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A nova geração de celulares Um bilionário leilão põe o Brasil na era do vídeo portátil e da internet móvel tão rápida quanto a dos computadores rOnaLd freITas, IsaBeL cLeMenTe, renaTa LeaL e MarceLa BuscaTO A publicitária mineira Juliana Rocha, de 34 anos, foi uma das pioneiras no Brasil a utilizar os novos recursos da telefonia com internet rápida, em uma rede especial da operadora Telemig Celular. Mãe de Isabela, de apenas 1 mês, Juliana consegue ver e ouvir o marido ao vivo enquanto amamenta o bebê. Flávio, do outro lado da linha, aparece na tela do celular de Juliana. Ele conversa com a filha e ajuda a acalmá-la. “O papai está aqui”, diz o executivo, que usa o celular para acompanhar a rotina da filha. O ritual a distância acontece duas vezes por dia, desde que terminou sua licença-paternidade. “É uma forma de estar mais próximo delas”, diz. Juliana aposta que em breve Isabela estará acostumada a ver o pai pelo celular. Ela afirma que já está pensando em adquirir um terceiro aparelho com as mesmas funções, para usar daqui a três meses, quando voltar a trabalhar. “Não quero perder os melhores momentos de minha filha”, diz. A partir do ano que vem, essa tecnologia se tornará comum no país. PARA VOCÊ VER Casal simula uma conversa por videoconferência. A rede 3G permitirá a transmisão de vídeos ao vivo

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A nova geração de celulares

Um bilionário leilão põe o Brasil na era do vídeo portátil e da internet móvel tão rápida quanto a dos computadores

rOnaLd freITas, IsaBeL cLeMenTe, renaTa LeaL e MarceLa BuscaTO

A publicitária mineira Juliana Rocha, de 34 anos, foi uma das pioneiras no Brasil a utilizar os novos recursos da telefonia com internet rápida, em uma rede especial da operadora Telemig Celular. Mãe de Isabela, de apenas 1 mês, Juliana consegue ver e ouvir o marido ao vivo enquanto amamenta o bebê. Flávio, do outro lado da linha, aparece na tela do celular de Juliana. Ele conversa com a filha e ajuda a acalmá-la. “O papai está aqui”, diz o executivo, que usa o celular para acompanhar a rotina da filha. O ritual a distância acontece duas vezes por dia, desde que terminou sua licença-paternidade. “É uma forma de estar mais próximo delas”, diz. Juliana aposta que em breve Isabela estará acostumada a ver o pai pelo celular. Ela afirma que já está pensando em adquirir um terceiro aparelho com as mesmas funções, para usar daqui a três meses, quando voltar a trabalhar. “Não quero perder os melhores momentos de minha filha”, diz. A partir do ano que vem, essa tecnologia se tornará comum no país.

Dez anos depois de privatizar a telefonia e torná-la um serviço acessível à maioria dos brasileiros, o Brasil dará um novo salto no setor de telecomunicações. Na semana passada, oito empresas compraram do governo federal o direito de explorar a terceira geração de telefonia móvel. Foi mais uma demonstração da eficiência de um modelo que entrega à iniciativa privada a tarefa de prestar serviços que o Estado não tem condições de oferecer à população. Só a compra das licenças rendeu ao país R$ 5,3 bilhões. A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) prevê que as empresas investirão mais de R$ 10 bilhões nos próximos dois anos, na compra das concessões e com os equipamentos. O resultado será uma rede que, além de voz, permitirá a transmissão de dados e vídeos e o acesso à internet por banda larga. Tudo isso numa velocidade equivalente à oferecida pelos provedores de acesso à internet.

Apesar dos bilhões de reais em jogo, a disputa pela futura distribuição de poder das operadoras no país transcorreu em clima de cordialidade. Nada dos gritos e empurrões

PARA VOCÊ VERCasal simula uma conversa por videoconferência. A rede 3G permitirá a transmisão de vídeos ao vivo

dos velhos pregões das Bolsas de Valores. Todas as propostas eram entregues por escrito, o que reduzia o barulho no auditório da Anatel, em Brasília, às conversas paralelas. No momento em que mais lembrou um leilão, a tensão se transformou em brincadeira. A poucos segundos do encerramento do prazo para apresentar a proposta, quando o representante de uma das operadoras caminhava 10 metros até a mesa da Anatel, seus concorrentes começaram a entoar uma contagem regressiva.

Para o leilão, a Anatel dividiu o Brasil em 11 regiões. Aquelas onde o poder aquisitivo da população é mais alto foram combinadas às mais pobres, para que nenhuma área ficasse sem cobertura por desinteresse das operadoras. A região que inclui a cidade de São Paulo e a região Norte (AM, PA, MA, RR, AP) foram agrupadas em um lote. É um modelo semelhante ao da privatização da telefonia, em 1998.

À semelhança do que ocorre de lá para cá, as autorizações prevêem metas para as empresas. Essas regras podem mudar a cara do país. A primeira obrigação das s empresas é levar a telefonia móvel a 17 milhões de brasileiros que vivem nos 1.836 municípios esquecidos na primeira fase das implantações – o número não inclui os moradores dos 412 municípios mineiros sem cobertura celular, onde o projeto de expansão está a cargo do governo de Minas Gerais. A Anatel deu prazo de dois anos para que a rede alcance todos os brasileiros. As empresas vencedoras não precisam oferecer a tecnologia de ponta imediatamente. Podem chegar aos rincões valendo-se da atual geração de celulares, que transmite apenas voz, textos, fotos e uma internet lenta.

Se as metas impostas pela Anatel forem cumpridas à risca, em 2009 o Brasil será o primeiro país em desenvolvimento com cobertura total de telefonia em seu território. “Isso deve tornar o país mais competitivo”, diz o embaixador Ronaldo Sardenberg, presidente da Anatel. Com acesso à comunicação, as pessoas têm mais oportunidades de trabalho e negócios. Haverá situações curiosas: muitos brasileiros terão acesso ao celular antes da água encanada ou do saneamento básico. O presidente da Anatel diz que a universalização é inevitável. “Mesmo que as empresas não cumpram os contratos, o seguro que elas foram obrigadas a pagar depois de vencer o leilão permitirá ao governo financiar a expansão da telefonia móvel.”

A nova geração de celulares com internet rápida ganhou o apelido de 3G (leia no quadro ). Ela deve promover uma revolução na economia e nos hábitos dos brasileiros. Em pouco tempo, o celular será uma espécie de computador portátil. Além de navegar pela internet na tela do aparelho, será possível utilizá-lo como ferramenta de orientação por satélite, o GPS, ou como cartão de crédito. Essas tecnologias já são oferecidas por algumas operadoras, que utilizam freqüências de rádio obtidas em leilões anteriores. Atingindo mais gente, essas operações ganharão escala. O celular também apressará o acesso à internet. No Brasil, apenas 13% das residências, ou 3,8% da população, têm internet com velocidade rápida, segundo uma pesquisa da consultoria IDC Brasil. Os celulares 3G ajudarão a conectar o país.

Para ter uma idéia do que isso significa, imagine uma conexão discada para computador. Os downloads são lentos, você demora minutos para carregar um vídeo ou mesmo para enviar um e-mail com um arquivo grande. Já é possível navegar na internet com a tecnologia 2G ou 2,5G, mas a velocidade lenta limita a experiência a enviar e-mails ou a ler notícias. O que vem por aí é uma conexão de banda larga. Com ela é possível ver vídeos com facilidade, trocar e-mails “pesados” e baixar filmes, séries de

TV ou discografias completas. Hoje, na Europa e no Japão, a velocidade de download no celular já chega a 3,6 Mbps (megabytes por segundo). No ano que vem, deverá dobrar. No Brasil, a 3G deverá chegar com 1 Mbps. É o suficiente para baixar um álbum de música inteiro em quatro minutos.

Nos próximos anos, as operadoras poderão fechar contratos com distribuidoras de filmes para oferecer trailers e produtos exclusivos para celular. Os aparelhos também deverão receber games para ser jogados em rede por várias pessoas. Empresas de monitoramento de trânsito poderão oferecer serviços para que você desvie dos congestionamentos nas grandes cidades, traçando rotas com a ajuda do GPS de seu celular.

Por dentro d o telefone 3GAs principais dúvidas em relação à rede de celulares com internet rápida1. Como eu sei se meu aparelho funciona em rede 3G? Assim que a rede 3G estiver disponível, haverá um ícone na tela dos celulares. Se houver dúvidas, consulte a operadora ou o manual do aparelho. 2. Se eu tenho um celular que não é 3G, posso acessar a internet?Nos smartphones, é possível usar a internet como num computador. Só que a velocidade de troca de dados é baixa. Nos aparelhos com 3G, você navega em banda larga. 3. Minha conta de telefone celular vai ficar mais cara com a 3G? Se você usar apenas o serviço de voz, não. Se usar mais troca de dados, sim. As operadoras oferecerão pacotes de dados. Inicialmente, só para os clientes do pós-pago. 4. E se eu tiver um celular 3G e não quiser usar os serviços de dados?Você não pagará nada mais por isso. Ter um celular 3G significa que você tem a opção de transmitir dados em alta velocidade, mas não é obrigado a fazer isso.

Uma das vantagens adicionais da 3G de celulares é acessar a internet no computador de casa, usando o aparelho como modem. A publicitária Juliana já fez isso. Na semana passada, ela colocou seu laptop com câmera embutida próximo à banheira e transmitiu o banho de Isabela em tempo real pela linha telefônica. Quem assistiu a tudo foi a irmã, que mora na Inglaterra. “A telefonia móvel será o principal provedor de banda larga do Brasil”, diz Ricardo Tavares, da GSMA, associação de operadoras que atendem 85% dos usuários mundiais de telefonia celular. O governo aposta que o aumento da concorrência levará as

FAMÍLIA CONECTADAJuliana mostra a imagem do marido ao vivo na tela do celular para a filha Isabela. Elas são as primeiras a usufruir da internet rápida pelo telefone móvel

empresas que vendem as conexões a cabo a baixar os preços do serviço. A transmissão de voz também deverá ficar mais barata. “Para as operadoras com rede 3G, é mais barato tecnicamente prover os serviços de voz”, diz Eduardo Tude, presidente da consultoria de telecomunicações Teleco. As operadoras poderão usar os preços s mais baixos dos pacotes de voz para atrair e fidelizar consumidores. “Por isso, no longo prazo, falar no celular ficará mais barato”, diz Tude. A estimativa da Anatel é de que o país terá um celular para cada habitante em 2014. Uma previsão razoável. Em Brasília, já há 114 linhas de celular para cada 100 habitantes.

Os novos celulares também devem vir equipados para captar as imagens da TV digital. Essa transmissão não tem nada a ver com a rede de telefonia. Significa que você vai poder sintonizar qualquer canal de televisão aberta, mesmo que não tenha aderido a nenhum pacote de transmissão de dados da operadora. Esse sinal de TV vem para o celular de graça, exatamente como o da televisão da sala. No Japão, há diversos celulares e dispositivos móveis que fazem isso. No caso brasileiro, os fabricantes terão de adaptar seus aparelhos para o padrão da TV daqui. A Samsung anunciou neste mês que já está desenvolvendo um modelo, com antena retrátil.

A tecnologia também cria opções inéditas de interatividade. “Se as operadoras fizerem acordos com as emissoras de TV, será possível mandar imagens de vídeo de seu celular para um noticiário de televisão”, diz Luciano Mendes, do Instituto Nacional de Telecomunicações. Nos Estados Unidos, aspirantes a repórteres enviam suas filmagens para o canal a cabo Current TV, de Al Gore, feito com notícias dos próprios espectadores.

Apesar da disposição com que as operadoras se lançaram no leilão pelas freqüências de banda larga, o investimento na tecnologia 3G ainda pode ser considerado arriscado. Não há dúvida de que a rede de terceira geração é a evolução natural. A questão é se os consumidores estão tão ávidos por usufruir dessa tecnologia.

Esse receio tem base na experiência européia. Em 2000, as empresas gastaram cerca de US$ 125 bilhões para adquirir freqüências 3G na Europa. Foram surpreendidas logo em seguida pelo fim da euforia financeira com a internet, que desvalorizou as empresas de telecomunicação. Elas ficaram sem capital para implantar redes, e ainda enfrentaram dificuldades técnicas porque a tecnologia não estava totalmente desenvolvida. Algumas empresas perderam suas licenças. Outras anunciaram cortes nos investimentos. Apesar disso, Ricardo Tavares, da GSMA, diz que não acredita numa reprise da decepção européia. “Os preços pagos pelas freqüências no Brasil não foram tão altos”, diz. “As empresas estão com capital e a tecnologia está desenvolvida.”

Há outro problema. Os usuários ainda não parecem dispostos a pagar pela internet no celular. É o que mostra uma pesquisa feita pela consultoria KPMG com 4.400 consumidores em 16 países na Ásia, Europa, América do Norte e do Sul, inclusive no Brasil. Mais da metade dos entrevistados afirmou considerar importante ler notícias, jogar games e trocar mensagens pelo celular, mas não quer pagar por isso. E quase 70% dos clientes afirmaram que mudariam de operadora se o custo de serviços multimídia subisse. “O consumidor brasileiro quer limitar seus gastos com celular”, diz Manuel Fernandes, sócio da KPMG.

