergunta norteadora: qual estado de ânimo que caracteriza a relação?

Para analisar os desenhos podem-se considerar a expressão facial, os

símbolos convencionais ou as verbalizações diretas e explícitas do próprio

estado de ânimo.

Critérios de análise:

4.a. Bem estar (alegria, amor, exultação serenidade etc.) indicado por um

sorriso, por uma piscada; por símbolos como coração ou por expressões

escritas, tais como, “sou feliz” ou “que alegria”.

4.b. Hostilidade (raiva, ameaça, desprezo etc.) indicada por um ou mais

índices: sobrancelhas franzidas ou inclinadas para baixo até o nariz, olhar

malévolo, dentes cerrados, sorriso sarcástico; por símbolos, como fumaça

que sai da cabeça, caveira que sai da cabeça; por expressões verbais, tais

como, “te odeio” ou palavrões.

4.c. Mal-estar (tristeza, medo, dor etc.) indicado por um ou mais dos

seguintes índices: lágrimas, traçado da boca para baixo, olheiras ou olhos

desfigurados, boca com expressão de medo, cabeça baixa; símbolos como

estrelinhas sobre a cabeça; por expressões verbais, tais como, “socorro” ou

“que medo”.

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Tabela 1 - Foco de observação 4 – Clima emocional. M6 F6 M7 F7 M8 F8 M9 F9 Total

Foco 4.a. Amigo 4 4 5 6 4 2 1 0 26

Foco 4.a. Não Amigo 2 1 1 4 1 1 1 0 11

Foco 4.b. Amigo 0 0 0 0 0 0 0 0 0

Foco 4.b. Não Amigo 0 0 1 0 0 1 1 0 3

Foco 4.c. Amigo 0 0 0 0 0 0 1 0 1

Foco 4.c. Não Amigo 2 3 3 2 3 0 0 0 13

Nota-se pela tabela que há um número expressivo de desenhos de

amigos relacionados a expressões de bem estar. O que nos chamou a

atenção foram os traços que demarcam a expressão de sorriso, no total de 26

desenhos. Para os não amigos as representações demonstram

descontentamento, tristeza, insatisfação, totalizando 13 desenhos e 3 que

são demonstrativas de hostilidades.

Percebe-se, pelas representações, um número maior de bons

relacionamentos, demarcados pelas expressões de contentamento.

Foco de observação 5 – Perturbação na relação

Pergunta norteadora: as figuras indicam uma perturbação na relação?

Critérios de análise:

5.a. disputa de objetos: as figuras brigam por um mesmo objeto, uma

tentando arrancar da outra. Isso pode ser observado na postura, por

exemplo, pés firmes ou por expressões escritas, tais como, “solta, é meu”.

5.b. ameaça: as figuras representam um ato físico lesivo como, por

exemplo, um punho cerrado, um tapa, mostrando um pau, jogando uma

pedra.

5.c. choque físico: uma figura golpeia a outra diretamente com tapas,

pontapés, empurrões; podem vir acompanhados também de expressões

escritas.

5.d. hostilidade verbal: são consideradas as expressões verbais de

hostilidades: o zombar, os insultos, as acusações, as palavras ameaçadoras

ou gestos como mostrar a língua.

Tabela 2 - Foco de observação 5 – Perturbação na relação. M6 F6 M7 F7 M8 F8 M9 F9 Total

Foco 5.a. Amigo 0 0 0 0 0 0 0 0 0

Foco 5.a. Não Amigo 0 1 0 0 0 0 0 0 1

Foco 5.b. Amigo 0 0 0 0 0 0 0 0 0

Foco 5.b. Não Amigo 0 0 0 0 0 0 0 0 0

Foco 5.c. Amigo 0 0 0 0 0 0 0 0 0

Foco 5.c. Não Amigo 0 0 0 0 0 0 0 0 0

Foco 5.d. Amigo 0 0 0 0 0 0 0 0 0

Foco 5.d. Não Amigo 0 0 0 0 0 1 1 0 2

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Esperávamos uma configuração diferente para esse foco. Tínhamos

por hipótese que encontraríamos muitos desenhos que ilustrassem os

conflitos entre os não amigos. De maneira surpreendente, apenas encontrou-

se um desenho que demonstra uma disputa de objetos e dois outros

desenhos que demonstram hostilidade verbal; um deles tem o termo DIABO

para o não amigo e o outro demonstra um gesto de hostilidade quando

afirma: “BARA FEITISO”. Para esse último, inferimos que há o desejo de

afastar o não amigo que havia encontrado bolinhas de gude.

Embora com pouca quantidade de representações, os três desenhos

encontrados são muito significativos. Ao desenhar, a criança apresenta tanto

suas concepções sobre os relacionamentos como também este procedimento

propicia um momento de explorar suas emoções.

Nos estudos realizados por Tortella (2001), houve vários relatos

das crianças enfatizando agressões físicas, que foram enquadradas na

categoria denominada de condutas antissociais, com respostas tais como:

bater, chutar, socar e brigar. Outra categoria analisada pela autora foi a de

sentimentos negativos, na qual se encontraram respostas sobre o que as

crianças sentiam pelo não amigo como: ódio, raiva, vontade de bater; de

chutar e de beliscar.

Diferentemente desses resultados, podemos perceber que neste

estudo prevalece mais a representação do clima emocional do que as

situações de conflito propriamente ditas. As crianças parecem demonstrar

mais os seus sentimentos por meio do desenho do que suas condutas.

Concordando com essa representação, Tortella (2001) encontrou na

categoria Sentimentos positivos a verbalização de crianças que, ao estarem

com seus amigos sentiam amor, alegria, felicidade, e em outra categoria a

incapacidade de expressar sentimentos verbalmente, o que nos demonstra

que o desenho é uma forma de expressão em potencial, pois nesta pesquisa

fica nítido que as crianças representam seus sentimentos, os agrados, e

desagrados por meio de sua expressão gráfica.

Para concluir, vale ressaltar que durante toda análise foram

observadas diversas representações dos amigos, as quais se apresentam mais

elaboradas; com atributos, cores, decorações como flores, corações e outros

objetos e alguns destes atributos podem ser vistos nesse foco. Já para as

representações do não amigo observa-se uma ausência de detalhes e quando

são encontradas estão representadas por obstáculos; elementos gráficos

entre as figuras desenhadas.

Considerações Finais

Analisar como docentes e crianças expressam e registram suas

concepções acerca da amizade nos trouxe informações particularmente

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interessantes. Respeito mútuo, condutas pró-sociais, intervenções por meio

de procedimentos didáticos, como o trabalho em pequenos grupos, são

temas sugeridos pelos docentes para que o ambiente seja propício para o

estabelecimento de bons relacionamentos interpessoais.

Dar oportunidade aos alunos de se expressarem sobre suas

amizades por meio do desenho representou, para nós pesquisadores, uma

rica possibilidade de ampliar os conhecimentos sobre o tema. Os dados

demonstraram que realmente existe uma diferença nas representações das

crianças quando ilustram seus relacionamentos. O fato de as crianças

manifestarem sentimentos, mas não as condutas de agressões físicas quanto

aos não amigos nos remetem a uma nova problemática de estudo.

A partir da análise dos dados, algumas implicações pedagógicas

podem ser evidenciadas. O conhecimento por parte dos docentes sobre

como se dá o estabelecimento dos relacionamentos interpessoais, a

importância da amizade para o desenvolvimento, as melhores intervenções a

serem realizadas no caso dos conflitos entre pares, o desenho como

instrumento de avaliação e a organização de um ambiente sociomoral nos

parece serem pontos cruciais para os estudos, tanto na formação inicial

quanto na continuada dos professores.

Concluindo, consideramos estas pesquisas preliminares - o estudo

do ambiente escolar tendo como foco os fatores intervenientes na

manutenção das relações amistosas e o desenho como forma de

representação da amizade - como contribuições para a ampliação dos

estudos sobre os relacionamentos interpessoais no Brasil. Destaca-se,

também, a abertura de novas pesquisas na área da Pedagogia e Psicologia

Educacional, pois, ao entender as representações e os procedimentos

utilizados por docentes e crianças, podemos contribuir para uma educação

em valores.

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8

BULLYING:

DE ONDE VEM A VIOLÊNCIA QUE ASSOLA A ESCOLA?

Luciene Regina Paulino Tognetta

“O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons”.

Adaptado de Martin Luther King

Existe um grande problema nas questões de como educamos

nossos meninos e meninas exatamente porque a leitura que fazemos dos

problemas de violência na escola e entre eles o bullying, é sempre através

das manifestações mais evidentes ao menos aos olhos das autoridades

escolares: pela indisciplina. As situações de indisciplina indicam a não

obediência às regras, o que convenhamos, para os professores, significa

muitas vezes desobedecer às figuras que fazem a regra7. Estamos

acostumados a agir pautados na perspectiva de que as regras existem em

função da obediência à autoridade e para dar conta de tal ordem

estabelecida, comumente usamos formas de punições, que são também tão

violentas quanto às formas de violência que assistimos em nossas escolas.

Por certo, parece que quando discutimos esses problemas falamos sob

apenas uma perspectiva, instigados comumente pela mídia que a retrata: da

violência cometida por nossos alunos contra os professores. Numa pesquisa

recente realizada pela APEOESP, órgão sindical dos professores de escolas

públicas do Estado de São Paulo, em 2008, dos 580 questionários

respondidos por educadores da rede estadual de ensino, apurou-se que 24%

dos professores já haviam sido vítimas de violência física; 43% disseram ter

sido alvos de palavras xingamentos; 30% se referiram a humilhações que

passaram e 27% foram alvo de agressões verbais e intimidações. Outra

pesquisa, agora da FIPE, financiada pelo MEC8 em 2009 chama também a

atenção para a violência na escola: “quase 9% dos professores e 8% dos

funcionários de escola pública do país sofreram, por parte dos

7 Uma característica da heteronomia é acreditar que as regras existem em função da

autoridade. Crianças pequenas explicam o valor da regra em razão da existência de

alguém que devido ao seu não cumprimento, pode punir (Piaget, 1932).

Lamentavelmente, muitos adultos também acreditam que as regras existem somente

em função da autoridade e guardam „dinheiro público nas meias‟ quando acham que

não estão sendo vistos.... 8 http://g1.globo.com/Noticias acesso em 17/06/09 - 16h02 - Atualizado em

17/06/09 - 18h24 .

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alunos, algum tipo de discriminação, como agressão física, acusação injusta

ou humilhação”. Dados como esses parecem descrever um cenário de

relações em que alunos e professores não se entendem e em que os últimos,

vitimados pelo sistema que não pune os vilões da história, parecem não

saber o que fazer.

Entretanto, não pensamos nas formas de violências que nós,

professores, podemos utilizar com nossos alunos, muitas vezes expondo-os,

humilhando-os, aplicando-lhes sanções que os fazem persistir na convicção

de que as regras existem porque a autoridade ali está e as cobra

veementemente. Contudo, essas formas de violência que a escola se utiliza

para combater o que também chama de violência por parte dos alunos não

são explícitas, são veladas, sutis. Aqui se esconde outro problema, que é

uma crença de que as crianças sentem de maneira diferente de nós. E que as

crianças não se sentiriam humilhadas, menosprezadas, atacadas pelos

adultos quando colocadas em situação de exposição. Porque nós não

teríamos coragem de fazer isso com o adulto, mas fazemos isso

constantemente com as crianças9? Isso, portanto, requer um olhar atento aos

problemas infantis, exatamente aqueles que se referem a como nossas

crianças têm sido desrespeitadas.

Antes ainda de passarmos ao enfrentamento da questão central

dessa reflexão sobre o bullying, é preciso ir adiante nesta discussão sobre os

problemas de violência notadamente percebidos pelos professores como

desrespeito às regras que sustentam as relações na escola. Sim, pois, é

preciso lembrar que comumente nos incomodamos com pequenos fatos

cotidianos e criamos novas regras, como aquela que proíbe o uso do boné,

que não sustentam um valor moral como o respeito a toda e qualquer

pessoa. Perdemos nosso tempo com esse tipo de regra e não damos a devida

atenção às questões morais. Bilhetinhos ou torpedos durante a aula nos

aborrecem. Celular, chinelos ou shorts curtos nos incomodam, no entanto,

tais ações não nos fazem repensar a necessidade de que nossas aulas possam

trazer sentido aos alunos para que esses se interessem de fato por aquilo que

é bem maior – o conhecimento e o uso deste em benefício do homem.

Gastamos tempo demasiadamente grande com discursos sobre a

9 Elkind (1975) apresenta vários equívocos que enquanto adultos temos para com o

desenvolvimento infantil: um deles é que de fato, as crianças seriam diferentes

quanto aos seus sentimentos – não se sentiriam constrangidas quando chamamos sua

atenção na frente de todos, ou não se sentiriam humilhadas quando nos voltamos aos

outros para questionar sobre sua atitude. Porém constantemente, acreditamos que as

crianças „pensam‟ como os adultos conseguindo manter-se, por exemplo, quatro

horas a fio, sentadas para „aprender‟: crianças, principalmente cujo pensamento pré-

lógico persiste, precisam da ação – brincar, pegar,puxar, falar para que seu

pensamento possa se desenvolver.

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importância do uniforme não composto pelo boné, mas não paramos para

discutir os problemas que acontecem nos recreios em que meninos e

meninas são deixados de lado, são ameaçados por não serem “iguais” aos

demais...

Tudo isso para mostrar que a escola se preocupa demasiadamente

com os problemas de indisciplina e se esquece de um problema que é

freqüente entre meninos e meninas – o bullying. Vamos a ele. Uma forma

de violência não necessariamente dessa geração visto que é um problema de

seres humanos que têm algo em comum desde o primeiro momento em que

nascem - a necessidade de serem vistos como valor nas relações que

estabelecem com os outros. Um problema que é muitas vezes esquecido

pela escola, primeiro porque aqueles que inserem as futuras gerações no

mundo moral se incomodam mais com situações de indisciplina, segundo,

pois concebem que os problemas das crianças não são relevantes já que

acreditam que elas não sentem como nós adultos.

Primeiramente, vamos apontar suas características principais para

entender, posteriormente, como podemos agir. Sim, pois, para agirmos

contra aquilo que nos angustia quando vemos nossas crianças passarem por

situações de violência precisamos primeiro identificar o problema e

compreender suas características.

Bullying é uma forma de intimidação entre pares, ou seja, entre

crianças10

, entre adolescentes ou entre adultos. Não chamamos de bullying

quando a violência é entre pais e filhos, ou entre professor e aluno e sim; a

esse respeito, chamamos assédio moral.

O prefixo inglês Bull remetendo-se a touro simboliza a força física

ou psicológica daquele que é o Bully ou autor. Este escolhe um alvo frágil

para passar por situações constrangedoras, batendo, xingando, inventando

mentiras a seu respeito, roubando, deixando de lado em grupo de trabalho

ou times, usando a internet para enviar comentários maldosos, etc. Todas

são situações de bullying, marcadas pela violência. Entretanto, existem

algumas características importantes que diferenciam esse fenômeno de

outras formas de violência. Temos insistido nelas justamente pelo fato de

que o conjunto dessas características nos leva a um fenômeno diferente que

não poderia ser traduzido como „maus tratos‟ entre iguais ou apenas como

„maus tratos‟11

.

A primeira delas é que não são brincadeiras momentâneas e

esporádicas, mas ações repetidas sempre com um mesmo alvo fazendo com

10 De acordo com Ruiz & Mora-merchán (1997) há pesquisas que comprovam que

crianças a partir dos 3 anos de idade já se envolvem em situações de bullying. 11 Para mais explicações sobre o uso da palavra em inglês bullying ver Tognetta,

2010.

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que a vida desse último se torne um inferno e, portanto, que sua rotina seja

marcada pela incidência de violência. A segunda característica dessa forma

de violência é a intencionalidade das agressões: esses meninos e meninas,

que são autores do bullying, querem fazer com que o outro se sinta

menosprezado, diminuído e exposto, ou seja, há a intenção de ferir e que

exige de nós um esforço para pensar nas correções necessárias a essa forma

de desrespeito com o outro. Querem ser vistos como líderes, ou como

melhores ou como maiores naquilo que atribuem como valor. Nessa

segunda característica, a intenção de ferir gera no autor uma espécie de

prazer. Existem alguns estudos das neurociências que mostram que esses

meninos, ao agirem mal, têm liberado uma substância orgânica que lhes

gera uma sensação de prazer. Se nossas reflexões parassem por aqui,

obviamente poderíamos supor que rigorosamente o que falta a esses

meninos e meninas autores de bullying seria a punição, pois são „maus‟. É

preciso então, ainda que não adentremos as ações que podemos e devemos

tomar como intervenções, nos lembrar que tais crianças e adolescentes,

embora sintam prazer em provocar os outros, precisam ser vistos como

também necessitando de ajuda, pois carecem de um „mal‟ cujo remédio

também é de responsabilidade da escola: carecem de sensibilidade moral (a

que se referiu Smith, 1999, quando tratou da necessária participação dos

sentimentos numa ação moral) uma espécie de capacidade de sair de si, do

ponto de vista cognitivo e afetivo para ver o outro como um sujeito digno de

respeito12

(Tognetta, 2010). Veremos ainda como podem e devem ser

nossas intervenções ao considerarmos essa demanda.

Uma terceira característica é que existe um alvo além de um autor.

A atribuição dessas nomenclaturas13

permite-nos superar um estereotipo que

tem sido constante nos estudos de bullying e nas propostas que se tem,

principalmente em termos de políticas de intervenções: chamávamos os

protagonistas desse fenômeno como agressores e vítimas; quando falamos

em „agressor‟ pensamos em um sujeito „mau‟, e quando falamos em

„vítima‟ atribuímos a ela um sentimento de piedade que parece por si só

resolver a situação – agimos por ela e não suscitamos no alvo de bullying,

ao sentir pena, a necessidade de se defender. Portanto, a alteração dos

nomes não é somente uma mudança de linguagem, mas de significação.

Por certo, os autores de bullying, embora tenham a intenção de

ferir, também precisam de ajuda porque não conseguem se ver como valor

(no sentido moral e não estético ou socialmente estabelecido), são muitas

12 Por essa e outras razões ainda trataremos o bullying do ponto de vista das imagens

que os sujeitos desejam e têm de si diante dos outros e dessa forma pensamos que a

inserção do tema do bullying no universo da Psicologia Moral é promissor.

13 Maiores discussões o leitor pode encontrar em Tognetta & Vinha (2008).

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vezes incapazes de reconhecer seus próprios sentimentos e

consequentemente os sentimentos dos outros. Por sua vez, os alvos de

bullying são meninos e meninas vitimizados pelos estereótipos sociais e por

isso sofrem. Sim, pois estes alvos comumente têm uma característica que

foge do que é culturalmente estabelecido: usam óculos, choram demais, são

gordinhos ou tímidos, ou seja, têm um padrão e um comportamento que os

diferencia dos demais.

Contudo, ainda que caibam as explicações das ciências sociais para

a necessidade de se pensar o bullying do ponto de vista do preconceito, nos

parece pouco para pensar a grandeza desse fenômeno: como explicamos o

fato de que nem todo mundo que usa óculos, ou que é baixinho, ou

gordinho, por exemplo, se torna alvo de bullying? Exatamente porque essa é

a imagem que têm de si, ou seja, quem se torna alvo de bullying concorda

com aquela imagem que os outros apresentam dele se sentindo por isso

menosprezado e sem forças para reagir aos escárnios a que são submetidos.

Eis a contribuição da Psicologia Moral: bullying é um problema moral e

pode ser entendido sob a perspectiva dos avanços nos estudos desta ciência.

Meninos e meninas precisam sentir por si um auto-respeito que os levem a

respeitar o outro. Alvos de bullying assim o são até que não consigam

enfrentar seus próprios medos e desafios por se sentirem desrespeitados.

Nossas investigações atuais têm nos apresentado notadamente tais

pressupostos: interessantemente, numa pesquisa com 63 adolescentes que se

envolvem em cyberbullying (bullying no espaço virtual) 20 meninos e

meninas que se apresentaram como já tendo sido vitimizados por algozes na

internet, quando foram questionados sobre seus sentimentos em relação a

outras vítimas que sofriam ataques, 30% das respostas se referiram ao

“merecimento” desses alvos (Tognetta & Bozza, 2010). Isso denota o

quanto os alvos de bullying o são em função de certa concordância com

aqueles valores aos quais são relacionados.

Outra característica importante é que o bullying, diferentemente do

que se apresenta no senso comum, não é um fenômeno de violência que

acontece entre professor e aluno, como já dissemos anteriormente. Bullying

é uma forma de violência que acontece numa simetria de poder instituído

em que não há alguém com menos ou mais autoridade. Se existem formas

de violências do aluno para com o professor, ou se existem formas de

intimidação, de humilhação ou de exposição do professor para com a

criança, essas são formas de violência, mas não podemos caracterizar como

bullying.

A próxima característica é uma das mais imprescindíveis para

pensarmos na nossa atuação em sala de aula, exatamente pelo fato de que o

que caracteriza o autor de bullying é a necessidade de manter uma boa

imagem diante dos outros. O autor precisa se sentir aceito, precisa se sentir

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valor. Se ele tem essa necessidade onde estará o fator que vai motivar as

suas ações? No público, ou seja, na platéia que assiste ao espetáculo.

Interessantemente, podemos pensar que boas soluções para

combater o bullying na escola, implicariam então, formas de ajudar os

nossos meninos e meninas que são em número muito maior- o público, a se

indignarem contra as injustiças que vêem dia-a-dia. Isso porque, novamente,

é o que temos encontrado em nossas investigações atuais e que

correspondem aos dados elucidados em outras pesquisas mundialmente

reconhecidas (Almeida et al, 2003; Avilés & Casares, 2005; Fante, 2005).

Numa investigação com 150 adolescentes do nono ano de Ensino

Fundamental II e primeiro ano do Ensino Médio de escolas públicas da

região metropolitana de Campinas (Tognetta et al), encontramos números

que assim descrevem essa forma de violência entre pares: 16% de nossa

amostra foi considerada entre autores convictos cujas ações de bullying são

reveladas na freqüência contínua de seus ataques; 29,3% são aqueles

autores que eventualmente se colocam, muitas vezes como forma de

proteção e revanche, como autores esporádicos de uma forma de violência

que se pareceria com aquelas consideradas bullying; 60% como aqueles que

já passaram por processos de vitimização e finalmente, 92% que dizem já

terem assistido a alguma situação de bullying na escola. Vejamos: quase

que a totalidade dos alunos já assistiram a cenas desse tipo de violência na

escola, já foram, portanto, “público”. É ele quem dá a atenção e assim

promove o autor. Bullying é um fenômeno escondido aos olhos do

professor, os quais estão mais atentos a situações que os afetam

diretamente, mas não é escondido aos olhos dos alunos. O autor fará os

colegas ou até a classe inteira saber que chamou um colega de um apelido

que ele não gosta, porque é essa a maior recompensa de um autor de

bullying: ver a dor do outro com seu sucesso diante dos outros. Quanto mais

souberem daquilo que ele é capaz de provocar em alguém, mais satisfeito

ele se sente.

As pesquisas mais recentes realizadas por Fante (2005) mostram

que na região de Rio Preto a violência chamada bullying existe. Outras,

conduzidas por Mascarenhas (2009) na região norte do país também atestam

a urgência das intervenções. Na região de Campinas encontramos em 2010

(como já mencionados anteriormente) dados também alarmantes. Em 2004

e 2005, conduzimos investigações que puderam constatar o fato em nossa

região (Tognetta & Vinha, no prelo). Naquela ocasião, perguntamos a cerca

de 800 crianças e adolescentes de escolas públicas e particulares da região

de Campinas: “Você já foi humilhado, diminuído, desprezado ou caçoado

por parte de alguns alunos?”, para sabermos se essas crianças se viam

muitas vezes como alvo de bullying dos seus pares, e assim pensarmos em

intervenções para essas questões de agressividade que não chegam até nós.

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Entretanto, introduzimos uma pergunta (“Você já foi humilhado, diminuído,

desprezado ou caçoado por algum de seus professores?”) neste mesmo

questionário que dizia a respeito de situações de violência na escola

advindas de outras fontes. Para nossa surpresa o grande problema que

encontramos foi, além do bullying, o fato de que crianças e adolescentes

serem vítimas dos próprios professores. Numa das amostras, do 4º ano do

Ensino Fundamental ao 2º ano do Ensino Médio encontramos 22% de

respostas que indicaram já terem sido menosprezados, ameaçados,

zombados pelos professores. Não podemos dizer que este seja um número

pequeno quando pensamos em pessoas. A violência é tão velada que não

pensamos que as formas de atuação de um professor também podem levar

as crianças a serem alvos e autores de bullying, ainda que indiretamente.

Isso porque, imaginemos a seguinte situação: em determinada escola

conhecida por nós e em que conduzimos as pesquisas de 2004 e 2005 na

região de Campinas, os pais de dez principais alunos que eram considerados

“terríveis” pela escola são convocados para uma reunião em que os filhos

estão presentes. Coletivamente a professora vai apontando os defeitos de

cada um desses alunos na frente de todos. Seus pais, sentindo-se

ridicularizados, culpados... É dessa forma velada, não intencional, que

também a escola expõe suas violências: expõe publicamente o que deveria

ser particular. Infelizmente um dos grandes equívocos da escola, além de

todos os já citados, é que trabalhamos o que é público como particular e o

que é particular como público: quando temos uma „briga de galo‟ – aqueles

momentos em que há espectadores que se rejubilam com a briga de outros

dois, constantemente como resolvemos? Encaminhamos os „brigões‟ para a

direção e pedimos ao grupo que se aglomera que se disperse. O problema

era público e não particular. Todos estavam, de alguma forma, envolvidos

ainda que pela ausência de indignação a essa situação de injustiça. Todos

deveriam ser questionados: e se fosse com você? O que vocês poderiam ter

feito para impedir que essa briga acontecesse? Tudo isso para que aqueles

que são indiferentes se sintam implicados a tomar uma posição, para que se

indignem com as injustiças na escola.

Há de fato uma explicação para que crianças e adolescentes cada

vez mais se distanciem de pensar no coletivo da escola, como vimos numa

investigação realizada com outros 150 estudantes de escolas públicas e

particulares do Estado de São Paulo em 2009: falta-lhes indignação ao que é

público, pois se encontram pensando numa espécie justiça apenas auto-

referenciada sem se implicar com os outros (Tognetta & Vinha, 2009).

De fato, embora seja objetivo da escola que as crianças e

adolescentes se sintam responsáveis pelo que é público, pouco fazemos para

chegar a tal realização. Realizamos outra pesquisa na região de São Paulo

(Tognetta & Vinha, 2010), com 100 crianças e adolescentes, perguntando se

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já tinham visto ou tinham sido tirados da sala de aula para permanecerem no

corredor de castigo, ou então, excluídos da sala e colocados em exposição

pública. Esses meninos apresentaram altos índices de exclusão deles ou de

colegas da sala de aula. E o interessante é que perguntamos também quanto

tempo durava essa exposição na sala de aula ao que obtivemos diferentes

respostas como de 3-5 minutos, 10 minutos, 1 hora, e alguns responderam

“muito tempo”. O que seria “muito tempo” para uma criança? Na verdade

seu tempo psicológico é o que está em jogo, não podemos caracterizar se

são 5 minutos, 1 minuto, 10 minutos ou 50 minutos ou quantos minutos e

horas são de fato, mas, na verdade, uma grande porção de tempo de

exposição.

Por certo, essa pesquisa nos dá um viés enorme para pensarmos

como vamos combater a violência entre pares na escola, cuja própria escola

é fonte de violência, em que aqueles que formam não consideram que as

crianças têm sentimentos e consideram que a moral deve ser algo a ser

tratada sempre publicamente. Vejamos como é difícil levar para frente uma

proposta de intervenção ao bullying se na verdade, precisamos inicialmente

formar os educadores, ajudá-los a pensar e a lidar com quaisquer situações

rotineiras, para depois então intervir em casos específicos de bullying.

Não significa que os professores tenham realmente culpa dessa

situação, até porque eles não sabem o que fazer, não há tempo para discutir

sobre isso em sala de aula, nos cursos de graduação; são poucas horas para

tais discussões em disciplinas de Psicologia da Educação. Não se trata de

procurar culpados, mas, de fato, entender que está na formação dos

professores um canal para a compreensão desse fenômeno humano e a

possibilidade de intervenção.

Falta-nos, portanto formação adequada para fazer com que esses

meninos e meninas se indignem com situações de injustiça. Falta-nos,

enquanto professores, olhar para o bullying não como brincadeira, mas

exatamente como mais uma oportunidade de, a partir de um conflito, se

aprender a conviver. As pesquisas em psicologia moral vão defender que é

verdadeira a necessidade de que se tenha consciência das regras que

regulam a convivência humana, mas que é preciso mais que isso: é preciso

um querer, que nos move a agir. Portanto, é preciso trabalhar com os

sentimentos desses meninos e meninas que pouco se sensibilizam com os

outros, por isso os questionamos: como vocês se sentiriam se fossem

chamados desse jeito? Como as pessoas se sentem nessa situação?

Esquecemo-nos que generosidade, misericórdia, sensibilidade à dor

do outro, são construídas na relação entre pares, e não através do processo

de “ensinamentos da moral”. Ou seja, na verdade tentamos acreditar que

somos nós que ensinamos e todo trabalho de disciplinar é nosso. O fato é

que uma forma promissora de superar o bullying é quando as crianças são

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instigadas, levadas e ajudadas a dizer a quem é de direito a maneira como se

sentem, a buscar soluções alternativas para os problemas que têm no

cotidiano, a dizer como são tratadas e como gostariam que fossem

respeitadas para que de fato possam tomar consciência de seu valor e do

outro.

Dessa forma, superar formas de violência significa dar a essas

crianças espaços para que elas possam compreender que existem outras

maneiras de se resolver um conflito. Pouco adianta punir o autor de bullying

e afirmar que ele é mau já que é preciso ajudá-lo a perceber a perspectiva do

outro. E como fazemos isso? Primeiro este outro terá que falar como se

sente e não o professor, porque quando falamos, o valor está em nos

obedecer e não respeitar àquele que sofreu as ofensas. Por essa razão

crianças e adolescentes precisam ser acostumadas a dizer como se sentem.

Esses alunos, autores ou alvos, infelizmente, não têm espaço para dizer

como se sentem, se chateados ou revoltados, porque quando se sentem

revoltados agem da mesma maneira, causando revolta nos outros. Há algo já

nos revelado por Winnicott (1999): “a manifestação de um comportamento

agressivo da criança, é na verdade a dramatização de um mau interior que é

ruim de mais para ser tolerado como tal”, ou seja, há muitas vezes algo de

errado com aquele que agride somado a uma necessidade de se sentir valor,

própria do ser humano como nos alertou Adler (Tognetta, 2009) e para isso

precisa primeiro ser respeitado pelas suas autoridades, dizendo o que pensa,

o que sente... Se auto conhecer para poder reconhecer como se sente em

diferentes situações e assim respeitar os outros. É por isso que temos

insistido em atividades e jogos para ajudar essas crianças a reconhecer

como se sentem em diferentes situações que vivem (Tognetta, 2003; 2009).

Enfim, em uma palavra, as ações iniciais para vencer o bullying

precisam ser da escola. Infelizmente, o que temos hoje como nos recorda

Leme (2006) é um “processo de terceirização” dessas ações formadoras já

que acreditamos que chamar o conselho tutelar, discar 0800... Resolveremos

o problema de bullying. É dentro da escola que as ações para ajudar essas

crianças e adolescentes a superarem esses atos violentos, a falta de valor, a

ausência de reconhecimento de sentimentos deve começar.

Nossas investigações têm provado que o bullying é um problema

moral14

e, portanto a constituição de um ambiente cooperativo mais do que

ações pontuais aos dramas cotidianos é necessária.

14

Numa investigação com 63 adolescentes, não encontramos, entre meninos e

meninas que são autores de cyberbullying, aqueles cujas representações de si

aspiram por conteúdos éticos, ou seja: as imagens de si que aspiram autores de

bullying ou cyberbullying são aquelas ligadas à estereótipos sociais ou a conteúdos

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E nossa última palavra: precisamos resgatar a idéia de que meninos

e meninas que desrespeitam os outros também se sentem desrespeitados

primeiro. Respeitar as crianças (o que não significa permitir o desrespeito

como pensamos ter evidenciado) é nosso grande desafio para vencer, não só

as situações de bullying, mas qualquer outro tipo de violência na escola.

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98

9

CONFLITOS INTERPESSOAIS ENTRE ADOLESCENTES

Vanessa FagionattoVicentin

Talvez seja dispensável justificar a necessidade de estudos na área

da violência. Na ultima década o número de investigações que trata do tema

da violência e dos conflitos interpessoais aumentou consideravelmente. Não

é surpresa dada às situações cotidianas de desentendimentos interpessoais

que resultam em violência, o que torna urgente a realização de estudos que

possam analisar as variáveis relacionadas à problemática e propor

intervenções.

Cumpre destacar alguns dados específicos sobre a população

brasileira a fim de reforçar a importância da atenção a esta problemática.

Carlini-Cotrim, Gazal-Carvalho e Gouveia (2000) encontraram resultados

que reforçam a nossa concepção; no estudo, cerca de 22% dos estudantes da

rede estadual paulista e um terço dos estudantes da rede privada afirmaram

já terem se envolvido em pelo menos duas brigas violentas. Os autores

ainda revelaram que 8,7% dos estudantes do sexo masculino da rede pública

de ensino relataram portar armas de fogo e 20,8% dos estudantes de escolas

particulares, armas brancas, como canivete e faca. Isso evidencia uma alta

prevalência de situações de conflito em que seus integrantes não têm a

finalidade de resolver o assunto de modo pacífico e sim de destruir ou

prejudicar o seu oponente através de abuso de poder, que é a característica

de fenômenos violentos.

Ilustrando esta afirmação, um estudo coordenado por Abramovay

(2005) com alunos do ensino fundamental (a partir da 6ª série) e do ensino

médio de cinco capitais do Brasil (Belém, Salvador, São Paulo, Porto

Alegre e Distrito Federal) evidenciou que 20% dos alunos afirmam que já

bateram em alguém na escola, 14% dos estudantes dizem já terem sido

ameaçados e 34, 8% afirmam já terem visto algum tipo de arma na escola.

Desta forma, configura-se como tarefa urgente para os pesquisadores

estudar os aspectos relacionados aos conflitos interpessoais, a fim de

contribuir para o planejamento de ações que possam favorecer a construção

de formas mais evoluídas de resolver os desacordos interpessoais, em

especial, entre as novas gerações.

Waiselfisz (2008), autor do estudo sobre o Mapa da Violência dos

Municípios Brasileiros, mostrou que apesar da queda no número de

assassinatos entre 2004 e 2006, entre 1996 e 2006 o número de assassinatos

no Brasil cresceu mais que a população. Os homicídios tiveram aumento de

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20% enquanto o crescimento da população foi de 16%. O estudo aponta

ainda que de 1996 a 2006, os homicídios na população jovem de 15 a 24

anos passaram de 13.184 para 17.312, representando um aumento decenal

de 31,3%. O estudo aponta para outra preocupação: o aumento de situações

de violência em sujeitos em idade escolar e cada vez mais jovens.

A partir destes estudos pode-se notar que a incidência, intensidade

das ações violentas é uma das maiores problemáticas que a sociedade

enfrenta. Além disso, o problema se alastra para pessoas cada vez mais

novas, inclusive no espaço escolar. Contudo, nem sempre os conflitos

interpessoais resultam em situações de violência. Aliás, o conflito pode ser

considerado algo positivo, dependendo da forma como é resolvido. Logo

discutiremos as formas de resolver os conflitos interpessoais, foco do

presente estudo.

Antes convém definir o significado do termo conflito. O termo

“conflito” vem do antigo latim: “conflictus”, do verbo confligo, ere, que diz

respeito a chocar. Por estar relacionado a forças opostas, o termo “conflito”

é empregado tanto em situações individuais e internas quanto em situações

coletivas e externas, como os conflitos familiares, entre pares, sociais e

entre nações.

É possível que em função da definição do conceito tratar de

“choque entre elementos”, o conflito interpessoal seja entendido como

negativo e pernicioso. Shantz and Hartup (1992) afirmam que divergências

e oposições são inevitáveis em situações de interações pessoais,

especialmente se tais interações são freqüentes. Segundo esses autores,

“pesssoas diferem no que acreditam, no que elas sabem, e o que elas

pensam que poderiam fazer e como, assim como o que elas fazem, e estas

diferenças trazem conflitos com outros limites ocorridos” (p.2). As autoras

completam que o conflito tem sido amplamente reconhecido como força

central na mudança desenvolvimental, para ambos os lados, favorável e

desfavorável.

Com a mesma concepção Vinha (2003) embasada numa visão

construtivista, lembra que Piaget concebe tanto o conflito que ocorre no

interior do sujeito (intra-individual) quanto o que ocorre entre indivíduos

(interindividual) como necessários ao desenvolvimento. Vinha (2003)

explica que através do processo de equilibração ou auto-regulação

(responsável pela construção de todo o conhecimento), os conflitos internos

e externos levam o sujeito a buscar uma nova ordem interna e possibilitam

uma nova ordem externa. A autora concebe as discussões e os conflitos

como positivos, da mesma forma que Shantz and Hartup (1992), mesmo

que desgastantes, já que só pode haver trocas de pontos de vista a partir da

interação social.

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Deluty (1979) e Leme (2004) distinguem três principais estratégias

utilizadas pelas pessoas para a resolução de conflitos interpessoais:

agressiva, submissa e assertiva. A estratégia agressiva caracteriza-se pelo

enfrentamento da situação de conflito interpessoal apelando para formas de

coerção, como violência ou desrespeito ao direito, sentimento e opinião

alheia. A estratégia submissa caracteriza-se pelo não enfrentamento de uma

situação por meio de fuga ou esquiva, freqüentemente pela consideração

dos direitos, idéias e sentimentos dos outros em detrimento dos próprios.

Por fim, a estratégia assertiva também envolve enfrentamento da situação

de conflito, porém sem qualquer tipo de coerção. Caracteriza-se por

comportamentos explícitos de defesa dos próprios direitos, mas levando em

consideração os direitos, sentimentos, idéias e opiniões alheias. O termo

estilo de resolução de conflito é aqui utilizado para indicar a reação

comportamental predominante de uma pessoa diante de desacordos

interpessoais, o que não significa que outras estratégias não possam ser

utilizadas.

Ainda que muitas pesquisas nos indiquem uma triste realidade,

observamos que é possível resolver conflitos interpessoais de forma justa e

harmônica através da estratégia assertiva de resolução de conflitos. Percebe-

se que é uma forma de resolução pacífica que envolve o diálogo e a troca de

pontos de vista. Além disso, busca-se uma solução que satisfaça em parte os

envolvidos no desacordo. Parece obvio que o estilo de resolução de

conflitos assertivo é o mais desejável nas relações interpessoais. Segundo

Leme (2004) é preciso que a pessoa tenha recursos cognitivos e afetivos

para que tenha condições de resolver um conflito de forma assertiva.

Diversos estudiosos debruçam-se sobre investigações que abordam

as conseqüências as pessoas que adotam diferentes estratégias de

enfrentamento de solução de conflitos. O estilo agressivo de resolver

conflitos parece trazer danos tanto para o agredido como para o agressor.

Para este último, as implicações são inúmeras e podem ser divididas em

internas e externas. Alguns dos efeitos internos são apontados por Monjas e

Caballo (2005): auto-imagem pobre, sentimento de culpa, frustração,

sentimento de perda de controle, raiva exacerbada e sentimento de solidão.

Fica claro que a condição de causar dano ao próximo tem como

conseqüência o afastamento das pessoas que cercam o indivíduo de estilo

agressivo, ou seja, uma conseqüência externa que justifica o sentimento de

solidão do agressor, aumento do sentimento de raiva e de auto-imagem

empobrecida (sem levar em conta que esse aspecto pode ser uma das causas

já discutidas). Outras implicações externas para a pessoa de estilo agressivo

apresentadas pelos autores referem-se à perda de oportunidades em todas as

áreas da vida em função das sanções pelos seus atos (que em muitos casos

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podem chegar ao âmbito jurídico), do desafeto das pessoas e do

agravamento de conflitos com interações cada vez mais agressivas.

O estilo submisso é aparentemente inofensivo, sendo que, muitas

pessoas que adotam este estilo afirmam que não se incomodam com a

coerção alheia. Deluty (1979) afirma que o comportamento submisso

normalmente é motivado pelo medo do confronto e Leme (2004) completa

afirmando que, caso o sujeito se sentisse em condições de obter sucesso

com o comportamento agressivo, optaria por ele, ao invés do submisso.

Monjas e Caballo (2005) dizem que a pessoa submissa, além de não atingir

seus objetivos e de não ter suas necessidades satisfeitas, encontra-se

frustrada, infeliz e ansiosa. Os autores afirmam que tais emoções podem

resultar em depressão, auto-imagem pobre e solidão por receio do

enfrentamento nas relações sociais. Além disso, percebe-se que a pessoa de

estilo submisso mantém-se imatura, heterônoma e dependente de outros que

ela julga melhores e mais fortes que si mesma. Em suma, nota-se que a

pessoa de estilo submisso apresenta freqüentemente inúmeros problemas

internos e conflitos intrapessoais. Poderíamos acrescentar que a pessoa de

estilo submisso participa indiretamente para a manutenção de desigualdades

e injustiças sociais que resultam da sua incapacidade de se colocar para

restabelecer o equilíbrio interpessoal.

Por fim, o sujeito que adota um estilo de resolução de conflitos

assertivo tem a maior probabilidade de ter o desacordo resolvido e os seus

objetivos pelo menos em parte satisfeitos. É possível que mesmo com uma

solução pacífica e dialogada, a pessoa que utiliza um estilo assertivo para

resolver um desacordo precise abrir mão de algumas de suas metas e

desejos. Contudo o fará a partir da compreensão da perspectiva do outro

envolvido no conflito. Endossamos que o fato de a pessoa expressar-se

livremente, ser compreendida e ter a perspectiva de ter suas necessidades

em parte atendidas e superadas resulta num sentimento de auto-respeito e

dignidade. Além disso, colabora para a construção de um respeito pelo

outro, em outros termos, a construção de uma autonomia moral. Monjas e

Caballo (2005) acrescentam que as pessoas assertivas sentem-se mais

satisfeitas consigo mesmas e à vontade com os outros.

A partir dos estudos e conceitos que foram apresentados até o

momento foi realizado um estudo de doutorado que teve como um dos

objetivos investigar as formas de resolução de conflitos encontradas em um

grupo de adolescentes. Apresentaremos também os resultados relativos a

diferença de gênero e de faixa etária encontrada na população estudada.

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O estudo

Participaram do estudo 84 estudantes de uma escola pública na

faixa etária de 12 a 16 anos, de ambos os sexos e nível socioeconômico

baixo. Após o consentimento da família, os adolescentes foram convidados

a responder o Questionário aberto derivado da escala Children‟s Action

Tendency Scale (Deluty, 1981). É um instrumento que avalia

concomitantemente e comparativamente três tipos de tendências de

resolução de conflitos interpessoais: agressivo, submisso e assertivo. A

avaliação se dá por meio de descrição de conflitos interpessoais fictícios

com conteúdo de provocações, perda, frustração, entre outros.

Partindo dos estudos de Leme (2004) que encontrou em seus

estudos com o mesmo instrumento de investigação, respostas mistas de

submissão e assertividade, assertividade e agressividade, submissão e

agressividade, adotamos as seguintes categorias para avaliar as respostas

dos adolescentes: agressivo, submisso, assertivo, assertivo-submisso,

submisso-agressivo e assertivo-agressivo.

Os resultados relativos às respostas dos participantes deste estudo

nas 10 situações de conflito propostas pelo instrumento evidenciou que

39,29% do grupo de adolescentes apresentaram respostas categorizadas

como submissas, seguidos por 28,57% dos participantes que indicaram

respostas agressivas. Dos sujeitos que responderam ao material, 19,05% não

apresentaram predominância de respostas e apenas 5,95% dos sujeitos

tinham uma predominância de respostas assertivas. Os sujeitos com

respostas categorizadas como mistas formaram a minoria, já que 4,76% dos

adolescentes tiveram respostas predominantemente submissa-agressiva e

2,38% respostas agressiva-assertiva. Não houve participantes que

tendessem predominantemente para a categoria submissa-assertiva

(Vicentin, 2009a).

Nota-se que a resolução de conflitos submissa era a mais indicada

pelos adolescentes do estudo diante de situações de conflitos hipotéticos.

Em seguida a estratégia agressiva foi predominante. Diferentemente do

tínhamos como hipótese sobre a maior incidência da agressividade, os

adolescentes escolheram mais formas pacíficas, ainda que injustas, como

solução para um desacordo interpessoal, já que o índice de estratégias

submissas é o maior e das estratégias agressivas é o segundo mais

encontrado. Uma infeliz constatação é que a estratégia de resolução de

conflitos assertiva é indicada por uma proporção pequena de adolescentes.

É preciso lembrar que o instrumento indica apenas o juízo do sujeito e não a

ação. É possível que muitos adolescentes indiquem nos conflitos fictícios

um tipo de estratégia para a solução de um desacordo, mas na ação tenham

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uma outra atitude. No entanto, chama a atenção que mesmo que no nível do

julgamento, os adolescentes apresentem tão poucas respostas assertivas.

Uma análise qualitativa das respostas dos sujeitos nos ajudou a

compreender estes dados. Muitas justificativas dos adolescentes para a

escolha de suas respostas para a solução de um conflito mostram que eles

não reconhecem outra alternativa diante do desacordo a não ser “calar” ou

“brigar”. Exemplos de respostas comuns diante de um conflito que

envolve ser empurrado para fora da fila da cantina reforçam esta

concepção: “nada...para não arrumar confusão” ou “xingava...porque

ele me empurrou da fila”. Parece que os adolescentes carecem de

oportunidades de conhecer formas mais apropriadas de solução de conflitos.

Com relação ao estudo que envolve a diferença de gênero e as

formas de solução de conflitos, a análise das estratégias indicadas pelos

adolescentes nas 10 situações de conflitos evidenciou que meninos e

meninas diferem na proporção de respostas submissas e agressivas, ainda

que não tenha surgido diferença significativa entre os dois grupos (Vicentin,

2009a). Com relação às respostas categorizadas como submissas, foram

apontadas por 44,26% das meninas e 28,57% dos meninos, enquanto

22,95% das meninas indicaram estratégias agressivas e 38,10% dos

meninos. Já as respostas assertivas foram mais encontradas entre meninos

(9,52%) do que em meninas (4,92%) enquanto que as respostas mistas

foram encontradas mais freqüentemente entre meninas (8,20%) do que em

meninos (4,76%)

Da mesma forma que o presente estudo, Leme (2004) ao usar o

mesmo instrumento deste estudo com questões abertas, encontrou também

em sua pesquisa que os meninos fornecem mais soluções julgadas

agressivas e as meninas mais soluções submissas. A autora afirma que as

maiores sanções sociais que as meninas estão sujeitas quando agem de

forma agressiva, favoreça as respostas e condutas submissas. Em outros

termos, esta diferença tem relação com fatores culturais.

Beaudion e Taylor (2006) afirmam que as crenças dos indivíduos

estão associadas às diferentes culturas. Segundo as autoras, as culturas

patriarcais produzem efeitos que favorecem crenças diferentes nas meninas

e meninos. Alguns dos efeitos ao sexo feminino citados pelas autoras são:

concentrar-se nas necessidades dos outros, sacrifício, ser boa cuidadora e

expressar emoções. Entendemos que o efeito de concentrar-se apenas nas

necessidades dos outros favorece a construção de um estilo de resolução de

conflito submisso. Essa concepção das autoras coincide com a maior

incidência de estratégias submissas apontadas pelas meninas do presente

estudo, já que a submissão foi considerada neste estudo como a

consideração das idéias, sentimentos e desejos alheios em detrimentos dos

próprios.

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Para verificar se existia diferença entre as variáveis estudadas e a

faixa etária dos participantes, os adolescentes foram divididos entre aqueles

de 12 e 13 anos e os de 14 a 16 anos. Sendo assim, contou-se com 39,75%

de adolescentes que estavam com a idade entre 12 e 13 anos na ocasião do

estudo e 60,25% que estavam no segundo grupo. Os resultados apontaram

que não ocorreu diferença significativa entre os dois grupos e nem mesmo

diferenças percentuais entre os dois grupos. Os dois grupos apresentaram

predominância idêntica de resolução de conflitos submissa (40%).

Observou-se uma proporção maior de respostas assertivas entre a faixa

etária dos mais velhos (8,00%) quando comparados aos mais novos

(3,03%). Entretanto, os participantes mais velhos também apresentaram

mais respostas agressivas (30%) do que os mais novos (24,24%). Surgiram

mais respostas categorizadas como mistas entre os mais novos (9,09%)

quando comparados aos mais velhos (6,00%) (Vicentin, 2009a).

Estes resultados contradizem uma das hipóteses do estudo, uma

vez que se esperava que os adolescentes mais velhos apresentassem mais

respostas assertivas. Diversos autores discutem a necessidade do âmbito

cognitivo para que as pessoas possam ter ações que favoreçam a resolução

de conflito justa e equilibrada (Piaget, 1932- 1994; Selman, 1980; Leme

2004; Vinha 2003). Apenas a partir dos 11 ou 12 anos, o adolescente tem

condições de chegar a um pensamento formal (Piaget, 1896-1980), nível em

que surge o raciocínio hipotético dedutivo, o que significa a capacidade de

estabelecer relações entre variáveis. Em outros termos, o adolescente que se

encontra nesse nível de pensamento torna-se capaz de pensar sobre todas as

possibilidades de uma situação para tomar decisões sobre ela. Esse tipo de

estrutura de inteligência oferece recursos para uma solução plenamente

assertiva, que é aquela solução que busca entrar em acordo mútuo entre os

pares envolvidos no conflito, considerando todas as variáveis de cada

sujeito, como direitos, sentimentos, idéias e desejos. Dessa forma, apenas

no estágio das operações formais as pessoas podem julgar de forma mais

evoluída em situação de desacordo. Nesse caso, uma proposição óbvia é que

quanto mais velhos os sujeitos, eles julgariam de forma mais evoluída e

teriam condições de responder de forma mais assertiva às situações de

conflitos hipotéticos. Entretanto esse resultado não se confirmou neste

estudo. Este resultado indica que o desenvolvimento cognitivo não é razão

suficiente para que os adolescentes apontem estratégias de solução de

conflitos mais evoluídas.

Em suma, os resultados do estudo que foi apresentado (Vicentin,

2009a) mostram para uma proporção maior de adolescentes que indicam

respostas submissas, seguido dos que apontam as agressivas. As respostas

assertivas, consideradas as mais evoluídas e equilibradas foram apontadas

por uma pequena parcela de adolescentes. As meninas mostram mais

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respostas submissas quando comparadas aos meninos e não surgiu diferença

nas respostas dos adolescentes mais velhos e mais novos. Fica evidente que

nas soluções escolhidas para a solução do conflito, alguém sai prejudicado.

Pode-se concluir que, sem oportunidades de aprendizagem que levem a

melhores maneiras de solução de conflito, a maioria das pessoas entende,

como único recurso, deixar de defender os próprios direitos, ou fazer valer

os seus direitos custe o que custar. É um esquema de domínio-submissão já

apontado por Fernandez (2005) ou luta ou fuga indicado por Deluty (1981).

No cotidiano encontramos situações cada vez mais freqüentes de

agressividade e violência escolar, casos de agressividade furtiva (com

roubos, furtos, ameaças) e relações desarmoniosas que se prolongam na

vida adulta, no ambiente de trabalho, conjugal, com filhos e amigos.

Sustentamos que o ambiente familiar e o escolar são os caminhos para a

busca de uma sociedade justa.

A instituição educacional se depara diariamente com situações de

conflito entre os pares. O educador enfrenta cotidianamente situações que

envolvem o pensar sobre a ação mais adequada para que um aluno que

agrediu outro perceba as conseqüências de sua atitude, e o outro, que se

submeteu, reflita sobre o motivo que permitiu a agressão. A aplicação das

sanções devidas também geram dúvidas ao educador. As ações dos

educadores diante de conflitos com os alunos e entre os alunos podem

contribuir para que esses adotem ações agressivas, submissas ou assertivas

nas situações de desacordos interpessoais. Dessa forma, são os profissionais

de educação, que estudam o desenvolvimento infantil, que têm condições

de iniciar esse trabalho, de realizar ações diárias para que os alunos tenham

recursos para adotar condutas assertivas. E, ainda, podem ser formados para

realizar projetos a longo prazo para a formação de crianças e adolescentes

mais assertivos.

Sustentamos que o ambiente escolar possui duas vias principais

para o trabalho com os conflitos interpessoais e a aprendizagem de solução

de conflitos (Vicentin, 2009b). A primeira via são as ações cotidianas que

os educadores têm quando se deparam com crianças e adolescentes que

estão envolvidos em desacordos interpessoais. Ao discutir sobre os conflitos

interpessoais na escola, DeVries e Zan (1998) afirmam que existe três

princípios básicos para que o educador conduza os conflitos entre os alunos.

A primeira é: seja calmo e controle suas reações. Muitos educadores perdem

o equilíbrio emocional em situações de conflitos entre os alunos e acabam

dando exemplos de agressividade àqueles que pretende educar. Por

descontrole ou por desconhecer formas melhores de agir, utilizam-se de

estratégias coercitivas, controlando momentaneamente o comportamento

dos alunos, mas privando-os de pensar em formar de estabelecer uma

relação equilibrada com os pares. Os dois outros princípios: reconhecer que

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o conflito pertence aos alunos e acreditar na capacidade deles para a

resolução do problema, também são fundamentais para que o educador

tenha consciência de que precisa ter um papel de mediador nas situações de

conflitos entre os alunos e não de legislador. Quando o educador diz quem

está certo ou errado ou resolve o conflito pelos alunos tira a oportunidade

destes de pensarem sobre seus sentimentos idéias e desejos e perceber o do

outro.

Ginott (1974) propõe que o tipo de linguagem que o educador

utiliza nas situações de conflitos entre os alunos pode colaborar ou não para

a resolução de conflito mais pacífica e equilibrada, já que não provoca

sentimentos nocivos nos envolvidos. Trata-se da linguagem descritiva, que

é aquele que descreve os fatos, mas não emite julgamento de valores sobre a

personalidade ou a capacidade do aluno. Com a linguagem descritiva as

partes se sentem compreendidas e favorece a motivação para uma solução

mais construtiva.

Finalmente, a segunda via do trabalho com os conflitos

interpessoais na escola chamamos de propostas de ações programadas

(Vicentin, 2009b). Tais propostas devem fazer parte da rotina dos

estudantes. Podemos citar o trabalho com as assembléias escolares (Araújo,

2004; Tognetta & Vinha, 2007), o trabalhos com os sentimentos (Tognetta,

2009; Tognetta, 2003) e os trabalhos com conflitos hipotéticos (Sastre;

Moreno, 2002; Vicentin, 2009b).

Com relação ao trabalho com os conflitos hipotéticos, Sastre e

Moreno (2002) são algumas das autoras pioneiras ao falar de um trabalho

que se destine à aprendizagem de resolução de conflitos e a emocional. As

autoras afirmam que realizar exercícios com grupos de crianças e jovens

não significa passar fórmulas para resolver conflitos. A proposta das autoras

é que ao apresentar exercícios que suscitem a discussão de conflitos

interpessoais para pessoas daquela faixa etária, os educadores favorecem o

reconhecimento e expressão de sentimentos, a reflexão dos direitos e

deveres, além da discussão sobre as possíveis soluções e suas implicações

imediatas e em longo prazo. Assim como a proposta das autoras, sugerimos

atividades com os adolescentes que sejam realizados de forma lúdica a fim

de que os alunos possam debruçar-se sobre os sentimentos, motivações e

alternativas para solução de conflitos interpessoais (Vicentin, 2009b).

Para concluir, qualquer proposta de trabalho com os conflitos na

escola só será efetiva se os educadores se conscientizarem de seu inevitável

papel na formação interpessoal e moral dos alunos. Para tanto é preciso

refletir sobre o tipo de aluno que pretendem colaborar para formar e qual é o

seu papel diante desta formação.

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A GESTÃO DO CONVÍVIO ESCOLAR

Maria Isabel da Silva Leme

O objetivo do capítulo é analisar a relação entre gestão e qualidade

do convívio na escola, que, como se procurará demonstrar por meio de

resultados de pesquisa, tem grande importância, tanto sobre a aprendizagem

acadêmica como sobre o desenvolvimento geral dos alunos. Como se

analisará também, a promoção de um ambiente agradável e seguro não se

resume a repressão da violência na escola. È um problema complexo, que

depende de vários níveis de atuação, desde políticas estabelecidas pelos

órgãos governamentais até a ação cotidiana dos educadores na escola. Neste

sentido, como se constatará nas pesquisas, a violência não se resume a

provocar um convívio comprometido na escola, é antes reflexo da ausência

de valorização de um ambiente voltado para o desenvolvimento dos alunos.

Nessa perspectiva, Abramovay e Rua (2004) na conclusão de

extensa pesquisa realizada sobre violência na escola salientam em suas

recomendações finais o compromisso que sustenta a prevenção e

erradicação da violência enquanto política pública, que deve envolver toda a

sociedade: "Tem-se também como premissa que, cada vez mais, a

prevenção e erradicação das violências nas escolas exigem relacionar

conhecimento sensível, ético, valorização do jovem, criação de um

ambiente agradável e participativo, com conhecimento especializado e

transdisciplinhar, bem como análises sobre segurança pública, segurança

escolar." (p.324). Salientam ainda que a implementação de políticas

públicas de segurança demandam o apoio de várias instâncias, dos governos

federal, estadual e municipal porque requerem diversos níveis de ação, que

serão analisados a seguir.

A gestão da violência pelos órgãos públicos

Um aspecto que chama a atenção ao se buscar informações sobre

as políticas públicas de combate à violência escolar é a dificuldade em

localizar dados a este respeito. É provável que tal dificuldade se deva, pelo

menos parcialmente, ao fato das pesquisas sobre violência escolar serem

ainda relativamente recentes, acarretando na pouca disponibilidade de

dados, tanto para informar os pesquisadores, como para subsidiar as

políticas dos órgãos públicos. Outro problema é a baixa freqüência de

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registro de ocorrências pelas escolas, que dificulta aferir a magnitude do

fenômeno, e, portanto, a efetividade das iniciativas governamentais.

Algumas iniciativas públicas para lidar com a violência escolar

tiveram início já no final da década de 1980 em São Paulo, quando o

fenômeno começava a se manifestar (Gonçalves e Sposito, 2002). Valem

ser relatados dois programas: o de estímulo à democratização da gestão nas

escolas e o de abertura das mesmas nos finais de semana em São Paulo,

sendo que a última iniciativa perdura até hoje, envolvendo 2341 unidades

escolares em todo o estado segundo dados divulgados pela Fundação para o

Desenvolvimento da Educação (FDE, 2010). Na mesma época, na gestão de

Luiza Erundina na cidade de São Paulo foi realizado o programa "Pela

vida, não à violência", que envolveu desde a formação de funcionários

como vigias, até a interação dos alunos com grupos de rappers para discutir

questões como racismo e preconceito nas escolas (Gonçalves & Sposito,

2002). Ainda na década de 1990 em São Paulo, foram realizados outros dois

programas, Comunidade Presente e Parceiros do Futuro. O primeiro visava

criar uma cultura de valorização da paz pelo fortalecimento da cidadania, e

o segundo promover solidariedade, respeito à pluralidade e um convívio

mais ético (Liberal, Aires,Aires & Osorio, 2005).

Também na década de 1990, em Porto Alegre, foi estabelecida uma

parceria entre a Secretaria de Educação e a Universidade Federal do Rio

Grande do Sul, que realizaram um diagnóstico dos problemas de

convivência nas escolas, que consistiam em 59% dos casos em violência

contra a pessoa, como conflitos, ameaças, agressões físicas. A partir dai, foi

realizado o programa "Ação Contra a Violência nas Escolas", para colocar

em prática princípios de convivência como diálogo, negociação no conflito

e busca de entendimento do significado das incivilidades perpetradas pelos

jovens (Gonçalves & Sposito, 2002). Em 2003, foi firmada uma parceria

entre o governo de estado gaúcho e a Unesco no projeto Escola Aberta para

a Cidadania, que consistia na abertura nos finais de semana de 50 escolas

da rede estadual. Além do impacto positivo observado na convivência entre

os membros da comunidade escolar e na parte pedagógica, vale salientar

que foi verificado maior envolvimento dos pais com a escola (Unesco,

2005).

Parcerias semelhantes com a UNESCO foram firmadas pelos

governos estaduais do Rio de Janeiro e de Pernambuco, para implantação

do programa Escola Aberta que consistiu na abertura nos finais de semana

de escolas situadas em áreas de maior vulnerabilidade social, pelos altos

índices de violência e pouca disponibilidade de atividades de lazer. Nos dois

estados, os resultados foram positivos no sentido de controlar a espiral de

violência, que em escolas de Pernambuco (checar se o Rio também) baixou

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ao nível das escolas caracterizadas como mais pacíficas (Waiselfisz &

Maciel, 2003).

A Unesco também realizou parceria em 2002 com o governo da

Bahia, onde iniciou o mesmo programa de abertura de 58 escolas nos finais

de semana. O programa também foi avaliado positivamente, não só por

reverter o crescimento da violencia, mas por um resultado inesperado e

digno de menção que foi a transposição para o espaço escolar das

atividades de fim de semana, como as iniciadas nos laboratórios de

informática. (Abramovay, Andrade, Farah,& Macedo Castro, 2003).

Segundo as pesquisas encontradas, no estado de Minas Gerais, as

iniciativas dos órgãos públicos para lidar com a violência na escola foram

mais diversificadas do que em outros estados. Foram implementadas, como

em São Paulo, no final dos anos 1990, em função dos altos índices de

violência escolar. Em 1999, foi firmada uma parceria com a Universidade

Federal de Minas Gerais para a realização do programa "Agenda da Paz",

voltado para a formação e capacitação de docentes. Na mesma época, foram

tomadas algumas iniciativas por parte da Polícia Militar, como o

monitoramento das ocorrências, e um programa de proteção às escolas,

denominado "Anjos da Escola", que ainda está em vigor, que estimulava a

participação de todos os integrantes da comunidade escolar nessa tarefa,

tendo se estendido para vários outros municípios do estado. O programa

"Rede de Trocas", que visava o intercâmbio de experiências bem sucedidas

entre educadores foi realizado pela Secretaria de Municipal de Educação de

Belo Horizonte (Gonçalves & Sposito, 2002). Em 2003, foi implantado o

"Escola Viva, Comunidade Ativa" por iniciativa do governo estadual em

escolas onde fora identificada queda no desempenho discente em função da

presença de violência em seu interior. As ações consistiram em: abertura

das escolas nos finais de semana; capacitação docente; reestruturação dos

currículos, mais voltados para o atendimento de aspirações da comunidade;

intensificação do processo de escolarização pelo acréscimo de um ano ao

Ensino Fundamental, jornada de período integral, e atendimento

psicopedagógico aos alunos. Verificou-se diferença significativa nos índices

de violência registrados após a intervenção (Correa, 2007).

Verifica-se ao final desta breve revisão que a iniciativa mais

freqüente para lidar com a violência escolar consistiu na abertura das

escolas nos finais de semana para atividades de lazer e cultura, seguida

pelas de formação dos educadores. Os resultados foram mais significativos

nos programas de abertura da escola nos finais de semana. Cabe ressaltar

ainda que as iniciativas ficaram mais a cargo dos governos estaduais e

municipais. O governo federal, até onde se conseguiu apurar, teve duas

iniciativas. Uma do Ministério da Justiça, que consistiu na criação de uma

comissão de especialistas para estabelecer diretrizes para combater a

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violência escolar, levando ao Programa Paz nas Escolas, implantado em 14

estados brasileiros (Gonçalves & Sposito, 2002). O programa realizou

capacitação de educadores em temas como direitos humanos, ética,

cidadania e mediação de conflitos. Além disso, foram feitas campanhas para

desarmamento da população, parcerias com organizações não

governamentais para capacitação de outros profissionais como policiais, e

estímulo às agremiações de jovens para a discussão da violência nas

escolas. Uma outra iniciativa foi o incentivo ao protagonismo juvenil, via

estímulo à participação dos estudantes na gestão escolar, tal como

preconizado nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio.

Nas 5 escolas em que se pesquisou esta participação, verificaram-se

resultados pouco significativos, o que foi atribuído à forma vertical com que

foi implementada a participação dos jovens, decidida fora da escola, pela

administração do sistema, e não pelas próprias instituições (Ferreti &

Tartuce, 2006).

É bem provável que outras iniciativas tenham sido implementadas,

que não foram localizadas por ainda não terem sido ainda analisadas. Vale

destacar que dificultam a consolidação das intervenções contidas nesses

programas: a descontinuidade, ocasionada pelas mudanças de gestão nos

órgãos públicos; a desarticulação entre as várias instâncias envolvidas na

implantação das políticas, (Abramovay et al, 2002); e também, distorções

nas metas originais na sua implementação, causadas pela burocracia;

despreparo dos recursos humanos que atuam como multiplicadores nas

formações, e, finalmente, a ausência de monitoramento confiável das

ocorrências, que permita aferir a eficácia das medidas tomadas (Gonçalves

& Sposito, 2002). Vale lembrar outro fator importante, exemplificado pelo

estímulo a uma gestão mais democrática via protagonismo juvenil: só

produzem resultados positivos intervenções que são implementadas em

ambientes já mobilizados para a mudança. Neste sentido, é crucial o papel

do diretor para a organização deste ambiente na escola e sua mobilização

para a mudança.

O papel do diretor na gestão voltada para a promoção do convívio

A importância da gestão para o cumprimento da missão educativa

da instituição escolar dispensa maiores argumentos, em vista do consenso

sobre esta posição. Neste sentido, considera-se que não só são importantes

suas decisões concernentes ao funcionamento institucional, como a

organização e coordenação de trabalhos, pela articulação e integração dos

vários setores escolares, mas ainda sua liderança frente à comunidade

escolar, tanto no que diz respeito à qualidade do trabalho pedagógico ali

desenvolvido, da valorização da aprendizagem dos alunos, como em relação

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ao desenvolvimento destes como pessoas. Para tanto, é necessário que a

gestão garanta um ambiente favorável à aprendizagem, organizado, com

compromisso do corpo docente, onde o uso do tempo, do espaço e dos

recursos está voltado prioritariamente para este fim; e também o

estabelecimento de um clima de confiança, acolhimento e cuidado, onde as

regras são claras e compartilhadas, em termos de direitos e

responsabilidades bem definidas. As escolas com padrões de gestão e estilo

de liderança como os descritos acima são mais eficazes, obtendo melhores

resultados em avaliações de desempenho estudantil (Namo de Mello &

Atié, 2003).

É importante destacar, que para exercer liderança sobre o corpo

docente, estimulá-lo para o cumprimento de metas comuns, é necessário

agir com justiça, no sentido de equilibrar deveres e direitos, exigindo, por

um lado, o cumprimento das tarefas docentes, e por outro, acolhendo a

participação dos professores nas decisões, fornecendo-lhes apoio para que

exerçam sua autoridade em sala de aula, respaldando-os em decisões

disciplinares, e atendendo de suas necessidades didáticas (Stefkovitch &

Begley, 2007).

Além dos aspectos acima, vale lembrar outro, também

indispensável ao exercício da liderança do diretor junto à comunidade

escolar. O respeito à autoridade do diretor demanda que seja considerada

legítima, visto que é difícil exercê-la com base apenas na assimetria de

poder, que terá que ser reafirmado constantemente. A legitimidade pode ser

traduzida como as características de uma autoridade que levam os que a ela

estão subordinados ao sentimento de dever, no sentido de acatar suas

decisões, seguindo-as voluntariamente por um sentimento de obrigação,

invés de medo da punição. Em outras palavras, o controle dos outros é

substituído pelo auto controle porque as decisões e regras estabelecidas pela

autoridade são vistas como justas e equânimes (Tyler, 2006).

Além de zelar pelo cumprimento da função pedagógica da escola, é

necessário que o diretor cuide ainda da formação dos alunos como futuros

cidadãos, no caso do tema aqui tratado, pessoas que valorizam a

convivência harmoniosa com o outro. Para tanto, é necessário que seja

priorizada pelo diretor a promoção de um ambiente de convivência seguro e

agradável na escola. Um dos fatores que dificultam a implantação deste

ambiente é a manutenção de crenças e valores sobre relações humanas

pouco claros ou até equivocados. Um bom exemplo consiste em considerar

que a formação afetiva do aluno é atribuição exclusiva da família, cabendo

à escola apenas a sua formação acadêmica. Sem depreciar o valor desta

formação, nem a importância da família na educação do aluno, vale

lembrar que o aluno não se despoja de seus valores e sentimentos ao

adentrar a escola, convertendo-se em um autômato nos relacionamentos que

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ali mantém. Pelo contrário, é ali que vai fazer amizades, se defrontar com

sentimentos desconhecidos, despertados por situações diferentes daquelas

que vive com a família, como por exemplo, a pressão exercida pelo grupo

para que participe na intimidação como o bullying contra um colega. Por

não ocorrer usualmente no contexto familiar, o aluno não sabe lidar com ela

e receia tornar-se a próxima vítima. Neste sentido, é preciso esclarecer e até

mudar uma série de concepções sobre convivência, além da questão da

responsabilidade conjunta de ambas instituições, família e escola, pela

educação afetiva do aluno. É preciso esclarecer também concepções sobre

violência e indisciplina, em termos de suas convergências e diferenças. Isto

porque a indisciplina é vista como uma manifestação de violência, o que

nem sempre procede como se analisará a seguir.

Primeiramente, é importante analisar se indisciplina sempre

envolve violência. Se indisciplina é conceituada como transgressão às

regras de conduta estabelecidas pela instituição, pode-se afirmar que não.

Isto porque muitas destas regras se referem ao cumprimento de horários,

uso de vestuário para identificação de alunos da instituição, cuja

transgressão não tem impacto no convívio dos diversos integrantes da

comunidade escolar. Por seu lado, a violência também nem sempre envolve

transgressão às regras de disciplina na escola, como no caso de grupos de

alunos que difamam ou isolam outros alunos porque condenam sua

aparência física ou algum outro atributo, prática que de modo geral não

consta nas proibições da escola.

Entretanto, deve ser lembrado que a violência na verdade envolve

uma transgressão maior, que é a das regras morais, se aceita sua definição

como o uso da força ou da coação do outro para obtenção de um fim

desejado. Coagir, forçar alguém a submeter-se, envolve a violação de seu

direito ao respeito, configurando uma situação de injustiça. Na situação

descrita acima, de difamação de um aluno diferente fisicamente, ocorre uma

forma de violência velada, pois o objetivo de fazer prevalecer valores

intolerantes do grupo está violando o direito do aluno ao respeito.

Outro exemplo da associação entre indisciplina e violência pode

ser percebida nas queixas de professores sobre a conduta de seus alunos em

sala de aula que dificultam o exercício de suas atividades docentes (Alves,

2006). Muitos comportamentos dos alunos, configuram mesmo indisciplina,

por consistirem em desobediência às regras, como gritos, risos e

movimentação desnecessária em sala de aula. Porém, não se pode

caracterizar estas condutas como violência quando os alunos pretendem

apenas se divertir, sem qualquer outro objetivo. O objetivo de diversão não

torna a conduta desejável, mas, por outro lado, não lhe confere o status de

transgressão moral como a violência, em que a submissão do outro é um

meio para se atingir um fim. Já transgressões como troca de insultos,

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ameaças e empurrões, que também são objeto de queixa frequente dos

professores, constituem exemplos de violência, não só porque envolvem o

uso da coação, mas, principalmente, porque visam com isso a consecução

de algum objetivo, como por exemplo, intimidar o outro. Em alguns casos,

visam intimidar o próprio professor que tenta reprimir tais manifestações,

por meio de ameaças e agressões. Mesmo que o professor não sofra

tentativas diretas de intimidação, justifica-se sua interpretação de que são

uma forma de violência contra a sua pessoa porque representam um desafio

à sua autoridade docente, impedindo-o de exercer o seu papel de professor.

Outra queixa frequente dos professores é o fato de serem simplesmente

ignorados em seus apelos para restabelecer a ordem na sala de aula.

Também ai configura-se uma forma de violência, pois o descaso

manifestado representa uma forma de desafio à sua autoridade, impedindo

o cumprimento do seu papel. Neste sentido, a indisciplina em sala de aula

quando envolve desrespeito à autoridade do professor, ao seu direito a

exercer seu papel docente, ou ainda, desrespeito ao direito de alunos que

desejam aprender, pode ser considerada uma forma de violência.

Decorre desta análise de indisciplina e violência outra

diferenciação necessária, entre violência e conflito interpessoal. Em

virtude de ser confundido com a violência, que é uma estratégia de

resolução, o conflito é visto frequentemente como algo a ser evitado ou

reprimido a qualquer custo. É importante ter em mente que o conflito em si

não é algo bom ou ruim, mas sim as formas usadas para sua resolução,

como a violência. O conflito faz parte da vida, em função da existência de

diferenças entre as pessoas em seus objetivos. Além disso, diferentemente

do que muitos acreditam, o conflito não é algo típico de uma certa idade, no

caso na juventude, argumento também usado para justificar sua repressão.

Deve-se ainda questionar a crença de que a violência com a qual muitas

vezes o conflito é resolvido é algo que "explode" subitamente, invés de uma

construção social, passível de intervenção (Cubas, 2006).