O caso da Malásia, um país emergente como o Brasil, mostra como a penetração desses serviços pode ser lenta. Em 2005, em um intervalo de menos de três meses, duas das principais operadoras do país lançaram suas redes 3G. Dois anos depois, apenas 4% dos malaios migraram para um plano de 3G. No Brasil, a dificuldade poderá ser ainda maior. Cerca de 80% dos assinantes da telefonia celular optam por pacotes pré-pagos. A receita média obtida com cada usuário é de R$ 29,40 por mês, baixa em relação a outros países. “As operadoras estão gastando muito para construir essa rede nova, aumentando gastos com subsídios de aparelhos e serviços para atrair usuários”, diz Alex Zago, analista de telecomunicações da consultoria IDC Brasil. “Mas os consumidores não estão se mostrando tão interessados em comprar esses serviços.”

Apesar dos obstáculos, a implantação da rede de terceira geração é inevitável. “Ninguém sabe o que vai acontecer no futuro, mas, se a maioria dos países está investindo nessa tecnologia, é temerário ficar de fora”, afirma Zago. A Rússia lançou sua rede em novembro. A Índia e países do Sudeste Asiático planejam licenciar o serviço em 2008. Muitos países da América Latina e do Oriente Médio já contam com o serviço. Se não investirem em 3G, as empresas correm o risco de ficar com tecnologias que serão pouco usadas, perderão escala e se tornarão mais caras.

Nos mercados em que o 3G está mais maduro, os serviços multimídia já representam uma boa fatia do faturamento das empresas. No Japão, 73% dos usuários têm celulares de terceira geração. Nos EUA, uma das principais operadoras, a Verizon, obtém 20% de sua receita com a internet no celular. Essa é a esperança aqui. “No Brasil, é natural que os gastos com telecomunicação aumentem na medida em que o país cresça”, diz Roger Solé, um dos diretores de marketing da Vivo. Como sempre, os investimentos das empresas revelam a confiança no futuro do país.

Para que serve a nova geração de celularesO que você pode fazer com um telefone com conexão de banda larga

Fotos: Frederic Jean/ÉPOCA, Leo Drumond/Ag. Nitro/ÉPOCA

Janela Indiscreta

Um olhar diferente sobre o mundo da política

PALOCCI Querem que ele volte

Nas últimas semanas, um enviado do Planalto foi checar no Ministério Público a quantas andam os processos contra o ex-ministro e deputado Antônio Palocci. Os principais processos (a acusação de participação na quebra do sigilo do caseiro Francenildo Costa e de favorecimentos em licitações quando era prefeito de Ribeirão Preto) estão parados. Por coincidência, a curiosidade palaciana veio ao mesmo tempo que o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung (PMDB), pediu ao presidente Lula a volta de Palocci ao Ministério da Fazenda. Informalmente, Hartung representava a opinião de outros quatro governadores. Palocci finge que não é com ele. Interlocutor semanal de Lula, diz que o melhor que pode fazer para o governo é ajudar no projeto da reforma tributária.

SÃO FRANCISCO O bispo e o réquiem para o ministro

O jejum de 23 dias que levou o bispo dom Luiz Flávio Cappio para a UTI de um hospital em Petrolina, Pernambuco, poderia ter sido evitado. Derrotado pela decisão do STF que permitiu a retomada das obras de transposição do Rio São Francisco, o bispo teve várias chances de negociar. Quando assumiu o Ministério da Integração Nacional em março, Geddel Lima ligou para ele. Queria evitar o confronto de 2005, quando fez um jejum que conseguiu atrasar as obras. Dom Luiz mandou dizer que não podia atender. Em julho, o ministro foi até Barra, na Bahia, a diocese do bispo. Dom Luiz saiu da cidade e mandou que os sinos da igreja tocassem o réquiem. Na semana passada, já em greve de fome, o bispo recebeu um último sinal. O governo aceitava aumentar as verbas para a recuperação ambiental às margens do São Francisco se, em troca, o protesto fosse suspenso. O bispo mandou dizer que não. Só então o governo desistiu de negociar.

NA CÂMARA O deputado Palocci diz que não pensa em voltar para o Planalto

SEM DIÁLOGO Dom Luiz é levado para o hospital depois de 23 dias tomando apenas água e soro

TERCEIRO MANDATOLula já disse não antes

Quando quer convencer um interlocutor de que não existe a possibilidade de um terceiro mandato, o presidente Lula relata sua experiência de sindicalista. Eleito presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC em 1975, Lula foi reeleito em 1978 e acabou com a possibilidade do terceiro mandato. “Se lá atrás, quando era menos experiente, eu já sabia que terceiro mandato era uma furada, imagine agora”, disse o presidente a um amigo.

PTTiro ao alvo contra o PSDB

Reeleito presidente do PT na semana passada para um mandato de dois anos, o deputado Ricardo Berzoini tem um problema pela frente. Até três anos atrás, o grupo de Berzoini era tão forte no PT que se autodenominava Campo Majoritário. Nesse meio-tempo, vários amigos de Berzoini foram arrastados no processo do mensalão. Outros, como o ministro Tarso Genro, montaram correntes próprias. Com apenas 40% dos votos do diretório do PT, Berzoini decidiu arrumar uma plataforma para unir a maioria do partido. Em bom português, vai bater nos tucanos, falar mal de FHC e impedir qualquer aproximação do Palácio do Planalto com os governadores José Serra e Aécio Neves.

LULA EM 1978 Ele compara o mandato de presidente com o do sindicato

ORDEM UNIDA Reeleito, Berzoini vai reforçar os ataques do PT ao PSDB

RÉVEILLON DO RIOUma festa sem políticos

O Réveillon do Rio não é mais o que era antes. O presidente Lula desistiu de assistir à queima de fogos em um navio de cruzeiro em Copacabana. O governador Sérgio Cabral vai a Paris, sua cidade favorita. O prefeito Cesar Maia estará no Brasil, mas longe do Rio. E até Aécio Neves, o mais carioca dos mineiros, decidiu passar a noite do Ano-Novo em Barra Grande, Minas Gerais.

SENADOEm time que perde se mexe

Depois da derrota da CPMF, Lula deverá aproveitar o rodízio de líderes no Congresso em fevereiro para mudar seu time político. Romero Jucá (PMDB) deverá deixar a liderança do governo no Senado. Lula também gostaria de trocar os líderes do PT (hoje, Ideli Salvatti) e do PMDB (hoje, Valdir Raupp, ligadíssimo a Renan Calheiros).

ELEIÇÕES DE SÃO PAULOLula pedirá por Marta candidata

Primeiro foram os candidatos a vereador. Depois, os candidatos às prefeituras da região metropolitana. Agora, depois das últimas pesquisas, será a vez de o presidente Lula dar indicações de que quer a ministra Marta Suplicy como candidata à Prefeitura de São Paulo. Lula dará sinais de que, se Marta topar, subirá no palanque. Como tudo no país, a decisão ficará para depois do Carnaval.

NEM ELE Para variar de ares, Aécio vai ficar em Minas

Fotos: Sérgio Lima e Fernando Donasci/Folha Imagem, arq. AE, João Sal e Ricardo Marques/Folha Imagem

Está na hora de mudar

O fim da CPMF traz de volta a discussão sobre a reforma tributária. Ela é mais urgente do que nunca

Andréa leal e leandro loyola

Há mais de uma década, economistas, empresários e políticos avisam que o Brasil tem problemas graves na área tributária. Há impostos demais, as leis que os regulam são complicadas e apenas uma pequena parcela da população os paga. Os valores arrecadados são mal gastos, por uma máquina pública cada vez mais voraz. Esse sistema sofreu um golpe com o fim da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), o imposto do cheque, que retira R$ 40 bilhões do Orçamento da União de 2008. Num primeiro momento, o governo falou em compensar essa perda com o aumento de outros impostos. Em seguida desistiu. Parece ter

RECUOO ministro da Fazenda, Guido Mantega, falou em novo imposto e foi repreendido pelo presidente Lula

entendido o recado: a sociedade não quer mais aumento de impostos. Ela deseja é cortá-los.

Na semana passada, surgiu a primeira oportunidade para melhorar a qualidade do debate tributário. Depois da derrota na votação da CPMF, o governo precisava garantir a aprovação da Desvinculação de Receitas da União (DRU), um dispositivo burocrático que lhe permite gastar livremente cerca de R$ 90 bilhões do Orçamento. Com medo de perder de novo, os governistas preferiram não arriscar e partiram para a negociação. A oposição votou a favor e aprovou a manutenção da DRU. Em troca, o governo se comprometeu a não recriar a CPMF por medida provisória e a não aumentar impostos até fevereiro para compensar a CPMF – embora as versões que circulem no Planalto abram uma possibilidade para “pequenos ajustes”. O governo prometeu ainda mais. Disse que pretende, enfim, retomar a discussão do projeto de reforma tributária. “Houve um impulso no debate”, afirma o cientista político Murillo de Aragão, da consultoria Arko Advice. “Agora tudo depende do presidente.”

Na verdade, o governo também saiu ganhando com o fim da CPMF. De acordo com um cálculo do economista Paulo Rabello de Castro, presidente da RC Consultores, o governo federal deixará de gastar cerca de R$ 10 bilhões em CPMF, normalmente descontados dos pagamentos de juros da dívida pública. O momento é, portanto, politicamente favorável à tentativa de resolver um problema histórico no Brasil: a elevada carga de impostos e taxas que pesa sobre a sociedade. “O fim da CPMF é uma oportunidade para a classe política discutir o sistema fiscal e tributário”, afirma o cientista político e colunista de ÉPOCA Fernando Abrucio (leia a coluna ). “Agora seria a hora para fazer a reforma tributária porque o governo tem alta popularidade e a economia vive uma boa fase”, diz o economista Samuel Pessoa, professor da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro. “O que tem impedido é a resistência do governo em assumir o custo político.” Esse medo tem feito com que sucessivos governos optem por caminhos mais fáceis, como aumentar alíquotas de impostos para tapar buracos no caixa.

O Brasil tem uma das mais altas cargas tributárias do mundo. O governo coleta de empresas e cidadãos o equivalente a 36% do PIB, a soma de todas as riquezas produzidas pelo país. O índice brasileiro é um dos mais altos entre os países emergentes. China e Índia, que crescem a taxas de 10% e 8% ao ano, respectivamente, têm cargas tributárias mais leves: a chinesa é de 17% do PIB, a indiana de 16%. O que impressiona no caso brasileiro é que a carga tem crescido, de acordo com um estudo do economista José Roberto Afonso, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), consistentemente desde 1947. A tendência se acentuou a partir de 1988 (leia o quadro ). No ano passado, o caminhão tributário rendeu R$ 392 bilhões ao governo. Neste ano, a coleta foi ainda maior. Só até outubro, a Receita Federal recolheu R$ 485 bilhões. Nos últimos anos, a arrecadação do governo tem crescido o equivalente a uma CPMF (R$ 40 bilhões) ao ano. É dinheiro que poderia estar aplicado no consumo das famílias e na produção das empresas, gerando emprego e riqueza, mas acaba drenado pela burocracia do setor público. “A estrutura tributária é, junto com a infra-estrutura deficiente, o freio para um ritmo de crescimento maior da economia”, afirma Luís Fernando Lopes, economista-chefe do Pátria Investimentos. “Mas, como o cenário econômico está tranqüilo e o país está crescendo acima de taxas insignificantes do passado recente, o problema é esquecido.”

Alguns países têm cargas tributárias mais altas que a brasileira, mas entregam serviços públicos de qualidade. Aqui, o cidadão comum entrega cerca de 40% do que ganha ao governo, mas grande parte paga mais que isso. Um estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) revela que uma família de classe média, com filhos, gasta 32% da renda para pagar serviços cujo custo está embutido nos impostos. São gastos como planos de saúde, previdência privada e escolas particulares para os filhos, serviços que deveriam ser fornecidos pelo governo. Tome o exemplo do casal João Alberto Amaral Júnior e Karina Takaki Amaral. Os dois têm uma filha de 6 anos, Luiza, e vivem num apartamento de três quartos, de classe média, em São Paulo. Em um ano, a família Amaral paga mais de R$ 100 mil em impostos. Em tese, esse dinheiro seria usado para bancar serviços públicos de educação, saúde e segurança. Mas a sociedade paga pelos mesmos serviços na rede privada. A empresa em que João Alberto trabalha arca com um plano de saúde no valor de R$ 1.300, sem desconto significativo em seu salário. “Se não fosse assim, eu teria de tirar do meu bolso, mesmo pagando todos os meus impostos”, diz Amaral. Ele ainda paga um plano de saúde privado para os pais, no valor de R$ 1.000 mensais, consultas médicas do pediatra da s Luiza e de outros médicos que não aceitam planos de saúde, gasta em dentista, escola particular e previdência privada. Somando as despesas, a família Amaral gasta cerca de R$ 30 mil no ano para ter, com qualidade, serviços pelos quais já paga ao governo (leia o quadro ). Famílias como essa pagam todo mês 38 tributos diferentes ao governo.