A atribuição de responsabilidade exclusiva à família pela formação

afetiva do aluno, já tratada acima, envolve outra crença equivocada, que

também pode levar ao comprometimento do ambiente de convivência na

escola. Trata-se da atribuição de responsabilidade pelos conflitos que

ocorrem à falta de limites na educação dada pela família aos alunos, o que

em última análise, isenta a instituição de sua parcela de responsabilidade

nos desacordos que ali ocorrem. Assim, a escola não se questiona se o corpo

docente, por exemplo, está cumprindo com seu dever de ensinar. A ausência

de cumprimento deste dever por faltas, atrasos, gera muitas vezes revolta

nos alunos, que percebem violado seu direito à educação (Aquino 1996),

causando conflito com os professores. Também não se questiona se os

espaços destinados a recreios e atividades de lazer estão bem dimensionados

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e supervisionados (Pereira, 2002), se todos são tratados com equidade, ou se

alguns são privilegiados, como por exemplo, atrasos são permitidos aos

professores, mas não aos alunos. Porém, não basta que o diretor passe a ter

crenças mais adaptadas à realidade, isto é, que acredite que a

responsabilidade pelos conflitos é também da organização da instituição, e

portanto de quem responde por ela. É preciso que tome iniciativas efetivas

para organizar o ambiente da instituição para um convívio mais

harmonioso entre os membros. São elas que serão discutidas a seguir.

Ações para a promoção do convívio

A gestão democrática, isto é, a inclusão de todos os membros da

comunidade na tomada de decisões sobre vários aspectos da vida na

instituição vem sendo crescentemente defendida nos últimos anos (Romão

& Padilha, 2001; Paro, 2002), pois está associada, entre outros resultados

positivos, ao uso de estratégias de resolução de conflitos mais pacíficas e

elaboradas, como a negociação (Vinha & Mantovani de Assis, 2007), assim

como à observância das regras pela legitimação da autoridade (Tyler, 2008).

Se a observância da regra é baseada apenas no medo de punição, não na

legitimação, a transgressão é muito mais provável quando a conseqüência

negativa puder ser evitada pelo infrator. O ideal é que sejam desenvolvidos

nos alunos sentimentos de compromisso com as regras, o que só pode ser

logrado se houver efetivamente alguma forma de participação na elaboração

das mesmas. Esta participação pode ocorrer por meio de reuniões para

discussão das normas de conduta, conseqüências para transgressão,

princípios que as sustentam, como por exemplo, o respeito, a justiça, ou

mesmo racionalidade, em termos de custos e benefícios. É essencial que

princípios como respeito sejam compreendidos pelos alunos, pois as regras

não abrangem todas as situações possíveis, levando à necessidade de algo

mais geral, adaptável a novas circunstâncias. Também é necessário que os

alunos entendam o significado de compromisso que representa sua

participação no processo de decisão. Precisam entender que o fato de suas

opiniões estarem sendo consideradas no diálogo e na negociação de idéias

significa que fazem parte do processo de decisão, e portanto são também

responsáveis pelas mesmas. É importante salientar que não se pretende

destituir de poder aqueles que respondem pela instituição como o diretor,

mas partilhá-lo mais eqüitativamente com a comunidade escolar, para que

esta se responsabilize também pela escola. As regras e as conseqüências

advindas da desobediência devem ser não só ser fruto da decisão coletiva,

mas ainda, devem ser claras, objetivas e acessíveis a todos. As

conseqüências para a transgressão devem ser proporcionais às faltas

cometidas, visando antes de tudo que o aluno aprenda com elas. As

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consequencias que excluem o aluno do cotidiano escolar, como as

suspensões devem ser evitadas, pois por resultar em perda de conteúdo

escolar e provas, podem prejudicar a aprendizagem, limitando

oportunidades futuras de trabalho, perpetuando o círculo vicioso da

violência.

O cuidado com os alunos deve estar presente em toda a escola.

Várias pesquisas (Pereira, 2002; Leme, 2006, Ruotti, 2006) têm revelado

que os espaços onde ocorrem mais conflitos são justamente aqueles que

recebem menor supervisão da escola, como recreio, entrada e saída,

banheiros e corredores. É necessário então, maior supervisão nestes

espaços, e no caso mais específico do recreio, observar além da sua

adequação em termos de dimensão para a prática de jogos e outras

atividades, se estas estão favorecendo a sociabilidade entre alunos.

Um outro aspecto que merece atenção para a organização do

ambiente de convivência é a competição, que tem sido associada a

sentimentos negativos em relação ao outro, visto como um adversário. Se

estimulada pode comprometer o ambiente de convivência, tornando-o

inseguro e ameaçador. Deve ser evitada a organização de classes por

desempenho, pois contribui para um clima de competição na escola, assim

como algumas formas de divulgação de avaliação. A formação dos

professores para o desenvolvimento afetivo e psicosocial dos alunos deve

contemplar também este aspecto.

Uma providência importante a ser tomada pelos gestores para

diminuir a incidência de conflitos na escola é a já mencionada formação de

docentes e funcionários para aplicação das regras de disciplina, dispensando

o mesmo tratamento a todos os alunos, sem cometer injustiças pela

concessão de privilégios a alguns que são negados a outros. Esta é uma

queixa frequente dos alunos, já verificada em pesquisa (Leme, 2006) que

por levar ao sentimento de injustiça, pode comprometer a adesão às regras

disciplinares. Da mesma forma, é necessário orientá-los para que sua

intervenção em conflitos, e outros desentendimentos entre alunos, não seja

no sentido de interromper rapidamente o incidente, impedindo os

envolvidos de resolverem de modo autônomo e negociado o problema.

Tanto o corpo docente como os funcionários precisam ser orientados no

sentido de ajudarem as partes a dialogar e encontrar uma solução negociada.

Caso contrário, estarão negando uma oportunidade de aprendizagem aos

alunos, e provavelmente, prolongando o desentendimento que pode resultar

em distanciamento, ou mesmo inimizade entre alunos. A este respeito, vale

lembrar os resultados encontrados por De La Taille (2006) em pesquisa com

uma amostra representativa de alunos de Ensino Médio, na qual mais da

metade (55%) dos participantes afirmou perceber mais adversários do que

amigos no mundo atual. Coerentemente com essa visão negativa de mundo,

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quase a totalidade (90,5%) destes jovens afirmou que os conflitos atuais são

muito mais resolvidos pela agressão do que pelo diálogo. Ou seja, esses

resultados indicam que os jovens percebem o mundo como mais constituído

de adversários hostis do que amigos, onde os problemas são resolvidos

apelando-se para a violência.

Os resultados encontrados por De La Taille (2005) sobre a

percepção negativa do outro, podem indicar conflitos não resolvidos na

escola, resultando em medo e desconfiança entre alunos. A este respeito,

Jarymowicz e Bar-Tal (2006) colocam que o medo é um sentimento que

pode sobrepujar a confiança, por ser uma emoção primária, processada tanto

inconsciente como conscientemente. Sendo uma emoção presente também

em outras espécies, deve ter sido selecionada filogeneticamente, em

resposta às pressões adaptativas, podendo levar à ausência de reação, ou

então, à agressão reativa a um ataque presumido. Já a confiança, pelo seu

caráter de emoção secundária, é processada deliberadamente, envolvendo

atividade cognitiva, requerendo antecipação, esforço na busca de novas

idéias e flexibilidade, em suma, aprendizagem. Em função deste

processamento deliberado é freqüentemente suplantada e inibida pelo medo,

processado mais rápida e automaticamente. Entretanto, o mais importante

em termos do ambiente de convivência é que o medo pode suplantar o plano

individual, tornando-se uma orientação emocional coletiva, organizando a

vida social. Na visão dos autores citados, a orientação coletiva para o medo

pode até ser funcional para lidar com situações estressantes, mas pode, a

longo prazo, tornar-se um obstáculo para o restabelecimento da paz. Neste

sentido, um ambiente de medo pode prejudicar a aprendizagem e o

conhecimento sobre sentimentos, o que chamaríamos meta afetividade, que

as pesquisas têm verificado que está relacionada positivamente à adaptação

social do indivíduo (Izard, Fine, Schultz, Mostow, Ackerman &

Youngstrom, 2001). Vale relatar que Loukas e Robinson (2004)

investigaram a influência da percepção de algumas dimensões do ambiente

escolar por alunos de 10 a 14 anos de idade sobre o ajustamento à escola.

Dentre os resultados encontrados, vale destacar duas dimensões de interesse

para o presente capítulo: atrito entre alunos e coesão. A percepção de atrito

entre alunos foi a dimensão que mais se relacionou a problemas de

ajustamento porque impede o desenvolvimento do sentimento de

pertinência e conexão com a escola.

A gestão pela família

Finalmente, a escola para obter os melhores resultados de sua

ação, no estabelecimento de um ambiente propício ao convívio e à

aprendizagem, precisa atuar em conjunto com a família. Neste sentido,

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uma prática bastante disseminada que precisa ser revista é de chamar a

família diante de qualquer transgressão do aluno. Esta forma de resolver

problemas disciplinares, como já analisado acima, além de nem sempre ser

adequada em vista da diferença entre os dois contextos, pode levar a uma

percepção de assimetria de poder. Portanto, antes de convocar a família

para que tome as providências, é necessário analisar se a transgressão do

aluno não está relacionada à organização da instituição. Mais do que ser

convocada para resolver cada problema causado pelo aluno, a família

precisa ser orientada sobre como proceder para preveni-los e atuar de

modo coerente com os princípios de convivência defendidos pela escola.

Neste sentido, é preciso orientar os pais sobre a importância de um estilo

de autoridade democrático, que demonstra afetivo positivo pelo filho ao

estabelecer regras, justificando-as em termos de cuidado parental. Além

disso, é importante também atenção para a coerência entre a norma

explicitada e a sua conduta, assim como o consenso entre si quanto às

regras que estabelecem (Knafo & Schwartz, 2003; Dunman &

Margolin,2007). Além disso, Ohene, Ireland, Mc Neely e Burowski

(2006) verificaram que a desaprovação explícita da violência pelos pais

aumenta a probabilidade dos filhos manterem atitudes contrárias à

agressão entre pares. Por outro lado, essas atitudes pró-sociais diminuem

se os pais usam punição física como forma de disciplina.

Considerações finais

Ao final deste capítulo espera-se ter demonstrado a complexidade

envolvida no estabelecimento de um ambiente propício à convivência, à

aprendizagem e ao desenvolvimento psicosocial do aluno na escola. Tal

complexidade demanda vários níveis de atuação, que para se efetivar,

exigem compromisso, coerência e continuidade. Sobre as iniciativas

governamentais, seria desejável maior diversidade e quantidade de medidas,

incluindo-se a formação de gestores para uma atuação como a preconizada

por diversos autores aqui examinados. No plano específico da escola, o

compromisso de todos os educadores em atuar no sentido do melhor

interesse do aluno, e não da escola, como certas crenças sobre a família,

indisciplina e conflitos parecem indicar.

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11

ASPECTOS BÁSICOS DA RELAÇÃO ENFEMEIRO-PACIENTE E

A PRÁTICA DO ENFERMEIRO NA INTERVENÇÃO BREVE PARA

OS PROBLEMAS RELACIONADOS AO USO DE ÁLCOOL

Angélica M. S. Gonçalves, Sandra Cristina Pillon,

Priscila Tagliaferro, Sônia Zerbetto, Sônia Vivian de Jezus

A enfermagem psiquiátrica brasileira tem se esforçado nas últimas

décadas no sentido de delinear a ênfase do papel do enfermeiro, seja no

âmbito da psiquiatria ou da saúde mental mais recentemente. Neste sentido,

é necessário esclarecer que para pensar nos aspectos comportamentais das

relações humanas, mais especificamente no relacionamento terapêutico

enfermeiro-paciente, a enfermagem tem sofrido influências de outras áreas,

tal como da psicologia, (especialmente da Psicologia Humanista com os

pressupostos de Calr Rogers, a partir de 1960), da sociologia e da

comunicação e tem também desenvolvido conhecimento próprio com

algumas teorias que introduziram um novo paradigma, no qual o cuidado

evolui do simples cuidado físico para a competência no relacionamento

interpessoal centrado nas “relações interpessoais que se processam entre o

enfermeiro e o paciente”, tal como propõe a Teoria das Relações

Interpessoais (1952) desenvolvida por Hildegard Peplau (Almeida, 2005),

que mais tarde foi sistematizada por Joyce Travelbee (1979) (Filizola,

1997). Outras autoras como Ruth Virgínia Matheney, Mary Topalis, Maria

Aparecida Minzoni, Susan Irving, Cecelia Monat e Ruth Mylius Rocha

também tem refletido sobre o assunto, enfocando o papel do enfermeiro

enquanto agente terapêutico, cujas ações se baseiam no relacionamento com

a pessoa em sofrimento que assiste (Lima et al., 2010).

Frente ao exposto e pensando na reorganização do modelo de

atenção preconizado pelo sistema de saúde brasileiro que tem como base a

articulação de serviços, práticas e tecnologias, aqui particularmente levando

em consideração a estruturação da rede de assistência à saúde mental no

país, observa-se a preocupação do Ministério da Saúde em enfrentar a

questão da Saúde Mental na Atenção Básica (Ministério da Saúde, 2003), o

que pressupõe que com a evolução das políticas, a prática da enfermagem

psiquiátrica e seus conhecimentos não devam ficar restritos apenas aos

serviços especializados, mas devam deslocar-se para outros equipamentos

de saúde. Com isso, faz-se necessário refletir a respeito do papel do

enfermeiro neste novo contexto e quais estratégias e mudanças melhorariam

a resolutividade e eficácia na assistência prestada, incluindo as ações

preventivas (Gama, 2009).

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Neste sentido, considerando especificamente a problemática do uso

de álcool não apenas em âmbito nacional, a Organização Mundial de Saúde

tem lançado esforços na difusão de um conhecimento que fundamenta a

realização da prevenção do uso abusivo do álcool nos serviços de Atenção

Primária à Saúde de maneira estruturada, ao que denomina de “Estratégias

de Diagnóstico e Intervenção Breves”. Neste texto usaremos o termo

“rastreamento” ao invés de “diagnóstico” por ser mais apropriado ao tipo de

instrumento que se usa para investigar o padrão de consumo e os problemas

relacionados ao uso de álcool na comunidade. O reconhecimento do

enfermeiro como profissional de referência para atuar em ações preventivas

e educação em saúde instiga a reflexão sobre como aspectos básicos da

relação enfermeiro-paciente podem cooperar para que tais estratégias sejam

implementadas com sucesso nos serviços de saúde.

O Rastreamento e a Intervenção Breve

As estratégias de rastreamento e Intervenção Breves podem ser

pensadas enquanto uma tecnologia em saúde que sistematiza a prevenção do

uso abusivo do álcool. Como o próprio nome faz referência, primeiramente

se deve investigar os problemas relacionados ao uso do álcool, o que

denomina-se de “rastreamento”, ferramenta auxiliar para se realizar uma

Intervenção Breve. Para isso, diversos instrumentos psicometricos de

triagem já validados no Brasil vem sendo utilizados (AUDIT, T-ACE,

CAGE, DUSI) (Castel & Formigoni, 2000). O quadro abaixo mostra os

limites de consumo de baixo risco, que norteiam as informações e

orientações com fins educativos para prevenção de danos decorrentes de

abuso álcool ao se realizar um rastreamento.

Quadro 1 – Apresentação dos riscos de saúde e níveis de álcool

consumidos.

Riscos Mulheres Homens

Baixo Menos de 14 UI de álcool por

semana.

Menos de 21 UI de álcool por

semana.

Médio 15 a 35 UI de álcool por

semana.

22 a 50 unidades por de álcool

semana.

Alto Mais de 36 UI de álcool por

semana.

Mais de 51 UI de álcool por

semana.

1UI = Unidade Internacional de álcool = 10 – 12 gramas de etanol (NIAAA,

2005)

Após o rastreamento é necessário que seja feita a Intervenção

Breve de maneira adequada ao padrão de consumo e danos identificados.

Um modelo simples que pode direcionar a intervenção breve foi

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desenvolvido pelo National Institute on Alcohol and Alcoholism (NIAAA,

2005). Este modelo foi planejado para usuários de álcool, entretanto, pode

ser utilizado para indivíduos que fazem uso de outras substâncias

psicoativas.

Quadro 2 – Ilustração sobre os passos que envolvem a condução da

intervenção breve para os problemas do álcool, segundo NIAAA.

Passo I – Perguntar sobre o uso do álcool

Avaliar o Padrão de

consumo:

Semanal e Ocasional

Rastreamento

Passo II – Perguntar sobre os

problemas relacionados ao uso do

álcool.

Físicos Mentais Dependência

do álcool

Passo III – Aconselhamento apropriado

Dependência Bebedor de

Risco ou

Nocivo

Aconselhar a

abster-se

Aconselhar a

diminuir ou a

reduzir a limites de

baixo risco.

Planejar objetivos

Passo IV – Monitorar o Progresso do

Paciente.

É importante ressaltar a Intervenção Breve não é sinônimo de

terapia, mas se refere a uma intervenção de tempo limitado, que utiliza de

estratégias de educação, aconselhamento, técnicas centradas no cliente

enfocando mudanças comportamentais e monitoramento. A literatura aponta

o tempo de duração entre 5 a 20 minutos. Em relação ao número de sessões,

estudos mostram que não existe um número determinado para o começo,

meio e fim. Apesar disso, observa-se uma variação de 1 a 12 sessões de

atendimento (Marques & Furtado, 2004).

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O conhecimento sobre elementos de técnicas motivacionais são

fundamentais, tais como aquelas sugeridas de acordo com o Modelo

Transteórico, que enfocam que a efetividade da intervenção depende da

capacidade do profissional aplicar a técnica adequada ao estágio de

prontidão para mudança, seja ele de pré-contemplação, contemplação,

preparação, ação ou manutenção, tal como descrito no quadro 3. (Vilella et

al., 2009).

Quadro 3 - Opções para a modificação do comportamento de acordo com

os estágios de mudanças (Miller & Rolnick, 1991).

Estágio de

Mudança

Opções

Pré –

Contemplação

Fazer um registro diário do uso do álcool (avaliação do

padrão de consumo).

Discutir e refletir sobre o comportamento do beber, de

modo a levantar dúvidas sobre a continuidade do

consumo.

Contemplação Fazer um quadro com os prós e contras e relacioná-los

as vantagens de beber e não beber.

Considerar uma tentativa de diminuição ou abstinência

dependendo do problema por 2 a 4 semanas.

Fornecer materiais para leitura (panfletos educativos)

Sugerir a participação em grupos de terapias, auto –

ajuda.

Preparação Discutir as opções disponíveis para favorecer a

redução do consumo ou para tratamento

Revisar os recursos de apoio familiar e social para

mudanças

Estabelecer metas para o nível de consumo ou

abstinência

Planejar ações

Ação Reforçar os benefícios da modificação comportamental

e discutir dificuldades

Manutenção Realizar monitoramento do comportamento

modificado, identificando situações de risco, de modo

a prevenir recaídas

Como pode ser observado, rastrear e aplicar a Intervenção Breve

significa utilizar um recurso simples e barato que pode ser implementado

não apenas pelo enfermeiro, mas por diversos trabalhadores da saúde em

diversos contextos. Por se tratar de uma prevenção universal, é aplicável a

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toda a comunidade, sejam às próprias pessoas que fazem uso abusivo de

álcool ou seus familiares e amigos. O único requisito para uma aplicação

adequada e consequentemente mais efetiva, é que o profissional receba um

treinamento rápido que inclua conteúdos sobre abordagem do usuário,

aplicação de instrumentos de rastreamento e intervenções breves, incluindo

o aconselhamento breve.

O Papel do Enfermeiro, os Aspectos Básicos da Relação Enfermeiro-

Paciente e as Estratégias de Rastreamento e Intervenção Breves

O modelo de Intervenção Breve, que inclui o rastreamento como

uma ferramenta essencial, foi originalmente desenvolvido para aumentar a

motivação para a mudança do comportamento em relação ao uso da

substância e estimular a capacidade do indivíduo em se auto-avaliar, auto-

monitorar e auto-regular os comportamentos pelos quais ele deseja que

sejam alterados. A aplicação destas estratégias exige uma abordagem

adequada e centrada na problemática do álcool enquanto problema de

saúde. O aconselhamento breve (nos casos de indivíduos que podem estar se

expondo a risco ou já sofreram algum dano em virtude do uso excessivo de

álcool) e o monitoramento podem ser pensados e bastante relacionados com

aspectos básicos da relação enfermeiro-paciente, muito úteis para viabilizar

e tornar mais efetiva esta tecnologia em saúde.

Neste contexto, o vínculo, a aceitação, a empatia e a confiança

podem representar para o enfermeiro ferramentas fundamentais para

abordar a questão do álcool, assim como para acompanhar e monitorar o

sucesso na redução ou abstinência do consumo ou ainda, acolher as

dificuldades do indivíduo a quem assiste. A comunicação também exerce

um papel extremamente relevante, na medida em que é um instrumento

básico e sinaliza para o profissional o quanto sua intervenção preventiva

tem feito sentido.

Filizola e Pavarini (2002) discorrem sobre vínculo enquanto

envolvimento emocional maduro, ou seja, como a capacidade de

transcender-se e interessar-se por outra pessoa sem que este interesse

interfira na ajuda a ser oferecida ao outro, reconhecendo-o como um ser

único. Para realizar o rastreamento e a Intervenção Breve, o vínculo não se

constitui em um pré-requisito, entretanto, quando este vínculo já existe,

espera-se que o momento da abordagem do assunto seja mais favorável e se

necessário realizar o monitoramento, a perspectiva também se torna mais

positiva.

A aceitação não implica somente em compreender os

comportamentos do outro, nem tampouco concordar com os mesmos.

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Significa apenas reconhecer o significado que tais comportamentos

adquirem para um indivíduo (Filizola & Pavarini, 2002). Um enfermeiro

pode aceitar que um usuário de sua unidade de saúde venha fazendo uso

abusivo de álcool, mas pode não concordar com este comportamento. A

demonstração de aceitação favorece o despertar de um sentimento de

segurança e confiança por parte do sujeito assistido, o que

conseqüentemente facilita acessar e compreender as razões, os fatores de

risco e as situações que permeiam o uso de álcool.

Empatia é primordial para realização de uma Intervenção Breve,

tanto que se constitui em um dos sete elementos que fundamentam e

caracterizam essa intervenção. Pode ser definida, segundo Rogers (1977),

no estado de aperceber-se do quadro de referências internas e significados

do outro.

Ao abordar a questão do álcool na aplicação de um instrumento de

rastreamento ao indivíduo é prudente que seja garantido o anonimato das

informações e que seja explicado o motivo de tal investigação, portanto,

uma postura profissional com credibilidade pode cooperar muito para a

obtenção de respostas honestas. Pode-se realizar essas ações preventivas em

um primeiro contato do enfermeiro com o cliente e se uma boa abordagem

for feita, este momento pode ser o disparador para a construção de uma

relação de confiança que se for plenamente estabelecida, pode colaborar

muito para que o enfermeiro tenha melhores condições para ajudar o

paciente no sucesso em atingir metas assumidas voluntariamente.

Outros elementos, que junto com a empatia constituem os pilares

da Intervenção Breve são: retroalimentação, responsabilidade,

aconselhamento, menu e auto-eficácia (Marques & Furtado, 2004). Todos

eles podem ser melhor trabalhados se os pressupostos básicos da relação

enfemeiro-paciente supracitados forem levados em conta.

A retroalimentação ocorre quando é feita a comunicação dos

resultados da avaliação do seu consumo do álcool. Consiste na devolutiva

dos resultados obtidos na aplicação de um instrumento de rastreamento

(Marques & Furtado, 2004).

A “responsabilidade” tem a ver com a autonomia, compromisso e

posicionamento do paciente frente a mudança de comportamento a que se

propõe (Marques & Furtado, 2004).

O aconselhamento, tal como descrito anteriormente, depende da

avaliação do estágio de prontidão para mudança do paciente. Corresponde

às orientações e recomendações que o profissional deve oferecer ao

paciente. Nesta etapa, a questão da aceitação é imprescindível, pois a

intervenção deve ser desvinculada de juízo de valor moral ou social e deve

preservar a autonomia de decisão do paciente (Marques & Furtado, 2004).

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128

"Menu" consiste em fornecer ao paciente um catálogo de

alternativas de ações possam ser reais e implementadas por ele (Marques &

Furtado, 2004). Para que este menu cumpra com seu objetivo de auto-ajuda

ou para mostrar opções de tratamento disponíveis, é desejável que o

enfermeiro se proponha a estabelecer um diálogo significativo, no qual se

discuta a problemática do álcool na perspectiva do “aqui e agora”, de modo

a haver pertinência entre ao que o indivíduo traz como causas para o beber e

o conhecimento e habilidade técnica do profissional utilizada para ajudar o

paciente a estabelecer metas que o beneficiem. Isto está intimamente ligado

com a auto-eficácia, pois o foco do profissional é sempre o de “promover e

facilitar a confiança do paciente em seus recursos e em seu sucesso,

correspondendo a um reforço do otimismo e autoconfiança, voltado a uma

maior autopercepção da eficácia pessoal e da consecução de metas

assumidas” (Marques & Furtado, 2004).

Desafios

As publicações internacionais e nacionais de enfermagem deixam

evidente que os enfermeiros pouco incluem em suas rotinas medidas

preventivas para o uso e abuso do álcool, incluindo testes que permitam a

identificação e as orientações sobre problemas relacionados a este uso.

Inúmeras causas poderiam ser apontadas para explicar esta situação,

entretanto, o exercício dos aspectos básicos do relacionamento enfermeiro-

paciente que tem como premissa a mutualidade, ou seja, o convívio e as

trocas entre os indivíduos, intensamente mediadas pelos sentimentos, tanto

de um como pelo de outro poderiam facilitar o processo de abordagem e

monitoramento da abstinência ou redução do consumo de álcool do

paciente, já que é importante que os envolvidos no relacionamento

mantenham o diálogo franco e exponham suas percepções, para evitar

distanciamento, superficialidade e incomunicabilidade (Chaves et al., 2008).

Frente ao exposto, infelizmente o enfermeiro, especialmente aquele

atuante em áreas não-especializadas em psiquiatria ou saúde mental, ainda

encontra muita dificuldade em vislumbrar a enfermagem como processo

interpessoal (Filizola 1997; Lima et al., 2010), no qual tanto o profissional,

quanto o paciente podem obter crescimento e desenvolvimento pessoais,

portanto, no contexto que aqui discutimos, se faz necessário treinar e

capacitar a enfermagem não apenas em estratégias de rastreamento e

intervenção breves, mas também incentivar e mostrar um aspecto prático e

necessário do conhecimento pertinente às relações interpessoais para que

não somente a assistência, mas também as medidas preventivas

implementadas por enfermeiros sejam mais efetivas nos diversos âmbitos de

serviços à saúde. É possível reforçar esta idéia, considerando preceitos da

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ótica de Travelbee, que afirma que o grande desafio da Enfermagem é

entender seu paciente, dentro do seu mundo, das suas angústias e de seus

anseios, proporcionando um cuidado mais ético e humanizado (Travelbee,

1979).

Considerações Finais

Com o novo panorama das políticas públicas brasileiras, a inclusão

da problemática do álcool na Atenção Básica configura-se em um novo

campo de atuação da enfermagem psiquiátrica, que em virtude disso, deve

passar a ser praticada não somente nos serviços especializados.

A realização práticas preventivas para o uso do álcool, tal como o

rastreamento e a Intervenção Breve, exige não apenas capacitação para a

identificação de problemas e o oferecimento de aconselhamento, orientação

e, em algumas situações, monitoramento periódico, mas também inclui a

perspectiva de transformação o cuidado, pois a enfermagem se depara com

uma nova demanda neste contexto. Com isso, o profissional envolvido com

seu trabalho deve objetivar a melhora do grau de saúde de seu paciente,

sendo capaz de fornecer assistência necessária, possuindo um corpo de

conhecimento especializado e encarando a sua prática como um processo

interpessoal (Oliveira et tal., 2005).

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130

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131

12

O CUIDADO DO ENFERMEIRO E O

RELACIONAMENTO INTERPESSOAL

Rejane Maria Dias de Abreu Gonçalves

Renata Maria Dias de Abreu

Quênia Cristina Gonçalves da Silva

Leila Aparecida Kauchakje Pedrosa

O HOMEM ESTÁ MAIS DISTANTE

DAQUILO QUE ESTÁ MAIS PRÓXIMO

DE SI (SEU PRÓPRIO EU)

Nietzsche

Vale lembrar que a prática da Enfermagem está associada a vários

acontecimentos históricos, culturais e religiosos e sua evolução, enquanto

profissão nasce da necessidade de atender aos interesses políticos, sociais e

econômicos. A enfermagem profissional nasceu sob o modo de produção

capitalista, o que determinou seu processo de trabalho (Pires, 2009; Martín

et al.,1997).

Kawamoto e Fortes (1997) ressaltam que a retomada do passado

vem demonstrar que as práticas de saúde são muito antigas. Por muitos

séculos, o cuidado de enfermagem foi exercido de forma empírica, pelas

mães, por sarcedotes, feiticeiros e religiosos. No entanto, ressaltam que, a

partir do século XX os conceitos sobre enfermagem sofreram modificações

influenciadas pela ação de Florence Nightingale.

Com Florence, o cuidado ganha especificidade em relação à

divisão do trabalho social, incorpora atributos de um campo de atividades

especializadas e reconhecidas, socialmente, como necessárias. O exercício

profissional constitui um estudo sistematizado, com reflexão teórica

investigativa que busca subsídios para a solução dos permanentes desafios e

problemas acrescentados na dialética da vida em sociedade (Pires, 2009).

Os autores relatam que, neste período, surgiram as concepções

teórico-filosóficas de enfermagem desenvolvidas por Nightingale através

das observações sistematizadas e registros estatísticos obtidos de sua

experiência prática no atendimento diário a doentes. Dessa vivência, foram

categorizados quatro conceitos fundamentais: ser humano, meio ambiente,

saúde e enfermagem. Esses conceitos foram considerados revolucionários

para sua época e, ainda hoje, se identificam com as bases humanísticas da

enfermagem, tendo sido revigorados pela teoria holística.

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A dinamização do relacionamento da equipe de enfermagem,

assim como da equipe multiprofissional poderá propiciar uma

comunicação mais efetiva e, é possivel que os enfermeiros sentirão mais

valorizados mais seguros no desempenho do seu trabalho, favorecendo,

inclusive o enfrentamento da crise e das situações adversas sendo assim o

enfermeiro estará promovendo sua saúde o que poderá reverter também

na atenção prestada à saúde da população atendida (Montanholi, 2006).

Com o objetivo de buscar a integralidade do cuidado à saúde, nas

diversas áreas, a formação do enfermeiro deve contemplar o relacionamento

interpessoal. Esse processo que precisa ser sustentado e valorizado consiste

em responder ao sofrimento do indivíduo que busca o serviço de saúde,

fornecendo um cuidado integral que vai além das demandas expressas e

atenda às necessidades do cidadão no se refere a sua saúde e não se reduza

somente ao biológico (Mattos, 2001).

Destaca-se o perfil do enfermeiro em seu campo profissional com

funções multideterminadas e dependentes de sua formação acadêmica, suas

características pessoais e características sociais, que muitas vezes, ainda

sofrem a influência das políticas de saúde (Baldi, 1992). Trata-se de uma

profissão que integra diferentes saberes, diferentes profissionais, diferentes

especialidades, incorpora a produção de novas tecnologias influenciada,

pela renovação dos saberes e evolução da ciência.

Todos esses fatores contribuíram para uma expansão da rede de

formação de profissionais de enfermagem e que, hoje, com o novo

paradigma da saúde, a formação do pessoal da área de enfermagem é

reconhecida pelo Ministério da Saúde como fundamental para a consecução

dos princípios e das diretrizes gerais do Sistema Único de Saúde (SUS). O

cotidiano das relações de atenção e da gestão setorial e a estruturação do

cuidado à saúde devem se incorporar ao aprender e ao ensinar, formando

para a saúde integral.

O Trabalho do Enfermeiro e o Relacionamento Interpessoal

As relações interpessoais são processos que envolvem o convívio e

trocas entre os indivíduos, por isso são intensamente mediadas pelo

sentimentos, tanto de um como de outro, sendo importante que os

envolvidos no relacionamento mantenham o diálogo franco e exponham

suas percepções para evitar distanciamento, supercialidade e

incomunicabilidade (Pinho & Santos, 2007).

Nós seres humanos somos sociáveis e segundo Fonseca (2008), as

relações interpessoais são vínculos de importância significativa . Elas

revelam que uma pessoa pode influenciar atitudes e comportamentos de

outras. O ser humano constitui-se a partir da estruturação de sua relação

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com o outro. A vida em sociedade, permite a criação de apoio social nos

diferentes ambientes onde o ser humano se encontra, e este apoio acaba

produzindo benefícios tanto para quem apóia quanto para quem o recebe.

A prática em enfermagem, caracterizada pela interação sistemática

durante o cuidado, é marcada pelo desenvolvimento de relações

interpessoais necessárias à resolução de problemas. São estas características

que tornam possível a manutenção da integridade do indivíduo, respeitada

sua autonomia e liberdade. Ao desenvolver o relacionamento interpessoal

na manutenção da saúde, o enfermeiro possibilita e estimula a promoção da

relação do paciente com seu corpo, seu círculo social, sua família e suas

capacidades atuais (Silveira, 2009; Furegato & Morais, 2006).

Para garantir a qualidade da assistência prestada, o enfermeiro

necessita de habilidades e observações durante as intervenções com os

indivíduos. Estas necessidades determinarão o sucesso ou fracasso no

processo terapêutico e no cuidado. Para aplicação desta observação, faz-se

importante a realização, pelo enfermeiro, de um levantamento de dados,

contando-se, para isso, com um instrumento direcionado, conforme a sua

realidade, habilidades e conhecimentos científicos (Peplau, 1965).

Para isso, o enfermeiro melhora a qualidade de seu trabalho,

priorizando a organização, planejamento, direção, avaliação das ações em

seu atendimento e uma abordagem mais humanística com uma pessoa que

enfrenta uma experiência de adoecimento (Furegato & Morais, 2006).

A enfermagem, então, pode ser entendida como um processo

interpessoal pelo fato de envolver interação entre duas ou mais pessoas,

com uma meta comum. Em enfermagem, essa meta comum proporciona o

incentivo ao processo terapêutico, no qual profissional de enfermagem e

paciente respeitam-se mutuamente, ambos aprendendo e crescendo como

um resultado da interação (Belcher & Fish, 2002).

A conquista dessa meta, ou de qualquer outra, é obtida através do

uso de uma série de passos que seguem determinado padrão. Uma vez que a

relação do enfermeiro com o paciente desenvolve-se nesse padrão

terapêutico, há uma flexibilidade na maneira como o profissional age, na

prática, fazendo julgamentos, utilizando habilidades fundamentadas no

conhecimento científico, utilizando habilidades técnicas e assumindo papéis

(Belcher & Fish, 2002).

Peplau identifica quatro fases sequenciais nas relações

interpessoais, que são: orientação, identificação, exploração e resolução à

compreensão do relacionamento enfermeiro-paciente. A segunda e a

terceira fase podem ocorrer em um processo contínuo e em conjunto

denominado como fase de trabalho (Peplau, 1993).

A fase de orientação ocorre quando o paciente e/ou família

percebem a necessidade de ajuda e procuram a assistência profissional.

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Desse modo, a partir do primeiro contato, juntos, passam a identificar e

compreender os problemas existentes (Peplau, 1991). Nesta primeira fase,

ocorre o levantamento de dados no processo de enfermagem (Belcher &

Fish, 2002).

A fase de identificação ocorre quando se esclarece a primeira

impressão do paciente e este aponta, seletivamente, as pessoas que

conseguem satisfazer suas necessidades e ajudam no processo terapêutico

satisfatório. Dessa forma, passa a adotar uma das seguintes posturas: ser

interdependente com ele, ser autônomo e interdependente do enfermeiro ou

ser passivo e dependente do profissional (Peplau, 1991). Ao término desta

fase, são identificados os diagnósticos de enfermagem (Belcher & Fish,

2002).

A fase de exploração ocorre após identificar, entre os membros, a

compreensão das relações interpessoais que visa explorar todos os serviços

de saúde e da comunidade que possam apoiar no processo terapêutico

(Peplau, 1991). Neste momento, fica evidente o planejamento com

estabelecimento de metas e objetivos e intervenções (Belcher & Fish, 2002).

Na última etapa do processo interpessoal, fase de resolução,

espera-se que as necessidades do paciente e/ou família tenham sido

satisfeitas e implica no desfazer a relação de dependência, para uma

assistência fortalecida na capacidade para agir por si mesmo, através dos

esforços cooperativos do indivíduo, familiares e profissionais de maneira

cuidadosa, sendo estes previamente preparados (Peplau, 1993). Esta parte

da teoria representa, no processo de enfermagem, a fase de avaliação

(Belcher & Fish, 2002).

Dessa forma, o trabalho educativo do enfermeiro, junto à

comunidade, pode contribuir para a formação, a promoção, a reabilitação e

a autonomia dos usuários. Com esta teoria, o enfermeiro encontra subsídios

para embasar o seu trabalho educativo e desempenhar, da melhor maneira, a

assistência em saúde mental, junto ao paciente, família e sociedade, mesmo

que seja o ambiente hospitalar o contexto predominante na teoria. A

enfermeira pode fazer com que os cuidados de saúde sejam conduzidos do

hospital para a comunidade (Peplau, 1993; Almeida, Lopes & Damasceno,

2005).

Seguindo essa direção, algumas inquietações nortearam o

desenvolvimento do estudo: os enfermeiros devem munir-se de

instrumentos que possibilitem melhor entendimento sobre o relacionamento

interpessoal, o que permitirá adequar os cuidados básicos, para planejar e

implementar ações em saúde, visando à melhoria da qualidade da

assistência, contribuindo para discussões desta temática, em nível nacional.

Assim, o estudo tem como objetivo descrever as ações dos

enfermeiros no primeiro contato com o usuário na Estratégia Saúde da

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Família (ESF) e identificar a importância dessas ações para o

relacionamento interpessoal, no município de Uberaba-MG.

Metodologia

O estudo é de caráter descritivo e transversal e foi realizado nas

ESFs do município de Uberaba/MG. O município conta com 47 equipes de

saúde da família cadastradas no ano de 2009. A população estudada foi

constituída por enfermeiros vinculados às ESFs, tendo-se usado como

critério de inclusão o profissional fazer parte da ESF desse município, por

no mínimo um ano e concordar em participar da pesquisa. Foram excluídos

os enfermeiros que não responderam ao instrumento de coleta de dados e/ou

aqueles que estavam afastados do serviço no período da realização dessa

coleta. Ao todo, 45 enfermeiros responderam ao questionário, enquanto dois

foram excluídos por não atenderem aos critérios de inclusão.

Os dados foram coletados no período de fevereiro a maio de 2009,

por meio de um instrumento estruturado e com perguntas dicotômicas e

analisados através da estatística descritiva, previamente testado por meio de

um estudo-piloto.

As variáveis do estudo foram: acolhimento, orientações,

encaminhamento, escuta, exame físico, levantamento das necessidades

básicas do usuário, atenção à comunicação verbal, atenção à comunicação

não verbal e nenhuma ação.

Este estudo é parte integrante da dissertação de mestrado

desenvolvida sob o título Ações dos enfermeiros em saúde mental na ESF,

aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da

Universidade Federal do Triangulo Mineiro (UFTM) (protocolo n.º

1242/08).

Resultados e Discussão

Entre as ações realizadas pelos enfermeiros na ESF para

estabelecer uma boa relação enfermeiro-usuário, no primeiro contato, a

mais mencionada foi o acolhimento, 45 (100%), seguida de escuta, 38

(84,4%); orientações, 28 (62,2%); levantamento das necessidades básicas

do usuário, 27 (60%) e atenção à comunicação verbal, 27 (60%).

Vale destacar, entre os resultados, que 31 (68,9%) dos pesquisados

não responderam que o encaminhamento é uma ação realizada no primeiro

contato, bem como 29 (64,4%) não estão atentos à comunicação não verbal,

o que corresponde à ocorrência do predomínio da linguagem verbal sobre a

linguagem não verbal entre os participantes do estudo.

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Nas ações realizadas pelos sujeitos da pesquisa no primeiro contato

com os usuários na ESF, destacam-se o acolhimento, a escuta e a

orientação.

Esses resultados obtidos corroboram com estudos que têm

demonstrado que as intervenções de saúde devem estar pautadas em uma

interação terapêutica que busca garantir a escuta, o cuidado, o vínculo, o

acolhimento e a co-responsabilização do sujeito por sua saúde. As pessoas,

portadoras ou não de uma patologia orgânica, passam a evidenciar, através

de seus sintomas e queixas, uma posição subjetiva singular na relação com

sua própria saúde e vida (Labosque et al., 2005; Munari et al., 2008).

O acolhimento pode caracterizar, na ESF, uma efetividade em

relação aos princípios e diretrizes importantes para a prática, como a

integralidade, o vínculo e a resolutividade. Em relação à operacionalidade,

caracteriza-se pela organização e funcionalidade do serviço de saúde,

atender as pessoas que procuram pelo serviço, com a função de acolher,

escutar, capaz de dar respostas positivas e de resolver os problemas de

saúde da população (Buchele et al., 2006).

No primeiro encontro, a enfermeira e o usuário têm objetivos e

interesses totalmente distintos. Têm seus próprios preconceitos sobre o

significado da situação e dos papéis de cada um no encontro. Com o

trabalho realizado juntos, começam a chegar a um entendimento mútuo

sobre a situação e estabelecer metas comuns que incidem sobre a saúde do

indivíduo (Mok & Chiu, 2004).

Considera-se que a falta de tempo para o acolhimento, ou a rápida

realização dessa atividade, visto que as equipes buscam agilizar o

atendimento devido ao excesso de demanda na unidade, ou, talvez, pela

questão da produtividade exigida pelos gestores, podem influenciar no

tempo dispendido para o acolhimento prejudicando o diálogo e a escuta.

Espera-se com o acolhimento a produção do encontro entre o

profissional de saúde e o usuário, uma interação interpessoal e de troca

mútua. Essa prática permite um momento de escuta, no qual o profissional

volta-se ao sujeito com empatia e afabilidade (Mielke, 2009).

Stefanelli (1993) cita que, na enfermagem, o envolvimento,

empatia e respeito mútuo são a arte e a ciência da profissão. Desta forma,

pode-se considerar que essas ações na enfermagem constituem-se em

importantes estratégias de cuidado e ferramentas essenciais no trabalho em

saúde, particularmente em saúde mental, quando se dá a oportunidade ao

sofrimento do outro, a uma relação de confiança, permeada pelo vínculo e

pelo compromisso.

A importância da empatia na interação terapêutica parece ser um

conjunto de objetivos comuns, tais como: iniciar a comunicação

interpessoal a fim de compreender as percepções e necessidades do usuário;

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habilidade do mesmo de aprender ou lidar de forma mais eficaz com seu

ambiente e redução ou resolução de seus problemas (Peplau, 1991; Mercer

& Reynolds, 2002).

Pinho e Santos (2007) referem-se que a falta de motivação dificulta

o estabelecimento do relacionamento interpessoal, mesmo que haja a

intenção de que ocorra, parece ficar na superficialidade por causa da pouca

disponibilidade pessoal do cuidador.

Um estudo realizado em Florianópolis-SC, com 1.800 enfermeiros,

93% deles afirmaram sentirem-se estressados no trabalho. Constatou-se

que a falta de um bom relacionamento interfere diretamente na assistência

prestada e na satisfação no trabalho, gerando maior estresse para a equipe

de enfermagem desta unidade. Existindo assim outras fontes de estresse

relacionado com o cotidiano são eles: a comunicação deficiente, a

utilização de mecanismos de defesas inadequados como à impaciência e a

não realização do trabalho em equipe, a falta de cooperação espontânea, a

sobrecarga de trabalho para alguns elementos da equipe e a falta de

continuidade das ações iniciadas. A qualidade dos cuidados não está

somente relacionada à habilidade técnica, mas também ao bem estar

psicológico dos profissionais (Coronetti, 2006).

A capacidade de comunicar permite ao homem compartilhar sua

própria experiência e o conhecimento do indivíduo que se comunica com

os demais acerca de si mesmo. A comunicação precisa e eficaz exige um

tipo de comportamento adquirido e requer tempo e esforço para cada um

dos participantes (Travelbee, 1982).

A comunicação deve estar relacionada com a capacidade e a

competência a ser adquirida pelo enfermeiro, atendendo às necessidades do

usuário e respeitando os aspectos culturais e ambientais. A fase de

orientação da teoria do relacionamento interpessoal proposto por Peplau

(1991) assemelha-se com este aspecto e, segundo Shives (1994, p. 91), nesta

fase, se busca construir a confiança, o suporte, criar um ambiente

terapêutico, avaliar os pontos fortes e as fraquezas do sujeito, a fim de

estabelecer um modo de comunicação aceitável para ambos.

Ainda, neste estudo, destaca-se a relevância dos pesquisados em

realizar as ações voltadas para o levantamento das necessidades básicas dos

usuários e a atenção à comunicação verbal, já no primeiro contato.

Para o levantamento dessas necessidades básicas, durante a

consulta de enfermagem, o exame físico deve ser entendido como parte

integrante e representa um dos meios que complementam o levantamento de

problemas que necessitam de ações dos enfermeiros que visam contribuir na

melhoria da qualidade da assistência (Barros, 2002).

Neste estudo, vale ressaltar que poucos enfermeiros (26,7%)

responderam que realizam o exame físico no primeiro contato.

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Para que se possam obter dados relevantes para assistência de

enfermagem, faz-se necessário, além da habilidade na execução do exame

físico, competência profissional para discernir o que se encontra dentro dos

limites normais que requerem intervenção e interpretação do que está sendo

percebido (Barros, 2002).

Peplau (1991) define a comunicação como um processo

interpessoal que envolve a seleção de sinais e conceitos que são importantes

para definir, de alguma forma, o desenvolvimento de um entendimento

comum. A comunicação verbal do enfermeiro com o paciente torna-se

produtiva quando o enfermeiro desenvolve a consciência de seus padrões

verbais e a oportunidade de avançar no aprendizado do indivíduo.

Acrescenta, ainda, que conversar com os indivíduos é mais que um

bate papo social, representa a responsabilidade do uso das palavras em um

processo de ser produtivo. Adiciona que os gestos corporais que usam

podem influenciar a interação com os sujeitos e não somente a resposta

verbal (Peplau, 1960).

O enfermeiro deve estar atento ao uso adequado das técnicas de

comunicação verbal e não verbal, captando e interpretando-as

adequadamente, demonstrando confiança buscando criar um vínculo entre

ambos (Peplau, 1960; Furegato, 1999; Silva, 1996).

Observou-se, entre os pesquisados, que somente (35,6%)

responderam que estão atentos à comunicação não verbal no primeiro

contato. Nota-se, neste estudo, a dificuldade do enfermeiro em estabelecer a

comunicação não verbal com o usuário na ESF.

Furegato (1999) ressalta que o enfermeiro deve estar atento à sua

expressão, gestos, olhares ou palavras que podem ser interpretadas pelo

outro como ameaçadores. O comportamento congruente pode minimizar os

sentimentos de ameaça sentidos pelo outro, gerando efeito terapêutico e

transparente.

Stefanelli (1993, p. 15) ao se referir ao processo de comunicação

observa que:

A comunicação já não pode mais ser considerada apenas como um

dos instrumentos básicos da enfermagem ou do desenvolvimento do

relacionamento terapêutico. Ela tem de ser considerada como

capacidade ou competência interpessoal a ser adquirida pela

enfermeira não importando sua área de atuação. É a competência

interpessoal, usada de modo terapêutico que vais permitir à

enfermeira atender às necessidades do paciente em todas suas

dimensões levando em consideração a sua cultura e o ambiente.

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139

Na maioria das vezes, a comunicação não verbal traduz o estado

emocional da relação enfermeiro-usuário através do contato físico, postura,

aparência física, o tom emocional da fala, o silêncio se faz presente durante o

cuidado do enfermeiro, diante da constatação de que não se comunicar é

impossível diante dos diversos procedimentos. Com isso, a comunicação

verbal acontecerá naturalmente, como consequência do diálogo (Silva,

1996).

Os profissionais da saúde têm, na comunicação, um fator essencial

para exercer ações com qualidade e humanização, buscando o conhecimento

dos usuários, pois, através dela, são capazes de interagir, dialogar e

compreender suas necessidades, proporcionando uma assistência integral e

individualizada aumentando sua satisfação em relação ao atendimento e

minimizando seus anseios, dúvidas e medos (Silva, 1996; Furegato, 1999).

Considerações Finais

Ao enfermeiro vale o esforço de considerar que, como ser humano,

suas emoções, anseios, preconceitos podem estar presentes no trabalho que

desempenha. Estes aspectos podem refletir em suas ações e, certamente,

serão obstáculos para o estabelecimento de uma relação futura com o

usuário. Essa interação deve acontecer naturalmente e, por isso cabe aos

enfermeiros uma atenção para as suas condutas e conceitos pré-definidos

que vão influenciar e contribuir para o atendimento das necessidades

humanas do indivíduo.

O primeiro contato é um momento em que se estabelece a

qualidade da relação enfermeiro-usuário, o qual irá permear a toda a

assistência de enfermagem prestada. Alguns pontos devem ser observados

para maior eficiência do cuidado. O indivíduo deve estar confortável, deve-

se permitir que ele se expresse plenamente usando uma linguagem

compatível com o nível cultural do mesmo e estar atento para a

comunicação não verbal.

Acredita-se que o estabelecimento da comunicação não verbal não

seja um procedimento fácil de ser levado em conta no primeiro contato,

devido aos aspectos culturais, crenças e valores de cada pessoa. Por isso, a

importância de realizar estudos que busquem observar, na prática, a

realização desta modalidade de comunicação, através da interação do

enfermeiro com o portador de transtorno mental na ESF.

A enfermagem aproxima o conhecimento individual da habilidade

profissional a qual deve buscar um amadurecimento do relacionamento

interpessoal que pode ser fornecido na atenção primária como uma forma

eficaz de ajudar os portadores de transtorno mental.

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140

Os resultados deste estudo trouxeram informações para incentivar

o desenvolvimento do projeto terapêutico em parceria com o portador de

transtorno mental, como uma forma para se chegar à resolução dos

problemas que afetam o indivíduo, a família e a comunidade, valorizando

sua autonomia, a interação com as pessoas e a comunicação.

A ESF, ainda hoje, é considerada uma estratégia de desafio entre os

profissionais de saúde devido ao seu enfoque centrado na atenção na

promoção da saúde do indivíduo inserido na comunidade e, por ser tratar de

um programa que pode ampliar o trabalho bem como aprimorar o horizonte

profissional por se tratar de uma experiência nova, com enfoque generalista

e inovador na carreira do profissional em saúde.

Diante do exposto, espera-se que este estudo subsidie ações que

possam contribuir na elaboração de estratégias que favoreçam os

enfermeiros nas ações de promoção da saúde mental para melhoria de sua

assistência junto aos portadores de transtornos mentais na ESF.

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143

13

RELACIONAMENTO INTERPESSOAL E A

ADESÃO NA FISIOTERAPIA

Marina Medici Loureiro Subtil

Os serviços de saúde oferecidos à sociedade geralmente são

mediados por relacionamentos entre profissionais que prestam o serviço e

os pacientes que os recebem. As pesquisas sobre essa forma de

relacionamento, contudo, tem contemplado mais o relacionamento

interpessoal entre médicos e pacientes, com ênfase nas questões ligadas ao

processo de comunicação estabelecido entre essas partes (Garcia, 2005). No

diagnóstico dado pelo médico e a terapêutica administrada, a familiaridade,

a confiança e a colaboração estão implicadas nos resultados satisfatórios

(Gadamer, 1994). A proposta de conhecer melhor os aspectos envolvidos no

adoecimento do paciente é responsável pela efetiva promoção da saúde, ao

considerar o enfermo em sua integridade física, psíquica e social e não

somente de um ponto de vista biológico (Wulff, Pedersen & Rosemberg,

1995).

O papel do escutar o paciente é destacado por Marinho (1995)

como importante na relação terapêutica estabelecida, além de favorecer a

criação de um espaço na relação onde o paciente tem a permissão de

expressar-se e ambos participam efetivamente do processo de cura. Neste

caso, o paciente se sente aceito, compreendido, amado e sem culpa.

Um dos fatores necessários para que a fisioterapia atue diretamente

no processo de reabilitação do paciente é na maneira como o paciente se

relaciona com o fisioterapeuta e vice-versa. A partir da prática profissional,

pode-se observar que, à medida que os pacientes se envolvem no tratamento

fisioterapêutico, relações interpessoais marcadas pela afetividade se

desenvolvem, as quais podem afetar o curso e a qualidade do tratamento em

questão. No caso da fisioterapia, esse relacionamento é fundamental, uma

vez que o tratamento pode se estender por anos, com um contato freqüente,

até várias vezes por semana e com uma proximidade expressiva, devido à

natureza do atendimento, incluindo o próprio contato físico. A

reciprocidade também favorece as aquisições de habilidades interativas,

bem como a evolução de um conceito de interdependência (Ribeiro, Moraes

& Beltrame, 2008). Segundo Copetti (2001) a reciprocidade pode gerar uma

motivação capaz de levar os indivíduos a prosseguirem e acelerarem suas

atividades, melhorando o padrão de aprendizagem e consequentemente os

quadros de saúde física e mental.

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144

Os profissionais de saúde que se propõem a tratar o paciente

precisam buscar o sentido e o significado da queixa que o cerca. A leitura

parcial desse paciente representa, de certa forma, a fragilização da relação

terapêutica (Loyola, 1984) quando desconsidera que a eficácia terapêutica

depende de todos os atos que envolvem o encontro entre o paciente e o

profissional (Ferreira, 1993).

Durante as sessões de fisioterapia é necessário que o paciente não

apenas observe e execute as atividades propostas pelo fisioterapeuta, mas

que esse (paciente) se reconheça como ativo e chave fundamental no

processo terapêutico. Afinal, a efetividade do tratamento encontra-se numa

via de mão dupla, onde os pacientes precisam ser participantes ativos sob a

orientação do fisioterapeuta. A tendência é que à medida que os

participantes se envolvam em relações interpessoais, características como

afetividade, reciprocidade, confiança, respeito e vínculo se desenvolvam e

se tornem mais evidentes.

Neste panorama, o desenvolvimento de relacionamento entre

fisioterapeuta e paciente apresenta-se como algo natural e muito provável de

acontecer entre essas partes, visto que o tratamento em questão apresenta

fatores favoráveis ao surgimento de um relacionamento interpessoal, tais

como longo período de convivência, estímulos táteis prolongados e

comunicação verbal em boa parte do atendimento fisioterapêutico.

O interesse em estudar o fenômeno da adesão na fisioterapia com

base no relacionamento estabelecido entre fisioterapeutas e pacientes

firmou-se como o objetivo central da minha dissertação (Subtil, 2010).

Considerando a escassez de trabalhos sobre o tema no campo da

fisioterapia, o estudo teve caráter qualitativo e exploratório, avaliando uma

amostra de pacientes e fisioterapeutas de um centro de reabilitação pública

do Espírito Santo.

Fizeram parte da pesquisa 11 pacientes adultos de 25 a 73 anos,

com diagnósticos clínicos variados, como fraturas ósseas, degenerações

articulares e reabilitação de pós operatórios ortopédicos; além de quatro

fisioterapeutas atuantes na equipe em que esses pacientes foram atendidos.

Tanto os pacientes quanto os fisioterapeutas foram submetidos a

uma entrevista com um roteiro semi-estruturado com tópicos que se

propuseram a compreender os fatores envolvidos ao processo de adesão na

fisioterapia.

A análise dos dados seguiu os três passos da fenomenologia-

semiótica: descrição, redução e a interpretação. A descrição consistiu numa

separação de partes de um todo e numa demarcação de unidades de sentido

do texto original. A redução apresenta-se como uma síntese, já que agrupa

as partes separadas da descrição apontando os temas centrais do fenômeno

que serão analisados posteriormente na interpretação; a interpretação

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organiza o conteúdo das unidades reduzidas em um texto que integra todos

os temas que compõem a experiência de cada indivíduo dentro do fenômeno

estudado, comparando-os com as pesquisas realizadas acerca da temática

escolhida (Gomes, 1998 ; Lanigan, 1992).

Os relatos dos pacientes sugeriram uma estrutura do fenômeno

organizada em torno de duas áreas temáticas: a) a fisioterapia e o bom

profissional: tem que ser profissional, mas tem que ser humano também; b)

adesão versus não adesão.

Resumidamente, as duas áreas temáticas apresentaram percepções

que incluíam ou citavam a questão da relação estabelecida entre o paciente e

o fisioterapeuta e a importância para o sucesso da reabilitação.

O bom fisioterapeuta foi visto como aquele que alia a habilidade

técnica à habilidade para o relacionamento interpessoal. O fisioterapeuta é o

profissional capaz de aliviar ou suprimir os sintomas dolorosos de cada

doença, tornado-os capazes de voltar às atividade de vida diária. Além da

competência técnica, o fisioterapeuta precisa saber relacionar-se com o

paciente, oferecendo a atenção individualizada, avaliando e cuidando

daquele que o procura de uma forma integrada, considerando tanto os

aspectos físicos como emocionais. Para ser considerado bom, o

relacionamento entre paciente e fisioterapeuta precisa envolver empatia,

reciprocidade, confiança e afeto. Todas essas qualidades foram percebidas

como determinantes do relacionamento e do sucesso do processo

terapêutico.

Tem que ter conhecimento, mas tem que conversar, ouvir, dar

atenção... (Paciente 07).

Não adianta ser muito bom na teoria se não sabe nem conversar

com o paciente e dar a atenção que ele precisa aqui...(Paciente 02).

O relacionamento entre os pacientes e os fisioterapeutas da unidade

de atendimento foi percebido como satisfatório, no entanto, consideram ter

pouco tempo de contato e baixa possibilidade de conversar com cada

terapeuta sobre seus problemas e a evolução na reabilitação.

Eu sei que eles atendem muitos pacientes por hora, e acho que talvez

por isso não possam nos dar a devida atenção, passar mais tempo

nos escutando, avaliando e tudo mais (Paciente 09).

A adesão ao tratamento é percebida como um processo que está

vinculado tanto ao paciente quanto ao profissional. Realizar o tratamento

fisioterapêutico até o final requer qualidades e aspectos daquele que trata e

daquele que é tratado. No caso dos pacientes, fatores como disciplina,

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desejo de melhorar, assiduidade, confiança no profissional e na técnica

escolhida, compromisso e a realização das orientações quanto a execução

das atividades domiciliares figuram como determinantes para que o paciente

realize todo o tratamento na fisioterapia. Quanto aos fatores ligados aos

fisioterapeutas, os aspectos emocionais, ligados à forma como se dá o

relacionamento e o tratamento do profissional com o paciente aparecem

antes das habilidades técnicas. Oferecer atenção, carinho, respeito, amor,

confiança e afeto, foi percebido como essenciais para que o paciente sinta-

se motivado a continuar a fisioterapia.

O abandono da fisioterapia aparece ligado a quatro fatores:

dificuldades financeiras; necessidade de voltar ao trabalho; falta de interesse

e desvalorização do tratamento, tanto devido à avaliação negativa dos

serviços oferecidos pelo SUS, quanto devido a fatores psicológicos que

geram um descomprometimento do paciente com um tratamento que não é

pago; insatisfação com as técnicas fisioterapêuticas e com o relacionamento

com o fisioterapeuta.

Os relatos dos fisioterapeutas indicaram uma estrutura organizada

em três áreas temáticas: a) capacidades e habilidades do bom fisioterapeuta;

b) a adesão à fisioterapia; c) o relacionamento fisioterapeuta paciente.

Na percepção dos fisioterapeutas, as qualidades que o profissional

deve ter para oferecer um tratamento satisfatório se referem tanto ao

contexto técnico quanto ao contexto pessoal. O bom fisioterapeuta é aquele

profissional capaz de associar suas capacidades e habilidades técnicas a

capacidades e habilidades comunicativas, tais como saber escutar e

compreender o paciente em estado de sofrimento, oferecendo atenção e

cuidado em forma de afeto (amor, respeito, solidariedade/apoio, carinho,

atenção, escuta) e de contato físico (terapia manual). A atuação

fisioterapêutica não deve permanecer restrita à execução de técnicas e

aplicação de aparelhos, mas deve construir uma abordagem que integre as

competências profissionais e as habilidades para lidar com o outro de forma

abrangente.

Ter amor à profissão, gostar do que faz, então faz com qualidade,

ter respeito pelo paciente, porque ele precisa do seu toque e do seu

carinho, da sua atenção, do seu conhecimento técnico científico;

mas não adianta nada saber todas as técnicas se você não encosta

no paciente. A maioria dos nossos pacientes precisa mais da nossa

atenção, do nosso calor humano, do que às vezes da nossa técnica, e

só de você encostar e tocar nele, de conversar com ele, você já está

resolvendo parte do problema (Fisioterapeuta 04).

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O fisioterapeuta foi visto como o profissional capaz de devolver as

aptidões físicas ao paciente, possibilitando o retorno as suas funções de vida

diária, ao trabalho e levando a melhora da qualidade de vida. O bom

fisioterapeuta é aquele que atua desde a prevenção de disfunções até a

reabilitação do indivíduo, orientando os pacientes para executar as

atividades em casa, já que as duas horas semanais na fisioterapia são

insuficientes para a reabilitação completa e rápida do paciente.

Somos capazes de aliviar a dor do outro, reduzir o sofrimento. Não

tem profissão mais bonita e criativa que essa. A fisioterapia cabe em

tudo porque mexe com o movimento humano, o que me incomoda é

que a nossa profissão ainda não foi vista em sua plenitude, acho que

nem mesmo os fisioterapeutas se dão conta dessa magnitude

(Fisioterapeuta 02).

O processo de adesão na fisioterapia foi descrito pelos

fisioterapeutas como um evento associado em grande parte ao paciente,

considerando este último peça fundamental no processo de reabilitação. O

paciente deve ser um agente ativo deste processo, desejando alcançar e

buscar a melhora e reabilitação das funções perdidas ou prejudicadas pelo

adoecimento. Para que o paciente permaneça no tratamento, é necessário,

por parte dos fisioterapeutas, tratar com atenção cada caso apresentado, de

forma individualizada, oferecendo a assistência adequada àquele caso.

O paciente precisa participar ativamente do tratamento, fazer os

exercícios em casa seguindo nossas orientações e se conscientizar

que não fazemos milagres, nem trabalhamos sozinhos, precisamos

da ajuda e participação dele (Fisioterapeta 03).

Para ele continuar a vir ele precisa se sentir apoiado, cuidado,

ouvido, tratado (Fisioterapeuta 02).

A carência por afeto e os demais comprometimentos de ordem

emocional dos pacientes foram apontados como fatores ligados ao processo

de adesão.

Às vezes não são só problemas físicos, tem problemas de família

desorganizada, com dores físicas e dores da alma. Alguns vêem a

fisioterapia só para saírem de casa e se sentirem menos sozinhos e

abandonados, eles fogem do ambiente em que vivem (Fisioterapeuta

01).

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Os fatores de ordem emocional foram identificados como

limitantes na continuidade do tratamento caso não sejam solucionados.

Cabe ao fisioterapeuta identificar essas possíveis alterações e encaminhar ao

profissional de psicologia da equipe.

O processo de não aderir ao tratamento fisioterapêutico esteve

associado a seis causas principais: as condições sócio econômicas

desfavoráveis dificultando o acesso ao local de tratamento, a busca pela

aposentadoria precoce e o auxílio do INSS, a demora até o início do

tratamento, a não aceitação do quadro crônico de certas doenças, a melhora

relativa dos sinais e sintomas da doença somada a falta de persistência em

continuar até o final e a necessidade de voltar às atividades de trabalho para

o sustento da família.

Portanto, o processo de aderir ou não a fisioterapia foi relacionado

tanto a contingências gerais quanto a características pessoais/ perfil

psicológico dos pacientes. Nesse processo, o paciente é visto como

elemento principal e o fisioterapeuta como elemento secundário. Ser o

elemento principal significa ter a maior parte das responsabilidades ligadas

ao processo de reabilitação, ou seja, a melhora do quadro dependerá mais da

vontade e do interesse do paciente em alcançar os objetivos do tratamento

do que o tratamento em si oferecido pelos fisioterapeutas.

Aqui o nosso maior problema com a adesão é a passagem, 80 a 90%

são pessoas humildes, depois tem muitos pacientes que vem pra cá

por conta de um laudo do INSS, aí eles pegam o laudo e vão embora,

e tem a questão da demora da triagem (Fisioterapeuta 01).

O relacionamento entre fisioterapeuta e paciente foi percebido

como fator fundamental para o sucesso da reabilitação, além de ser peça

chave no processo de adesão comentado no tema anterior. A relação que se

constrói entre esses indivíduos é permeada por respeito, carinho, empatia,

atenção e capacidade de escuta do outro.

A gente tem que ter empatia com o paciente, tem que dá atenção, os

pacientes vem pra cá procurando o tratamento de reabilitação, mas

a gente não é só fisioterapeuta, a gente acaba sendo um pouco de

conselheiro (Fisioterapeuta 02).

A relação é de muito respeito, um carinho respeitoso eles tem por

nós e nós por eles, muitos contam problemas e a gente acaba

ouvindo. Eles tem carência de serem ouvidos (Fisioterapeuta 03).

Tem que haver empatia pelo profissional e pelo paciente para

refletir positivamente no tratamento, tem que ter uma relação

positiva, estar atento às reclamações dele, as coisas que você pode

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estar melhorando no tratamento dele, no atendimento

(Fisioterapeuta 04).

Existe um conflito na forma como os participantes descrevem essa

relação, para alguns se trata de uma amizade com características

profissionais, mas sem a formação de vínculo íntimo, para outros existe a

formação do vínculo, mas sem necessariamente caracterizar uma relação de

amizade. A forma como percebem o relacionamento revela suas dúvidas na

identificação e descrição desse tipo de relação, que hora apresenta-se como

amizade e hora como relacionamento profissional, associando

características dos dois tipos de relação. Mesmo com as dificuldades em

descrever o tipo de relação que se estabelece entre fisioterapeutas e

pacientes, o relacionamento entre ambos foi identificado como fator

essencial no processo de reabilitação e adesão na fisioterapia.

Eu converso, tento formar não uma amizade, mas um vínculo com o

meu paciente, eu gosto de conversar, de ouvir o que ele tem a dizer.

Não precisa ser amigo pessoal, mas no relacionamento profissional

tem que dar atenção (Fisioterapeuta 01).

Eu sei o que é dor e o que é sofrimento, eu procuro receber o

paciente da melhor maneira possível, criando um vínculo com ele

sem intimidades é claro, para que essa uma hora que ele passa aqui,

ele se sinta bem, que tire suas dúvidas e que confie no profissional,

que até brinque às vezes, tendo um respeito, mas também com

liberdade (Fisioterapeuta 02).

Interpretação Fenomenológica

A redução fenomenológica mostrou que o fenômeno da adesão ao

tratamento na fisioterapia está estruturado em torno de três aspectos: o

cuidado integral, que compreende a forma de abordagem fisioterapêutica

durante o tratamento, considerando o paciente em todas as suas dimensões

(físicas, psíquicas e sociais); a comunicação, que abrange os aspectos da

relação que se estabelece entre terapeutas e pacientes; e as contingências

sócio econômicas que perpassam as limitações financeiras dos pacientes

atendidos pelo SUS - os fatores ligados à permanência ou abandono da

fisioterapia. Dessa forma, o desafio da interpretação é entender como esses

três focos problemáticos explicam e se relacionam com o fenômeno da

adesão na fisioterapia.

A adesão não se limita ao conhecimento e reconhecimento da

doença músculo esquelética e à escolha do procedimento mais adequado à

reabilitação. A adesão na fisioterapia envolve questões ligadas ao cuidado

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integral, cercado de uma abordagem terapêutica e avaliação multifatorial; ao

desenvolvimento e aperfeiçoamento continuado da comunicação e da

relação que se estabelece em todos os níveis interpessoais do tratamento, e a

consideração dos fatores sócio econômicos de cada paciente.

Portanto, aderir ao tratamento na fisioterapia é muito mais que

realizar as 10 ou 20 sessões prescritas pela equipe, revelando não se tratar

de um processo quantitativo e sim qualitativo, que envolve mais do que uma

disfunção músculo esquelética a ser resolvida. A adesão compreende uma

situação em que um indivíduo busca o serviço do centro de reabilitação,

carregando consigo uma série se sentimentos, perspectivas, emoções, dores

e angústias, que podem, na maioria dos casos se aproximarem ou estarem

relacionadas de alguma forma ao adoecimento de ordem física.

O cuidado integral perpassa questões que envolvem a tomada de

decisões tanto por parte dos terapeutas, quanto dos pacientes. Cuidar

integralmente de um indivíduo significa percebê-lo como um ser social,

físico e emocional, que carrega consigo todos os medos, angústias e

frustrações por estar doente naquele momento.

O paciente é um indivíduo que apresenta uma história e uma

personalidade únicas. Sua carga genética, assim como as suas experiências

de vida, terão influência sobre a sua personalidade e sobre a forma como o

mesmo reage à doença. Está no próprio indivíduo o motivo de sua doença

(Perestrello,1996 e Tahka, 1988).

O tratamento recebido pelos pacientes, apesar de ter sido

considerado satisfatório, trouxe uma série de pontuações e críticas, dentre

elas o desejo em ter mais tempo de contato com os fisioterapeutas. A

expectativa por mais toque, mais atenção e maior disponibilidade para

serem ouvidos, expressa uma necessidade de tratamento mais abrangente,

tirando o foco da parte física lesionada e direcionando mais a atenção aos

fatores emocionais que podem estar envolvidos no processo de

adoecimento.

No mesmo sentido, aqueles que tratam revelaram estar conscientes

da necessidade deste tipo de abordagem sistêmica; no entanto, percebe-se

um desencontro entre a fala e a prática diária, visto que não há tempo

suficiente para a realização de uma anamnese aprofundada com cada

paciente, nem a chance de ouvi-lo um pouco mais a cada sessão. Esse

desajuste surge a partir do momento em que um mesmo fisioterapeuta

precisa atender cerca de cinco pacientes por hora de terapia, o que de fato o

impossibilita de oferecer um tratamento de maneira efetivamente integral.

Com a automatização do atendimento fisioterapêutico, nem mesmo os

profissionais se dão conta da perda de qualidade em atendimento,

considerando muitas vezes que apesar do pouco tempo com o paciente e as

altas demandas, a reabilitação é satisfatória para quem oferece e para quem

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recebe o atendimento. A angústia dos profissionais do centro de reabilitação

direciona-os a momentos em que é reconhecida a necessidade de ajuste no

modelo de atendimento, e a momentos em que os limites e as metas

estabelecidas pela instituição superam as possibilidades de ajustes

favoráveis à implementação da abordagem terapêutica integral. Este fato

revela que o ritmo intenso de trabalho e a necessidade de atender um

número máximo de pacientes, tem contribuído para a perpetuação do

modelo biomédico de atendimento e de uma visão quantitativa do processo

de adesão.

O modelo biomédico tem pouco a dizer sobre o sofrimento e sobre

como o indivíduo de percebe frente ao adoecimento, já que seus

procedimentos e sua forma de abordagem terapêutica acabam por resumir as

pessoas, as coisas, a vida e os acontecimentos do mundo às medidas de seus

padrões de referência, onde o que mais importa é a parte doente e não o

todo (Castiel, 1994).

Saber identificar se um paciente apresenta fatores emocionais

ligados ao processo de adoecimento, como causa ou como conseqüência,

remete a um processo de formação do fisioterapeuta que deveria ser

embasado nos aspectos psicossociais do indivíduo. Para que o profissional

de saúde ofereça um tratamento mais abrangente, é preciso identificar se os

mesmos estão preparados a perceberem que não é possível limitar sua ação

ao componente físico.

Quando se parte do pressuposto que todas as doenças são

psicossomáticas já que corpo e mente são inseparáveis, anatômica e

funcionalmente (Mello, 1983; Marinho & Fiorelli, 2007), constitui-se um

erro tentar dissociar os problemas psicológicos e emocionais dos transtornos

orgânicos, já que toda agressão ao corpo provoca reflexos para a mente e

vice versa. O paciente expressa por meio de palavras, gestos, posturas e

ações, além de características pessoais, a forma como a disfunção se

manifesta.

Sabe-se que a efetividade de um tratamento, assim como a adesão

estão estreitamente relacionados à comunicação e a relação entre terapeuta-

paciente, seja no contexto da psicoterapia (Jardim, Souza & Gomes,2009)

no contexto da enfermagem; (Esperedião & Trad, 2006; Hoga, 2004); no

contexto da medicina (Lemme, 2005 ; Perestrello, 1996) ou no contexto da

fisioterapia (Sanguin & Vizzotto, 2007; Marinho e Fiorelli, 2007).

Portanto, cuidar integralmente de um paciente, requer além das

habilidades técnico científicas, a capacidade de estabelecer uma

comunicação adequada entre todos os envolvidos no processo de

reabilitação. Desde o momento do acolhimento do paciente, passando pela

triagem, durante as sessões, até o dia da alta fisioterapêutica.

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Tanto aqueles que recebem o tratamento como aqueles que tratam,

vêem na comunicação uma ferramenta essencial ao sucesso da reabilitação.

Estabelecer uma relação de qualidade entre terapeuta e paciente contribui

para o conhecimento mais aprofundado daquele que é tratado, além da

expansão do conhecimento de quem trata, tanto sobre a melhor forma de

reabilitar o paciente, como aprender a avaliar continuamente o tipo de

abordagem terapêutica que é oferecida a cada um (Balint, 2007; Abdo,

1996; Silva, 2008; Stone, Patton & Heen, 1999).