Operação tapa-buraco O governo diz que não vai aumentar impostos, umas das medidas em estudo no Ministério da Fazenda para compensar os R$ 40 bilhões perdidos com o fim da CPMF

 

As empresas também pagam imposto sobre quase tudo: faturamento, lucro, folha de pagamentos, serviços. Ao todo, há no Brasil 59 impostos, taxas e contribuições para as empresas. Elas gastam em média 1% da sua receita para cuidar da burocracia dos impostos e cumprir as 3.200 normas tributárias em vigor. Entre os piores impostos para as empresas estão aqueles que incidem sobre a folha de pagamentos, sobre os investimentos e sobre os lucros. São eles que encarecem a contratação de funcionários e inibem novos empreendimentos que geram empregos e riqueza para o país. E funcionam como um incentivo à informalidade. É o caso do Programa de Integração Social (PIS). O PIS arrecada até 1,65% da receita bruta das empresas. Outro caso relevante é a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), que retira 3% do lucro das empresas. “A Cofins e o PIS são os piores impostos, porque incidem justamente nos investimentos”, diz o economista Samuel Pessoa, da FGV.

De acordo com o economista Gustavo Franco, colunista de ÉPOCA, um pequeno corte na alíquota do PIS seria um alívio capaz de melhorar a capacidade de investimento das empresas. Isso poderia ser feito de maneira simples, por meio de uma medida provisória. “Não é preciso fazer reforma tributária para reduzir o peso do Estado sobre as empresas. Basta diminuir as alíquotas”, diz o economista Clóvis Panzarini, ex-coordenador tributário da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. Em vez disso, o governo estudava, depois da derrota da CPMF, aumentar ainda mais os tributos que incidem sobre as empresas. Um grupo de técnicos da equipe econômica foi encarregado de estudar a possibilidade de dobrar a alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e passar a cobrá-lo de qualquer transação com cartões de crédito, de elevar a alíquota da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) de 9% para 10% e de aumentar a alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) (leia o quadro).

O governo federal tem um projeto de reforma tributária pronto para apresentar ao Congresso. Ele foi elaborado durante o ano pela equipe do secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Bernard Appy. O objetivo é simplificar legislação e cobrança. A proposta inclui a unificação de impostos e contribuições como PIS, Cofins e a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), cobrada no preço dos combustíveis, em um Imposto de Valor Agregado (IVA) federal. Também fala na fusão das legislações do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), diferentes em cada um dos 26 Estados e no Distrito Federal, criando outro imposto. “É a reforma possível, para simplificar a cobrança. Só isso já reduziria o custo para as empresas e diminuiria a sonegação”, diz Pessoa. “Acho difícil avançar, porque o cerne da reforma é o ICMS e ninguém discutiu a sério uma forma de compensar os Estados que sofrerão perdas”, diz o cientista político Amauri de Souza, da consultoria MCM.

Sucessivos governos têm adiado a reforma tributária, porque ela implica esforços que ninguém quer fazer. Devido ao confuso arranjo tributário feito desde a Constituição de 1967, o governo federal cobra impostos e repassa parte do dinheiro para Estados e municípios. É um arranjo conhecido como “pacto federativo”. Mexer nesse sistema coloca em risco as receitas dessas três esferas de poder. “Prefeitos, governadores e suas bancadas representam legítimas e irresistíveis pressões pela descentralização de recursos”, diz o economista e colunista de ÉPOCA Paulo Guedes. Mas ninguém parece disposto a lidar com essas pressões, tamanho é o custo político de levar emendas

constitucionais ao balcão de barganhas do Congresso Nacional. A questão central é que é perfeitamente viável reduzir a carga tributária sem grandes esforços legislativos. “É possível fazer a maioria das coisas por lei complementar ou, no máximo, por medidas provisórias”, diz o consultor Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal no governo Fernando Henrique Cardoso. De acordo com ele, é possível simplificar o ICMS, que hoje tem leis diferentes em cada Estado, reduzir os efeitos ruins do PIS e da Cofins e melhorar a tributação sobre salários. Daria para resolver até a guerra fiscal entre os Estados, a disputa pela atração de fábricas e empresas por meio de descontos no ICMS e em outros impostos. Maciel afirma que bastaria, para isso, aplicar uma lei de 1975: “Ela existe. O governo nunca usou porque não quis”.

Todas essas mudanças simplificariam bastante a estrutura tributária. Mas reduzir a carga, um ponto fundamental para o crescimento do país, ainda não faz parte de nenhum projeto. Os próprios governadores e prefeitos costumam defender a reforma como meio de aumentar sua arrecadação, e não de reduzir o peso dos impostos sobre o contribuinte. “Não é possível fazer uma reforma tributária completa, com redução de carga, sem fazer outras reformas no Estado”, diz o economista Samuel Pessoa, da FGV. Isso significa ter menos funcionários e reduzir os gastos com a Previdência para que o governo possa viver com menos dinheiro. “Sem fazer outras reformas, pensar em reduzir a carga tributária é como querer perder barriga sem parar de tomar cerveja”, diz Maciel. “Antes de reformar, é preciso definir o que as pessoas querem do Estado e definir o tamanho dele para atender a essas necessidades.” Essa é a verdadeira discussão que o país precisa enfrentar.

*Fonte: IBPT

PAGAMENTO DOBRADOJoão Amaral, Karina e a filha Luiza no seu apartamento, em São Paulo. Eles pagam mais de

R$ 100 mil em impostos, e ainda gastam com escola, previdência

Como escolher seu celular

ÉPOCA testou dez modelos e avaliou a adaptação ao 3G e a facilidade para teclar e navegar na internet

LUIZA PIRES

Os telefones com poderes de computador de bolso viraram um dos sonhos de consumo. Seu grande atrativo, além das tradicionais agendas e câmeras, é a possibilidade de navegação na internet e troca de e-mails. Alguns modelos no mercado já estão aptos a navegar na internet de alta velocidade que será oferecida pela telefonia celular de terceira geração (a 3G). Mas a conexão não é tudo para ter uma boa experiência na internet. A tela miúda e os teclados apertados ainda são um obstáculo para quem pretende trabalhar bastante tempo pela internet do celular. Pode ser um fator determinante para o aproveitamento do telefone. ÉPOCA testou as características de navegação e escrita de dez dos modelos mais cobiçados no mercado.

 

N95 NokiaO design agrada e a tela pode ser usada na vertical e na horizontal. O teclado convencional de celulares deixou a navegação e a troca de mensagens cansativas. O teclado externo dobrável resolve o problema. Funciona em 3G

iPaq 6945 HPO teclado virtual ou o Qwerty (letras dispostas como no computador) são eficientes. Os menus e o sistema interno em inglês atrapalham um pouco.

Não funciona em 3G

Blackberry Pearl RIMO teclado com duas letras por tecla dificulta o envio de e-mails mais longos. Mas o mouse compensa, facilitando a navegação.Não funciona em 3G

Blackberry Titanium RIMTem um recurso que ajuda a evitar erros e a corrigir palavras. Mas só em inglês. As teclas mais altas facilitam a digitação e o mouse ajuda a navegar. Não funciona em 3G

MotorolaÉ simples e funcional para o uso diário. Encontrar caracteres especiais como @ (arroba) e _ (sublinhado) no teclado é difícil no começo. O modelo prata funciona em 3G

Treo 750 PalmAs teclas são pequenas, mas é possível escrever com a “caneta”. Tanto o Windows quanto o recurso de autocompletar palavras (T9) são em inglês, o que atrapalha na hora de escrever mensagens. Funciona em 3G

i710 Samsung Não tem teclado, o que deixa o usuário dependente da canetinha. É preciso usá-la até para discar um número. Para compensar, a tela é grande. A navegação na internet é eficiente.Não funciona em 3G

iPhone AppleÉPOCA testou o aparelho com wi-fi e sem conexão telefônica (o modelo não chegou oficialmente ao Brasil). Intuitivo e fácil de navegar, tem tela grande. Tudo é controlado pelo toque do dedo. Mas acostumar-se ao teclado virtual pode demorar.Não funciona em 3G

S711 HTCO teclado Qwerty é escamoteável. A escrita e a navegação são fáceis, apesar do tamanho. A tela pode ser vista na horizontal e na vertical. Não funciona em 3G

N73 Nokia A câmera de 3,2 megapixels produz fotos com boa qualidade de impressão. Também tem uma câmera adicional para videoconferência. Mas o teclado alfanumérico atrapalha na hora de digitar textos longos.Funciona em 3G

Fotos: Sendi Moraes/ÉPOCA (8), AP e ShutterStock

O país que fala portunhol

Como o Brasil está liderando o ambicioso plano de integração da América do Sul

murilo ramos, ricardo amaral e wálter nunes

Amanhã da segunda-feira 17 de dezembro tinha tudo para ser o começo de mais uma semana de conflitos internos na Bolívia, país mais pobre e politicamente mais conturbado da América do Sul. Naquele fim de semana, governadores de quatro Estados haviam declarado sua autonomia em relação ao governo central, o que pode detonar um processo de secessão em um país dividido em dois pelas desigualdades sociais, econômicas e étnicas, além das divisões políticas (leia a reportagem à pág. 52). Temia-se uma reação violenta por parte dos que apóiam o presidente Evo Morales, mas a ajuda que ele recebeu no Palácio Quemados, sede do governo em La Paz, veio do Brasil e do Chile.

Naquela manhã, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua colega chilena Michele Bachelet encontraram-se com Morales para negociar a construção de uma rodovia que ligará o Atlântico ao Pacífico, cruzando o território boliviano. A estrada de 5.800 quilômetros, entre os portos de Santos, no Brasil, e Arica, no Chile, abre também uma perspectiva de futuro para o fragilizado governo Morales. Com a conclusão prevista para 2009, ela pode colocar a Bolívia no mapa do crescimento e da integração entre os países da América do Sul, uma das novidades no panorama econômico do planeta.

Nos últimos dez anos, governos eleitos democraticamente vêm aplicando políticas de estabilização econômica na maioria dos países da região. Beneficiada pelo aumento da demanda e pela valorização dos preços de alimentos e produtos minerais nos principais mercados, a economia dos países sul-americanos cresceu em média 5,6% no ano passado e atraiu grandes investidores. A América do Sul superou os países árabes como o maior destino de investimentos chineses no exterior. Com uma população de 360 milhões de habitantes, seu PIB era de US$ 1,8 trilhão em 2006.

No ritmo da expansão dos negócios, a agenda diplomática dos países sul-americanos fervilha. Encontros entre presidentes como o que ocorreu em La Paz tornaram-se corriqueiros, para tratar de questões políticas, comerciais e de integração regional. Há

CAMINHOOs presidentes Michele Bachelet, Evo Morales e Lula em reunião em La Paz. Eles querem fazer 5.800 quilômetros de estrada para ligar o Atlântico ao Pacífico

duas semanas, os presidentes do Brasil, Argentina, Equador, Paraguai, Venezuela, Bolívia e Uruguai assinaram em Buenos Aires a ata de fundação do Banco do Sul, que pretende ser uma instituição de fomento como o BID e o Banco Mundial. Em 2008 será criada a União de Nações Sul-Americanas, a Unasul, que ambiciona ser o embrião de uma comunidade econômica e política de países, nos moldes do que é hoje a União Européia.

Dono de quase 60% do PIB e de metade da população dos 12 países sul-americanos somados, o Brasil não apenas se beneficia desses novos ventos, mas também lidera o processo, espalhando pela região produtos, serviços, investimentos – e influência. As exportações do Brasil para os vizinhos cresceram de US$ 10

bilhões em 2003 para algo próximo de US$ 30 bilhões neste ano. De cada US$ 4 recebidos pelas vendas brasileiras ao exterior, US$ 1 é proveniente da América do Sul. As importações também cresceram, mas num volume bem menor – de US$ 7,6 bilhões, em 2003, para quase US$ 17 bilhões, em 2007. Empresas brasileiras, como a Gerdau e a Vale, têm investimentos de US$ 25 bilhões na região, sem contar o valor de obras tocadas por grandes empreiteiras como a Odebrecht e Camargo Corrêa, com contratos em quase todos esses países.

As grandes construtoras brasileiras, habituadas a realizar obras complexas como usinas hidrelétricas e rodovias em trechos de geografia acidentada, foram as primeiras a se firmar nesse novo país que fala portunhol. A Odebrecht tem escritórios de representação desde Caracas, na Venezuela, até Montevidéu, no Uruguai. A primeira grande obra foi uma usina s hidrelétrica no Peru, junto a um vulcão. Hoje, cerca de 35% do faturamento da empresa vem de países da América do Sul. “Essa participação certamente vai crescer com os projetos de integração regional”, diz Roberto Dias, diretor da Odebrecht.