O paciente deve ser visto como alguém que comunica e necessita

de uma atenção especial, não só como um portador de uma patologia (Costa

Junior & Sandoval, 2002). Segundo Leon (1973), para que o profissional da

área da saúde seja bom é necessário priorizar a comunicação com o

paciente. A relação criada pelo profissional com seu paciente, quando

afetuosa e valorizada, favorece o desenvolvimento de estados emotivos

positivos que facilitam a reabilitação. Quanto mais o fisioterapeuta entende

o paciente, maior é a possibilidade de ajudá-lo, tratá-lo e incentivá-lo a

realizar todo o tratamento.

Quanto maior é a compreensão das necessidades, das capacidades e

desejos do paciente, pelos profissionais da área da saúde, maior será o

sucesso obtido no tratamento do mesmo (Olivieri, 1985; Caprara &

Rodrigues, 2004; Moreira & Araújo, 2002 ; Fishman, 1995).

A descrição dos participantes deste estudo revelou a urgência na

melhoria da comunicação entre terapeuta e paciente, onde o profissional

dará mais atenção a como o paciente percebe a sua doença, não se

apresentando tão distante e afogado em suas próprias percepções; ou mesmo

envolvidos em seus medos, anseios e dúvidas quanto a seu empenho diante

de determinado caso a ser tratado. Isto também não quer dizer que os

fisioterapeutas e demais profissionais tenham que mudar de papel e

exercerem outras funções atribuídas à psicologia, mas sim devem estar mais

abertos à comunicação com o paciente e compreender em que medida

podem usar o diálogo a favor do tratamento e o momento certo de convidar

o psicólogo a participar do processo de reabilitação.

A maneira como o fisioterapeuta se relaciona com o paciente,

precedeu a perfeição da técnica, ao ser considerada como um aspecto mais

relevante durante a reabilitação. Isto não significa que o tratamento sem

resultados terapêuticos seja considerado bom, mas sim que antes da

remissão dos sintomas e devolução das funções perdidas, a relação que se

estabelece entre fisioterapeuta e paciente deve ser satisfatória, sendo

essencial para a adesão e o sucesso da reabilitação.

A dificuldade tanto por parte de terapeutas quanto por parte dos

pacientes em descrever e classificar o tipo de relacionamento que se

estabelece entre eles parece indicar uma dificuldade dos fisioterapeutas em

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lidar com um tipo de informação psicológica ou emocional trazida pelos

pacientes à terapia (angústias, medos, frustrações, carências, entre outros).

Essa dificuldade perpetua o distanciamento entre quem trata e quem recebe

a atenção, e reforça o receio dos fisioterapeutas de estabelecer vínculos

afetivos que possam se tornar uma relação de dependência pelo tratamento e

ou pela relação que o paciente estabelece com o profissional. Encontrar um

ponto de equilíbrio entre o vínculo saudável e o vínculo dependente foi

visto como um desafio aos profissionais de saúde, já que a relação que se

estabelece entre ambos, no entanto, é percebida como algo mais que um

relacionamento exclusivamente profissional, apesar de não se tratar

exatamente de amizade.

A relação terapeuta-paciente é, antes de qualquer coisa, uma

relação entre duas pessoas que se comunicam e estabelecem trocas durante

todo o tempo. O relacionamento estabelecido entre os terapeutas e os

pacientes apontou a presença de dimensões como compromisso, confiança,

respeito, apoio social, apego, proximidade, intimidade (maior no sentido

paciente-terapeuta) e comunicação.

No entanto, ainda mais importante que descrever ou caracterizar

o tipo de relação que se estabelece, é entender em que medida o

fisioterapeuta pode usá-la a favor do processo terapêutico.

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RELACIONAMENTO INTERPESSOAL E

ECONOMIA SOLIDÁRIA

Raquel Ferreira Miranda

Fernanda Henrique Cupertino Alcântara

Fernanda Simplício Cardoso

Agnaldo Garcia

José Roberto Pereira

Este trabalho é resultado de uma mesa-redonda ocorrida no I

Congresso Brasileiro de Pesquisa do Relacionamento Interpessoal que

abordou a temática do relacionamento e a economia solidária. Propõe-se

discutir sobre os relacionamentos interpessoais entre trabalhadores de

empreendimentos solidários e cooperativistas partindo do pressuposto de

que, nestas esferas, a ação coletiva se diferencia daquela que se desenvolve

nos domínios de empresas privadas e daquela que se desenvolve no

contexto social das relações tradicionais.

O capítulo está organizado de modo a apresentar inicialmente o cenário dos

estudos em Economia Solidária, seus fundamentos teóricos e aspectos

relevantes de sua implementação prática. Em seguida, nos referimos a uma

pesquisa no âmbito da economia solidária e do cooperativismo

apresentando uma análise dos valores, crenças e significados que permeiam

as ações solidárias e os vínculos sociais constituídos entre os associados de

duas cooperativas populares de Minas Gerais pertencentes à Rede de ITCPs,

após serem submetidas ao processo metodológico de incubação. E,

finalizando,apresentamos uma pesquisa que aborda os relacionamentos

interpessoais entre as participantes de uma cooperativa de produção do

Espírito Santo, estabelecendo uma perspectiva histórica dos

relacionamentos desde a criação do empreendimento até a situação

contemporânea dos relacionamentos e o impacto dos relacionamentos no

desenvolvimento da cooperativa.

Economia Solidária: projeto, prática e segurança ontológica

A Economia Solidária (ES) consiste num modelo de organização do

trabalho pautado na autogestão e na solidarização do capital. Contudo, não

se resume aos empreendimentos cooperativos tradicionais e alcança

experiências informais de organização social, como mutirão, ajuda mútua,

mutualidade e outros (Alcântara, 2005). Essa é uma das muitas concepções

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sobre o que é a ES. Existem muitos autores que, por exemplo, entendem que

só o cooperativismo popular faz parte da ES, enquanto o cooperativismo

tradicional não. Outros farão restrição apenas às cooperativas de trabalho,

alegando que estas, na maioria dos casos, constituem fraudes aos direitos

trabalhistas e sociais conquistados pelos trabalhadores com vínculo

empregatício. Por esta razão preferimos falar nos princípios que

caracterizam a ES, não no formato organizacional que os empreendimentos

assumem. Sobre o surgimento da ES logicamente não existe um consenso e

também não existe uma sistematização de dados capaz de indicar quando

surgiram os primeiros empreendimentos de Economia Solidária ou

empreendimentos econômicos solidários (EES) (Alcântara & Nagem,

2009).

Segundo nosso entendimento, o surgimento da ES ocorre, não por

acaso, no mesmo instante em que as empresas capitalistas fundadas no

vínculo de subordinação jurídica e no assalariamento se consolidam. Porém,

fundamenta-se em pressupostos contrários aos destas últimas. Sua

existência remonta ao início do século XIX e está associada à expansão do

movimento cooperativista. Daí decorre que consideramos a ES equiparada

ao modelo surgido do movimento cooperativista em meados do século XIX,

quando foi criada a primeira cooperativa de fato, a famosa Cooperativa de

Rochdale (Singer, 2002). Outros autores argumentam que a ES nada tem a

ver com a Revolução Industrial, mas sim com a crise financeira que

acometeu o Brasil e vários outros países na década de 80 (Leite, 2009;

Lima, 2008). Um dos principais efeitos desta crise foram a reestruturação

produtiva, a liofilização organizativa, o aumento do desemprego e da

informalidade (Antunes, 2002; Ramalho & Santana, 2004; Ribeiro, 2008).

Existe uma diferença substancial entre estas duas perspectivas, a qual

ultrapassa a questão formal. A primeira associa a ES à autonomia e a um

modelo com fim em si mesmo. Já a segunda a vê como resposta ao

desemprego, como algo temporário e circunstancial. Além disso, esta última

geralmente associa as práticas associativas produtivas à precarização e

flexibilização das relações de trabalho.

Esse não é o único ponto que causa bifurcação nos direcionamentos

teóricos e análises produzidas. Outra polêmica ainda pouco problematizada

ocorre quanto à natureza sociológica deste fenômeno. As principais

interpretações entendem ser ela: (1) um modo de produção; (2) um modelo

de produção; (3) um mecanismo para se chegar a um modo de produção

pretendido (Nagem, Alcântara & Coelho, 2009).

Como o histórico de trabalho e de vida da maioria dos indivíduos

que é público alvo de políticas de geração de renda no formato cooperativo

está associado à hierarquia, obediência e cumprimento de atividades

estabelecidas por terceiros, a insegurança ontológica aparece de modo

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recorrente nas experiências desta natureza. Essa “segurança do ser” não está

associada única e exclusivamente a um dado fenômeno, mas sofre

interferência direta e concreta dos efeitos das mudanças sofridas no mundo

do trabalho. Basicamente as pesquisas que versam sobre o tema têm

associado ele à estabilidade, mas o problema diz respeito também à própria

concepção do que significa estabilidade. Dessa forma, é fundamental

também compreender o que significa o trabalho para os indivíduos e as

várias formas em que se materializa. Podemos ter um exemplo da

multiplicidade de sentidos que são atribuídos à palavra trabalho ao

observarmos a citação que segue:

Nessa pesquisa, entende-se que o trabalho ocupa um lugar central

na vida de quem o realiza. Para tanto, são enfocados dois fatores: o

fato de ser ele um meio de sobrevivência e o tempo de vida a ele

dedicado. O trabalho além de ser um meio de subsistência, também

é um meio de integração social, pois possibilita o relacionamento

entre pessoas, a inclusão social e o sentimento de pertencer a um

grupo. (Medeiros & Macêdo, 2006, 63)

Supõe-se, com isso, que estar inserido em uma atividade de trabalho

confere segurança ontológica, mas não é bem isso o que ocorre. Nota-se

com freqüência que apenas atividades já institucionalizadas tendem a

produzir esse efeito. Primeiro vejamos o que significa segurança ontológica

para Giddens (2002, 223). Segundo ele: “Sentido de continuidade e ordem

nos eventos, inclusive daqueles que estão dentro do ambiente perceptual

imediato do indivíduo”.

Lógico que o trabalho não é o único elemento de referência para a

formação de identidade. Mas, é plausível a alegação de que também a

insegurança transforma o trabalho em precário e que “sofrimento e

emprego” é diferente de “sofrimento e trabalho” (Medeiros & Macêdo,

2006). Sennet (2009, 10) ao discutir as mudanças no mundo do trabalho

para as relações familiares e sociais do trabalho deixa essa perspectiva

bastante clara:

“Carreira”, por exemplo, significava originalmente, na língua

inglesa, uma estrada para carruagens, e, como acabou sendo

aplicada ao trabalho, um canal para as atividades econômicas de

alguém durante a vida inteira. O capitalismo flexível bloqueou a

estrada reta da carreira, desviando de repente os empregados de um

trabalho para o outro. (Sennet, 1999, 10).

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Parece inegável os efeitos da insegurança ontológica sobre a vida do

trabalhador, mas resta agora explora um pouco mais os motivos de sua

existência. Consideramos que a rotinização do comportamento gera um

quadro cognitivo com escolhas, cujos comportamentos mais familiares são

compreendidos pelos indivíduos como “opções preferenciais” frente às

“escolhas possíveis” (Alcântara, 2005). Resulta dessa constatação que a

racionalidade não é um cálculo avalorativo, mas sim um resultado

determinado por instituições sociais.

Vários mecanismos podem ser utilizados para minimizar os efeitos

desse período de transição e estranhamento. Tais mecanismos tentam

fornecer uma familiaridade com a prática proposta, facilitando, com isso, a

rotinização das práticas pautadas na autogestão e na solidarização de

capital.

Vínculos Sociais e Subjetividade: Estudo de Duas Cooperativas

Populares de Minas Gerais

O presente estudo representa parte de uma pesquisa qualitativa

financiada pela Fapemig, no âmbito da economia solidária e do

cooperativismo, cujas ações para a geração de trabalho e renda levam em

conta a condição de sociabilidade expressa na subjetividade dos associados.

De acordo com Singer (2002), as práticas autogestionárias e os novos

movimentos sociais não são investimentos paliativos contra o desemprego e

a exclusão, mas uma prática organizativa que visa à geração de trabalho e

renda, sem perder de vista valores como solidariedade, autonomia, liberdade

e participação.

Dessa forma, com o interesse voltado para a análise da

subjetividade, surgiu a questão norteadora da pesquisa: que valores e

crenças orientam a conduta dos associados de cooperativas populares, após

terem passado por um processo metodológico de incubação pelas ITCPs,

que tem como princípios orientadores a economia solidária e os

fundamentos do cooperativismo rochdaleano?

As Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCPs)

são iniciativas desenvolvidas no âmbito da política pública, cuja finalidade

é o assessoramento técnico de grupos de trabalhadores desempregados ou

em situação de trabalho precarizado, de modo a se organizarem em

atividades autogestionárias, sustentadas nos princípios solidários e

cooperativistas.

Para categorizar o repertório de valores e crenças dos associados de

cooperativas populares após passarem pelo período de incubação, bem

como analisar a aplicabilidade dos princípios da economia solidária no

âmbito das diferentes subjetividades que compõem os grupos de associados,

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foram selecionadas duas cooperativas populares de Minas Gerais

pertencentes à Rede de ITCPs, representantes da região sudeste do país,

sendo uma de comércio e outra de produção.

O suporte metodológico adotado na pesquisa foi de natureza

qualitativa, fundamentado no método interpretativo das ciências sociais, o

qual procura analisar a percepção dos sujeitos a respeito do tema em estudo,

utilizando-se para isso a coleta de informações por meio das entrevistas em

profundidade.

A escolha das cooperativas seguiu os critérios de seleção adotados

pelo projeto de pesquisa “Gestão Social da Rede Universitária de

Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares na Geração de

Trabalho e Renda”, desenvolvido pelo Departamento de Administração e

Economia da Universidade Federal de Lavras, em Lavras, MG e financiado

pela Fapemig. Segue abaixo a descrição dos referidos critérios:

a) Critérios de seleção das ITCPs para análise: foram selecionadas

as ITCPs que apresentaram, simultaneamente, três critérios:

localizada em região de maior concentração do número de ITCPs,

pioneirismo e maior número de cooperativas incubadas;

b) Critérios de seleção das cooperativas incubadas: foram

priorizadas para a pesquisa qualitativa aquelas cooperativas que

tinham maior tempo de funcionamento, porque possuem potenciais

informações qualitativas; que tenham sido incubadas pelas ITCPs

selecionadas para análise. O tamanho da cooperativa deve ser

levado em conta, por isso as cooperativas serão estratificadas em

três grupos quanto ao número de associados (grande, médio e

pequeno), que possam corresponder aos tipos de grupos “latentes”,

“intermediários” e “privilegiados”, classificados pela “lógica da

ação coletiva” de Olson (1999). Também se levou em conta, na

escolha das cooperativas, a localização geográfica, pois ela

constitui um fator indicativo de contexto cultural específico, sendo

escolhida pelo menos uma localizada em cada uma das regiões

referenciadas. (Pereira, 2007, 35-36).

Foram entrevistados treze associados, no período compreendido

entre os meses de junho e julho do ano de 2008, sendo oito integrantes da

cooperativa de trabalho e cinco integrantes da cooperativa de produção.

Para compor o perfil sócio-demográfico dos participantes da pesquisa foram

consideradas as seguintes variáveis: gênero, idade, escolaridade, estado

civil, número de filhos e renda familiar.

A escolha da amostra de entrevistados foi não probabilística por

conveniência, significando que “os indivíduos são escolhidos simplesmente

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por serem mais acessíveis ou, então, por serem mais fáceis de serem

avaliados.” (Alencar, 2004, 63).

A pesquisa foi dividida em duas etapas: uma destinada à revisão

bibliográfica sobre o tema pesquisado e a segunda, dirigida à coleta de

informações por meio de entrevistas em profundidade. O recorte teórico a

partir da Psicanálise e da Teoria da Dádiva (Mauss, 1974) possibilitou o

diálogo entre psicologia e antropologia na interface com o campo

organizacional, levando em conta as dimensões psíquica, social e cultural

que constituem a subjetividade.

As análises e as interpretações das entrevistas foram feitas com

base no referencial teórico da pesquisa, sendo construídas categorias

analíticas nucleantes para auxiliar na interpretação dos relatos coletados. As

categorias de análise da pesquisa partiram das matrizes teóricas trabalho e

subjetividade, de onde foram extraídas oito categorias analíticas nucleantes:

Trabalho, Ação Política, Solidariedade, Cooperação, Participação,

Aprendizado, Identificação e Pessoalidade, devidamente agrupadas em três

unidades de análise interdependentes: (a) os significados do trabalho

associado à subjetividade dos sujeitos; (b) elementos intersubjetivos da

economia solidária; (c) elementos psíquicos, sociais e culturais da

subjetividade.

Foram selecionados fragmentos da fala dos entrevistados que

refletem os conceitos teóricos operacionais da pesquisa, organizados nas

categorias analíticas nucleantes, possibilitando fazer inferências sobre a

subjetividade dos associados após passarem pelo processo metodológico de

incubação, com a finalidade de assimilar os princípios da economia

solidária e do cooperativismo.

Os relatos colhidos evidenciaram que a estratégia metodológica

adotada pela ITCP atingiu, em parte, sua finalidade de ação socializadora

sobre os associados. Pela análise das narrativas foi possível inferir que o

trabalho realizado pelas incubadoras propiciou uma nova projeção às

atividades desenvolvidas nas cooperativas populares, além de reforçar os

laços de identificação do grupo, ao sensibilizar os associados para o

trabalho em equipe, a solidariedade e a cooperação na tomada de decisões

que afetam os interesses grupais.

Por outro lado, as narrativas analisadas apontaram alguns aspectos

da estratégia de incubação identificados como falhas metodológicas, a

saber: o processo de desligamento da incubadora e a variável rotatividade

do grupo, que acabou comprometendo o processo de aprendizagem

adquirido pelos associados no período da incubação, bem como a confiança

depositada na ITCP. Os entrevistados das duas cooperativas se queixaram

que o processo de desligamento da incubadora foi efetivado num momento

crítico do empreendimento, comprometendo o sentimento de confiança na

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incubadora. Sobre a rotatividade do grupo, ponderaram que alguns

associados não faziam parte da cooperativa na época da incubação e,

portanto, não foram socializados nos princípios solidários e cooperativistas.

Essa observação foi confirmada nas entrevistas com os associados que não

passaram pelo processo de incubação, pois deixaram evidente que não se

apropriaram dos conceitos e valores do empreendimento solidário, embora,

muitas vezes, os colocavam em prática por imitação.

Em relação aos vínculos sociais, estes foram avaliados com base

nas categorias analíticas nucleantes Identificação e Pessoalidade. As

análises apontaram que, em parte, os entrevistados assumiram os princípios

da economia solidária e do cooperativismo como modo de organização no

trabalho, apropriando-se dos conceitos e definições que sustentam o

empreendimento solidário. Aqueles que estavam na cooperativa há mais

tempo e participaram de todo o processo de incubação, apresentaram

conhecimento mais elevado dos fundamentos do cooperativismo e, para

além do sustento econômico, buscavam, no empreendimento, um modo

particular de se relacionar com o grupo, tornando o trabalho uma fonte de

satisfação e realização pessoal. Por outro lado, quando indagados sobre as

possibilidades de sobrevivência da cooperativa no mercado capitalista,

assegurando um meio de auferir renda para o sustento, os entrevistados

revelaram a crença de que o trabalho formal oferece proteção e garantias

não vislumbradas nas cooperativas. Contudo, não se mostraram conscientes

dessa crença de conceber o trabalho formal como fonte de garantias, o que

inviabilizou que fizessem um exame crítico do valor que atribuem ao

trabalho.

Os resultados desta pesquisa apontaram que novos estudos devem

ser desenvolvidos, com a finalidade de conhecer em maior alcance e

profundidade os elementos psíquicos, sociais e culturais que constituem a

subjetividade humana e influenciam as atitudes, crenças e valores, bem

como os procedimentos metodológicos adotados pelas ITCPs com vistas a

atingir os objetivos proclamados. A partir do conhecimento desses

elementos, espera-se que novas perspectivas sejam alcançadas para a

construção de projetos que viabilizem a ação do homem no espaço da

pluralidade, visando o bem-estar social, a sustentabilidade e a dignidade

humana.

Relacionamento Interpessoal: Estudo de Caso de uma Cooperativa

Popular

Este trabalho é fruto de uma pesquisa desenvolvida junto a uma

cooperativa de produção localizada no município de Vitória, mais

especificamente em uma região de baixa renda da cidade, a Ilha das

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163

Caieiras. Ao longo de oito meses foi estabelecido contato com as

cooperadas e observou-se suas rotinas de trabalho, as relações interpessoais,

a estrutura sócio-cultural e o ambiente em que estavam inseridas.

A cooperativa iniciou as atividades em 1999, surgiu de uma

demanda do poder público municipal que a propõe como parte de um

projeto de urbanização de áreas ocupadas por assentamentos informais e

geração de renda para população carente, sendo originalmente composta

por quarenta e nove mulheres, identificadas como as desfiadeiras de siri da

Ilha das Caieiras. Essas mulheres nunca haviam participado de um grupo

cooperativo e estavam sem um trabalho formal, viviam, basicamente,

do desfio de siri que faziam individualmente nas calçadas da Ilha. No

momento da pesquisa, a atividade da cooperativa não era o desfio do siri,

mas um restaurante de culinária típica capixaba, sediado em um local

construído às margens do mangue e cedido pela prefeitura de Vitória para

uso das cooperadas.

A pesquisa teve como objetivo descrever e analisar a história dos

relacionamentos interpessoais entre as participantes de uma cooperativa de

produção da Ilha das Caieiras, na cidade de Vitória, Espírito Santo,

buscando compreender o desenvolvimento histórico e a situação atual

destes relacionamentos. Participaram da pesquisa doze mulheres

cooperadas, dentre as treze que estavam em atividade na cooperativa no

momento da pesquisa. Os dados foram obtidos por meio de entrevistas

semi-estruturadas com as participantes e observação das instalações e da

rotina de trabalho na cooperativa. Foram analisados por análise de conteúdo

e organizados de acordo com o referencial teórico de Robert Hinde (1997)

que possibilitou uma compreensão da natureza e da dinâmica dos

relacionamentos. São destacados três pontos em relação ao histórico e à

situação contemporânea dos relacionamentos: uma história de sobreposição

de diferentes formas de relacionamento: familiar, comunitária e de trabalho;

a transposição de padrões de relacionamento familiares e comunitários para

as relações de trabalho; a necessidade de um amplo planejamento de

treinamento para o desenvolvimento interpessoal e organizacional.

Robert Hinde é um dos autores contemporâneos que mais

contribuiu para a tentativa de organização de uma “ciência do

relacionamento interpessoal”. De acordo com Hinde (1997), há

relacionamento se os indivíduos têm uma história comum de interações

passadas e o curso da interação atual é influenciado por elas. Segundo este

autor, o relacionamento interpessoal faz parte de um sistema de relações

com seis diferentes níveis de complexidade, especificamente: o nível de

processos psicológicos, de comportamento do indivíduo,de interação, de

relacionamento, de grupo e sociedade, que afetam e são afetados uns pelos

outros e ainda a estrutura sociocultural e o ambiente físico. Além de

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164

considerar as diferenças entre esses níveis, Hinde (1997) ressalta que é

preciso vê-los não como entidades estanques, mas como processos que se

inter-relacionam e se influenciam mutuamente.

O tema relacionamento em ambiente organizacional representa

uma proporção muito pequena dos estudos publicados em revistas

internacionais especializadas sobre relacionamento interpessoal (Garcia,

2005). Um panorama mais amplo dos estudos sobre relacionamento

interpessoal nas organizações surge nos periódicos internacionais de

Psicologia Organizacional. Diferentes aspectos do relacionamento

interpessoal, conforme organizados por Hinde (1997) estão presentes nestas

publicações. Várias têm abordado similaridade, diferença, reciprocidade e

complementaridade. Entre estas, estão pesquisas sobre diferenças de idade e

seus efeitos na relação supervisor-subordinado (Perry, Kulik & Zhou, 1999;

Finkelstein, Allen & Rhoton, 2003), sobre similaridade e

complementaridade entre colegas (Tett & Murphy, 2002), sobre os efeitos

da similaridade na percepção e na avaliação (Strauss, Barrick & Connerley,

2001), sobre os efeitos da similaridade com colegas e clientes no

desempenho (Leonard, Levine & Joshi, 2004), sobre o papel da

dissimilaridade entre supervisor e subordinado (Duffy & Ferrier, 2003) e

sua influência no local de trabalho.

A partir dos dados obtidos, são destacados alguns aspectos centrais

do papel dos relacionamentos interpessoais na construção e manutenção de

uma cooperativa de produção. O primeiro aspecto refere-se à construção do

sistema cooperativo como uma reorganização das relações interpessoais. O

segundo trata da dimensão sociocultural e ambiental e a transferência das

relações familiares e de amizade para o trabalho. Apesar do modelo de

Hinde (1997) apresentar estruturas socioculturais e ambiente físico como

duas dimensões distintas, na prática, não se pode pensar o ambiente como

algo isolado de suas determinações sociais e culturais.

Do ponto de vista do relacionamento interpessoal, a formação da

cooperativa exige uma nova estrutura e dinâmica nas relações entre as

desfiadeiras da Ilha, afetando ainda a comunidade da Ilha. A mudança

econômica traz consigo novas formas de produção que exigem novos papéis

e novas relações entre as pessoas, as quais são inseridas em uma estrutura

de trabalho que requer o desenvolvimento de relações profissionais,

entretanto os padrões de relacionamento na cooperativa parecem atrelados

às relações familiares e na comunidade, com amigos e parceiros.

Ao entrar na esfera profissional o indivíduo não é desprovido dos

demais papéis sociais que representa principalmente, os papéis familiares de

mãe, esposa, filha, tia. Observa-se uma permeabilidade entre os diversos

papéis familiares e profissionais vivenciados pelas cooperadas, sendo, por

vezes, a cooperativa, uma extensão da casa das cooperadas.

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Na cooperativa o que é transposto para a esfera profissional são as

próprias relações familiares, portanto, falar das relações interpessoais na

cooperativa estudada implica em ressaltar que essas são de ordem

primordialmente familiar. As fronteiras físicas da família e organização

coincidem, pois a cooperativa localiza-se onde as cooperadas e seus

familiares sempre viveram, o entorno é totalmente familiar. A presença dos

laços familiares cria um sistema organizacional familiar baseado na

lealdade e na submissão, que impede qualquer movimento contrário. Nem

tudo, porém, é desvantagem, pois a relação cooperativa/família carrega

consigo lealdade, dedicação, sensibilidade à vivência dos colegas,

sacrifícios feitos pela família, orgulho familiar.

As dificuldades para o desenvolvimento de uma cultura

autogestionária estavam presentes nas expectativas das cooperadas no

momento de formação da cooperativa, quando havia a valorização do

assalariamento, da carteira assinada, a incompreensão quanto à necessidade

de horário de trabalho, a falta de entendimento das características e

peculiaridades de uma cooperativa, a participação na cooperativa vista

como falta de opção de emprego e a permanência na cooperativa vista como

temporária. Parte fundamental do processo de formação de uma cooperativa

encontra-se na preparação dos trabalhadores para o exercício da atividade

neste novo contexto, mas há uma barreira comum nas cooperativas

populares: o baixo nível de escolaridade (Albuquerque, 1994; Lima, 2004).

Ao propor a criação de uma organização cooperativa é importante

que seja feita uma análise da atividade que os futuros membros da

cooperativa em questão realizavam, compreender como era a organização

do trabalho e avaliar quantos cooperados seriam necessários para que o

desenvolvimento das atividades seja compatível com um rendimento

financeiro mínimo para a manutenção da cooperativa e seus membros.

Cursos de formação e aprimoramento são fundamentais para

instrumentalizar as cooperadas para a realização de atividades com

qualidade e para convivência em uma organização cooperativa. Sabe-se que

não é nada fácil assimilar novas formas de pensar e de agir, colocando-as

em prática de modo a sempre levar em consideração o outro, por mais

elevadas que sejam as metas de democracia, igualdade e autogestão.

Particularmente, quanto à cooperativa investigada, algumas

considerações podem ser feitas: a necessidade de estudos prévios das

condições sociais e históricas para a implantação de uma cooperativa,

incluindo um estudo das redes de relações interpessoais e como estas serão

afetadas pelo novo empreendimento; a necessidade da formação das pessoas

que irão participar do empreendimento, levando-se em conta a história da

população alvo e a história da atividade a ser desenvolvida no

empreendimento, buscando sua formação técnica, mas também social e

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administrativa; a necessidade de acompanhamento do desenvolvimento

organizacional e interpessoal, incluindo as relações profissionais.

Os elos entre o relacionamento interpessoal e empreendimentos

solidários ainda necessitam de investigações mais amplas, não somente do

ponto de vista empírico, mas também de ordem conceitual.

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169

15

AMIZADES INTERAMERICANAS DE ESTUDANTES

UNIVERSITÁRIOS BRASILEIROS: UM ESTUDO DESCRITIVO

Agnaldo Garcia

Lívia Ramos Brandão

Lorena Queiroz Merizio Costa

Marco Aurélio Togatlian

O termo amizade tem sido empregado para relações entre pessoas,

grupos e nações. Amizades internacionais, em particular, estão presentes

tanto na literatura sobre relacionamento interpessoal (e.g. Ward, 2001)

quanto na literatura sobre política internacional (e.g. Digeser, 2009).

O foco do presente artigo são amizades entre pessoas de diferentes

países. A expressão amizades internacionais é empregada por se referir a

amizades entre pessoas que permanecem vinculadas a seu país de origem,

diferindo assim de amizades de migrantes recentes ou entre grupos culturais

dentro de um mesmo país.

Amizades entre membros de diferentes países, etnias ou culturas

ainda são pouco investigadas. De modo particular, pouco se sabe sobre

amizades internacionais ou interculturais envolvendo países latino-

americanos. A crescente globalização da economia e seus efeitos sobre as

relações internacionais e o aumento do contato entre pessoas de diferentes

origens devido à facilidade de deslocamento ou de comunicação entre

países torna o tema de amizades internacionais ou interculturais como algo

de relevância para o panorama social e cultural do século XXI.

Amizades e alianças são fenômenos que envolvem pessoas e nações,

ainda que em diferentes proporções. Em ambos os níveis, contudo,

amizades abrem possibilidade de cooperação, de ajuda mútua em diferentes

campos de atuação, social, cultural e científica.

A literatura sobre amizades interculturais e internacionais ainda

apresenta limitações. Amizades entre pessoas de diferentes grupos, etnias,

raças, culturas e nações são temas relacionados. Autores recentes têm

indicado a influência de fatores como raça e etnia na escolha de amigos

(Kao & Vaquera, 2006) e mesmo em atividades compartilhadas (Hunter &

Elias, 1999). Amizades interraciais e interétnicas têm revelado efeitos que

ultrapassam a díade de amigos, como a redução de preconceito racial e

integração social. Jacobson e Johnson (2006), por exemplo, relacionaram a

presença de amizade entre diferentes raças com a geração de atitudes mais

favoráveis em relação à aceitação de casamentos interraciais. Um grupo que

têm despertado o interesse dos autores voltados para amizades

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internacionais ou interculturais são os estudantes internacionais (Antonio,

2004; Constantine e cols., 2005; Kudo & Simkin, 2003 Levin, Laar &

Sidanius, 2003; Yamazaki e cols.; 1997; Ying, 2002).

Amizades interculturais se dão entre pessoas de diferentes culturas

(Sias e cols., 2008) convivendo em um mesmo país (Collier & Bornman,

1999) inclusive como resultado de imigração recente (DeBruin-Parecki,

2003). Amizades internacionais representam um caso particular de

amizades interculturais pois seus participantes são cidadãos de diferentes

países. Neste caso, a expressão de refere mais apropriadamente à amizade

entre pessoas originárias de diferentes países, as quais mantêm uma ligação

importante com o seu país, como é o caso de estudantes internacionais ou de

profissionais temporariamente no exterior.

Os universitários internacionais representam o principal grupo

investigado neste tema. Amizades internacionais ou interculturais de

universitários estrangeiros geralmente têm sido investigadas quando estes se

encontram fora de seu país de origem (Bektas, 2008; Ward & Margoret,

2004), destacando suas dificuldades para estabelecer amizades com

pessoas do país anfitrião (Bailey, 2006; Brown, 2009a; Cushner & Karim,

2004; Pandian, 2008; Sawir, Marginson, Deumert, Nyland & Ramia, 2008).

As amizades interculturais de universitários nessas condições têm sido

consideradas importantes por contribuírem para a aprendizagem do idioma

e da cultura locais (Ward, 2001; Ward, Bochner & Furnham, 2001). Um

tópico importante nestes estudos refere-se às diferenças culturais, ora vistas

como negativas para as amizades (Gareis, 2000), ora como positivas (Kudo

& Simkin, 2003, Sias et al., 2008), motivando tais amizades.

Em relação a amizades internacionais, pouco tem sido investigado

no Brasil. Desidério (2006) indicou as dificuldades de estudantes africanos

do Programa Estudante-Convênio de Graduação para fazer amizades com

brasileiros. Subuhana (2009), por outro lado, referiu-se à amizade com

brasileiros de universitários africanos no Brasil como um fator positivo em

sua adaptação ao país. Finalmente, Andrade e Teixeira (2009) trataram

brevemente da amizade em pesquisa sobre a adaptação de estudantes

internacionais no Brasil (Andrade & Teixeira, 2009).

Como referencial teórico, a pesquisa se baseia na obra de Robert

Hinde, especificamente Hinde (1997), que enfatiza os aspectos descritivos e

a consideração de diferentes níveis de complexidade e suas relações

dialéticas na pesquisa sobre relações interpessoais.

As amizades internacionais de universitários brasileiros e,

particularmente, as amizades interamericanas, são pouco conhecidas.

Conhecer melhor essas amizades pode contribuir para promover uma maior

integração social e cultural entre universitários no continente americano.

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O objetivo da presente pesquisa foi analisar alguns aspectos das

relações de amizade de universitários brasileiros, residindo e estudando no

Brasil, com cidadãos da América do Sul e do Norte.

Método

Participaram da pesquisa 20 estudantes universitários com idades

entre 20 e 25 anos, sendo oito do sexo masculino e 12 do sexo feminino,

alunos regularmente matriculados em cursos de graduação ou pós-

graduação da Universidade Federal do Espírito Santo, que declararam

manter relações de amizade com cidadãos de outros países da América do

Sul ou do Norte na fase de recrutamento de voluntários para participar da

pesquisa.

Os dados foram obtidos por meio de entrevistas semi-estruturadas,

com base em um roteiro pré-estabelecido, contendo perguntas fechadas e

abertas. Os participantes foram entrevistados individualmente e os dados

gravados e transcritos. Os dados transcritos das entrevistas foram analisados

através de análise do conteúdo, com base em Bardin (1977). As categorias

emergentes foram identificadas e organizadas de acordo com a literatura

sobre o tema.

Resultados

A Rede de Amigos - Foram citados 41 amigos de nove países das

Américas: EUA, México, Canadá, Argentina, Colômbia, Peru, Venezuela,

Equador e Bolívia. A idade dos amigos internacionais variou de 19 a 62

anos, porém dentre os 41 amigos citados, 34 (83%) estavam na faixa de 19 a

30 anos e 25 (61%) amigos citados tinham de 18 a 25 anos. A maioria dos

amigos era do sexo feminino (26 ou 63%). Dezoito amigos (44%) eram dos

EUA, sete (17%) do México e sete (17%) do Canadá. Os demais países

foram citados no máximo três vezes.

Origem da Amizade - Quinze participantes (75%) já haviam

viajado para o exterior. As amizades tiveram início por contato pessoal no

exterior (68%), contato pessoal no Brasil (23%) e contato online (9%).

Quatro (20%) entrevistados haviam morado com seus melhores amigos

estrangeiros em experiências de intercâmbio em outros países.

Percepção das Amizades Internacionais - Apenas dez participantes

puderam comparar as amizades com estrangeiros entre si, por terem mais de

um amigo estrangeiro. Destes dez, apenas duas não viam diferenças entre

essas amizades. Para outras duas, a idade era um fator diferenciador, sendo

mais amigo aquele na mesma faixa etária. Ainda outras duas disseram ser

mais íntimas de pessoas do mesmo gênero. Três estudantes consideravam as

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diferenças como oriundas das características pessoais dos amigos, o que

determinaria o grau de intimidade e não a cultura dos mesmos. Para um

deles, a dificuldade com o inglês impedia que se tornasse mais íntima do

amigo estrangeiro. Outra citou a diferença entre os temas da conversação

com os amigos como fator de diferenciação entre eles. Um dos

entrevistados afirmou ser diferente as relações com amigos estrangeiros que

mantém contato virtualmente e os que ele encontra pessoalmente, visto que

com esses últimos tem um laço de amizade mais forte devido ao contato

pessoal.

Quanto à diferença entre amigos locais e internacionais, nove

(45%) consideraram as amizades locais mais próximas devido,

principalmente, à facilidade de manter contato: “acho que o conceito de

amizade aqui é muito mais válido do que lá. E as pessoas se tornam amigos

mais facilmente aqui no Brasil do que lá”. Por outro lado, outro afirmou o

contrário: “Não têm muita diferença. Apesar de que as pessoas de fora às

vezes são mais sinceras na amizade”. Oito (40%) entrevistados não viam

diferenças significativas entre amigos locais e internacionais. Vários

indicaram como única diferença o tempo de convívio, mas “o apreço pelas

pessoas é o mesmo em ambos os casos”. Outro participante afirmou que “as

amizades locais tendem a se dissipar caso não haja contato freqüente e,

com as amizades internacionais, a ligação se mantém mesmo com a

distância e a falta de oportunidade de contato”. Alguns afirmaram que uma

diferença entre as amizades locais e internacionais é o tipo de assunto

abordado nas conversas, visto que o assunto que mais impera nas conversas

com os amigos estrangeiros é a diferença entre os costumes.

Quanto ao relacionamento romântico com os amigos estrangeiros,

apenas três entrevistados tiveram amizades ligadas a algum relacionamento

romântico. Considerou-se haver envolvimento amoroso quando o

entrevistado(a) já havia “ficado” ou namorado com o(a) amigo(a). Nos três

casos, um garoto namorou durante dois meses, que foi o tempo em que

ficou no país da amiga estrangeira. Uma garota “ficou” mais de uma vez

com o amigo enquanto ele esteve no Brasil. Em um terceiro caso, o garoto

“ficou” apenas uma vez em uma festa com a amiga estrangeira.

Ao descrever seus amigos estrangeiros, 19 (95%) universitários

usaram adjetivos como: inteligente, alegre, sincero, companheiro, divertido,

engraçado, disponível, carente, prestativo, calmo, gente boa e comunicativo,

entre outros. Adjetivos tais como brincalhão, divertido, engraçado, alegre e

extrovertido perfizeram 38% dos adjetivos citados. De uma forma geral, os

adjetivos referentes aos aspectos positivos dos amigos representaram 93%

dos adjetivos citados. Já os adjetivos referentes aos aspectos negativos dos

amigos, tais como desorganizado, prepotente, briguento, ciumento, entre

outros, representaram apenas 7% do total. Seis (30%) entrevistados falaram

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do que seus amigos gostam de fazer ao descrevê-los e apenas dois (10%)

participantes falaram dos aspectos físicos dos seus amigos.

Histórico da Amizade - Sete participantes (35%) conheceram seus

melhores amigos estrangeiros na escola e citaram acontecimentos marcantes

na escola onde se conheceram. Outros locais ou atividades como igreja,

futebol, festas, shopping e vizinhança foram relacionados aos

acontecimentos mais marcantes das amizades. Esses momentos incluíram

trocas de confidências, festas, falecimento de parentes e despedidas.

Apenas dois universitários haviam mantido o último contato com

seu amigo internacional pessoalmente, visto que ambos se encontravam no

Brasil. Dos outros 18 entrevistados, a maioria havia mantido seu último

contato com o amigo estrangeiro via internet, sendo o MSN o meio mais

citado, seguido do e-mail. Um participante citou o skype como o meio

online usado no último contato. O telefone foi citado como o meio do

último contato por quatro entrevistados e uma entrevistada considerou como

último contato quando ela mandou um cartão de Natal para a amiga.

Nove (45%) estudantes não tinham nenhum tipo de contato com as

famílias. Os tipos de contato com as famílias dos outros 11 (55%)

entrevistados foram diversos, ocorrendo entre o amigo estrangeiro e os pais

do participante, ou entre o participante e os pais do amigo estrangeiro.

Também foi citado o contato com outros familiares tais como irmãos, filhos

e cunhados. No caso de uma das entrevistadas, a amizade entre ela e uma

menina estrangeira foi precedida da amizade entre seus pais: “Os meus pais

e os pais da minha amiga são amigos e eles sempre vêm aqui no Brasil nos

visitar e nós já fomos uma vez na Argentina visitá-los.”

Interesses Comuns e Atividades Compartilhadas - Para indicar

áreas de interesse em comum com o melhor amigo estrangeiro, os

participantes selecionaram uma ou mais das seguintes opções: lazer (17 ou

85%), cinema (11 ou 55%), música (15 ou 75%), turismo (13 ou 65%),

literatura (4 ou 20%), esportes (7 ou 35%), artes (3 ou 15%), religião (5 ou

25%), família (8 ou 40%). Outros ainda foram citados, como filosofia (1 ou

5%), gastronomia (2 ou 10%) e relacionamentos amorosos (2 ou 10%). A

opção “lazer” foi a mais comum e a opção “ciência” não foi considerada

como área de interesse comum por nenhum dos participantes.

As atividades com amigos mais citadas pelos entrevistados quando

fisicamente próximos foram sair à noite para bares, boates e festas (60% dos

entrevistados) e ir à praia (45% dos entrevistados). Ir ao cinema, sair para

comer e conversar foram citadas por 20% dos entrevistados (cada

atividade). Outras atividades como ouvir música, ir ao shopping, à igreja e

fazer turismo também foram citadas. Um dos entrevistados disse: “a gente

ia à praia, nadava, levei ele pra surfar, para tomar cerveja no quiosque”; e

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outro: “quando fisicamente próximos nós jogamos futebol, ouvimos música,

visitamos outros amigos em comum”.

Comunicação - Os principais meios de comunicação entre os

entrevistados e seus amigos estrangeiros foram a internet (68%), o telefone

fixo ou celular (16%), o contato pessoal (9%) e por cartas (7%). Três

idiomas foram utilizados pelos entrevistados na comunicação com amigos

estrangeiros: inglês, português e espanhol. O idioma mais usado foi o inglês

(66%), seguido pelo português (25%) e espanhol (9%). Mais de um meio de

comunicação ou idioma podia ser empregado na comunicação com o

mesmo amigo.

Quanto aos temas de conversação por escrito (Internet), grande

parte dos entrevistados (75%) conversava com amigos estrangeiros sobre os

acontecimentos do dia-a-dia, entre outros. Treze (65%) conversavam sobre

assuntos como carreira, profissão e trabalho. Assuntos como amigos em

comum, relacionamentos, família e futuro foram citados por 30% dos

entrevistados (cada um). Outros assuntos como planos para se encontrarem

novamente, estudos, música, futebol, esportes, problemas e troca de

conselhos, religião e fatos que aconteceram quando estavam fisicamente

próximos também foram citados como assuntos mais falados em

conversações por escrito.

Dificuldades e o Significado das Amizades Internacionais - As

principais dificuldades citadas pelos entrevistados foram distância física

(14), diferença de idioma (7) e diferenças culturais (4). Quanto à distância

física, uma entrevistada declarou que com a distância “a intimidade fica

prejudicada, não tem jeito. Mas quando a gente se encontra pessoalmente a

intimidade volta a ser alta!”. Quanto ao idioma, um entrevistado disse: “o

idioma era difícil no começo e como ela era muito geniosa, ela ficava

nervosa porque a gente não entendia tudo o que ela estava falando. E ela

falava muito rápido também, não tinha muita paciência. Era engraçado!

Mas com o tempo ela aprendeu e correu tudo bem. Ensinamos uma à outra

algumas palavras e a comunicação fluiu”.

As diferenças culturais foram consideradas uma dificuldade por

poucos participantes (20%). Um declarou: “diferença cultural é mais ela

que sente, com relação à música e à comida, principalmente”. Outra

afirmou que a “diferença cultural marca bastante”. Ao contrário dessas

declarações, três entrevistados (15%) consideraram a diferença cultural

como algo agregador, por exemplo: “diferenças culturais, eu não vejo como

dificuldade e sim como oportunidade pra conhecer novas culturas”.

Quanto ao significado de amizades internacionais, cinco (25%) dos

vinte entrevistados consideraram que estas têm o mesmo significado das

amizades locais. Em contrapartida, quinze (75%) consideraram o

significado das amizades internacionais como diferente visto que há uma

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“troca cultural e de valores também”. Diferenciações tais como: “as

amizades internacionais... têm o enriquecimento cultural de ambas as

partes, que aprendem muito com a forma de lidar com o outro” mostraram

aspectos positivos das amizades internacionais. Declarações como: “lá no

Canadá é mais difícil você estabelecer uma amizade porque lá as pessoas

são mais fechadas, mais frias, respeitam mais o espaço dos outros”

mostraram as dificuldades de se fazer amigos de culturas diferentes.

O País do Melhor Amigo Estrangeiro - Os participantes

comentaram suas percepções, sentimentos e conhecimento do país do

melhor amigo estrangeiro. Dos vinte universitários entrevistados, nove

(45%) já haviam estado no país do melhor amigo e, desses nove, oito

descreveram sua experiência de forma positiva, como uma experiência

maravilhosa ou que gostaram muito. Um desses entrevistados chegou a

dizer: “foi a melhor e a pior experiência da minha vida, ao mesmo tempo”.

Treze entrevistados (65%) descreveram seus sentimentos em

relação ao país do melhor amigo estrangeiro de forma positiva,

demonstrando admiração por diversos aspectos. Uns declararam admiração

pelas pessoas, pela sociedade, outros pela economia e educação do país,

entre outros. Em relação às características do país do melhor amigo

estrangeiro, uns enfatizaram aspectos positivos como o desenvolvimento

tecnológico, ou negativos, como o descaso com os imigrantes, a pouca

saúde dos hábitos alimentares e a frieza dos americanos, sendo que um

deles descreveu os EUA com as seguintes palavras: “liberdade,

consumismo, riqueza, poder e guerra”. Em contrapartida, alguns

entrevistados apontaram características bem positivas em relação ao

Canadá, por exemplo: “a infinita calma. A liberalidade das leis e a certeza

de que as poucas que existem serão cumpridas. Honestidade e educação

também me chamam atenção”. Outros atribuíram características positivas

aos países latinos, comparando-os com o Brasil, por exemplo: “a Colômbia

é um país caliente, de pessoas animadas como no Brasil. É um país que tem

praias, ilhas e muitas outras belezas naturais. Me encanta a língua deles,

por ser bem próxima ao português”.

Quanto à mudança da percepção de um país em função da amizade

com um habitante desse país, onze (55%) reconheceram que a percepção

mudou para melhor. Para nove (45%), a imagem se manteve a mesma. Uma

disse que contribuiu muito mais com a mudança de imagem que seu amigo

tinha do Brasil do que ele contribuiu com a imagem que ela tinha dos EUA:

”[...] ele achava que tinha macacos na rua por aqui e viu que não era nada

disso quando ele veio pela primeira vez aqui no Brasil”.

Uma lista de interesses em relação ao país do melhor amigo

estrangeiro foi apresentada aos entrevistados. 70% deles manifestaram

interesse em visitar o país e apenas 10% disseram que não possuíam

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nenhum tipo de interesse em relação ao país do melhor amigo estrangeiro.

Além de visitar ainda tinham interesse em estudar (8 ou 40%), trabalhar (9

ou 45%) ou residir (7 ou 35%) no país do amigo.

Ações Propostas para Aumentar as Relações entre Países - A

ação mais citada foi a promoção de intercâmbios de trabalho e estudo

(75%). Segundo um entrevistado: “essa é uma grande maneira de promover

amizades internacionais, interculturalismo, quebra de preconceitos e

paradigmas e até mesmo a paz mundial por facilitar o diálogo entre

pessoas de nações diversas”. Apenas três (15%) citaram a internet como um

meio de aumentar relações entre países. Alguns acreditavam que o governo

brasileiro poderia agir nesse sentido dando incentivos para estudantes que

quisessem fazer intercâmbio e para famílias que se disponibilizassem a

receber pessoas de outros países. Estimular o aprendizado de línguas

estrangeiras também foi citado como uma ação para aprender sobre outras

culturas e aumentar relações entre diferentes países. Outros modos ainda

foram mencionados, como “na própria universidade, é grande a

diversidade, pessoas de vários países diferentes. Sempre há oportunidades

de fazer amizades internacionais”.

Discussão

Relacionamentos se estendem ao longo do tempo e sofrem

mudanças, sendo importante investigar seu desenvolvimento (Hinde, 1997).

Quanto ao início das amizades internacionais, o contato pessoal no exterior

ou Brasil mostrou-se como o principal meio de se fazer amigos, apesar da

Internet ser o meio de comunicação mais empregado com esses amigos.

Mesmo as sugestões para aumentar as relações de amizade entre países

diferentes destacam intercâmbios, o que pressupõe o contato pessoal. No

histórico das amizades, são eventos compartilhados pessoalmente os que

mais aparecem como episódios marcantes, como festas ou despedidas.

Desta forma, apesar dos avanços nos meios de comunicação o contato

pessoal ainda continua central para as relações de amizade.

Quanto ao significado das amizades internacionais (no caso,

interamericanas), estas se diferenciam das locais podendo apresentar

desvantagens, como o fato de serem menos próximas, mas também

vantagens, como as possibilidades de troca cultural, o que foi considerado

positivo. A literatura sobre amizades internacionais ou interculturais têm

encontrado aspectos negativos (Gareis, 2000) e positivos (Kudo & Simkin,

2003, Sias et al., 2008) nesses relacionamentos.

Como era esperado, as características do melhor amigo estrangeiro

são predominantemente positivas, com destaque para a inteligência, o

humor (alegre, divertido, engraçado, brincalhão, divertido, extrovertido),

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entre outras qualidades, como ser sincero, companheiro, disponível, carente,

prestativo, calmo e comunicativo, entre outros. Grande parte destas

qualidades manifesta-se nas interações sociais entre amigos, como na auto-

revelação (sincero) e no companheirismo (companheiro).

As maiores dificuldades encontradas nessas amizades foram a

distância física, a diferença de idioma e diferenças culturais. As amizades

internacionais, portanto, parecem apresentar algumas propriedades

particulares, como a ambivalência das diferenças culturais que também

foram percebidas como possibilitando trocas culturais importantes. Na

literatura, as dificuldades estão mais relacionadas ao fazer amigos de

culturas diferentes (Bailey, 2006; Brown, 2009a).

Segundo Hinde (1997), o relacionamento interpessoal não se limita

às interações entre duas pessoas, mas diversos níveis de complexidade estão

presentes e afetam e são afetados pelos relacionamentos, além do ambiente

físico e das estruturas sócio-culturais. No presente caso, os dados sugerem

que a relação entre amigos internacionais não se limita à díade de amigos,

mas envolve claramente o relacionamento pessoa-grupo (ou nação). Assim,

os participantes não eram alheios às nações representadas pelos amigos,

mas mostravam diferentes níveis ou tipos de interesse em relação a esse

país. Vários demonstraram interesse em visitar, estudar, trabalhar e mesmo

residir no país do melhor amigo estrangeiro, indicando que uma amizade

internacional abre caminhos entre pessoas e entre pessoas e nações.

Um ponto particular diz respeito à influência dos amigos na forma

como os universitários brasileiros concebiam ou percebiam o país do amigo

e os efeitos da amizade sobre essa percepção. O fato de vários participantes

considerarem que o relacionamento com um amigo estrangeiro tenha

melhorado a visão do país desse amigo é relevante em termos teóricos e

práticos. Fenômeno semelhante já havia sido observado nas relações raciais

(Jacobson & Johnson, 2006). Do ponto de vista teórico, a influência entre

diferentes níveis de complexidade, como relacionamento interpessoal e

entre grupos ou nações, é um tema relevante. Do ponto de vista prático,

pode-se esperar que um número expressivo de amizades entre pessoas de

diferentes países possa contribuir para a diminuição de preconceitos em

relação a esses países.

Essa relação entre gostar do amigo estrangeiro e sentir simpatia por

seu país, o que ocorreu na maioria dos casos, sugere a necessidade de mais

estudos investigando o quanto relações interpessoais podem estar ligadas a

relações internacionais entre nações.

Os dados sugerem que a existência de amizades pessoais possa estar

associada a uma maior aproximação entre diferentes nações, tomando-se

como perspectiva a relação indivíduo-grupo ou nação. Por outro lado, a

simpatia ou admiração por um país também pode estar associada com a

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busca de amizades com cidadãos desse país. Os dados indicam que os

universitários brasileiros estão envolvidos com amizades internacionais com

pessoas de países que, aparentemente, mantêm uma maior identificação

cultural com o Brasil. Neste caso, há laços mais estreitos com os países da

América do Norte, apesar da maior proximidade física do Brasil, do que

com outros países da América do Sul. Em pesquisas futuras, seria

importante investigar não apenas as amizades já existentes mas também

quais os fatores que limitam a existência de um número maior de amizades

interamericanas e, particularmente, de amizades com outros sul-americanos.

Em relação à literatura sobre amizades internacionais, o presente

trabalho contribui para uma extensão do sentido da amizade, não como algo

presente somente durante o período de contato físico, mas se estendendo no

tempo e apesar da distância, o que não tem sido investigado na maioria dos

casos. A literatura internacional tem tratado de amizades interculturais ou

internacionais de universitários estudando no exterior (Antonio, 2004;

Constantine e cols., 2005; Kudo & Simkin, 2003; Levin, Laar & Sidanius,

2003; Yamazaki e cols., 1997; Ying, 2002), restringindo-se a um período

limitado. Nesse sentido, o presente trabalho mostrou que o valor da amizade

não se restringe a um momento ou fase de afastamento do país, mas essas

amizades podem se tornar duradoras. Esta perspectiva também revela outras

dificuldades e potencialidades dessas amizades. O presente trabalho

procurou investigar amizades internacionais de universitários brasileiros e

cidadãos das Américas como relacionamentos mais duradouros, em que

alternam períodos de contato e ausência.

Conclusão

Do ponto de vista da estrutura das redes de relacionamento, destaca-

se, ao menos parcialmente, o distanciamento da comunidade latino-

americana, revelado pelo pequeno número de amizades com pessoas desses

países em comparação com os EUA e pelo uso pouco freqüente do idioma

espanhol entre amigos. Possivelmente, essa rede reflete maior identidade

cultural dos universitários brasileiros com cidadãos desses países. Também

pode-se apontar que as amizades não estão claramente relacionadas a

experiências ou tentativas de cooperação cultural ou científica entre os

países. Curiosamente, o item “ciência” como interesse compartilhado, por

exemplo, não foi indicado por nenhum participante. Duas metas em longo

prazo poderiam ser uma expansão de amizades com cidadãos de países de

língua espanhola e uma maior integração e cooperação cultural e científica

associada às amizades internacionais. De forma geral, uma maior e melhor

integração social e cultural de universitários brasileiros com a comunidade

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das Américas contribuiriam para o desenvolvimento social e cultural de

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16

AMIZADES INTERCONTINENTAIS DE

ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS BRASILEIROS:

UM ESTUDO EXPLORATÓRIO

Agnaldo Garcia,Fernanda Gomes Dettogni

Lorena Queiroz Merizio Cost e Marco Aurélio Togatlian

Amizades entre membros de diferentes grupos, etnias, países ou

culturas ainda são pouco investigadas, especialmente no continente sul-

americano. Os avanços recentes na tecnologia da comunicação e nos

sistemas de transportes têm permitido um maior contato entre cidadãos de

diferentes países, possibilitando uma maior integração com efeitos no

desenvolvimento social, cultural, econômico e científico. Formas de

transporte mais eficientes e acessíveis e o acesso a meios de comunicação

de penetração mundial (como aqueles possibilitados pela Internet) permitem

uma ampliação e intensificação da comunicação entre pessoas

geograficamente distantes. As melhorias esperadas para as condições

sociais, econômicas, culturais e tecnológicas do país provavelmente

possibilitarão, a um número cada vez maior de jovens universitários, iniciar

e manter relacionamentos de amizade com habitantes de diferentes países,

criando oportunidades para relacionamentos e amizades internacionais.

A literatura sobre amizades interculturais e internacionais ainda é

restrita. Alguns autores têm investigado diferentes aspectos das amizades

interétnicas e interraciais, como o papel da identificação racial e étnica nas

escolhas de amigos (Kao & Vaquera, 2006) e nas atividades compartilhadas

(Hunter & Elias, 1999). Amizades entre raças ou etnias diferentes têm

revelado efeitos importantes sobre a diminuição do preconceito racial e

integração social, gerando atitudes mais favoráveis em relação à outra raça,

como no caso da aceitação de casamentos interraciais (Jacobson & Johnson,

2006). As investigações sobre amizades interétnicas, interraciais ou

interculturais têm se concentrado em países nos quais diferentes raças ou

etnias convivem em função de movimentos migratórios. Um grupo

específico de estudos se refere às amizades interculturais ou internacionais

de universitários estudando no exterior (Yamazaki et al., 1997; Levin, Laar

& Sidanius, 2003; Constantine et al., 2005; Ying, 2002; Antonio, 2004;

Kudo & Simkin, 2003). Neste caso, os universitários e seus amigos tendem

a permanecer vinculados a seu país de origem.

Amizades internacionais ou interculturais são marcadas pelas

diferenças entre as culturas dos indivíduos (Sias et al., 2008) e podem

resultar da diversidade cultural do próprio país, com no caso da África do

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Sul (Collier & Bornman, 1999) de imigração recente (e.g. DeBruin-Parecki,

2003) ou de estrangeiros temporariamente em outro país, como é o caso dos

estudantes universitários internacionais, que representa o principal grupo

investigado neste tema. Estas amizades têm sido investigadas em diferentes

situações, geralmente referindo-se a amizades de estudantes estrangeiros

fora país (Ward & Margoret, 2004; Bektas, 2008). Por vezes, estudos são

realizados sobre universitários do país anfitrião em contato com estudantes

estrangeiros (Ward, 2001). As amizades com pessoas de outro país sofrem

limitações e dificuldades e as amizades tendem a se dar com pessoas do

mesmo país (Bailey, 2006; Pandian, 2008; Brown, 2009a; Cushner &

Karim, 2004; Sawir, Marginson, Deumert, Nyland & Ramia, 2008).

Amizades interculturais contribuem para a aprendizagem do

idioma e da cultura local enquanto aquelas com pessoas do próprio país

reduzem o estresse e a solidão (Ward, 2001; Ward, Bochner & Furnham,

2001) e fornecem diferentes formas de apoio (Brown, 2008, Zhao &

Wildemeersch, 2008). As diferenças culturais, fator central nestas

amizades, podem criar dificuldades para fazer amigos de outros países

(Gareis, 2000), mas também podem atuar positivamente nesses

relacionamentos (Kudo & Simkin, 2003, Sias et al., 2008).

No Brasil, há poucos trabalhos relacionados a amizades de

estudantes internacionais. Alguns estudos sobre estudantes estrangeiros

indicaram suas dificuldades para fazer amizades com brasileiros (Desidério,

2006). Subuhana, 2009, analisando a experiência sociocultural de

universitários da África Lusófona no Brasil refere-se à amizade com

brasileiros como um fator positivo em sua adaptação ao país. Finalmente,

Andrade e Teixeira (2009), em estudo sobre a adaptação de estudantes

internacionais de um programa de convênio à universidade no Brasil

incluíram itens sobre amizade em avaliações de adaptação e satisfação com

o contexto de vida no país (Andrade & Teixeira, 2009).

Como referencial teórico, a pesquisa se baseia em Hinde (1997), que

enfatiza os aspectos descritivos e a consideração de diferentes níveis de

complexidade e suas relações mútuas, e em Adams e Blieszner (1994), que

enfatizam os processos e aspectos estruturais das amizades de adultos.

As amizades internacionais de universitários brasileiros são pouco

conhecidas, contudo, representam uma área de investigação com relevância

científica teórica, por representarem amizades entre pessoas com

características étnicas ou culturais diferentes. Do ponto de vista social,

conhecer melhor essas amizades pode indicar formas para uma maior

integração social e cultural entre universitários desses continentes,

permitindo o desenvolvimento de programas de inserção de universitários

brasileiros em redes internacionais de amizades, com seus respectivos

benefícios para a produção científica, artística e cultural em geral.

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O objetivo da presente pesquisa foi analisar alguns aspectos das

relações de amizade intercontinentais de universitários brasileiros (jovens

adultos com idades entre 18 e 25 anos), residindo e estudando no Brasil,

com cidadãos de países da Europa, África, Ásia e Oceania. Quanto aos

objetivos específicos, foram investigados os seguintes pontos: (a) a rede de

amigos estrangeiros (identificação dos amigos, incluindo gênero, idade e

país de origem); (b) histórico da amizade; (c) atividades compartilhadas e

interesses comuns; (d) a comunicação com amigos estrangeiros (idiomas e

meios de comunicação); (e) a percepção da amizade: diferenças entre

amizades; (f) características dos amigos estrangeiros; (g) o significado da

amizade; (h) dificuldades da amizade; (i) a percepção do país do melhor

amigo estrangeiro; e, (j) propostas para aumentar as relações de amizades

entre cidadãos de países diferentes.

Metodologia

Participaram da pesquisa 20 estudantes universitários com idades

entre 18 e 25 anos, alunos regularmente matriculados em diferentes cursos

de graduação ou pós-graduação da UFES, que haviam declarado manter

relações de amizade com cidadãos de países da Europa, Ásia, África ou

Oceania na fase de recrutamento de voluntários para participar da pesquisa.

Os dados foram obtidos por meio de entrevistas semi-estruturadas, com

base em um roteiro pré-estabelecido, contendo perguntas fechadas e abertas.

Aqueles que aceitavam participar da pesquisa assinavam um Termo de

Consentimento para Participação em Pesquisa. Os participantes foram

entrevistados individualmente e os dados foram gravados e transcritos. Os

dados transcritos das entrevistas foram analisados através de análise do

conteúdo, com base em Bardin (1977). As categorias emergentes foram

identificadas e organizadas de acordo com a literatura sobre o tema. Um

roteiro de entrevista foi desenvolvido visando identificar os pontos acima

indicados: (a) a rede de amigos estrangeiros (identificação dos amigos,

incluindo gênero, idade e país de origem); (b) histórico da amizade; (c)

atividades compartilhadas e interesses comuns; (d) a comunicação com

amigos estrangeiros (idiomas e meios de comunicação); (e) a percepção de

diferenças entre amizades; (f) características dos amigos estrangeiros; (g) o

significado da amizade; (h) dificuldades da amizade; (i) a percepção do país

do melhor amigo estrangeiro; e, (j) propostas para aumentar as relações de

amizades entre cidadãos de países diferentes.

Resultados

A rede internacional de amigos - Cada participante indicou de um

a cinco amigos estrangeiros, cujas características estão indicadas na Tabela

1. De forma geral, a idade do participante e a dos amigos era próxima, mas

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a origem dos amigos foi diversificada. O contato era principalmente com o

próprio amigo, sendo pouco o contato com as famílias. Dez universitários

não tiveram contato com as famílias do amigo. Para quatro, o contato foi

superficial (como cumprimentar, conversar ao telefone, pela internet ou por

recados enviados pelo amigo). Em três casos, as famílias visitaram o país de

origem dos amigos. Também tiveram contato com outros familiares como

irmãos, filhos, cunhados, etc. Apenas um mantinha contato com a família

do amigo no momento da entrevista. Quatro entrevistados tiveram essas

amizades ligadas à algum relacionamento romântico, tendo já “ficado” com

o(a) amigo(a).

Tabela 1. Rede internacional de amigos (* já viajou para o exterior). Participante

Gênero e

idade

Amigo 1 Gênero,

idade e país

Amigo 2 Gênero,

idade e país

Amigo 3 Gênero,

idade e

país

Amigo 4 Gênero, idade e país

Amigo 5 Gênero,

idade e país

P1-M24 M20-Japão

P2*-F19 F19-Suíça F20-

Noruega

F20-

Suécia

F18-Japão M22-

Holanda

P3*-M18 F19-Alemanha

P4*-M19 M20-

Alemanha

M20-

Guiné-Bissau

M19-

Angola

P5*-M23 M22-Itália

P6*-M24 F23-Alemanha

P7-M23 F21-

Alemanha

P8*-F22 M23-Áustria

P9*-F24 M27-França F25-França

P10*-F20 M42-Nova Zelândia

M20-Nova Zelândia

M21-Nova

Zelândia

F42-Nova Zelândia

P11-F21 M23-Holanda

M24-Holanda

M23-Holanda

M23-Alemanha M25-Holanda

P12-F24 M30-Serra Leoa

F40-Escócia

P13*-F21 F17-

Alemanha

P14*-F21 M31-

Espanha

M28-Sérvia F26-

Eslovênia

M21-Alemanha

P15-F20 F09-China P16*-F23 F25-Espanha M23-

Espanha

P17-M25 F23-França F21-Itália P18-M19 F-Espanha F16-

Alemanha

P19*-M21 M28-Sérvia M26-Rússia M31-Costa do Marfim

F25-França

P20*-M25 M21-Rússia

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186

Histórico das amizades - O início da amizade se deu por contato

pessoal no exterior (43%), contato pessoal no Brasil (49%) ou contato

online (8%). Vários conheceram os amigos em festas no Brasil, como

carnaval, festas na universidade ou boates e aniversários: “nos conhecemos

no carnaval de Salvador, em 2005. Mesmo sendo alemã ela curtiu o

carnaval como se fosse uma brasileira nata” (P6). Outros haviam

conhecido o amigo praticando algum tipo de esporte ou ao receber ajuda no

exterior: “era nosso primeiro mês na França e ainda não falávamos a

língua francesa direito, então resolvemos pedir ajuda ao casal. Eles

acabaram escolhendo por nós e fazendo nosso pedido” (P9). O contato

ainda se deu em ambiente de trabalho (ao atender o futuro amigo como

cliente), ao receber ajuda para conseguir um emprego no exterior, em uma

palestra sobre Psicanálise e em viagens.

O intercâmbio foi a maneira pela qual se formaram várias amizades,

ao serem recebidos na casa de outras pessoas ou quando parentes

hospedavam estrangeiros no Brasil: “minha amiga alemã veio fazer um

intercâmbio e ficou na casa de meus tios por um ano. Assim, tivemos

bastante contato, passeamos juntas, conversávamos bastante e ela se

tornou parte de minha família. Sempre muito interessada para saber o

significado das coisas, ela perguntava tudo” (P13). Além do contato

pessoal, fizeram contato pela internet, através de jogos de computador e

troca de e-mails e pelo MSN.

Os episódios marcantes da amizade aconteceram no Brasil ou no

exterior. Vários citaram festas como marcantes: “fazíamos muitas festas

quando o P estava aqui. Todo final de semana fazíamos churrascos à

brasileira, com caipirinha e tudo. Ele adora e festas e em todas ficava

muito bêbado” (P8). Outros destacaram o apoio e disponibilidade dos

amigos em ajudar: “como, por exemplo, no dia em que ele montou um

computador só para mim, ou quando participou comigo de atividades da

escola lavando carros para arrecadar fundos para uma apresentação de

teatro” (P10). Passeios pela cidade e visitas a pontos turísticos também

foram indicados como marcantes.

As brincadeiras e os momentos de despedida também deixaram

marcas: “o momento mais marcante foi quando ele foi embora e falou que

estava indo, mas que iria voltar para não sair mais daqui. Ele quer morar

no Brasil, pois ele fala que não existem no mundo pessoas tão boas como

aqui” (P1).

Atividades compartilhadas e interesses comuns - Os interesses

comuns estavam ligados principalmente ao lazer (19), música (13), turismo

(11), cinema (10), esportes (8), literatura (6), família (5), artes (4), religião

(3), trabalho (3), ciências (3), festas (1), gastronomia (1) e relacionamentos

(1). Também foram citados assuntos acadêmicos, como ciência, tecnologia

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187

e desenvolvimento sustentável, além de idiomas. Apenas um não tinha

muitos interesses em comum com o amigo estrangeiro por serem muito

diferentes.

As atividades compartilhadas com o amigo variavam de acordo com

a proximidade. Quando fisicamente próximos, as atividades em comum

foram jogos (dama, baralho, xadrez e videogames), esportes (futebol e

vôlei), ir a festas, praia, cinema, restaurantes, clubes, shoppings,

supermercados, casa de amigos, pic-nics, além de acampar, conversar, rir,

contar piadas, estudar, viajar, passear, cozinhar, ver filmes, ir ao trabalho,

escola, igreja ou parque juntos, sair para comer, beber ou dançar. Quando

fisicamente distantes, as atividades estavam ligadas à internet, como jogos

virtuais, bate-papo (MSN), além de e-mails. Dois participantes não

compartilhavam atividades com o amigo e não mantinham contato quando

ausentes.

Quanto aos tipos de conversas e trocas de informações quando

distantes dos amigos, os assuntos mais citados foram os relacionados à vida

cotidiana do amigo, assuntos pessoais, família, faculdade, trabalho, festas,

esportes, namoro, amigos em comum, mulheres ou homens, planos para o

futuro, política ou acontecimentos em cada país. E ainda lembranças dos

encontros pessoais, episódios memoráveis de quando viviam juntos e

programação de novos encontros e viagens.

A comunicação com amigos estrangeiros - A comunicação com

um amigo podia utilizar um ou mais meios de comunicação. Os principais

meios utilizados foram o contato pessoal (22%), telefone (fixo ou celular)

(17%), Internet (55%) e cartas (6%). A comunicação com o amigo também

podia dar-se com o uso de um ou mais idiomas. Os principais idiomas

utilizados foram inglês (48%), português (34%), francês (7%), espanhol

(5%), italiano (2%) e russo (4%).

Diferenças entre amizades internacionais - Alguns participantes

não puderam comparar suas amizades internacionais por terem somente um

amigo estrangeiro. Dos que tinham mais de um amigo estrangeiro, quatro

não viam diferenças significativas entre essas amizades. Parte dos sete

participantes que reconheceram diferenças, explicaram que estas eram

devidas a diferentes graus de intimidade: “a convivência é diferente, há

mais intimidade com uns que com outros” (P4), a diferentes níveis de apoio

recebido no exterior: “na França conheci muitas pessoas, mas hoje em dia

considero amigos somente esses dois que foram os que mais me apoiaram

pelos três meses que fiquei lá” (P9) e à presença ou não do amigo no Brasil,

possibilitando a convivência.

Na comparação entre amizades locais e internacionais, alguns (seis)

as consideraram iguais ou semelhantes e outros (14) as consideraram

diferentes. A diferença foi atribuída a diferentes comportamentos em função

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das diferenças culturais e à falta de convivência e intimidade: “é diferente,

não há mais contato físico, a distância é grande. Você acaba não tendo

muita intimidade como tem com seus amigos que você vê sempre” (P13).

Alguns consideraram as amizades internacionais mais superficiais que as

locais: “as amizades estrangeiras são superficiais, enquanto as locais são

amizades sólidas” (P6) ou o inverso: “estrangeiros são mais difíceis de

relacionar no começo, são mais fechados, mas depois de um tempo, em que

há maior proximidade, eles se tornam amigos bastante fiéis e queridos. A

amizade tende a ser mais verdadeira que as outras” (P11).

Características dos amigos estrangeiros - Apenas um participante

falou de aspectos físicos do amigo. Os outros 19 entrevistados usaram

adjetivos como: engraçado, divertido, alegre, inteligente, extrovertido, legal,

simpático, prestativo, brincalhão, curioso, amigo, culto e comunicativo,

destacando aspectos positivos dos amigos. Também indicaram hábitos ou

gostos desses amigos, como jogar futebol, sair para beber e fumar, sair para

se divertir, ajudar os amigos, sair para festas e praias, viajar e conversar e

gostar de comida e bebidas brasileiras (feijoada, guaraná e caipirinha).

Ainda foram caracterizados como pontuais, responsáveis, não muito

afetivos ou muito afetivos, respeitadores e estudiosos. Adjetivos menos

positivos como desorganizado, desocupado e calado, foram pouco

empregados. A percepção das características do amigo mudou no decorrer

da amizade. Para alguns, os estrangeiros eram um pouco fechados ou

desconfiados no início mas depois se revelaram mais comunicativos: “o que

pude notar de mais diferente no jeito dela é que, de fato, apesar de

amigável no começo, ela tinha meio essas coisas de „não me toque‟, pois

ficava muito na dela, mas quando a conheci melhor, vi como era

descontraída, bem humorada e engraçada” (P14).

Alguns se referiram ao apoio dos amigos quando moraram fora do

país, compartilhando vários momentos, bons e ruins.

O significado da amizade - Todos os participantes trataram a

amizade como algo muito importante e positivo. Treze entrevistados

associaram amizade a confiança, troca e apoio. Em síntese, amizade é

desejar o bem do outro sem desejar nada em troca, cada um podendo se

expressar a seu modo. Trata-se de um relacionamento marcado pelo

companheirismo, responsabilidade, reciprocidade e sinceridade e que se

constrói sobre a confiança. Significa estar ao lado em bons e maus

momentos. A amizade é o alicerce para o bem-estar e a felicidade, onde se

deposita esperança e se compartilham idéias. Na amizade, há interação e

identificação e um vínculo gerado pela atração entre os que partilham algo

essencial. É um imenso apoio que se recebe quando é preciso e um

acolhimento de grande valor. Amigos são a família que se escolhe, sendo

algo tão ou mais importante que a família de sangue. Ter amigos é saber

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lidar com as diferenças de cada um, aprendendo a ser tolerante e respeitar o

próximo.