Outra grande construtora, a Camargo Corrêa executa obras ou participa de licitações na Argentina, no Chile, na Bolívia, no Peru, na Colômbia, na Venezuela e no Paraguai. Juntos, esses investimentos somam entre US$ 80 e US$ 100 milhões. A Camargo Corrêa Cimentos comprou a argentina Loma Negra por US$ 1 bilhão e planeja investir US$ 800 milhões em seis países nos próximos anos. Votorantim, Tratex, Petrobras, Vale, Gerdau e Weg Motores são as outras seis empresas brasileiras com maiores investimentos na América do Sul, segundo um estudo recente da Fundação Dom Cabral.

Uma pesquisa realizada com grandes empresas pela Prospectiva, consultoria especializada em comércio exterior, revela que ao menos dois fatores foram decisivos para que elas se lançassem no mercado sul-americano. A primeira razão é a proximidade geográfica, que facilita o envio de máquinas e materiais. A segunda é a facilidade do idioma e a familiaridade com os hábitos locais. “O aspecto cultural é muito

EXPANSÃOHugo Chávez inaugura linha de metrô construída pela Odebrecht, em Caracas. Cerca de 35% do faturamento da empresa já vem da América do Sul

200%Foi o aumento das exportações brasileiras para os vizinhos em quatro anos

importante. Em nossa região, as relações são mais calorosas, mais próximas e isso é ótimo para o nosso negócio, que depende da relação direta com os clientes”, diz Pedro Villares, diretor da Natura para operação na América Latina. A empresa de cosméticos está presente em seis países. Neste ano, ingressou nos mercados colombiano e venezuelano.

Até mesmo a instabilidade política em alguns países da região transforma-se em vantagem comparativa para as empresas brasileiras, segundo o estudo da Prospectiva. Diretores das empresas dizem se sentir mais confortáveis diante das peculiaridades políticas dos países sul-americanos que seus concorrentes americanos e europeus. A presença brasileira também se expande na região com o estímulo oficial às empresas que exportam para os países vizinhos. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já financiou mais de US$ 2 bilhões para a instalação de empresas brasileiras no continente e para os vizinhos comprarem produtos brasileiros como aviões da Embraer e ônibus da Marcopolo.

O principal obstáculo ao crescimento da América do Sul é a falta de investimentos em infra-estrutura. A integração física e energética entre os principais pólos econômicos da região será a prioridade da União das Nações Sul-Americanas, cujo lançamento está previsto para março de 2008, segundo o Itamaraty.

Diferentemente da Europa, onde as populações convivem em territórios contíguos, os povos da América do Sul concentraram-se basicamente no litoral, deixando um grande vazio demográfico e econômico no centro do continente. Existe um território contínuo com densidade populacional alta que une o litoral do Brasil desde o Nordeste até o Sul e que se une ao Uruguai, ao Paraguai e à parte mais densamente habitada da Argentina.

É o Mercosul original, voltado para o Atlântico. A Colômbia e, principalmente, a Venezuela são países do Caribe e gravitam historicamente em torno dos Estados Unidos. O Chile meridional, região isolada pelos Andes a leste, pelo Deserto de Atacama ao norte, pelo Pacífico a oeste e pelo gelo ao sul, se vê mais como uma ilha do Pacífico do que como parte do continente. No alto dos Andes, uma população majoritariamente indígena oscila em torno de centros de poder e riqueza no litoral do Pacífico (Peru e Equador) ou da Amazônia (Peru, Equador e Bolívia).

NOVA FRONTEIRAPosto da Petrobrás em Bogotá, na Colômbia. O país está mais perto do Caribe e dos EUA que do Mercosul

Para integrar essas grandes concentrações seriam necessários investimentos em infra-estrutura de US$ 38 bilhões. O corredor oceânico Santos–Arica, anunciado por Lula e Michele Bachelet em La Paz, é um dos projetos prioritários (leia o gráfico à pág. 48). Por enquanto, é uma promessa de US$ 900 milhões – e quase metade desse dinheiro terá de ser obtido pelo combalido governo boliviano, por meio de financiamentos internacionais.

Faltam 600 quilômetros do lado boliviano para que o corredor interoceânico seja finalizado. Além do impacto econômico, a obra é carregada de simbolismo diplomático. Desde o final do século XIX, quando perdeu uma guerra para o Chile, a Bolívia pleiteia acesso ao Oceano Pacífico. Mesmo sem ter controle sobre a estrada, a obra permite que produtos bolivianos cheguem com maior facilidade ao mar.

Outro projeto considerado prioritário é a ligação entre o Porto de Manta, no Equador, e Manaus, no Brasil. O empreendimento consiste na interligação de hidrovias equatorianas, peruanas e brasileiras, incluindo um conjunto de rodovias. O governo brasileiro estuda a possibilidade de financiar o projeto, cujo valor é estimado em US$ 700 milhões.

“Essa ligação pode oferecer ao Peru e ao Equador a oportunidade de vender produtos primários, como tomates, ao grande mercado consumidor que é Manaus”, diz o assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia. A

ligação levaria mais rapidamente ao Pacífico produtos fabricados na Zona Franca de Manaus. Para chegar aos países da Ásia, hoje eles precisam ser embarcados no Oceano Atlântico e atravessar o Canal do Panamá.

Na última reunião de presidentes do Mercosul, na terça-feira, em Montevidéu, Lula se queixou da demora para transformar decisões políticas em realidade. Reclamou especialmente da manutenção de barreiras ao comércio entre países vizinhos. “Temos problemas na aduana de cada país. Cada secretário da Receita Federal parece que é o dono do país”, disse o presidente.

Burocracia e infra-estrutura não são os únicos desafios da integração. Diferentes visões estratégicas entre países também precisam ser contornadas. Chile, Colômbia e Peru querem conservar suas parcerias estratégicas com os Estados Unidos, enquanto Venezuela, Bolívia e Argentina pisam no acelerador do comércio inter-regional. “O Brasil deve ser o ponto de equilíbrio”, diz o chanceler Amorim.

OCUPAÇÃOAnúncio da cerveja Brahma, da AmBev, em Buenos Aires. A empresa já está em dez dos 12 países do continente

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Fotos: Aizar Raldes/AFP, Miraflores Palace/Archivo Latino/divulgação e Martin Acosta/Archivo Latino

violência de La Paz

Conflitos sociais e até linchamentos fazem parte do cotidiano da Bolívia, um país que sofre com movimentos separatistas depois da aprovação de uma nova constituição

Isabel Clemente

La Paz, capital de Bolívia, cresceu espalhada num vale entre os Andes. Está cercada pelas montanhas mais altas do país, como o Illimani, um vulcão extinto de 6.460 metros de altitude, cartão postal belíssimo e inspiração de curiosas lendas urbanas. A mais comentada atribui à montanha um poder de atração magnética, capaz de derrubar aviões. Abaixo do vulcão há um mar de construções inacabadas, que começa em El Alto - município onde está o aeroporto internacional, a mais de 4 mil metros de altitude. A falta de reboco muitas vezes é opção consciente da classe média que não termina suas casas para não pagar o imposto urbano. A necessidade de melhorar a arrecadação de impostos é apenas uma face das dificuldades que enfrenta o presidente Evo Morales, empossado no ano passado, após uma campanha que prometeu refundar a Bolívia, o país mais pobre da América do Sul, e torná-lo mais igualitário.

El Alto é a parte mais pobre dessa conurbação cor de barro formada com La Paz. Por isso mesmo, é balcão de negócio para traficantes e lar para a maior parte das cholas (indígenas que se vestem tradicionalmente com saias volumosas, chapéu coco torto na cabeça e grandes xales coloridos) que trabalham, sobretudo, como empregadas domésticas e ambulantes na capital. Cenas de violência são recorrentes. No dia seguinte à chegada de ÉPOCA à cidade - uma semana chuvosa de temperaturas que variavam de 15º C (dia) a 4º C (noite) -, os jornais noticiavam a carbonização de quatro supostos

delinqüentes que fugiam num carro. Eram suspeitos de terem cometido assaltos em El Alto. A população parou e ateou fogo ao carro. As investigações policiais descobriram que os rapazes tinham ficha na polícia. Culpados não foram encontrados e acabou a história. A polícia admitiu a dificuldade de elucidar um crime dessa natureza. "Morreram dentro do veículo apavorados com a turba de 100 pessoas que os cercou. As pessoas estavam muito eufóricas, violentas. Tivemos que pegar os cadáveres e sair de lá", contou o chefe policial encarregado da operação, coronel Sócrates Philco.

Desde abril deste ano, houve mais cinco linchamentos. Em pelo menos dois casos, as vítimas tinham sido confundidas com ladrões pela multidão ensandecida.

Há alguns dias, indígenas "ponchos rojos" degolaram dois cachorros em público, após batizá-los com o nome de duas lideranças de Santa Cruz. As cenas são chocantes, estão disponíveis no You Tube e foram transmitidas pelos telejornais locais, para horror de quem assistiu.

Um diplomata brasileiro com larga experiência na Bolívia chama a atenção para um ponto de forte inquietação em relação à nova Constituição.

Entre os 409 artigos da Constituição aprovada a toque de caixa, sem a presença da oposição, há duas semanas, existem alguns exclusivos para as nações indígenas camponesas originárias (todas que habitavam a Bolívia antes da chegada dos espanhóis, há quatro séculos). Entre os privilégios, está a garantia de autonomia até para formar um sistema judicial próprio, que não estaria submetido a nenhuma hierarquia em relação à Justiça comum, destinada aos não-originários. O texto, que ainda precisa ser aprovado em referendo, reconhece 37 nações originárias. Como tantos sistemas judiciais conviveriam é uma pergunta em aberto. "Não queremos um país homogênio, mas multicultural. Temos várias nações indígenas e queremos resgatar isso", diz o senador Gastón Cornejo Bascapé, do partido de Evo Morales, o MAS (Movimento ao Socialismo), tentando elucidar o caráter mais confuso desse novo conjunto de leis. O novo conjunto de leis, rotulado de ilegal pela oposição, ainda será submetido a referendo para ser validado. "A oposição se recusou a debater desde o início", disse o senador masista.

Falta de diálogo realmente tem sido um problema para governistas e opositores, mas nem sempre por falta de vontade dos interlocutores. Muitas vezes o Parlamento boliviano foi cercado por indígenas e camponeses que impediam a entrada de políticos da oposição. A onda de violência que cercava a reunião dos constituintes provocou a morte de três pessoas, em Sucre, capital histórica da Bolívia, em novembro passado. As reuniões subseqüentes foram convocadas às pressas para lugares de difícil acesso, o que deixou parlamentares da oposição reclamando de falta de condições para chegar ao local a tempo.

A contra-informação também é veiculada livremente na TV estatal TVB. Uma das propagandas oficiais trata de um tema que anda inquietando os bolivianos: a inflação. Nela, uma mulher comenta com o motorista de táxi que os preços dos alimentos estão subindo. O taxista culpa as "seis famílias" que produzem todos os alimentos do país. Entre os citados, está Branko Marinkovic, líder cívico de Santa Cruz (uma espécie de porta-voz da elite local). Reconhecido pelos concorrentes como um dos empresários mais bem-sucedidos da Bolívia, Marinkovic não é o maior produtor de óleo de soja e

girassol do país. É o terceiro. Todos estão localizados nas partes baixas da Bolívia, a planície onde vários brasileiros também plantam e desenvolvem negócios. Ele rotula as acusações de "terrorismo estatal". "Mas não temos a quem nos queixar neste país", disse Marinkovic a ÉPOCA. A propaganda ignora a alta generalizada da soja no mercado internacional e a emissão de moedas pelo Banco Central da Bolívia www.bcb.gov.bo, que começou a injetar 21 bilhões de bolívares na economia. Segundo jornais locais, é mais do que o dobro de moedas em circulação.

Apesar do clima nada favorável a entendimentos domésticos na Bolívia, Morales tem adotado um tom conciliador em público, principalmente depois de receber comentários positivos de outros líderes sul-americanos a favor da democracia em seu país.

Os brasileiros de Evo Morales

Os imigrantes que ajudaram a transformar a economia da Bolívia agora se sentem ameaçados pelo surto nacionalista que arrebata o país

Isabel Clemente, de La Paz e Santa cruz de la Sierra

A secretária aflita entra pela segunda vez no gabinete do senador Gastón Cornejo, uma sala apertada, apinhada de móveis escuros, no 2o andar do Congresso boliviano, em La Paz. Médico, escritor e homem-chave do MAS, partido do presidente Evo Morales, Cornejo interrompe a entrevista. “Preciso viajar e, daqui a pouco, não vou mais sair daqui”, diz, amável. Do lado de fora, a sempre congestionada Plaza Murillo está silenciosa. O trânsito fora interrompido no fim de tarde daquela quinta-feira, enquanto 30 policiais se espalhavam pela área onde também está o Palácio Quemados, a sede do governo. Ouvem-se os primeiros rojões. Em seguida, um estrondo forte e abafado indica o uso de um explosivo mais potente. Eram bananas de dinamite, soube-se depois, detonadas por alguns dos manifestantes, que chegavam aos milhares.

O Movimento Obrero de Bolívia reunira uma passeata de camponeses e indígenas em apoio ao presidente, Evo Morales, que enfrenta uma disputa política com a oposição. O bloqueio das estreitas ruas do centro de La Paz é uma cena cada vez mais comum. Aos gritos de “Morte aos neoliberais! Que morra a Meia Lua! Meia Lua fora daqui!”, homens e mulheres, mestiços e indígenas eram o retrato de um país dividido pelo ressentimento, sob o olhar complacente dos policiais.

PIONEIROSKarina, José Eduardo, Raul e Zacarias Valle. O casal chegou a Santa Cruz nos anos 90. Eles começaram do zero, hoje são donos de plantações de soja e de uma pousada

Meia Lua é o pedaço de terra onde estão os quatro Estados mais ricos do país: Santa Cruz, Beni, Pando

e Tarija. Reduto dos oposicionistas, a Meia Lua que os eleitores de Morales querem ver morta é também a região onde estão concentrados todos os interesses brasileiros. É dela que brotam gás natural e soja, graças aos investimentos da Petrobras e ao pioneirismo dos agricultores brasileiros que se mudaram para lá nos anos 90.

Os governadores da Meia Lua anunciaram na semana passada a intenção de se livrar das imposições de La Paz. Essa autonomia não deve ser confundida com independência. A principal reivindicação deles é a liberdade para editar leis estaduais e aplicar o dinheiro dos impostos. Ao contrário do Brasil – onde União, Estados e municípios dividem responsabilidades, obrigações e impostos –, na Bolívia todo esse poder está concentrado no presidente.

A elite da Meia Lua vive às turras com Evo desde que ele assumiu a Presidência, no início de 2006. O auge da discórdia foi a promulgação de uma lei que alterou o rateio dos impostos cobrados sobre a produção de gás e petróleo. Com a lei, Estados e municípios perderam importantes receitas da indústria petrolífera. Dona das maiores reservas de gás natural da América do Sul, a Meia Lua boliviana é a principal área de atuação da Petrobras.

A Petrobras chegou à Bolívia em 1996. Em menos de uma década, tornou-se a maior empresa do país. No ano passado, foi responsável por um quarto da arrecadação boliviana de tributos. Responsável também pelas maiores descobertas de gás na Bolívia, a Petrobras construiu as duas maiores refinarias do país, expropriadas por Evo no ano passado. A Petrobras recebeu US$ 112 milhões como indenização, mas a imagem que ficou do episódio foram os soldados bolivianos armados, na frente das instalações. Depois, a Petrobras suspendeu seus investimentos na Bolívia. Mas a vontade política se sobrepôs. Os investimentos foram retomados, e a Petrobras promete destinar à Bolívia uma soma que chega a US$ 1 bilhão.

Além do gás, o principal interesse brasileiro na Bolívia é a soja. Nas lavouras do norte do Departamento de Santa Cruz colhem-se duas safras de soja por ano sem a necessidade de usar tecnologias especiais de irrigação, como no Brasil. O sobrevôo final de aproximação do Aeroporto Internacional Viru-Viru, em Santa Cruz, dá uma idéia do que é aquele lugar. A planície é recortada por retângulos de diferentes tons de verde. São plantações de soja, milho, sorgo e girassol. Do alto também se vêem grandes equipamentos de irrigação, prova do investimento em tecnologia.

As estatísticas são imprecisas, mas estima-se que em Santa Cruz trabalhem cerca de 400 famílias brasileiras. Elas respondem por 35% da área

RESSENTIMENTOIndígenas fazem manifestação a favor de Morales. Eles protestam contra a região mais rica do país, onde estão os brasileiros

Brasileiros respondem por 35% da área plantada na Bolívia

A colônia brasileira ajudou a construir um hospital. Os bolivianos pensam que a caridade veio de Hugo Chávez

plantada na Bolívia. Seus filhos integram a primeira geração descendente de imigrantes brasileiros, que chegaram no início dos anos 90. Alguns com vontade de trabalhar, outros com dinheiro para comprar terra barata. Todos tiveram de abrir as próprias estradas para plantar. Levavam até oito horas para percorrer pouco mais de 200 quilômetros até a zona rural. Dormiam sonhando com uma vida melhor e acordavam se perguntando se uma nova inundação ia colocar toda a plantação a perder. A dificuldade para chegar às fazendas continua. Ainda falta asfalto, mas a aventura deu lugar a um negócio promissor que pode ruir, dependendo do rumo político da Bolívia.

O casal Karina Cabral e Zacarias Valle foi conhecer Santa Cruz em 1994, quando os dois ainda estudavam Zootecnia na Universidade Federal de Viçosa, no interior de Minas Gerais. “No primeiro dia, a gente foi para o campo e se encantou com o potencial da terra. No segundo, fui ver hospitais e escolas s pensando nos filhos que só viriam anos depois. Decidimos por Santa Cruz ali”, diz a paranaense Karina. Ela desistiu da pecuária quando percebeu a riqueza do solo local. O casal Valle começou sozinho. Ele dirigia o trator enquanto ela supervisionava a semeadura. Hoje, eles têm 6.000 hectares plantados e uma fazenda, transformada num sofisticado albergue para americanos apaixonados por caça. A única temporada autorizada na Bolívia prevê o abate de uma espécie de pomba que é uma praga para a plantação.

Nas horas vagas, Karina, de 35 anos, ainda toca o projeto Soya y Vida, que começou em 2001 a difundir a soja como alimento. Para os bolivianos, o grão não passava de comida de porco. A soja agora freqüenta a mesa do pequeno agricultor, que cultiva o cereal no quintal, e também a de orfanatos e hospitais. Ao todo, 7 mil pessoas são beneficiadas pela doação de grãos e por aulas de culinária, no entorno de Santa Cruz. “Todo mundo que está aqui veio disposto a fazer sua própria história. Ninguém pensa em deixar o país”, diz Karina. O casal tem filhos de 8 e 6 anos. Eles estudam numa escola americana e falam português, espanhol e inglês fluentemente. Loiras e de olhos claros, um biotipo bem distinto do boliviano típico, as crianças confundem interlocutores desavisados que as escutam falar num inglês perfeito: “Somos bolivianos”.

Pedro Henrique Davoli, de 36 anos, acabara de se formar em Engenharia Agrônoma em 1998, quando casou, vendeu o carro e trocou o interior de São Paulo, com a mulher, por uma fazenda na Bolívia. Chegou como gerente. Uma década depois, é sócio do empreendimento. As fazendas da família já passaram pelo “saneamento”, termo que os bolivianos usam para descrever o processo de autenticação dos documentos de posse. A

OS RICOSMoradora de Santa Cruz, em protesto contra Evo Morales.

formalidade é necessária porque a Bolívia tem mais terras registradas nos cartórios que o tamanho real de seu território, descrito nos mapas. “Já temos os documentos limpos, mas sabemos que não está tudo bem. Tudo pode acontecer”, diz Davoli. Sua insegurança é sentida em toda a colônia brasileira.

No ano passado, o Congresso boliviano aprovou a Lei de Terras, que prevê a reversão da propriedade para o governo em diversas situações. “Num país onde existem de oito a 12 mapas regulando o uso das terras, a qualquer momento o governo pode tomar uma propriedade alegando inadequação a um ou outro mapa. Falta bom senso”, diz Reinaldo Díaz, boliviano que preside a Associação Nacional dos Produtores de Oleaginosas e Trigo. O senador governista Gastón Cornejo adota um tom conciliador quando questionado sobre o objetivo da lei. “As propriedades produtivas, que exportam, geram emprego e tecnologia, serão respeitadas”, diz. Mesmo assim, o clima é de ansiedade entre os estrangeiros. “Os brasileiros correm risco por causa do discurso xenófobo do presidente Morales para quem o estrangeiro vem sempre explorar”, afirma Díaz.

A legislação boliviana considera passíveis de expropriação terras cujos donos deixarem de cumprir obrigações trabalhistas, um desafio e tanto num país

pouco afeito ao uso de documentos legais. Boa parte da população nem sequer tem certidão de nascimento, o que força o governo a fazer campanhas para mostrar aos bolivianos a importância de registrar os filhos. Semanas atrás, os parlamentares leais a Morales aprovaram uma nova Constituição que pode mudar radicalmente a questão fundiária, ao determinar o tamanho máximo das propriedades rurais. Caberá aos bolivianos decidirem por referendo se elas terão 5.000 hectares ou 10.000 hectares, motivo de inquietação para os grandes produtores. A oposição considera a nova Constituição ilegal, pois ela não foi aprovada por dois terços do Congresso, como manda a lei.

Muitos brasileiros têm fazendas com áreas maiores que os limites em discussão. O que o governo fará no dia seguinte à decisão é uma dúvida que tira o sono de produtores rurais como Raul Amaral Filho. Paulista de 34 anos, ele é sócio da Agrosen, uma das maiores agroindústrias de Santa Cruz, com 250 empregados e 16.000 hectares. Amaral investiu para tornar uma área pantanosa produtiva. “Em 1999, 400 hectares ficaram sob a água”, diz. Para que os jacarés não fossem mais parar no meio da soja, Amaral construiu canais de drenagem e isolou o pântano em duas piscinas naturais de 30 hectares e 70 hectares. Ele criou com outros agricultores a Fundacruz, instituição que fatura cerca de US$ 1 milhão por ano com a venda de pesquisas. Noivo de uma

A Bolívia divididaOs Estados que declararam autonomia estão na parte leste do país

boliviana, Raul diz ter até recusado uma proposta de capital estrangeiro porque, em suas palavras, “ama o que faz”.

Os imigrantes apostam numa solução conciliadora entre oposição e governo. Eles se mantêm à margem dos protestos e procuram não se envolver com política. Santa Cruz, capital do Departamento de mesmo nome, é uma ilha de progresso no país mais pobre da América do Sul. Com mais de 1 milhão de habitantes, não pára de crescer graças à agroindústria. “Tenho clientes tentando vender seus imóveis em La Paz para vir para cá”, diz Sara Maria Gutierrez, dona de uma imobiliária local.

O comércio se sofistica para atender a uma classe alta em expansão. Em lojas que não fariam feio nas ruas dos Jardins, a região de comércio de luxo em São Paulo, bolivianos e estrangeiros procuram jeans das marcas Diesel, Calvin Klein e Hugo Boss e cosméticos da Lancôme, Clinique, Helena Rubinstein e Biotherm. “Nossa clientela vem de todo o país, sem contar gente que vem do Brasil para comprar e revender”, diz Yuly Vazan, gerente da perfumaria Cosmet. Como toda cidade grande, Santa Cruz tem redutos de pobreza críticos, como o bairro Plano 3000, uma imensa favela horizontal. Lá, a oposição a Morales não tem vez.

Integrados à comunidade, os brasileiros também se envolveram em projetos sociais, embora nem sempre usufruam o bônus de estar entre os benfeitores. Em julho, às vésperas da inauguração de um hospital com 40 leitos na região agrícola de Cuatro Cañadas, em Santa Cruz, Pedro Davolli resolveu conferir o grau de informação da população local. Depois de perguntar para um mecânico quem era o responsável pelo hospital, afirma ter ouvido a seguinte resposta: “Parece que foi Hugo Chávez”. O governo venezuelano sustenta financeiramente um dos principais programas sociais da Bolívia: Evo Cumple, Bolívia Avanza. O embaixador venezuelano na Bolívia, Julio Montes, distribui cheques para as prefeituras mais pobres do país.

Uma funcionária da Corregedoria nacional, sentada ao lado da repórter de ÉPOCA num vôo entre Santa Cruz e La Paz, afirma que os fiscais têm dificuldade para comprovar os resultados dos projetos bancados pelos petrodólares de Chávez. A oposição desconfia que parte do dinheiro esteja sendo usada para as mobilizações que volta e meia levam milhares de camponeses a La Paz.

Os mais apocalípticos dizem que a Bolívia é um país à beira de uma guerra civil. Os sinais de intolerância partem tanto do governo quanto da oposição. Em Santa Cruz, circulou uma lista com mais de cem nomes de inimigos públicos da região. Nela aparece o agricultor brasileiro Nilson Medina, que foi à posse de Morales em 2006. Em ato público recente, o prefeito de Santa Cruz, Percy Fernandes, referiu-se aos eleitores de Morales como “indiaiada”. Morales, o primeiro indígena eleito presidente, tem um discurso com forte preocupação social, mas cheio de ressentimento histórico. Ele

A entrada da Universidade Tecnológica de Santa Cruz. Os governadores da região mais rica da Bolívia querem autonomia em relação ao governo federal

costuma dividir os bolivianos entre “povo” e “oligarquia”. Não há meio-termo. Resta saber se para o governo boliviano os brasileiros são parte da tal “oligarquia” que o povo quer ver “fora daqui”.