Quanto ao significado específico de amizades internacionais, 14

destacaram o acréscimo em conhecimentos e experiência devido às

diferenças culturais, permitindo o aprendizado da cultura e das tradições de

outros países e povos, sendo como as amizades locais do ponto de vista

pessoal: “na Nova Zelândia tive o contato com pessoas das mais diversas

culturas e nacionalidades e isso foi de grande enriquecimento tanto pessoal

quanto cultural. Pessoal, pois um contato com outra cultura faz você

enxergar a sua própria, se reconhecer na diferença e aprender um pouco

inclusive sobre si e de onde vem a partir desses contrastes. E também,

claro, em nível de trocas de experiências no contato com pessoas

diferentes. Culturalmente é também incrível a possibilidade de estar de

frente para um novo tão diferente de sua realidade e poder vivenciar e fazer

parte da realidade desse outro. O que considero mais legal dessa vivência

foi o prazer desses relacionamentos que me permitiram estar naquela

cultura, de sentir um pouco a realidade deles, de fazer parte do mundo

deles também” (P10).

Entre outros ganhos culturais, dá-se o aprimoramento de um idioma

diferente, como o inglês, além da troca de visões de países diversos. As

vantagens profissionais se referem a possibilidades futuras de trabalho em

outro país.

Dificuldades nas amizades internacionais - As principais

dificuldades foram a ausência física (11 participantes), o idioma (4) e as

diferenças culturais (2). Para alguns não há dificuldades: “idioma e a

diferença cultural não interferem na relação. Houve uma boa adaptação e

aceitação de ambos” (P6). Outros indicaram falta de tempo para manter

contato: “como nós trabalhamos e estudamos, além de estarmos sempre

ocupados, ainda há o fuso horário que é de cinco horas e atrapalha muito”

(P11). Para outro, a maior dificuldade era o temperamento da amiga: “o que

mais complica é o temperamento da minha amiga, mas a gente se parece

nisso também, era até bom para ver que quando eu ficava assim, como era

a resposta das pessoas. Ela se deixava atingir muito fácil. Criava

dificuldade onde nem sempre tinha e era um pouco cabeça dura pra aceitar

outras opiniões” (P14).

A percepção do país do melhor amigo estrangeiro - Quatro

pontos foram investigados em relação à percepção do país do melhor amigo

estrangeiro: o nível de conhecimento acerca do país, suas principais

características, como ter um amigo mudou a imagem do país e os interesses

em relação ao mesmo. O nível de conhecimento acerca do país do melhor

amigo estrangeiro variou do básico a um conhecimento amplo. Apenas dois

universitários relataram conhecer pouco o país. A maioria citou

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características positivas, em termos físicos (paisagens) ou humanos (social,

político, econômico e cultural), destacando sua beleza natural ou a

educação, cultura e economia da nação. Em alguns casos, foram

mencionados aspectos positivos e negativos. Somente três haviam visitado o

país do amigo.

Sete entrevistados não perceberam mudanças na imagem que tinham

do país após a amizade. Para outros, a imagem que tinham mudou para

melhor graças à pessoa do amigo como exemplo do povo ou das

informações obtidas a partir dele: “eu imaginava que os europeus eram

sempre muito „certinhos‟ devido à educação que eles recebem lá e até um

pouco ríspidos, mas o P me mostrou que eles não são esses robôs que eu

imaginava. São jovens como nós brasileiros, que gostam de festas, de sair,

se divertir” (P8). Em outro caso, “apesar de achar que os franceses são

frios nós acabamos descobrindo que nem todos são assim, como F e J que

desde que nos viram nos ajudaram. Penso que há outras pessoas assim lá,

que não devemos achar que todos são iguais” (P9). E ainda: “a idéia que eu

tinha da Holanda era de que podia se fazer tudo, mas não é verdade. Lá

tem certa liberdade, mas há muitas leis para regulamentar tudo” (P11).

Segundo os participantes, é necessário conhecer pessoas de outros

países para nos livrarmos de alguns preconceitos já enraizados em nossa

própria cultura. Também citaram sentimentos como respeito e admiração

pela cultura, culinária, economia, desenvolvimento, educação, preservação

ambiental, história de luta do país. Alguns relataram a saudade dos amigos e

do país e outros curiosidade de conhecer o lugar. Em relação aos

sentimentos ruins, foram citadas tristeza e indignação em relação ao

descuido governamental e à desigualdade social existente (Serra Leoa) e o

medo da violência (Espanha).

Finalmente, os participantes indicaram interesses em relação ao país

do melhor amigo estrangeiro, incluindo visitar (13), estudar (7), trabalhar

(6), residir (3) ou nenhum (2).

Propostas para aumentar a amizade entre cidadãos de países

diferentes - Para doze entrevistados, a amizade entre habitantes de países

diferentes poderia aumentar por meio de intercâmbios estudantis e

profissionais, o que deveria receber investimentos e incentivos do governo

brasileiro, além do incentivo ao turismo internacional através da diminuição

do custo nas viagens: “só conhecendo os países para se formar verdadeiros

laços de amizade” (P9).

Para outro, “dentre os pilares para manter uma amizade, um dos

mais importantes é a tolerância. Não sei a melhor maneira para isso, mas

investir e facilitar intercâmbios culturais é uma ótima maneira, pois assim,

estando no país do outro, a facilidade de tirar preconceitos é maior,

criando também uma tolerância entre os povos” (P14). Ainda foi

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mencionada a necessidade de maior divulgação da cultura de outros países

no Brasil, visto que a população cria estereótipos que não correspondem à

realidade desses países.

De forma geral, a necessidade de “respeito” foi bastante citada.

Segundo os participantes, se o preconceito fosse menor e as pessoas

tivessem maior respeito pela cultura alheia, haveria o enriquecimento das

relações entre as culturas e a possibilidade de viver diversas experiências,

sempre respeitando as pessoas como elas são e não as julgando antes de

conhecer sua cultura. Segundo um entrevistado, para aumentar a amizade,

“diminuir qualquer tipo de preconceito seria uma boa pedida para

qualquer diferença cultural” (P20). Outro ponto colocado foi o uso da

internet para aumentar as relações de amizades internacionais através de

bate-papos (MSN), Orkut (páginas online) e sites relacionados a

intercâmbios onde as pessoas possam conversar, trocar informações, fotos,

entre outros.

Discussão

A literatura internacional tem tratado especificamente de amizades

interculturais ou internacionais de universitários estudando em outro país

durante sua estadia no exterior (Yamazaki et al., 1997; Levin, Laar &

Sidanius, 2003; Constantine et al., 2005; Ying, 2002; Antonio, 2004; Kudo

& Simkin, 2003). Assim, a presente pesquisa sobre amizades entre

universitários brasileiros, residindo e estudando no Brasil, e cidadãos da

Europa, Ásia, África e Oceania, representa uma forma de relacionamento

ainda pouco investigadas.

Adams e Blieszner (1994) destacam a importância da estrutura das

amizades, incluindo a rede de amigos. O conhecimento da estrutura e

funcionamento de redes internacionais de amigos é de fundamental

importância não apenas para os estudos de aspectos culturais das amizades,

mas também pelo potencial para o desenvolvimento social e cultural

daqueles envolvidos nessas amizades. Os dados indicaram a presença de

redes internacionais de amigos com até cinco estrangeiros, ligados a um ou

mais países, representando 20 nações diferentes. Deve ser apontada a

importância de se investigar a internacionalização da rede de amizades

como um fenômeno do século XXI, com potencial de enriquecimento social

e cultural a partir dessas amizades.

As amizades internacionais apresentam algumas peculiaridades,

como a distância entre os amigos e as diferenças culturais. Segundo Hinde

(1997), a pesquisa do relacionamento deveria ter início com o exame

daquilo que as pessoas fazem juntas, ou seja, as atividades compartilhadas,

relacionadas a interesses comuns. As amizades internacionais alternam

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períodos de convivência, em que atividades ligadas ao lazer, música,

turismo, cinema e esportes e atividades de cunho mais cultural, como

ciências, literatura, e artes são compartilhadas. Conforme indicado pelos

participantes, esses períodos de convivência geram episódios ou momentos

que são relembrados ao longo do período de afastamento, o que,

possivelmente, contribui para a manutenção dessas amizades. Outro ponto

de destaque é a riqueza cultural envolvida nessas amizades e a forma

positiva como os universitários com amigos internacionais lidam com o

estrangeiro, o diferente, sem manifestar preconceitos ou atitudes negativas.

A proximidade foi um fator decisivo para determinar as atividades

compartilhadas com o melhor amigo estrangeiro. Mesmo fisicamente

distantes, os universitários compartilhavam atividades pela internet, o

principal meio de comunicação com esses amigos. Outro fator central para a

existência dessas amizades é o conhecimento de outro idioma,

especialmente do inglês, que foi o principal idioma de comunicação entre

amigos.

Hinde (1997) também se refere à importância do estudo do

desenvolvimento dos relacionamentos. Neste sentido, tanto no início da

amizade quanto nos seus episódios marcantes, o contato pessoal é

fundamental. Os momentos vividos lado a lado são retomados e integram os

temas de conversa quando os amigos estão separados.

A maioria considerou as amizades internacionais diferentes das

locais, destacando o “acréscimo” ou enriquecimento trazido pelas

diferenças culturais. Por outro lado, a maior dificuldade foi a ausência física

e diferença de idioma. Neste caso, as diferenças culturais ocupam um lugar

de pouco destaque.

Hinde (1997) apresenta diferentes níveis de complexidade afetando

as relações interpessoais. O estudo de amizades internacionais torna ainda

mais evidente a importância de outros níveis de complexidade, como grupo,

sociedades e mesmo nações com suas culturas particulares nas relações de

amizade. Os dados indicaram que ter um amigo estrangeiro pode afetar a

visão que cada um tem do país desse amigo, geralmente de forma positiva.

Também deve-se destacar a atitude positiva em relação aos países dos

amigos e o interesse demonstrado em visitar, estudar ou trabalhar nesse

país.

Os dados sugerem que uma amizade pessoal com um cidadão de

um país contribui para a formação de uma atitude mais positiva desta pessoa

em relação a esse país. Possivelmente, quanto mais contatos amistosos

houver entre cidadãos de países diferentes maiores serão as chances dessas

nações estabelecerem relações amistosas e cooperativas. Efeitos

semelhantes têm sido observados nas relações entre grupos raciais ou

étnicos. Segundo o Jacobson e Johnson (2006), a existência de amizades

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entre euro-americanos e afro-americanos aumentou a taxa de aprovação de

casamentos inter-raciais. Estudos com grupos étnicos também indicaram

que amizades entre indivíduos pertencentes a diferentes grupos reduziram

os preconceitos de um grupo em relação ao outro (Levin, Laar & Sidanius,

2003). Os dados sugerem que o mesmo possa ocorrer com grupos

nacionais, de modo que a amizade entre membros dessas nações venha a

reduzir o preconceito entre seus cidadãos em relação ao país do amigo.

Concluindo, em um mundo em que o desenvolvimento social e

tecnológico tem aumentado o potencial de contato entre cidadãos de

diferentes países torna-se cada vez mais importante conhecer como pessoas

de origens diferentes se relacionam e como estes relacionamentos afetam a

relação entre os países que representam. Tal conhecimento poderá

contribuir para uma maior e melhor integração social e cultural entre

cidadãos de diferentes países, afetando positivamente as trocas culturais e a

cooperação internacional.

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AMIZADES INTERNACIONAIS DE UNIVERSITÁRIOS

BRASILEIROS: UMA ANÁLISE DOS EPISÓDIOS MARCANTES

Agnaldo Garcia

Cloves Bitencourt Neto

Luciana Teles Moura

Claudia Balestreiro Pepino

Mudanças sociais e tecnológicas, incluindo o avanço da tecnologia

da comunicação e dos meios de transportes, entre outros fatores, têm

facilitado o contato e a formação de amizade entre pessoas de diferentes

origens. As amizades entre pessoas de diferentes países, nações e culturas,

têm sido denominadas de amizades interculturais ou internacionais.

Um grupo particularmente importante na investigação das

amizades interculturais ou internacionais são os estudantes estrangeiros

residindo no exterior. Geralmente, as amizades interculturais ou

internacionais são investigadas entre estudantes estrangeiros fora de seu

país (Ward & Margoret, 2004; Bektas, 2008), sendo menos freqüentes

estudos sobre universitários do país anfitrião que entram em contato com

esses estudantes estrangeiros (Ward, 2001).

Um ponto central nesses estudos é o reconhecimento das limitações

e dificuldades encontradas por esses estudantes para fazer amigos com

pessoas do país anfitrião, tendendo a fazê-lo com outros estudantes do

mesmo país de origem (Bailey, 2006; Pandian, 2008; Brown, 2009a;

Cushner & Karim, 2004; UKCOSA, 2004; Sawir, Marginson, Deumert,

Nyland & Ramia, 2008) evidenciando também a influência da raça e da

etnia nessas amizades (Antonio, 2004).

Do ponto de vista de adaptação a um país diferente, ambos os tipos

de amizade são importantes. Amizades com pessoas do país anfitrião

contribuem para a aprendizagem do idioma e da cultura local enquanto as

com pessoas de mesma nacionalidade ajudam a reduzir o estresse e a

solidão (Ward, 2001; Ward, Bochner & Furnham, 2001) e obter apoio

instrumental (Brown, 2008), emocional e espiritual (Maundeni, 2001). Por

essa razão, os estudantes internacionais procuram criar uma subcultura para

apoiá-los emocionalmente e socialmente no país anfitrião (Zhao &

Wildemeersch, 2008).

A formação de amizades internacionais deve muito à

internacionalização da educação superior (Kreber, 2009; Alfantookh &

Bakry, 2008), mas os fatores envolvidos na formação e no desenvolvimento

dessas amizades ainda são pouco investigados, como é o caso da auto-

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revelação, importante para o aprofundamento dessas amizades (Chen,

2006).

Como amizades entre pessoas pertencendo a diferentes países e

culturas, as diferenças culturais são aspectos centrais nestes

relacionamentos. Estas, contudo, têm mostrado um papel ambivalente. Por

vezes, são consideradas como fatores limitantes, dificultando o

estabelecimento e o desenvolvimento de relacionamentos interculturais,

como no caso de conflito entre diferentes conceitos de amigo em diferentes

culturas (Gareis, 2000). Em outras investigações, as diferenças culturais são

vistas de uma perspectiva positiva, graças a fatores como receptividade a

outras culturas, orientação e empatia transcultural (Kudo & Simkin, 2003).

A exploração de diferentes culturas e idiomas nas amizades interculturais

também foi apontada como um aspecto positivo da amizade, ao lado da

assistência prestada, além da presença de fatores como rituais, atividades,

regras e papéis, auto-revelação, networking e conflito (Lee, 2006).

No Brasil, poucos autores têm investigado amizades de estudantes

internacionais. Alguns poucos trabalhos investigando outros aspectos da

vida desses estudantes, por vezes, fazem menção a suas dificuldades em

fazer amigos brasileiros (Desidério, 2006), indicam a amizade com

brasileiros como um fator positivo (Subuhana, 2009), ou incluem itens

sobre amizade em avaliações da adaptação e satisfação com o contexto de

vida no Brasil (Andrade & Teixeira, 2009).

Apesar da possibilidade de contato direto com pessoas de outros

países e culturas, os resultados obtidos com os estudantes universitários

internacionais, em termos do aumento da tolerância e da aproximação

cultural entre os povos ao retornarem tem sido considerado pequeno

(Cushner & Karim, 2004), assim como a melhoria nas habilidades

transculturais (Ward, 2001) e na competência intercultural (Brown, 2009b).

Conhecer melhor amizades interculturais ou internacionais de

universitários brasileiros pode fornecer informações importantes para

promover a aproximação entre estudantes de países e culturas diferentes,

com reflexos para a cooperação social, cultural e científica internacional.

Do ponto de vista teórico, a pesquisa se baseia na literatura sobre

amizades interculturais ou internacionais e na obra de Robert Hinde (1997)

sobre relacionamento interpessoal. Hinde, com base na Etologia Clássica,

propõe alguns princípios para a construção de uma ciência dos

relacionamentos, com ênfase na descrição e na análise de diferentes níveis

de complexidade e suas relações dialéticas, partindo de interações e

passando para relacionamentos, grupos e a sociedade. Ainda aponta a

influência do ambiente físico e das estruturas sócio-culturais sobre os

relacionamentos.

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O objetivo desta pesquisa é investigar a natureza das amizades

internacionais de estudantes universitários brasileiros, com base nos

episódios marcantes dessas amizades, à luz das propostas de Robert Hinde

(1997). A expressão “amizade internacional”, neste trabalho, significa um

relacionamento entre pessoas de diferentes nacionalidades mantendo uma

ligação importante com o país de origem, como é o caso dos estudantes

internacionais.

Metodologia

Participaram da pesquisa 120 estudantes universitários brasileiros,

sendo 74 do sexo feminino e 46 do sexo masculino. A idade dos

participantes variou de 18 a 40 anos, com a seguinte distribuição: 18 anos

(6), 19(14), 20(15), 21(16), 22(24), 23(13), 24(12), 25(9), 26(1), 27(4),

32(3), 36(1), 37(1) e 40 (1). Os estudantes eram provenientes de oito

estados brasileiros: ES (89), SC (11), PA (10), PE (5), AM (2), PR (1), BA

(1) e MG (1). Dos participantes, 71 já haviam viajado para o exterior e 49

não.

Estudantes universitários de graduação com amigos estrangeiros

foram convidados a participar da pesquisa. Ao aceitar o convite, os mesmos

assinavam um termo de consentimento para participação na pesquisa e

respondiam a um questionário composto por questões abertas e fechadas,

elaboradas com base em pesquisas anteriores sobre o tema. O material

analisado no presente artigo refere-se a respostas escritas a uma questão

aberta solicitando aos participantes citar um ou mais episódios marcantes do

relacionamento com o melhor amigo estrangeiro ao longo dessa amizade.

As respostas foram analisadas por análise de conteúdo, com base

em Bardin (1977). O conteúdo foi organizado em oito categorias temáticas,

em torno do tema central de cada episódio contado, de modo indutivo. Os

temas presentes nas respostas foram organizados nas seguintes categorias:

(1) reuniões sociais e festas, (2) viagens e passeios turísticos, (3) religião e

esportes, (4) humor, (5) situações de perda e despedida, (6)

companheirismo, (7) apoio, acolhimento, confiança e auto-revelação, (8)

diferenças culturais. A descrição de cada grupo temático é apresentada nos

resultados. A organização dos temas ainda foi se baseou nas propostas de

Hinde (1997) para a estruturação de uma ciência dos relacionamentos

interpessoais, tanto do ponto de vista das grandes categorias, quanto dos

aspectos tradicionalmente investigados nos relacionamentos, como

companheirismo, apoio, auto-revelação, entre outros. Os dados são

analisados de modo qualitativo. No decorrer dos resultados, os números

entre parênteses indicam qual o participante (de 1 a 120) relatou o item em

questão. Por vezes, são inseridas as palavras do próprio participante como

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exemplos de cada caso. Como os relatos de episódios marcantes podem ser

mais ou menos complexos, em algumas ocasiões era possível incluir o

episódio em mais de uma categoria, especialmente em relação a festas e

diferenças culturais. Nestes casos, optou-se em inserir o fato contado no

item de diferenças culturais.

Resultados e Discussão

Os resultados reúnem os episódios marcantes das amizades

internacionais em oito grupos temáticos, conforme indicado no item

anterior. O participante podia citar mais de episódio marcante. A maioria

dos episódios analisados foi apresentada como uma breve narrativa. Os

resultados incluem 145 episódios marcantes citados.

Reuniões Sociais e Festas – Foram consideradas reuniões sociais

os agrupamentos de pessoas para conversar ou compartilhar atividades

como festas, shows e comemorações. Estes episódios marcaram um grande

número de amizades.

Em alguns casos, os universitários se limitaram a indicar festas

como os episódios mais marcantes dessas amizades, sem maiores detalhes

(13, 29, 43, 46, 58, 69, 74). Em outros casos, as festas foram lembradas em

associação com o consumo de álcool ou tabaco, como beber em um festival

de música (120), beber no show do Chiclete com Banana (91) e fumar

charuto em uma festa (106). Dois participantes expressaram claramente os

excessos praticados com amigos como episódios marcantes dessas

amizades: “muitas festas que a gente ia, muitos perrengues que a gente

passou de ficar até tarde e ficar perdido na cidade sem ter como voltar para

casa” (99); “no dia de thanks giving saímos cedo de casa e fizemos

praticamente um tour alcoólico gastronômico pela cidade parando em vários

bares e restaurantes durante todo o dia, até chegar totalmente torto e cheio

em casa à noite” (117). Por vezes, as lembranças estavam associadas ao

envolvimento com a polícia: “fomos levados à delegacia por atrapalhar o

silêncio dos vizinhos com o som ligado às alturas durante a madrugada”

(49).

A música e a dança são partes integrantes das reuniões com

amigos, em karaokês para cantar e dançar (47), em saídas para dançar (17),

no carnaval de Salvador (18), nos rocks de Ouro Preto (79), em boates (75),

em festas de fim de ano (39), nas “baladas” (93, 115), em shows (31), em

cafés com comidas e danças típicas (31), e ainda “as danças que ele faz nas

festas em que vai” (22). As celebrações de aniversário (35, 94, 97) e

casamento (42, 100, 105, 109) também foram marcantes: “no meu

aniversário ela me chamou para jantar fora, com festa surpresa” (32).

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Finalmente, algumas reuniões sociais promoveram o encontro com

outras pessoas para troca de informações, como “encontros do grupo do

jornal” (29) e “encontros do grupo de adolescentes” (29).

Viagens e Passeios Turísticos – Além das referências a viajar

juntos (17, 96, 115), ainda marcaram as amizades internacionais os contatos

com a paisagem e com as pessoas dos lugares visitados. Por vezes, foram as

visitas aos pontos turísticos que se tornaram memoráveis, como viajar pelo

norte do Brasil (27), ir ao Zoológico (93) ou simplesmente visitar pontos

turísticos (18, 64, 112). Outras vezes, as viagens permitiram conhecer outras

pessoas, como o namorado da amiga (53), os amigos (38, 60, 74) ou a

família do amigo (103).

Religião e Esportes – Outras atividades sociais estavam ligadas a

religião e esportes. Apesar de não ter sido muito presente em episódios

marcantes, a religião se mostrou importante quando era compartilhada. Uma

participante relatou como episódio marcante ter recebido da amiga “um

livro falando sobre Deus” (eram da mesma religião) (8). Outras se referiram

a “uma conversa sobre a visão dos jovens em relação ao mundo e à religião”

(61), a “conversas sobre Deus” (56) e a “acampamentos ligados à igreja”

(98). Os esportes também marcaram as amizades como a vitória em

campeonatos esportivos (4, 24, 33) ou a prática de esportes em conjunto

(38, 90, 98, 102).

Humor - O humor marcou alguns episódios, incluindo situações

cômicas, trotes e brincadeiras. Diversos episódios foram considerados

marcantes por terem sido engraçados ou cômicos, como não saber cozinhar

e tentar inventar receitas com produtos estragados (16), brincadeiras com

outras pessoas (20), a tentativa fracassada e engraçada do amigo namorar a

irmã (23), as brincadeiras pelo fato do amigo ser negro (mas sem

preconceito) (25), os recados deixados pelo amigo que sempre resultavam

em desencontros (26), as brincadeiras ou trotes com vizinhos (43), ter

pulado o muro para entrar por ninguém ter atendido a porta (111), quando

os dois assistiram ao mesmo filme no mesmo dia (alugado e TV paga) (51).

Apoio, Acolhimento, Confiança e Auto-Revelação - Em diversos

momentos, os participantes se referiram ao apoio recebido em um momento

específico ou ao acolhimento, geralmente envolvendo mais pessoas, quando

o participante foi residir com a família no exterior ou ao receber alguém do

exterior. O apoio revela em contato mais diádico, enquanto a acolhimento

dá-se em um contexto mais amplo. A manifestação de confiança também

resultou em episódios marcantes, assim como a auto-revelação.

O acolhimento refere-se à recepção do participante, geralmente

com a participação de familiares, podendo levar à sua inserção na família do

amigo. Vários episódios falam de acolhimento: “me convidaram para voltar

aos EUA e se prontificaram a pagar todas as custas” (19). Ao conviver com

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uma família no exterior uma participante relatou que sua amizade

transformou-se em uma relação de fraternidade por morar com a amiga,

tornando-se parte de sua família (14). Em outro caso, “eu conheci seus pais,

seus irmãos e o pai dele cozinhou pra gente” (41). E ainda “este professor

conseguiu a casa de uma amiga dele para eu ficar, pois eu não tinha

condições de pagar hotel” (77). Em outro caso ocorrido no exterior “quando

meus pais foram me visitar nos EUA e levei-os para jantar no restaurante

em que trabalhava, a H. foi super gentil, nos deu de cortesia o jantar” (59).

No único caso ocorrido no Brasil, a participante relata: “eu e o pai fomos

buscá-lo no aeroporto, sem que soubéssemos como ele era, só pelas fotos”

(69). Nestes casos, o episódio marcante refere-se ao acolhimento por parte

do amigo, de sua família ou de seu grupo de amigos.

O apoio se refere a alguma forma de ajuda material, informacional,

mas principalmente emocional, como o consolo recebido do amigo ao

terminar um namoro, (40), pelo amigo ter ligado antes de uma entrevista de

estágio trazendo tranqüilidade e confiança (44), por consolar ao não ser

aprovada no vestibular (76), pelas “palavras de apoio que trocamos sobre as

provas, a saudade que ele sente do seu filho e do seu país” (116) e ainda à

ajuda nas atividades da escola (103). O apoio estava presente nas “pequenas

coisas do dia-a-dia, de atos de consideração e cuidado” (31) e nas

“encrencas, ela ficou do meu lado, me apoiando” (7).

Alguns episódios marcantes diziam respeito à confiança por parte

do participante no amigo, incluindo “a confiança de deixar a casa por conta

dela” (9) e a confiança do amigo ao conviver “com alguém desconhecido”

(113). A auto-revelação foi indicada em frases como “ter contado sobre seus

filhos e ex-esposa, da falta de amigos e do apoio da família, da solidão”

(87), ao estabelecer “uma conversa muito profunda - uma relação eu-tu”

(82) e também “ao contar sobre as dificuldades de relacionamento com a

própria família distante” (68) e de serem “confidentes uma da outra” (92).

Apoio, acolhimento, confiança e auto-revelação estão intimamente

relacionados.

Companheirismo – O companheirismo é marcado pelo convívio,

companhia ou compartilhamento do dia-a-dia com o amigo. Neste caso, o

fato marcante não é um episódio específico, mas o relacionamento ao longo

do tempo. Vários se referiram ao convívio diário como algo marcante, como

conviver todos os dias, almoçar, lanchar e estudar juntas (15), conviver

muito, sempre almoçando juntos (35), freqüentar a casa uma da outra (72,

98), jantar juntas (78), estar sempre juntas (98), o fato de ter ido morar

juntas possibilitando conviver mais (96). E ainda sair juntas (45) e

conversar até altas horas (17, 115) e “ela sempre me fazia companhia” (79).

Finalmente, os estudantes mencionaram o fato de o amigo estar presente em

vários momentos de sua vida, ao correr, rir, se divertir, conversar e comer

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(103), ao dormir na casa da amiga, assistir filmes e conversar sobre a vida

(75), na primeira tatuagem, no primeiro namoro e na formatura (49). Esse

companheirismo chega a ser considerado como cumplicidade (5, 119). Em

algumas ocasiões, a retomada do contato perdido foi algo marcante, como o

reencontro na casa de um ou outro (4, 50).

Situações de Perda e Despedida - Situações de perda marcaram

as amizades internacionais, como a morte do pai ou da mãe do participante

ou do amigo (4, 109) e a possível perda de uma bolsa de estudos (21). A

despedida marcou a amizade de vários participantes, desde a notícia da

separação (8), o dia da despedida ou sua celebração (1, 35, 97, 105, 35 e

59), o momento da despedida (98, 76, 93) e os discursos ou cartas de

despedida (10, 62, 48). Estes discursos e cartas, assim como presentes

simbólicos da amizade (89, 98), talvez pudessem ser vistos como parte do

compromisso gerado pelas amizades.

Diferenças Culturais - As diferenças culturais estão presentes em

diversos episódios marcantes. As diferenças culturais, por vezes, foram

apontadas em relação a festas. Apesar disso, elas foram incluídas neste item

em função da centralidade do tema para o presente estudo.

Algumas festas foram lembradas em função de diferenças culturais.

Em alguns casos essas diferenças se referiam a diferentes padrões de

comportamento. Para um dos participantes, foi marcante a reação do amigo

“à forma ousada de algumas amigas durante o churrasco que ele me

acompanhou. Ele pareceu sem graça e assustado” (52). Em outros casos,

essas diferenças estão na culinária típica do lugar: “o churrasco que fiz na

casa dele onde ele experimentou um churrasco brasileiro de verdade” (101).

As diferenças ainda diziam respeito a dificuldades com o idioma. Em uma

festa de amigo secreto, o amigo tentou falar português em público (2), outro

tentou cantar no vídeokê uma música inteira em português, mas misturou

português, inglês e alemão (6). Uma das participantes mencionou as

diferenças culturais entre as festas de diferentes países: “houve grande troca

de culturas, porque ela pôde viver um pouco de nossas formas de diversão,

como são as nossas festas” (67).

A reação dos amigos a diferenças ambientais e humanas foi

marcante, como a admiração da natureza do país (107, 118) ou da beleza de

seu povo (95). As diferenças culturais também foram lembradas, como as

conversas sobre as culturas nacionais e suas festas (45), e conversas e o

contato com sua culinária (37, 63) e costumes (83). Outra citou o fato de

“ouvir música coreana” e aprender “brincadeiras coreanas tradicionais” (98)

como marcantes. Um exemplo de diferentes culturas unindo pessoas deu-se

“quando ela me ensinou a fazer trancinhas africanas e fez nos meus

cabelos” (15). Em outro caso, foram marcantes os “desencontros causados

pela cultura dos brasileiros que quando falam que vão atrasar um tempinho

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pode ser uma hora” (65). Uma participante citou “uma mania que americano

tem de fazer acordos com um amigo de se eles chegarem a uma certa idade

e não casarem, eles se casam para não ficarem sozinhos” (51).

As diferenças de idioma também geraram episódios marcantes nas

amizades internacionais, envolvendo as dificuldades com o idioma e sua

superação (55, 71, 114), incluindo a troca de palavras (83) e dificuldades

com o vocabulário (92). Outras lembranças estavam ligadas a servir como

intérprete do amigo e para o amigo (68, 89, 107).

Os episódios marcantes são reveladores por sua diversidade e

riqueza. Esses episódios servem para se compreender melhor a natureza das

amizades investigadas.

Com base, em parte, no esquema proposto por Hinde (1997), três

fatores se destacam nas respostas dadas: relacionamentos, grupos sociais e

cultura. Alguns episódios relatam aspectos mais internos ao relacionamento,

como apoio, auto-revelação e companheirismo. Outros estão claramente

ligados a situações sociais (como reuniões sociais e festas, viagens e

passeios, religião e esportes), com suas normas e tradições. Finalmente, as

diferenças culturais se destacam pela origem internacional dos participantes.

Como estes apresentam relações dialéticas, nem sempre ocorrem de modo

distinto, mas podem interagir.

Diversos episódios indicam a inserção de uma relação de amizade

em um grupo social realizando uma atividade social ou cultural (como

festas ou reuniões sociais). Estas relações entre relacionamentos (díade de

amigos) e grupos a que pertencem (sua inserção social) são dialéticas,

conforme proposto por Hinde (1997), pela presença de influências mútuas.

Os grupos são portadores de tradições ou estruturas sócio-culturais, como

rituais, tradições, normas e regras, inclusive relacionados a festas e

comemorações, entre outros. É notável que relacionamentos tenham como

episódios marcantes eventos grupais ou sociais. Possivelmente, os grupos

façam a mediação entre as díades e a cultura da sociedade mais ampla, com

suas tradições históricas e folclóricas.

Viagens e passeios também envolvem o ambiente sócio-cultural e

grupos sociais. Pontos turísticos integram o ambiente sócio-cultural, como

parte do ambiente físico, possuindo significados históricos, sociais e

culturais. Viagens e passeios também estão ligados a grupos sócio-culturais

em torno da pessoa do amigo (como familiares e amigos).

Os episódios contados revelam uma dialética entre o que ocorre na

díade e em grupos sociais mais amplos e suas atividades sócio-culturais.

Esses grupos são portadores de tradições sócio-culturais que fazem parte

das amizades, como é o caso da religião e dos esportes. Por vezes, não há

limites claros entre a relação diádica e a vida no grupo, como no caso do

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acolhimento pelo amigo, que se estende para sua família ou grupo de

amigos.

Os episódios, em geral, são positivos. Lembranças de sofrimento

são poucas e estão relacionadas a perdas importantes ou à despedida. Outros

episódios são lembrados por serem engraçados, sendo o humor outra fonte

de recordações de amigos.

Uma dimensão importante nas amizades interculturais ou

internacionais são as diferenças culturais. A reação dos amigos a diferenças

ambientais e sociais, como episódios marcantes, mostra a presença do

ambiente em suas dimensões sócio-culturais sobre o relacionamento. As

diferenças culturais são vistas, predominantemente, como positivas, ligadas

à curiosidade pelo diferente, pelo estrangeiro, o que pode ser um traço

cultural do Brasil ou das pessoas que buscam o contato com outras culturas

em nosso país. Um fator notável relacionado às diferenças culturais é a

orientação positiva e a superação de possíveis dificuldades advindas dessas

diferenças. Vários episódios indicam a avaliação positiva da cultura do

amigo estrangeiro, sua culinária, suas festas, suas estórias, músicas e

tradições. Neste sentido, as amizades formam pontes entre diferentes

culturas.

O conjunto de episódios marcantes mostra a diversidade e a

complexidade de eventos em torno das amizades evidenciando diferentes

níveis de complexidade, desde os fatores internos à díade, como

companheirismo e apoio, a inserção em grupos sociais e suas atividades,

como nas reuniões sociais e festas, e o compartilhamento de aspectos

culturais de cada nação por intermédio do amigo. Frente a essa

complexidade, o esquema proposto por Hinde (1997) nos parece adequado

como ponto de partida para a compreensão das amizades internacionais a

partir de relatos de episódios marcantes.

O foco da presente pesquisa difere de pesquisas anteriormente

realizadas sobre amizades de universitários com pessoas de outro país.

Enquanto a maior parte dos estudos volta-se para os estudantes no momento

em que estão no exterior (Ward & Margoret, 2004; Bektas, 2008), ou dos

estudantes locais em relação à presença de estudantes estrangeiros (e.g.

Ward, 2001), o presente estudo se concentrou em estudantes brasileiros

vivendo em seu próprio país e investigou suas amizades com estrangeiros

vivendo em outro país ou no Brasil. Investiga, assim, as amizades

internacionais de uma perspectiva mais abrangente, incluindo amigos

vivendo no exterior, resultantes, na maior das vezes, de contato pessoal no

Brasil ou no exterior, em algum momento de suas vidas. Neste sentido,

busca compreender essas amizades na vida de estudantes não sujeitos a uma

situação estressante, como morar no exterior.

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A literatura destaca as limitações e dificuldades para estabelecer

amizades com pessoas do país anfitrião entre estudantes internacionais e a

tendência a fazer amizades com conterrâneos (Bailey, 2006; Pandian, 2008;

Brown, 2009a; Cushner & Karim, 2004; UKCOSA, 2004; Sawir,

Marginson, Deumert, Nyland & Ramia, 2008). As experiências dos

universitários com estrangeiros no Brasil e no exterior, como visitantes e

anfitriões, indicam diversos momentos em que essa integração foi possível a

ponto de gerar amizades que permaneceram mesmo após a separação.

As amizades com pessoas do país anfitrião permitem aprender mais

do idioma e da cultura local (Ward, 2001; Ward, Bochner & Furnham,

2001). Os dados do presente trabalho indicam que essas amizades não se

limitam ao momento de vida que se está no exterior, mas elas se estendem

para além desse período, revelando experiências bem sucedidas de

aproximação e formação de amizades entre pessoas de culturas e idiomas

diferentes.

A literatura tem indicado que os resultados do contato intercultural

em relação à tolerância em relação às diferenças (Cushner & Karim, 2004),

à melhoria nas habilidades transculturais (Ward, 2001) ou na competência

intercultural (Brown, 2009b) têm sido inferiores aos esperados. Os dados da

presente pesquisa são mais otimistas ao indicar que as amizades

internacionais fazem parte da vida dos participantes, mesmo estando em

países distantes e que as histórias ligadas a amigos estrangeiros são marcada

por episódios positivos.

Mesmo no Brasil, as amizades internacionais servem de elemento

para uma aproximação maior entre brasileiros e estrangeiros, cujo

relacionamento revela dificuldades (Desidério, 2006) ou para melhorar

redes sociais precárias (Andrade e Teixeira, 2009) e para aprofundar as

amizades que já são reconhecidas como fatores de integração entre

estrangeiros e brasileiros (Subuhana (2009).

Os dados indicam que a internacionalização da educação, incluindo

as possibilidades de intercâmbio, pode forjar amigos internacionais

permanentes e não apenas temporários (Kreber, 2009) ao permitir o contato

entre estudantes de diferentes países para o desenvolvimento destas

amizades (Alfantookh, 2008).