Fotos: Arq. Pessoal e Juan Karita/AP, Roberto Candia/AP e Andrés Unterladstaetter/ÉPOCA

Uma área para trégua

Lula oferece o território brasileiro como palco de um acordo entre o governo da Colômbia e os guerrilheiros das Farc para a libertação de Ingrid Betancourt

rodrigo rangel

O Brasil pode assumir um papel importante na libertação dos reféns mantidos em cativeiro pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, as Farc. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu autorização para que o território brasileiro seja utilizado como zona neutra para a realização de negociações entre o governo colombiano e a guerrilha, assim como para a troca dos reféns por guerrilheiros presos. Lula fez a oferta ao presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, no último dia 10, na Argentina. Sem alarde, representantes do governo brasileiro têm trabalhado para facilitar um acordo para a libertação dos reféns das Farc – entre eles, a ex-senadora Ingrid Betancourt, que está no cativeiro há cinco anos e se tornou um emblema internacional do conflito colombiano.

Hoje com 45 anos, Ingrid foi seqüestrada em fevereiro de 2002 enquanto fazia campanha eleitoral pelo interior da Colômbia. À época, era senadora e candidata à Presidência do país pelo Partido Verde. De lá para cá, a mãe de Ingrid, Yolanda Pulecio, tem feito uma campanha obstinada com políticos e personalidades mundiais para pedir pela libertação da filha. Depois do seqüestro, Ingrid foi homenageada com o título de

MEDIAÇÃO Lula com o presidente da Colômbia, Álvaro Uribe. A oferta brasileira para intermediar acordo com as Farc é classificada de ajuda humanitária

cidadã honorária em mais de 1.200 cidades no mundo. Cerca de 250 comitês voluntários organizam regularmente manifestações de apoio a ela em 40 países.

Na França, a libertação de Ingrid virou uma questão nacional. Na quarta-feira 19, o primeiro-ministro francês, François Fillon, declarou que a participação de Lula nas negociações para libertar Ingrid é bem-vinda. Filha de Gabriel Betancourt, ex-ministro da Educação da Colômbia e ex-diretor-adjunto da Unesco (morto um mês depois do seqüestro), Ingrid nasceu na Colômbia, mas cresceu em Paris. Lá, recebeu uma educação burguesa, com direito a babá, quase uma tutora, privilégio da elite. Estudou Ciência Política e casou-se com um diplomata francês, com quem teve dois filhos, Lorenzo e Melanie. Fluente em vários idiomas, viveu com o marido no Equador, nas Ilhas Seychelles e nos Estados Unidos. Aos 29 anos, abandonou tudo para voltar à Colômbia e entrar para a política. Eleita deputada aos 33, candidatou-se à Presidência com a bandeira do combate à corrupção e ao narcotráfico. Acabou ela própria se tornando um alvo das Farc.

Na terça-feira 18, como sinal de boa vontade para uma negociação, as Farc anunciaram a liberação de três reféns. Entre eles estava Clara Rojas, assessora de Ingrid, seqüestrada também desde 2002. Ingrid, porém, seguia em cativeiro. O problema é a falta de um acordo entre a guerrilha e o governo Uribe. As Farc querem a libertação de 500 guerrilheiros presos pelas Forças Armadas colombianas e a criação de uma zona desmilitarizada no interior do país. Apesar de estar sob pressão internacional, Uribe resiste a aceitar as exigências. Afirma que atendê-las fortaleceria a guerrilha.

Nesse contexto, a oferta do Brasil surge como uma possível solução para o impasse. De acordo com uma alta fonte da diplomacia brasileira, a cessão do território brasileiro como zona neutra de negociação se enquadra como “ajuda humanitária”, sem que isso implique um envolvimento direto do Brasil na crise colombiana. “A ajuda que o Brasil pode fornecer é no campo logístico”, diz o diplomata. O fator

geográfico facilita a mediação do Brasil. Os militares colombianos e brasileiros suspeitam que os reféns das Farc podem estar em acampamentos mantidos pela guerrilha em áreas próximas à fronteira dos dois países. Conforme revelou ÉPOCA na edição 500, o Exército brasileiro, entre julho e novembro, fez três operações para localizar supostos cativeiros das Farc no extremo norte do país.

O Brasil é visto como um interlocutor “de boa-fé” tanto pelo governo colombiano como pela guerrilha. “Indiretamente, o Brasil tem meios de entrar em contato com as Farc”, diz o diplomata. Nem o Palácio do Planalto nem o Itamaraty querem assumir, porém,

LUTAYolanda, mãe de Ingrid, com a foto da filha, cidadã honorária em 1.200 cidades

esse diálogo com as Farc. Isso significaria um reconhecimento da guerrilha. Oficialmente, a participação do Brasil se limitará ao oferecimento do território e das condições logísticas para a realização do acordo e a libertação dos reféns.

Fotos: Lula Marques/Folha Imagem e Pedro

Homem do ano. Ele merece?

Por suas virtudes, mas principalmente pelos defeitos, a revista Time elege Putin Personalidade do Ano

RICARDO MENDONÇA

Uma piada sobre o papel da rússia no mundo atual anima um pouco os desalentados defensores do socialismo e diz muito sobre o poder de fogo do presidente Vladimir Putin. Os russos, diz a piada, demoraram quase um século para estragar o comunismo, mas agora, sob a regência de Putin, não vão levar mais que duas décadas para estragar o capitalismo.

Putin, claro, não será responsável por essa façanha. Mas seus oito anos à frente do maior país do mundo em extensão territorial deixarão marcas muito mais profundas que as de seus antecessores nos últimos 50 anos. O ex-agente secreto que governa a Rússia com traquejos autoritários típicos dos czares foi escolhido Personalidade do Ano na tradicional eleição da revista americana Time. O repórter que o entrevistou por mais de três horas descreve Putin como um homem frio, pragmático e totalmente desprovido de emoção. Segundo a Time, ele é o homem que recolocou a Rússia no cenário das grandes potências mundiais.

Putin foi escolhido tanto por suas virtudes quanto por seus defeitos. Ao longo da história de seus “Homens do Ano”, a Time não se ateve necessariamente a personagens positivos. Até Hitler já foi contemplado com a honraria, em 1939. E não era um elogio.

Putin avalia abertamente que o desmanche da União Soviética foi uma tragédia. Não porque seja um comunista. Oriundo das Forças de Segurança da Rússia, Putin é um representante do nacionalismo russo que marca as Forças Armadas e de Segurança desde a Segunda Guerra Mundial. Ele não quer reconstruir o modelo comunista enterrado nos anos 90. Sua idéia é que tudo deve estar a serviço de um Estado nacional forte internamente e poderoso no cenário mundial.

NEOCZARO presidente da Rússia, Vladimir Putin, é frio, pragmático e desprovido de emoção, segundo a Time

Putin não perde a oportunidade de provocar os Estados Unidos: “Queremos ser amigos da América, mas às vezes temos a impressão de que a América não precisa de amigos, só de ajudantes para comandar”. As provocações não são só retóricas. A Rússia fez forte oposição à invasão do Iraque, mantém estreito relacionamento com o Irã, atual inimigo número um dos EUA, e responde com ameaças bélicas aos planos americanos de montar um escudo antimísseis no Leste Europeu.

No plano interno, Putin é um fenômeno de popularidade e acúmulo de poder. “Como presidente, ele restaurou a estabilidade e o senso de orgulho da

população”, diz a Time. Com a ajuda do petróleo a quase US$ 100 o barril, a economia russa cresce há cinco anos à taxa média de 7%, o desemprego caiu e os salários dobraram desde 2003. Sua popularidade beira os 70%. Ao mesmo tempo, ele reprime a oposição, persegue empresários independentes, fatura com a corrupção entranhada no Estado e usa métodos abjetos para controlar a imprensa. É acusado até de estar por trás do assassinato do ex-espião russo Alexander Litvinenko, envenenado no exílio, em Londres.

Seu ato mais recente foi preparar sua permanência no poder após o fim de seu mandato. Putin escolheu o burocrata Dimitri Medvedev para ser o candidato de seu partido na eleição de 2008. Medvedev, alçado imediatamente à liderança, já disse que escolherá Putin para primeiro-ministro.

Foto: Junko Kimura/Getty Images

Mudou. Mas não mudou

Por trás da troca de comando no Pão de Açúcar está a resistência de Abílio Diniz em deixar a liderança da empresa

jOSÉ FUCS

“Trabalhei como um cachorro durante dois anos”, disse o ex-presidente do Pão de Açúcar Cássio Casseb, demitido do cargo há duas semanas. “Não quero falar sobre esse assunto. Quero olhar para a frente, pensar no futuro. Eles é que se virem para dar as informações sobre o que aconteceu.”

Foi assim, de forma seca, demonstrando irritação e mágoa com sua saída repentina PROMESSA

Abílio (à esq.) e Galeazzi, o novo presidente da rede, querem preparar a profissionalização da gestão. Será que, desta vez, é para valer?

Vladimir Putin recolocou a Rússia no cenário das grandes potências mundiais

do comando da segunda maior rede de varejo do país, que Casseb reagiu à solicitação de uma entrevista para ÉPOCA. Embora não tenha entrado em detalhes sobre as circunstâncias de sua demissão, o próprio tom da fala de Casseb mostra que sua saída não aconteceu num clima assim tão cordial quanto diz a versão oficial do episódio.

Contratado há apenas dois anos, Casseb foi o primeiro executivo que não fez carreira na empresa a assumir o comando. Tinha a missão de levar adiante o processo de profissionalização da gestão e melhorar os resultados, que vinham em queda. No entanto, apesar de ter formado uma nova equipe de executivos, promovido um corte vigoroso de custos e reduzido os preços ao consumidor praticados na rede, Casseb não conseguiu reverter a tendência de queda.

Em 2007, o Pão de Açúcar deverá ter um faturamento de R$ 17 bilhões, 3% a mais que no ano passado. A meta, estabelecida no final de 2006, era de 5%. Ao longo do ano, o objetivo foi revisto várias vezes – sempre para baixo. A taxa final deverá ser menor também que a de seus principais concorrentes. O Wal-Mart deverá crescer acima de 10%. O Carrefour, 5%. Enquanto as empresas do setor tiveram um crescimento médio de 4,4% em outubro em relação ao mesmo mês do ano passado, o Pão de Açúcar cresceu apenas 1%. Para completar a crise, a empresa perdeu a liderança do varejo para o Carrefour, que comprou a rede Atacadão.

Nem mesmo a compra de 60% da rede Assai Atacadista, que atua no “atacarejo”, com vendas para empresas e para o consumidor final, ajudou. Só neste ano, os preços das ações da Companhia Brasileira de Distribuição, que reúne as redes Pão de Açúcar, Extra, Sendas e Barateiro, caíram quase 50%, uma das maiores quedas na Bolsa de Valores de São Paulo no período (leia o gráfico abaixo).

Resultados assim sugerem que a demissão de Casseb seria natural. Afinal, era dele a responsabilidade final das decisões, certo? Nem tanto. Apesar de ter prometido que se afastaria do dia-a-dia da gestão, Abílio nunca deixou de dar a palavra final na empresa. Participa até hoje das reuniões operacionais, cobra seus comandados o tempo todo e exige deles, como mostra o desabafo de Casseb, uma dedicação espartana ao trabalho.

É comum que grandes empresários tenham resistência a se afastar do comando da companhia. No caso de Abílio, essa dificuldade é ainda maior, pelo sucesso que ele carrega em seu currículo. Em 1990, Abílio comandou a reviravolta na empresa, fundada por seu pai em 1948. Para salvá-la, promoveu uma redução de custos radical, com a demissão de mais da metade dos funcionários.

Quase a metadeNos últimos 12 meses, a cotação das ações com direito a voto da Cia. Brasileira de Distribuição, que controla as redes Pão de Açúcar, Extra e Barateiro, teve queda de 49,4% – em R$ por lote de mil ações

(1) Último negócio em 7/11 Fonte: Bovespa

Em 1999, quando a concorrência estrangeira se fortalecia, Abílio costurou uma associação com a rede francesa Casino, que lhe deu capital para expansão. O curioso é que, ao sair da rede, Casseb tenha sido criticado por seguir uma estratégia similar à adotada por Abílio no passado – o corte de custos. O Pão de Açúcar, com fama de cobrar caro, também adotou nos últimos meses um “choque de competitividade”: reduziu preços e as margens de lucro. Para essa estratégia funcionar, seria necessário que as vendas aumentassem. E isso não ocorreu. “Fiz o melhor que pude”, disse Casseb logo depois da divulgação de sua saída do grupo.

Ao anunciar o nome do consultor Cláudio Galeazzi, que já prestava serviços ao grupo, para substituir Casseb na presidência, Abílio voltou a dizer que é hora de preparar a profissionalização da empresa. Segundo o comunicado feito por Abílio, uma das funções de Galeazzi será preparar um profissional para suceder a si mesmo dentro de dois anos. Em tese, Casseb tinha sido recrutado exatamente para isso, no final de 2005. Teria esbarrado, segundo funcionários, no estilo centralizador de Abílio. Há relatos de que os próprios sócios franceses do Casino se incomodam com a falta de transparência da gestão e com a dificuldade de melhorar a produtividade, bem inferior à média das concorrentes.

Para voltar ao topo do ranking do varejo, o Pão de Açúcar tem vários desafios. Um deles é aumentar sua participação no mercado das classes C e D, o que mais cresce no país. É possível até que Galeazzi, um especialista em reerguer empresas problemáticas, consiga melhorar os resultados do grupo. Ele já vinha tocando a rede Sendas, do Rio de Janeiro, com bons resultados. “O Pão de Açúcar não tem um problema de caixa, mas de processos”, diz o novo presidente. Segundo um banqueiro que conhece o negócio, porém, o futuro do Pão de Açúcar depende mais do próprio Abílio do que de qualquer executivo colocado na linha de frente. De acordo com ele, chegou a hora de Abílio reconhecer que seu tempo já passou. Muitas das soluções que deram certo no passado não fazem mais sentido no mundo da concorrência exacerbada de hoje. Mas alguém acredita que Abílio vai sair de cena?

Foto: Vivi Zanata/AE

 

Política da boa vizinhança

A cantora italiana Carla bruni diz ser a nova namorada de Nicolas Sarkozy, o presidente pop star da França

Nada mais condizente com um político que defende a “imigração seletiva” – para permitir a entrada apenas dos imigrantes que interessem ao país. Na semana passada, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, de 52 anos, foi fotografado na EuroDisney ao lado da cantora Carla Bruni, de 39, uma italiana que migrou para a França quando era adolescente. Carla desfilou para as principais grifes e ficou famosa por seus casos com Mick Jagger, Eric Clapton e Donald Trump. Depois, gravou dois CDs. O palácio do governo não comenta, mas Carla afirmou à revista Paris Match que eles estão muito apaixonados. “Não nos escondemos, mas também não nos mostramos.” Sarkozy é o primeiro presidente do país que encarna o estereótipo do francês romântico – seja como marido abandonado seja como sedutor. E tem uma queda pelo mundo das celebridades. Tanto que já ganhou uma biografia, a ser lançada em janeiro, cujo título na França é Um Poder Chamado Desejo. A julgar pelas declarações de Carla, o livro já precisa de uma revisão.

Cléo, quem diria, ficou inseguraCléo Pires está de volta. E em tamanho família. Depois de pa-péis menores em novelas, ela é a atriz principal de Meu Nome Não É Johnny, filme sobre um jovem de classe média que se tornou o rei do tráfico no Rio. A atriz estreou no cinema em Benjamin, em 2003. Ela diz que tanto tempo longe dos sets a deixou insegura. “Fiz duas novelas seguidas. Achei que estava muito televisiva e precisava de um curso para melhorar.” Bobagem: em uma

das exibições para os críticos, só se ouviram elogios a sua atuação.

SELECIONADACarla Bruni já lançou dois CDs e namorou de Mick Jagger a Donald Trump

NO ESCURO A filha de Fábio Jr. brilha no segundo filme

Quem?! Rosto cheio de curativos, óculos escuros e chapéu... É uma versão pós-moderna de Darth Vader?Não. É Michael Jackson fazendo compras e assustando os clientes de uma livraria em Las Vegas. A suposta nova plástica pode ter motivo: Jermaine, irmão de Michael, disse que o rei do pop fará parte da turnê 2008 do grupo Jackson 5.

Xuxa reina no cinemaUma jovem sonha em ser atriz, não dá certo e vira apresentadora infantil. Já viu esse filme antes? É Sonho de Menina, 17o filme de Xuxa, que estréia nesta semana. Se no cinema tudo vai bem, na TV a Rainha dos Baixinhos tem sua majestade abalada. Com baixa audiência, seu programa infantil diário virou uma atração semanal, aos sábados. A loira tem suas teorias: “Não dá para comparar o público de antigamente com o de hoje, com a internet e a TV a cabo”.

QUEDACulpa da internet?

Os 23 notáveis de QuemEm eleição da revista Quem sobre as personalidades do ano, o posto de melhor chef ficou para, adivinhe, Alex Atala. O cozinheiro paulistano é dono do D.O.M., um dos 50 melhores restaurantes do mundo. Outro premiado, uma escolha menos óbvia, foi Edson Celulari, como melhor ator de teatro pela peça D. Quixote de Lugar Nenhum. A lista dos 23 escolhidos, incluindo dois prêmios especiais, será divulgada na próxima edição de Quem.

A ex-certinha da famíliaA polêmica parece estar no DNA da família Spears: depois dos escândalos de Britney, é a vez da caçula, Jamie Lynn, de 16 anos. A garota, considerada a “certinha” dos Spears, está grávida de três meses do estudante Casey Aldridge, de 19 anos. Mamãe Lynne Spears disse estar em choque, mas não perdeu a oportunidade de vender a história para a revista americana OK!. Com a gravidez, a moça terá poucas chances de continuar no seriado Zoey 101, do canal Nickelodeon: ela interpreta uma colegial.

Fotos: Icon Photos, Tuca Vigra/Folha Imagem, Marcelo Min/Ag. Fotogarrafa/ÉPOCA, National Photo Group/Brainpix, Branimir Kvartuc/AP e Marcio Fernandes/AE

Casamento evangélico...e gay

A nova Igreja Contemporânea abriga ex-pastores e fiéis expulsos de outras denominações por serem homossexuais

BATATA! Alex Atala é, de novo, o melhor chef

FUTURO NA TV?Quando a barriga crescer, Jamie poderá perder o emprego

Rafael Pereira

Eduardo subiu primeiro ao altar. Paullo o alcançou depois de um atraso programado, buquê de flores nas mãos. Cantava “Uma Vez Mais”, tema da abertura da novela Alma Gêmea, da TV Globo. “Quando eu te vi, o sonho aconteceu”, entoou, lágrimas nos olhos. Eduardo Silva, de 27 anos, é ex-pastor da Igreja Universal do Reino de Deus. Paullo Oliveira, de 31, é filho de um famoso pastor da Assembléia de Deus. Casaram-se há duas semanas pelas bênçãos da Igreja Contemporânea, uma denominação evangélica pentecostal criada há um ano no Rio de Janeiro para abrigar um rebanho sem lugar na maioria das denominações religiosas: os gays.

Quem celebrou a união foi o pastor Marcos Gladstone, fundador da Igreja Contemporânea. Ele também se prepara para casar-se em breve com um ministro do templo. Alguns convidados suspiram. “É inspirador. Espero que chegue logo a minha hora”, diz Leandro Machado, ex-obreiro da Universal que planeja o casamento com o namorado, Vanderson, ex-testemunha-de-jeová. A hora do beijo, a mais esperada, foi comemorada como um gol da Seleção Brasileira – quase uma surpresa, como se nunca fosse acontecer.

“Melhor ser dois do que um, porque têm melhor paga do seu trabalho. Porque, se um cair, o outro levanta o seu companheiro; mas ai do que estiver só; pois, caindo, não haverá outro que o levante. Também, se dois dormirem juntos, eles se aquentarão; mas um só, como se aquentará?” Essa passagem do Eclesiastes, na Bíblia, é usada pelo pastor Gladstone como “prova de que não existem diferenças de gênero perante Deus quando duas pessoas se amam”. Foi lida por ele pouco antes da troca de alianças entre Eduardo e Paullo nos dedos de unhas esmaltadas de branco.

No Brasil, os gays evangélicos que desejam um casamento religioso podem escolher entre pelo menos três igrejas: a Igreja Contemporânea, a Igreja da Comunidade Metropolitana (ICM), denominação americana que tem filiais em sete Estados brasileiros, e a Comunidade Cristã Nova Esperança, de São Paulo. O fundador da Contemporânea, Marcos Gladstone, chegou a abrir uma filial da ICM, mas percebeu que no mercado religioso brasileiro havia espaço para uma igreja que acolhesse os gays, mas que não fosse militante. “A ICM é quase um movimento político em defesa da causa gay. Mas no Brasil os fiéis não gostam de misturar religião e militância”, diz Gladstone. “A Contemporânea não é uma igreja gay, mas que aceita gays. Os homossexuais estavam em busca de um lugar para professar a sua fé.”

Desde que mudou o nome – e as regras – de sua igreja, o número de adeptos saltou de 20 para cem. “Percebi que as pessoas queriam mais rigidez”, diz o fundador. Ele criou, então, regras severas como principal trunfo na disputa pela religiosidade do público homossexual: é proibido consumir álcool e cigarros e não é permitido fazer sexo fora do namoro ou casamento. O dízimo de 10% da renda familiar é obrigatório.

Na ICM, a principal “concorrente”, o fiel segue suas próprias regras morais. “Eu jamais direi o que o fiel deve ou não fazer. Os valores de cada um é que vão dirigir suas atitudes. Se fosse importante para Jesus definir regras de conduta sexual, ele teria dito isso”, diz o pastor Gelson Piber, do templo da ICM em Niterói, no Estado do Rio de Janeiro. O templo existe há dois anos, conta com 40 fiéis e tem 12 casa-mentos gays no currículo. “Acho que os gays querem se casar mais que os héteros.”

Em algumas pentecostais, a homossexualidade é uma manifestação do demônio. Na Igreja Contemporânea também há sessões de exorcismo, mas os belzebus supostamente arrancados dos fiéis não são responsabilizados pela opção sexual do fiel. Eduardo, um dos noivos, comandava um templo da Igreja Universal em Barra Mansa, no Rio. “Fiquei lá até um fiel me procurar confessando que era gay e precisava ser curado”, afirma. “Disse que era impossível, porque eu também sentia as mesmas coisas que ele.” Depois do episódio, ele abandonou o templo. Ao voltar para o Rio, foi expulso. Hoje, trabalha como garçom.

Paullo é professor universitário de Português. Sofreu muito com o preconceito do pai, que foi um dos mais conhecidos pastores da Assembléia de Deus de Madureira, no Rio. “Quando contei aos meus pais, disseram que era coisa do diabo querendo tomar conta da minha vida”, diz Paullo. “Cheguei a ficar noivo de uma mulher por um ano para manter as aparências.”

No Brasil, Eduardo e Paullo só serão casados em sua fé. A lei brasileira ainda não permite o casamento no Civil. O Projeto de Lei no 1.151, de 1995, da então deputada federal Marta Suplicy, contempla o casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas está há mais de dez anos tramitando no Congresso sem previsão de votação. Desde 2001, casais brasileiros têm conquistado na Justiça o reconhecimento da relação como “união estável” – figura jurídica que garante direitos como pensão e bens adquiridos em conjunto. No mundo, países como Dinamarca, Holanda e Canadá já aprovaram a união civil entre gays. Na América Latina, capitais como Buenos Aires e Cidade do México criaram leis que permitem a união civil de homossexuais.

Na terça-feira 18, os gays marcaram um ponto histórico no Cone Sul. O Uruguai tornou-se o primeiro país da América Latina a reconhecer legalmente a união civil de pessoas do mesmo sexo. Aprovada pelo Senado por unanimidade, a lei precisa agora ser sancionada pelo presidente Tabaré Vázquez.

Eduardo e Paullo planejam tentar o reconhecimento civil mais tarde. Eles se conheceram no Orkut, há um ano, e procuraram a Igreja Contemporânea pela vontade de se casar. O pastor afirma só ter aceitado realizar a cerimônia depois de “ter certeza da convicção dos dois”. Os pais dos noivos não viveram o suficiente para testemunhar o casamento. As mães preferiram não dar o ar da graça para não criar polêmica em suas próprias igrejas. Perderam a cena dos filhos chorando tanto ao pronunciar os votos de

amor eterno que Eduardo foi obrigado a tirar as lentes azuis compradas para a ocasião. Casou-se de olhos castanhos.

AMOR SEM PECADOEduardo, de cabelo curto, era pastor da Universal. Paullo é filho de um pastor da Assembléia de Deus. Abençoados pelo pastor gay Marcos Gladstone (com a Bíblia na mão, acima, à esq.), casaram-se num bufê do Rio

Fotos: Felipe Varanda/ÉPOCA

Furto ou seqüestro?

Um Picasso e um Portinari sumiram do Masp. Pode ser uma nova modalidade de crime: roubar pelo resgate

solange azevedo

Duas das mais importantes e va-liosas obras de arte em exposição no Brasil foram furtadas na madrugada da quinta-feira 20. Às 5h09, três homens invadiram o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp). As câmeras de circuito interno do prédio mostraram que, três minutos depois, o trio fugiu levando O Lavrador de Café, de Cândido Portinari (1903-1962), e Retrato de Suzanne Bloch, de Pablo Picasso (1881-1973). As telas estavam em exibição no 2o andar, em salas separadas e distantes uma da outra. Isso sugere que os ladrões sabiam exatamente o que queriam pegar. O que não está claro é o que eles podem fazer com o produto do furto.

SEM PREÇOO Retrato de Suzanne Bloch, do espanhol Pablo Picasso, de 1904 (direita), e O Lavrador de Café (esuqerda), quadro pintado pelo brasileiro Cândido Portinari, em 1939. As avaliações de ambos vão de US$ 50 milhões a US$ 100 milhões

“Não consigo entender o que as pessoas que roubaram essas obras pretendem”, diz João Cândido Portinari, filho do pintor. “Como elas são muito conhecidas, colocá-las no mercado nacional ou internacional será impossível. A não ser que elas fiquem guardadas num bunker de algum colecionador, sendo apreciadas apenas por ele. O mais provável é que o museu receba um pedido de resgate.” A polícia suspeita que as obras foram encomendadas por um colecionador. Em outubro, assaltantes já haviam tentado arrombar o Masp. Mas o sistema de segurança foi acionado e abortou a ação.