As amizades internacionais devem ser compreendidas em toda sua

amplitude, incluindo fatores externos e internos, como auto-revelação,

considerados fundamentais para o aprofundamento de amizades

internacionais (Chen, 2006). Outros fatores internos presentes nos

resultados incluíram apoio e companheirismo, como dimensões mais

próprias à díade.

Apesar da literatura, por vezes, ressaltar o papel limitador das

diferenças culturais, consideradas em seus aspectos negativos (Gareis,

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2000), a presente investigação mostrou que as diferenças podem ser

positivas nas amizades. Neste sentido, os dados se aproximam dos achados

de Kudo e Simkin (2003), que propuseram a receptividade, incluindo

orientação e empatia transcultural, como fatores relevantes nas amizades

interculturais. As diferenças culturais não foram mencionadas como

empecilhos intransponíveis para a comunicação e a amizade, geralmente

sendo contornadas e deixando recordações positivas.

Alguns paralelos também podem ser encontrados entre os

resultados obtidos por Lee (2006) e esta investigação. Alguns pontos em

comum se referem à presença de fatores positivos (como prestar

assistência), auto-revelação e networking. Os rituais, atividades, regras e

papéis mencionados por Lee (2006) fazem parte das estruturas sócio-

culturais tratadas no presente artigo. De modo particular, há uma

correspondência em termos de explorar as diferenças de culturas e de

idiomas como aspectos específicos de relacionamentos interculturais.

As propostas de Hinde (1997) em relação ao relacionamento

interpessoal apresentam-se como uma possibilidade para se analisar as

amizades internacionais. O autor apresenta um esquema conceitual sobre as

relações dialéticas entre relacionamentos e outros níveis de complexidade.

O presente trabalho parte da questão dos níveis de complexidade e suas

relações mútuas. Quatro elementos propostos por Hinde se destacaram neste

estudo: relacionamentos, grupos, ambiente e estruturas sócio-culturais. Para

permitir uma interpretação mais próxima à natureza dos relatos, estruturas

sócio-culturais foram integradas aos grupos sociais e ao ambiente físico,

passando-se a tratar de ambiente sócio-cultural e grupos sócio-culturais

(com suas atividades, como reuniões sociais e festas), que manifestam

diferenças culturais.

Do ponto de vista empírico, o presente trabalho apontou

características das amizades de universitários brasileiros revelando, a partir

dos episódios marcantes, a profundidade e a extensão dessas amizades,

servindo de ponto de partida para possíveis ações para facilitar essas

amizades. Do ponto de vista teórico, o trabalho procurou lidar com aspectos

internos e externos da amizade, que estiveram presentes no conjunto das

respostas, utilizando algumas propostas de Hinde que sevem de base para a

discussão.

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209

18

AMIZADES DE UNIVERSITÁRIOS AFRICANOS NO BRASIL:

UMA ANÁLISE DOS EPISÓDIOS MARCANTES

Agnaldo Garcia

Dominique Costa Goes

Luciana Teles Moura

Claudia Balestreiro Pepino

A formação de amizades com pessoas de outros países deve muito

à internacionalização da educação superior (Kreber, 2009; Alfantookh &

Bakry, 2008). As amizades de estudantes estrangeiros residindo no exterior

têm sido investigadas em diferentes países, como a Nova Zelândia (Ward &

Margoret, 2004) e Turquia (Bektas, 2008). Estes estudantes geralmente

encontram dificuldades para fazer amigos com pessoas do país onde

estudam, aproximando-se de outros estudantes da mesma nacionalidade ou

etnia (Bailey, 2006; Pandian, 2008; Brown, 2009a; Cushner & Karim, 2004;

UKCOSA, 2004; Sawir, Marginson, Deumert, Nyland & Ramia, 2008;

Antonio, 2004).

As amizades com pessoas do país anfitrião facilitam a

aprendizagem do idioma e da cultura local enquanto aquelas com pessoas

do mesmo país contribuem para reduzir o estresse (Ward, 2001; Ward,

Bochner & Furnham, 2001) e obter apoio instrumental e emocional (Brown,

2008; Maundeni, 2001; Zhao & Wildemeersch, 2008). Pouco se sabe sobre

os fatores envolvidos na formação e aprofundamento dessas amizades

(Chen, 2006).

Ao viver em um país estranho, as diferenças culturais se tornam

centrais nestes relacionamentos. Em relação às amizades, estas têm sido

consideradas como elementos que dificultam fazer amigos de outras

culturas, entre outros motivos, por diferentes concepções de amizade

(Gareis, 2000). Por outro lado, essas diferenças têm sido consideradas como

elementos positivos nessas amizades, quando os jovens se mostram

receptivos a outras culturas, revelando empatia transcultural (Kudo &

Simkin, 2003). Ter amigos de diferentes culturas permite explorar

diferentes culturas e idiomas ao lado da assistência prestada (Lee, 2006).

Pouco se sabe sobre as amizades de estudantes estrangeiros no

Brasil. Tais amizades, por vezes, são mencionadas de passagem em

trabalhos investigando outros pontos da vida desses estudantes. Assim,

alguns autores têm se referido à dificuldade de estudantes africanos para

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210

estabelecer amizades com brasileiros (Desidério, 2006). Por outro lado, a

amizade com brasileiros também tem sido apontada como um traço positivo

da experiência de estudantes africanos no país (Subuhana, 2009). A amizade

ainda ocupa uma posição periférica em estudos sobre a adaptação e

satisfação com o contexto de vida no Brasil (Andrade & Teixeira, 2009).

O aprofundamento no conhecimento sobre as amizades de

estudantes estrangeiros no Brasil pode contribuir para sua adaptação ao país

e também fornecer elementos para uma maior integração social e cultural

desses estudantes em nosso meio.

A presente pesquisa tem como fundamentação teórica as propostas

de Robert Hinde (1997) para o estudo do relacionamento interpessoal, assim

como alguns princípios propostos por Adams e Blieznser (1994). Hinde,

partindo de atitudes orientadoras da Etologia Clássica, apresenta algumas

propostas para a construção de uma ciência dos relacionamentos,

destacando a descrição e a análise de diferentes níveis de complexidade e

suas relações mútuas ou dialéticas, desde interações, relacionamentos,

grupos e a sociedade. Ainda trata da influência do ambiente físico e das

estruturas sócio-culturais sobre o relacionamento interpessoal.

O objetivo desta pesquisa é investigar a natureza das amizades de

estudantes africanos no Brasil com base nos episódios marcantes dessas

amizades, à luz das propostas de Robert Hinde (1997).

Metodologia

Participaram da pesquisa 12 universitários estrangeiros residindo e

estudando no Brasil, sendo dez de Guiné-Bissau e dois de São Tomé e

Príncipe. Todos eram alunos da Universidade Federal do Espírito Santo

(UFES), sendo 11 graduandos e um mestrando, com idades entre 20 e 33

anos. Seis eram do sexo masculino e seis do sexo feminino e o tempo de

permanência no Brasil variou de um a sete anos. Havia nove católicos, um

muçulmano, um protestante e um não professava nenhuma religião. Todos

falavam português e dez também falavam crioulo.

Os dados foram obtidos por meio de entrevistas semi-estruturadas

baseadas em roteiro pré-estabelecido, contendo perguntas fechadas e

abertas. Os participantes foram entrevistados individualmente e os dados

foram gravados e transcritos. No momento da entrevista assinavam um

Termo de Consentimento para Participação em Pesquisa. Os dados

analisados no presente artigo foram respostas a uma questão aberta sobre os

episódios marcantes das amizades mais próximas, que foram submetidos a

análise de conteúdo (Bardin, 1988). O conteúdo das respostas foi

organizado em categorias de modo indutivo.

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Os estudantes foram entrevistados com base em um roteiro prévio

dividido em três partes: (A) dados sócio-demográficos (nacionalidade, local

de nascimento, idade, tempo de residência no Brasil, curso e período,

religião e idiomas); (B) a rede de amigos: (a) identificação dos amigos; (b)

atividades compartilhadas e interesses comuns; (c) a comunicação com

amigos. (C) O relacionamento com os amigos mais próximos (até três):

onde reside (Brasil ou exterior), histórico da amizade, dificuldades e o

significado da amizade e seu papel na adaptação ao Brasil e na forma como

vê o país. Os dados analisados no presente artigo se referem às respostas

quanto ao histórico da amizade, especificamente quanto aos episódios

marcantes nas amizades próximas.

A realização da presente pesquisa foi aprovada pela Comissão de

Ética em Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFES.

Resultados

Cada participante podia citar mais de episódio marcante em suas

amizades mais próximas. Os episódios marcantes das amizades foram

divididos em três grandes grupos temáticos: (a) apoio e companheirismo;

(b) festas e outros eventos sociais; (c) diferenças culturais. A maioria dos

episódios analisados foi apresentada na forma de uma breve narrativa. Os

resultados incluem 36 episódios marcantes que foram analisados de forma

qualitativa. Os nomes são indicados de forma abreviada, sempre se indicado

o sexo do estudante por M (masculino) ou F (feminino).

Apoio e Companheirismo - Apoio e companheirismo podem ser

considerados fatores internos à díade de amigos. Assim, o apoio se refere à

ajuda ou auxílio que um amigo fornece a outro, em termos materiais ou

instrumentais, emocionais e informacionais. Considera-se como

companheirismo o compartilhamento de experiências e o convívio entre

amigos.

O apoio marcou algumas amizades e deu-se em duas situações

principais: na chegada do estudante estrangeiro à cidade onde iria estudar e

em situações de enfermidade, urgência médica ou morte. Nos três exemplos

abaixo, o apoio se manifestou em situações de enfermidade ou urgência

médica. O primeiro episódio refere-se à visita do amigo quando a estudante

esteve doente: “E eu fiquei doente assim, internada, e ele apareceu com

umas florezinhas [...]. Ele ficou lá igual um irmão mesmo. [...]. Eu tive

certeza que ele se importava comigo naquela ocasião, que foi muito meigo”

(A-F de Guiné Bissau e E-M do Brasil).

Em um segundo episódio, o amigo levou o participante ao hospital

em função de um problema de saúde, “foi um dia em que eu estava doente,

aí eu estava aqui no campus mesmo, aí ligaram pra ele e ele foi lá na hora,

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212

me levou pro hospital, ficou lá comigo o tempo todo até eu sair do hospital”

(O-M e M-M, ambos de Guiné Bissau). O terceiro episódio de apoio deu-se

em uma situação de emergência médica de um parto prematuro da esposa

do participante em que o amigo brasileiro foi informado da situação e

deslocou-se, juntamente com seus familiares, para socorrer o amigo

guineense.

Quando a L. deu a luz ao R., eu tava fazendo prova [...] e recebi a

ligação do hospital. E aí, a primeira pessoa que eu lembrei foi o A.

[...]. Eu sem experiência, sem preparação nenhuma, longe da

família [...]. Quando eu cheguei no hospital, o A. e seus pais já

estavam lá me apoiando [...] E eles me deram total apoio (P-M. de

Guiné Bissau e A.-M do Brasil).

Outro momento de dificuldade marcou a amizade entre duas

estudantes de São Tomé e Príncipe no Brasil. O desencontro de informações

sobre a morte da avó de uma delas causou um grande sofrimento à neta que

havia perdido o ente querido:

A avó dela morreu e ninguém falou nada pra ela porque a família

queria poupá-la. Só que ela [...] namorava com um rapaz que tava

em Portugal e ele veio passear aqui [e disse]“eu fiquei sabendo que

a sua avó morreu”. E ela assim não sabia disso, e pra ela foi um

choque enorme [...] ela parecia que ia desmaiar (Mr-F e Mk-F,

ambas de São Tomé e Príncipe).

Em outros caos, esse apoio se manifestou na recepção ao amigo ao

chegar à cidade onde iria estudar. O primeiro episódio refere-se à recepção

do amigo ao chegar a Vitória, que foi buscá-lo na estação rodoviária e o

levou para conhecer a cidade e seus amigos: “aí ele mostrou alguns lugares

interessantes e me apresentou aos amigos [...] „esse é o meu amigo A., da

África, está estudando na UFES‟. Aí todo mundo fica impressionado, „como

é que você conhece ele?‟ (Am-M de Guiné Bissau e Fe-M do Brasil).

Em episódio semelhante, o amigo brasileiro mostra a cidade para o

amigo de fora “um dia ele me convidou, saímos, e foi na rua tal, na praia e

tudo mais, foi muito bom (Ans-M de Guiné Bissau e Rf-M do Brasil). Em

outro caso, “a gente saiu junto, ela me mostrou um monte de lugares, foi

muito marcante (Jul-F de Guiné Bissau e De-F de Guiné Bissau). Outra

amizade foi marcada pela ajuda e cuidado ao chegar a Vitória:

Ela me ajudou com muito amor mesmo, com muito carinho, com

muita atenção e me falou assim [...]. Eu estava sentada na cama

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dela e desarrumando a minha mala, as minhas coisas, e ela me disse

“Er, deixa eu te ajudar, Er, deixa eu te ajudar”, eu tava assim meio

desorientada. E depois, outro dia, ela me levou [...] pra Polícia

Federal com muito carinho mesmo. Com o dinheiro dela, pegamos

ônibus e fomos até lá. Foi muito marcante pra mim...O cuidado que

ela teve com a gente assim (Er-F e Ur-F, ambas de Guiné Bissau).

Em outro caso, a ajuda foi em relação à socialização com pessoas

do sexo oposto aqui no Brasil, quando o amigo teve oportunidade de falar

sobre as meninas brasileiras e seu comportamento, face ao interesse do

estudante guineense em se aproximar delas: “eu estava interessado em

saber o caráter, o que eles gostam, as meninas, o que elas não gostam [...]

como é que elas se comportam, sobretudo quando você é estrangeiro. Aí

eu... tá aprendi, aprendi com isso, com ele. (Am-M de Guiné Bissau e An-

M do Brasil). Finalmente, um estudante de Guiné Bissau reconheceu o

“apoio que ele vem dando” referindo-se a outro amigo guineense (Os-M e

Ho-M, ambos de Guiné Bissau). Os exemplos acima apontam para a

presença da ajuda no momento inicial, em relação ao ambiente físico e em

relação às pessoas do lugar.

O companheirismo também marcou algumas amizades. Em um

primeiro caso, a amiga deixou de sair de férias com a própria família em

Guiné Bissau para ficar com a amiga, “ela não quis viajar, optou por ficar e

a gente ficou, nós duas....Pra ficar comigo (Juc-F e Van-F, ambas de Guiné

Bissau). O companheirismo também é marcado pela atenção e

demonstração de carinho, no caso entre a amiga santomense e a brasileira:

“ela liga assim em tempos esporádicos [...] “ah, tô com saudade”, “liguei

pra dizer que te amo”, ela é assim muito sensível” (Ed-F de São Tomé e

Príncipe e Val-F do Brasil)

Por meio da companhia dos amigos é criado um ambiente familiar

semelhante ao do país de origem, “o dia que eu fui almoçar na casa dela,

tava uma amiga minha lá [...]. A gente estava bagunçando, aquele ambiente

quase familiar, me fez lembrar muito da minha família lá em Guiné e me

marcou muito (Er-F e Lí-F, ambas de Guiné Bissau). Uma estudante

guineense recordou um encontro com a família da amiga brasileira: “fui

com ela, na casa dela, em Minas Gerais, conhecer os pais dela, a mãe,

muito legal, ela fez comida típica mineira pra mim, gostei. ...É, gostei. Eu

tenho muita amizade com os familiares dela” (Jul-F de Guiné Bissau e Cr-F

do Brasil).

O convívio diário também faz parte do companheirismo, com

conversas sobre mulher e música “a gente também conversa muito e passou

a [...] se aproximar mais porque a gente fica conversando negócio de

mulher, negócio de [...] ele não gosta muito de futebol [...]. É música,

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mulher, sociedade, assim, a gente se aproximou muito” (Pat-M de Guiné

Bissau e Wan-M de São Tomé e Príncipe). Duas amigas citaram conversas

no restaurante universitário como marcantes (Jul-F de Guiné Bissau e Di-F,

de Angola).

Apoio e companheirismo estão presentes em uma amizade entre

estudantes de diferentes países africanos:

Bem, a gente mora junto, a gente troca idéia, a gente discute, porque

ele é bom de política, de sociedade, de futebol. [...]. Ele também

brinca com o R., se a gente não estiver aqui, às vezes, ele fica com o

R., vai lá e brinca, aquelas coisas de amizade assim. Ele também me

ajuda a falar “não” pra R. se eu não estiver aqui (Pa-M de Guiné

Bissau e He-M de Cabo Verde).

Festas e Outros Eventos Sociais - As festas marcaram diversas

amizades dos estudantes africanos: “já fomos em muitas festas, já fizemos

muitas graças (Ans-M de Guiné Bissau e N-M de Angola). Um estudante

guineense tinha como episódio marcante de uma amizade com uma

brasileira a festa surpresa que ela preparou por ocasião de seu aniversário:

“Aí eu cheguei em casa, todas as coisas preparadas pra mim [...] Ela

preparou o bolo de aniversário, convidando amigos [...”]. (Am-M de

Guiné Bissau e R-F do Brasil). Outra festa surpresa de aniversário foi

marcante para outro estudante de Guiné Bissau: “eu fiz anos lá, ela me fez

surpresa, não esperava, até chorei, sabe? Porque chamou as colegas da

faculdade, chegou aí, começou a bater palma, chorei mesmo, foi muito

legal (Jul-F e Del-F, ambas de Guiné Bissau). Outra festa de aniversário foi

marcante pelo papel que os amigos assumem na ausência da família:

Com africano, é a festa que marca sempre. Porque a festa, quando a

gente faz a festa [...] é uma coisa. Eu fiz aniversário, por exemplo, o

pessoal aqui é a minha família que já tá lá na festa, aí você

esquece... assim a festa que a gente faz é mais para esquecer a

família porque a família da gente agora é esse pessoal. Aí na festa a

gente aproveita... aumenta ainda mais amizade (Ho-M e Pat-M,

ambos de Guiné Bissau).

E ainda outra festa de aniversário, “também ela fez anos, fez uma

surpresa pra ela” (Jul-F de Guiné Bissau e Di-F de Angola).

Outras festas foram marcantes em função das brincadeiras e

mesmo pelo consumo de bebidas alcoólicas afetando o comportamento do

amigo na festa: “quando alguém está embriagado, fala algumas coisas de

brincadeira [...]. Já realizamos algumas festas africanas, fomos nelas e ele

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dançou pra caramba” (Ans-M e Ho-M, ambos de Guiné Bissau). Em outra

situação similar, a estudante santomense conta que quando sua amiga bebia

nas festas, cantava todas as músicas e queria extravasar: “Quando chegava

fim de semana e tinha festa, ela bebia, nossa dava muito trabalho, tinha que

levar pra casa, ela já começava a falar coisas assim que já não está no

contexto mais (Mr-F e Mk-F, ambas de São Tomé e Príncipe).

Em outro exemplo, o consumo de bebidas alcoólicas estava

associado ao clima de festa e os episódios marcantes com o amigo estavam

relacionados às oportunidades em que ele bebia. Em uma destas

oportunidades,

Ele chegou todo bêbado [...] porque teve uma festa na UFES [...]. Aí

eu levei ele pro quarto dele [...] Eu gosto de L. é quando ele bebe.

Ele assim, ele é muito alegre assim, muito doidão. Quando ele bebe

ele é tudo de bom [...] ele fica divertido, ele fala coisas boas assim,

coisas de amor, abraça, ele quer conversar” (Ed-F de São Tomé e

Príncipe e L-M do Brasil).

Outro episódio marcante refere-se à forma de dançar do amigo nas

festas: “O que mais me marca nele é quando ele dança [...]. Ele é muito

engraçado [...]. O momento que mais me marcou na amizade foram as

festas que a gente faz. Assim o jeito que ele dança mesmo. Nossa, é muito

engraçado”. (Ho-M e Os-M, ambos de Guiné Bissau).

De modo mais genérico, uma estudante de São Tomé referiu-se a

sair e beber com a amiga “então assim, a gente sai e bebe” e mais

especificamente, considerou marcante a festa de noivado da amiga, “no

noivado dela [...] foi o momento de botar anel” (Ed-F de São Tomé e Li-F

de Guiné Bissau).

Em uma das poucas recordações ainda de amizades em Guiné

Bissau, a participante menciona uma festa na escola, em que o amigo a

incentivou a se apresentar:

Ele me falou assim „vai você, você sabe cantar essa, você vai e faz

um playback, eu vou ficar aqui aplaudindo isso pra você‟, „tá, eu

vou fazer, eu vou pensar, depois no outro dia a gente faz‟. Então ele

me deu aquela coragem [...] e eu fui e eu fiz a música” (Er-F e Ka-F,

ambas de Guiné Bissau).

Uma festa de formatura na escola, seguida por uma visita a uma

boate, ainda no país de origem, foi importante para a amizade entre duas

estudantes guineenses: “ela ficou assim tão feliz porque depois daquele dia,

o tio dela ia deixar ela sair mais [...]. Eu não esqueço, a gente se divertiu

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muito e depois a gente voltou pra minha casa” (Juc-F e Jue-F, ambas de

Guiné Bissau). Geralmente, os episódios marcantes que incluíam festas se

deram entre universitários de dois países africanos.

A festa oferecia o contexto para diferentes acontecimentos. Um

estudante de Guiné Bissau citou como algo marcante as festas, uma em

particular: “Teve uma vez [...] a gente foi pra festa, aí ele foi, caiu o

passaporte dele. É... e a gente teve que sair todo mundo, ajudando ele a

procurar, até que a gente conseguiu achar (Os-M de Guiné Bissau e Ed-M,

de Cabo Verde).

Alguns eventos sociais ainda estavam ligados a festas, mas já

mostram a influência da religião nessas amizades. Uma festa de aniversário

foi marcante também pelo fato do estudante ter sido convidado para

participar da festa assim que chegou ao Brasil e por ter sido convidado a

orar na festa, mesmo encontrando alguma dificuldade com o idioma:

Foi uma coisa muito marcante quando eu fui num aniversário de um

amigo dele depois de três dias [...]. Aí eu fui convidado pra orar

antes de começar aquela festinha. Então, o meu português era meio

feio, meio difícil e eu tava com vergonha de expressar no meio de

muita gente, naquela hora. Então, mas eu tentei fazer com vontade,

falei aquilo que eu podia na altura (Am-M de Guiné Bissau e Fe-M

do Brasil).

Outro evento social ligado a religião foi lembrado na amizade de

outros dois jovens guineenses, um fato ocorrido ainda em Guiné Bissau,

quando a estudante era acolita, participando da liturgia de um culto

religioso. O evento marcante deu-se em um passeio ou intercâmbio com

outro grupo religioso em outra parte do país que o amigo queria participar,

mesmo não sendo acolita. Mesmo assim, “ele foi falar com o padre que eu

falei que ele podia ir no meu lugar. Mas não deixaram e ele acabou indo

escondido” (Juc-F e Die-M, ambos de Guiné Bissau).

As festas estão muito presentes nos episódios recordados como

marcantes em diversas amizades, geralmente com outros amigos africanos

e, por vezes, ocorridos ainda quando estavam no continente africano, antes

de vir para o Brasil estudar.

Diferenças Culturais - As diferenças culturais estão presentes em

vários episódios marcantes. De modo mais evidente marcaram duas

amizades, ambas com brasileiros. Um primeiro episódio está relacionado

aos diferentes nomes das coisas em São Tomé e Príncipe e no Brasil, o que

marcou como algo engraçado:

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Os episódios que eu levo mais dos meus amigos do Brasil mesmo é o

fato [...] de algumas coisas que aqui tem algum significado, no meu

país tem outro. [...] Quando eu ia almoçar no restaurante

universitário, a gente saía em grupo e eu também tava sempre

presente, eu falava alguma coisa e P. sempre me corrigia. Tanto que

eu morria de vergonha, mas o pessoal ficava sempre rindo. É muito

engraçado e eles adoram fazer muita palhaçada (Mr-F de São Tomé

e Príncipe e Pat-M do Brasil).

Em outro caso, foi o ensino de crioulo que marcou uma amizade

entre um guineense e um brasileiro:

O que marcou é o jeito que ele me fala pra eu ensinar crioulo [...]

Eu ensino, ele sabe, ele sabe assim muita coisa de crioulo porque eu

ensinava. Aí ele falava crioulo, assim escrevia [...]. Aí todo mundo

assim da sala ficava com ciúmes [...]. Mas o negócio de ensinar

crioulo pra ele me marcou, a facilidade que ele tem de pegar. Ele

sabe muita coisa de crioulo (Ho-M de Guiné Bissau e Ro-M do

Brasil).

Um caso particular em que uma estudante santomense brincou com

uma prima por causa do tipo de biquíni que usava poderia ser considerado,

possivelmente, como reação a uma cultura diferente quanto ao modo de se

vestir:

Estávamos numa praia [...] a prima dela [...] colocou um biquini

que estava atrás pequenininho [...]. Ela falou tanta coisa [...] pra

prima, “ah, mas isso não pode, você já tem um filho de 22 anos”,

mas foi tão engraçado a forma dela falar, eu não sei reproduzir isso,

não. [...] mas todo mundo ficou rindo lá. A mulher ficou cheia de

vergonha [...] mas a prima assim não ficou chateada [...] (Mr de São

Tomé e Príncipe e L-F do Brasil).

Finalmente, um estudante guineense mencionou como algo de

destaque em sua amizade com um angolano, as comparações que faziam

entre os seus países de origem, não somente em termos culturais, mas

também em termos de desenvolvimento e importância:

Discutimos... não de briga, discutimos, questão do amigo. [...] A

discussão é a diferença entre o meu país com o país dele, cada um

acha que o país dele é melhor. Pronto, em relação ao país dele é

verdade. O país dele em relação ao nosso é melhor porque ele é

mais grande e tudo mais, tem mais desenvolvimento, é melhor em

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tudo. Eu recuso mais por causa assim... você já sabe... eu recuso

mais questão do país, „ah, eu estou defendendo o meu país‟. Dizendo

mesmo, na verdade, o país dele é melhor que o nosso, em nível de

desenvolvimento, porque é mais grande (Ans-M de Guiné Bissau e

N-M de Angola).

Nestes exemplos, a presença de diferenças culturais nos episódios

marcantes dá-se de forma positiva, não indicando questões como

preconceito ou discriminação, mas são diferenças que são vistas e vividas

com humor e respeito mútuo.

Discussão

Os episódios marcantes possibilitam uma visão bastante reveladora

das amizades examinadas, indicando sua amplitude e profundidade. Como

indicado por Adams e Blieszner (1994), as amizades apresentam aspectos

internos e externos à díade. Enquanto os eventos relacionados a apoio e

companheirismo revelam mais do relacionamento em suas dimensões

diádicas, as festas e demais eventos sociais indicam que essas amizades

ocorrem dentro de um contexto social mais amplo. Finalmente, as

diferenças culturais indicam que dimensões culturais e nacionais estão

presentes nesses relacionamentos.

Com base em Hinde (1997), estes três grupos de eventos marcantes

estão associados a diferentes níveis de análise que o autor propõe. O apoio e

o companheirismo caracterizam os relacionamentos enquanto as festas

mostram as relações dialéticas que existem entre os grupos sociais e os

relacionamentos diádicos. A influência da cultura também está prevista no

modelo de Hinde (1997) como estruturas sócio-culturais. Estes diferentes

níveis de complexidade estão presentes nos relatos de episódios marcantes

da amizade.

A importância das festas para os estudantes africanos é algo

notável. Recordar amizades em função de sua inserção em eventos sociais

indica que esses relacionamentos não podem ser reduzidos a um fenômeno

restrito a duas pessoas. O grupo social está claramente presente na amizade,

por meio das atividades sociais ou culturais que promove (como festas e

outros eventos sociais). Conforme proposto por Hinde (1997),

relacionamentos e grupos apresentam relações dialéticas e se influenciam

mutuamente. Os grupos desempenham um importante papel quanto ao

relacionamento servindo de contexto para o encontro de pessoas e o

surgimento e aprofundamento de relações de amizades ou outras. Os grupos

ainda permitem a transmissão de tradições, como aquelas subjacentes às

diferentes festas citadas. Novamente, conforme Hinde (1997), estas

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tradições sociais e culturais que ele denomina de estruturas sócio-culturais,

estão em relação dialética com os relacionamentos diádicos.

Outro elemento do esquema de Hinde (1997) refere-se às relações

dialéticas entre o ambiente físico e os relacionamentos. Em vários episódios

pode-se ver a presença do ambiente físico na amizade. Amigos servem de

guia em um novo contexto ambiental, além de contribuir para a socialização

de seus pares, fazendo a mediação entre pessoas e grupos.

Apesar dos episódios geralmente se mostrarem como algo positivo,

eles vão do extremo sofrimento até o humor e a intensa alegria. Vários

episódios são lembrados por serem engraçados.

Finalmente, as amizades de estudantes estrangeiros no Brasil ainda

revelam como os estudantes lidam com as diferenças culturais ao se

aproximarem de pessoas de outros países. Apesar dos possíveis

desencontros devidos a essas diferenças, o que se observa novamente é a

presença do humor ao lidar com as diferenças, do interesse em aprender e

conhecer da cultura do outro. Possivelmente as amizades facilitem a

superação dessas diferenças integrando-as dentro de um relacionamento

caracterizado pelo apoio e companheirismo, que ultrapassa a questão da

tolerância das diferenças. As diferenças culturais acabam assumindo um

papel positivo, aproximando-se de outros trabalhos, como o de Kudo e

Simkin (2003). Em concordância com Lee (2006), a exploração das

diferenças culturais e de idioma foi um aspecto positivo nos

relacionamentos com pessoas de outra cultura.

Enquanto a literatura tem destacado as limitações e dificuldades

para estabelecer amizades com pessoas do país anfitrião entre estudantes

internacionais e a tendência a fazer amizades com conterrâneos (Bailey,

2006; Pandian, 2008; Brown, 2009a; Cushner & Karim, 2004; UKCOSA,

2004; Sawir, Marginson, Deumert, Nyland & Ramia, 2008), o presente

trabalho revelou o conteúdo de ambas a partir de episódios marcantes. De

modo similar, enquanto a literatura tem apontado as amizades com pessoas

do país anfitrião permitindo uma maior aprendizagem idioma ou da cultura

local (Ward, 2001; Ward, Bochner & Furnham, 2001), os relatos de

episódios marcantes mostram que os ganhos com essas amizades superam

essas metas.

Uma questão que merece uma maior reflexão diz respeito às

amizades entre estes estudantes africanos e seus parceiros brasileiros, cujo

relacionamento revela dificuldades (Desidério, 2006). Conforme indicado

por Subuhana (2009), as amizades são fatores de integração entre

estrangeiros e brasileiros. Cabe às instituições de ensino superior

possibilitar maior contato e aproximação entre esses grupos, tendo como

possibilidade de atuação o incentivo à formação de amizades. Jovens

universitários que partem para outro país para estudar enfrentam um

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ambiente físico, social e cultural que não é o seu mundo. Neste caso, os

amigos são um bem precioso. Se amigos são pessoas importantes no dia-a-

dia de todas as pessoas, essa importância se torna ainda mais destacada

quando as pessoas passam a viver em terras distantes.

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SOBRE OS AUTORES

Adriana Augusto Raimundo de Aguiar - Fonoaudióloga, Mestre e Doutora

em Educação Especial e Pós-Doutoranda em Psicologia no campo

das Habilidades Sociais pela Universidade Federal de São Carlos.

Atualmente é membro do Grupo de Pesquisa RIHS – Relações

Interpessoais e Habilidades Sociais.

Agnaldo Garcia - Professor do Departamento de Psicologia Social e do

Desenvolvimento e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia

da UFES. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. E-

mail: [email protected].

Ana Cristina Barros da Cunha – Professora do Departamento de Psicologia

Clínica do Instituto de Psicologia da UFRJ.

Angélica M. S. Gonçalves - Doutoranda, Programa de Enfermagem

Psiquiátrica -

Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP.

Claudia Balestreiro Pepino – Doutoranda do PPGP/UFES.

Claudia Patrocínio Pedroza Canal – Professora do Instituto de Ensino

Superior e Formação Avançada de Vitória, ES.

Cloves Bitencourt Neto - Bolsista de Iniciação Científica do CNPq, UFES.

Dominique Costa Goes – Bolsista de Iniciação Científica do CNPq, UFES.

Edna Aparecida Pereira Perobelli – USF/SP

Edna Lúcia Tinoco Ponciano – PUC/RJ.

Erikson Felipe Furtado - Depto. Neurociências e Ciências do

Comportamento

Faculdade de Medicina de Ribeirao Preto/USP.

Fernanda Gomes Dettogni - Bolsista de Iniciação Científica do CNPq,

UFES.

Fernanda Henrique Cupertino Alcântara - DER-UFV.

Fernanda Simplício Cardoso - PUC-Arcos.

Flavia Almeida Turrini – Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em

Psicologia da UFES, Professora do Departamento de Psicologia do

Centro Universitário São Camilo, ES.

José Roberto Pereira – UFLA.

Joseane de Souza - Psicóloga. Doutora em Enfermagem Psiquiátrica.

Pesquisadora do Nucleo de Pesquisa em Psiquiatria Clínica e

Psicopatologia Pai/Pad. Depart. Neurociências e Ciências do

Comportamento. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/ USP.

Josiane Raymundo dos Santos – USF/SP.

Juliana Fonseca Simões - [email protected]

Jussara Cristina Barboza Tortella – USF/SP.

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Kely Maria Pereira de Paula – Professora do Departamento de Psicologia

Social e do Desenvolvimento da UFES, Professora do Programa de

Pós-Graduação em Psicologia da UFES.

Larissa Horta Esper. Enfermeira. Mestranda em Saúde Mental. Dep.

Neurociências e Ciências do Comportamento. Faculdade de

Medicina de Ribeirão Preto/USP.

Leila Aparecida Kauchakje Pedrosa - Enfermeira, Doutora. Professora

Adjunto IV do Curso de Pós-graduação Mestrado em Atenção à

Saúde da UFTM.

Lívia Ramos Brandão - Bolsista de Iniciação Científica, CNPq. UFES.

Lorena Merizio Queiroz Costa – Doutoranda do PPGP/UFES.

Luciana Teles Moura – Doutoranda do PPGP/UFES.

Luciene Regina Paulino Tognetta - Coordenadora da linha de pesquisa

“Afetividade e Virtudes” do Grupo de Estudos e Pesquisas em

Educação Moral – Unesp/Unicamp.

Marco Aurélio Togatlian – Doutorando do PPGP/UFES.

Maria Isabel da Silva Leme - Instituto de Psicologia da Universidade de São

Paulo

Marina Medici Loureiro Subtil – Fisioterapeuta. Mestre em Psicologia pela

UFES.

Poliana Aliane Patricio - Psicóloga e Doutoranda em Saúde Mental. Dep.

Neurociências e Ciências do Comportamento. Faculdade de

Medicina de Ribeirão Preto/USP.

Priscila Tagliaferro - Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP

Quênia Cristina Gonçalves da Silva - Mestranda do Curso de Pós-graduação

Mestrado em Atenção à Saúde da UFTM

Raquel Ferreira Miranda – Doutora em Psicologia pela UFES. Professora da

UFV-CRP.

Rejane Maria Dias de Abreu Gonçalves - Enfermeira da Universidade

Federal de Uberlândia/MG. Mestre em Enfermagem e Saúde pelo

Curso de Pós-graduação Mestrado em Atenção à Saúde da

Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM).

Renata Maria Dias de Abreu - Enfermeira, Mestre em Enfermagem e Saúde

pelo Curso de Pós-graduação Mestrado em Atenção à Saúde da

UFTM.

Rosane Mantilla de Souza - Programa de Estudos Pós Graduados em

Psicologia Clínica. Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo. E-mail: [email protected].

Sandra Cristina Pillon - Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP

Sônia Regina Fiorim Enumo - Professora do Departamento de Psicologia

Social e do Desenvolvimento da UFES, Professora do Programa de

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Pós-Graduação em Psicologia da UFES, Bolsista de Produtividade

em Pesquisa do CNPq.

Sônia Vivian de Jezus - Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP

Sônia Zerbetto - Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP

Tatiane Lebre Dias – Professora do Departamento de Psicologia da UFMT,

Professora Colaboradora no Programa de Pós-Graduação em

Educação da UNEMAT.

Terezinha Féres-Carneiro – PUC/RJ. Bolsista de Produtividde em Pesquisa

do CNPq.

Valéria Meirelles - [email protected]

Vanessa FagionattoVicentin - Universidade de Franca. Agência

financiadora: CNPq. E-mail: [email protected].

Zilda Aparecida Pereira Del Prette - Psicóloga, Mestre e Doutora em

Psicologia, com Pós-Doutorado pela Universidade da Califórnia. É

professora Titular e orientadora nos Programas de Pós-Graduação

em Psicologia e Educação Especial da Universidade Federal de São

Carlos e coordenadora do Grupo de Pesquisa RIHS – Relações

Interpessoais e Habilidades Sociais.