Da década de 30, a tela O Lavrador de Café (100 cm x 81 cm) foi adquirida por José Maria Whitaker, ministro da Fazenda de Getúlio

Vargas. Mais tarde, o colecionador doou o quadro ao Masp. É uma das mais importantes obras de Portinari. Simboliza as condições do trabalhador brasileiro, uma das preocupações centrais do pintor. Retrato de Suzanne Bloch (65 cm x 54 cm) é a obra-prima da época azul de Picasso. Suzanne, personagem dos círculos freqüentados pelo pintor em Paris, era uma importante cantora wagneriana. Especialistas afirmam ser difícil calcular o valor exato das telas, já que elas não estavam no mercado nem haviam sido leiloadas. Mas dizem que as duas, juntas, devem valer entre US$ 50 milhões e US$ 100 milhões.

Esta não é a primeira vez que um Portinari vai parar nas mãos de bandidos. Em 2004, a polícia paulista prendeu uma quadrilha que roubava obras de arte. Avaliadas em R$ 15 milhões, 24 telas haviam sido roubadas da mansão da colecionadora Graziela Lafer Galvão, uma das principais acionistas das indústrias Klabin.

Graziela foi rápida. Ao disparar mais de 1.800 e-mails e telefonemas, ela impediu a venda das obras no mercado internacional. A quadrilha chegou a embarcar os quadros para outros países, mas não conseguiu passá-los adiante. As pinturas retornaram ao Brasil, e os bandidos passaram a negociar o resgate. Eles haviam sido eficientes para roubar, mas pouco sabiam sobre o que tinham nas mãos. A mulher de um dos ladrões pediu para tirar da parede da cozinha a Menina com Laço, de Portinari, que considerou “horrível”. A tela Mulher Deitada, de Di Cavalcanti, avaliada em R$ 3 milhões, foi dobrada ao meio e danificada. A quadrilha, que pedia R$ 8 milhões de resgate das obras de Graziela, acabou presa. E sem o dinheiro. Desta vez, porém, os ladrões parecem entender de arte.

Fotos: reprodução

 

Tortura em domicílio

Seis PMs são presos depois de invadir uma casa e matar um adolescente. O caso não é o único no país

cRIStIna caMaRGO, DE BAURU (SP) e celSO MaSSOn

As telas foram furtadas em apenas três minutos. Ladrões já haviam tentado invadir o museu antes

Carlos rodrigues Júnior, de 15 anos, era chamado de Juninho pela mãe, Elenice, de 49 anos. Não estudava nem trabalhava. Tinha 7 anos quando o pai morreu. Com dificuldades na escola, parou de estudar na 6a série. Alto, jogava basquete e futebol na sede da Legião da Boa Vontade do núcleo habitacional Mary Dota, onde morava. Estava namorando e queria levar a relação a sério. Havia combinado com a namorada pedir autorização ao pai dela no domingo 16.

Na noite da sexta-feira 14, Juninho apareceu em casa com uma moto que não era dele. Teria dito à mãe que era de um amigo. Mas era roubada – pertencia a um mototaxista. Juninho não tinha nenhuma passagem pela polícia.

Às 3 horas da madrugada do sábado 15, seis policiais militares invadiram, sem mandado de busca, a casa de Juninho. Cinco PMs se trancaram no quarto com ele. Um ficou com a mãe e a irmã do garoto, na sala. Uma hora depois, o adolescente saiu carregado pelos policiais. Foi levado para o pronto-socorro municipal. De manhã, a família recebeu a notícia da morte de Juninho. Segundo o laudo necroscópico, ele havia levado 30 choques elétricos em várias partes do corpo, incluindo a cabeça. Teria sido usado um fio desencapado em uma ponta e conectado à tomada da rede elétrica na outra – encontrado em poder de um dos policiais. Algumas das descargas foram dadas perto do coração, o que afetou o ritmo cardíaco e provocou uma parada cardiorrespiratória.

A motocicleta roubada na noite anterior estava no quintal da casa de Juninho, uma construção simples, de quatro cômodos e poucos móveis. A polícia diz ter achado também 300 gramas de maconha com o adolescente. Eram seis policiais armados contra um rapaz desarmado, que dormia e não ofereceu resistência. Bastaria levá-lo preso. Mas aparentemente os policiais queriam uma confissão ali mesmo. A certa altura, um deles chegou a dizer, segundo a irmã de Juninho disse ter ouvido: “Ou ele está acobertando alguém ou é o cara errado”.

“Ele tinha o mundo pela frente e foi brutalmente assassinado”, diz a irmã, Débora Rodrigues, de 26 anos, costureira. “A polícia tinha o direito de investigar meu irmão. Não de matá-lo.” Elenice, a mãe, é viúva e teve a ajuda dos quatro filhos mais velhos para criar Juninho, o caçula. Conta que chegou a pensar

em voltar ela própria aos bancos escolares para ajudar o filho a retomar os estudos.

REVOLTA Moradores do núcleo Mary Dota protestaram destruindo telefones e incendiando pneus

Segundo a irmã, os policiais teriam dito: “Ou ele está acobertando alguém ou é o cara errado”

Juninho cresceu no núcleo Mary Dota. Sua morte provocou revolta no bairro. Na noite de sábado, cerca de 300 moradores se reuniram na principal avenida do bairro. A manifestação começou pacífica, com um apitaço, mas logo ficou violenta. Um grupo de jovens destruiu orelhões, placas de trânsito e até um semáforo. Banners de propaganda e pneus foram queimados. Lojas e bares fecharam as portas.

O tumulto foi motivado pela brutalidade de que Juninho foi vítima, mas se deve também a uma hostilidade entre os moradores do bairro e policiais. Em abril deste ano, o mecânico Jorge Lourenço Filho, de 22 anos, foi morto ali pela Polícia Militar. Ele estava numa moto e não parou em bloqueio policial. Foi perseguido e baleado na cabeça. Por esse homicídio, três policiais militares respondem em liberdade a um processo. No caso de Juninho, as providências foram mais duras. O comandante da Polícia Militar em Bauru, José Humberto Nardo, prendeu os seis policiais em flagrante. Ainda na madrugada de sábado, ele foi ao necrotério, à casa da vítima, ouviu os policiais e a família de Juninho. “Foi uma ação desastrosa e ilegal. Nenhum banco escolar da Polícia Militar ensinou a eles a tortura”, declarou o comandante Nardo em entrevista ao jornal Bom Dia, de Bauru.

A investigação é acompanhada por Ministério Público, OAB, Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo e Anistia Internacional. O tenente Roger Marcel Vitiver Soares de Souza, de 31 anos, o cabo Gérson Gonzaga da Silva, de 42, e os soldados Émerson Ferreira, de 35, Juliano Arcângelo, de 34, Maurício Augusto Delasta, de 33, e Ricardo Ottaviani, de 34, foram levados para o presídio Romão Gomes, em São Paulo. Os advogados dos

policiais afirmam que eles não praticaram tortura. Um deles, Luiz Henrique Mitsunaga, disse que o adolescente teve um mal súbito durante a abordagem policial e por isso morreu.

Com o episódio, volta-se à discussão sobre as várias formas de tortura praticadas por policiais no Brasil. Inspeções recentes feitas em delegacias e presídios por órgãos vinculados às Nações Unidas confirmam que os métodos usados em interrogatórios no país não condizem com os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Elaborado há dois anos pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da

INACEITÁVELElenice, mãe de Júnior, com uma foto dele na escola. Para o comandante da PM, a ação foi “desastrosa”

República, o Plano de Ações Integradas para Prevenção e Controle da Tortura no Brasil propõe, entre outras medidas, desvincular o Instituto Médico-Legal (IML) das secretarias de Segurança Pública para evitar que legistas sofram pressão ao produzir laudos sobre suspeitas de agressões por parte da polícia. Em 2006, o governo criou o Comitê Nacional de Prevenção e Controle da Tortura. Com isso, o Brasil antecipa uma das exigências do Protocolo Facultativo à Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas e Degradantes. Até agora, pouco mudou na prática policial.

Lançado na semana passada em Brasília, o Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2007, elaborado pelo sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz com base em dados do IBGE e dos ministérios da Saúde e da Educação, traça o panorama da juventude em todo o país. Ele adota uma espécie de “IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da juventude”, o Índice de Desenvolvimento Juvenil (IDJ), baseado em índices que avaliam três dimensões: educação, saúde e renda. O estudo considera jovem quem tem entre 15 e 24 anos. Os dados sobre mortalidade nessa faixa etária são alarmantes. Numa lista de 83 países, o Brasil aparece como o terceiro onde os jovens mais morrem por homicídios. Fica atrás apenas da Colômbia e Venezuela. Juninho tinha 15 anos e acaba de engrossar a lista de mortos. Nesse caso, pela polícia.

Fotos: Aceituno JR./Folha Imagem

Drogas, brigas e morte

O lutador Ryan Gracie dizia a amigos que iria morrer aos 33 anos. A profecia se realizou de forma trágica

NELITO FERNANDES, FLAVIO MACHADO E SOLANGE AZEVEDO

Ryan Gracie costumava dizer aos amigos que morreria aos 33 anos, como Jesus Cristo e Ayrton Senna. “Nos últimos dias ele dizia que o fim do ano estava chegando e que a jornada dele acabaria também”, afirma José Moraes, ex-secretário municipal de Esportes do Rio de Janeiro e amigo dos mais chegados da família Gracie. Ainda que os comentários sobre a morte fossem apenas mais um dos delírios do bad boy, talvez provocados pelo uso excessivo de drogas, a profecia se concretizou. Na manhã do sábado 15, chegou ao fim a vida de um

PENTACAMPEÃORyan Gracie em sua academia. O lutador conquistou cinco vezes o cobiçado torneio Pride

dos mais importantes lutadores de vale-tudo do país, dono de cinco títulos mundiais. Ele tinha 33 anos. Conquistar glórias no tatame é uma tradição familiar, cultivada com empenho pelos Gracies há três gerações. As crianças da família são submetidas a uma disciplina que inclui iniciação na luta aos 3 anos e nada de refrigerantes nem carne vermelha. Calcula-se que hoje os Gracies faturem US$ 30 milhões por ano só nos Estados Unidos.

A seqüência de eventos que se sucederam nas últimas horas de vida de Ryan é algo bem diferente – e se deve, em boa parte, aos excessos cometidos pelo lutador longe do ringue. Na tarde da sexta-feira 14, Ryan foi preso em flagrante depois de roubar um carro e tentar roubar uma moto. O segundo crime só foi impedido porque um grupo de quase 30 motoqueiros cercou o lutador, que reagiu até ser rendido. Ele estava drogado. Exames toxicológicos feitos no Instituto Médico-Legal de São Paulo confirmaram que Ryan havia usado maconha, cocaína e um medicamento para reduzir a ansiedade, o Frontal. A morte foi descoberta às 8 horas da manhã. Ryan estava sozinho havia pelo menos uma hora e meia em uma cela do 91o Distrito Policial da capital paulista. O último a vê-lo com vida foi o psiquiatra Sabino Ferreira de Farias Neto, contratado por familiares para um atendimento particular em caráter de emergência. Tempos atrás, Sabino Neto, que é dono de uma luxuosa clínica psiquiátrica em Atibaia, no interior paulista, já havia sido chamado para cuidar de Ryan Gracie. Ele afirma que a mãe e a noiva do lutador queriam que ele fosse internado para se tratar do vício em cocaína. “Elas vieram até aqui e disseram que o Ryan só se sujeitaria a ser atendido na casa dele e que, se eu fosse até lá, poderia convencê-lo a vir até a clínica”, diz o médico. Segundo o psiquiatra, aquele havia sido seu primeiro e único contato com Ryan até a sexta-feira 14. “Quando cheguei à casa dele, ele estava sem camisa, no banheiro, usando droga. Parecia estar lá havia algum tempo, um dia, não sei.” Ao médico, Ryan teria dito que não iria se internar, mas se esforçaria para deixar as drogas. No segundo encontro entre os dois, em uma delegacia em São Paulo, o lutador não teve alternativa senão aceitar a medicação prescrita (leia o quadro abaixo). Sabino cobrou R$ 5 mil pelo atendimento. Na quarta-feira, ligou para o advogado da família Gracie e disse que gostaria de devolver o dinheiro.

A causa da morte está sendo investigada em várias frentes. O Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) abriu uma sindicância para apurar se houve responsabilidade do médico. Na opinião de especialistas, o lutador pode ter sofrido uma overdose de medicamentos. O psiquiatra Arthur Guerra, coordenador do Grupo Interdisciplinar de Estudos do Álcool e Outras Drogas do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, discorda do procedimento adotado. “Sem dúvida foi um coquetel muito forte, um ‘sossega, leão’. Não é meu método de tratamento. Eu simplesmente esperaria o efeito passar, sob acompanhamento”, diz. Se for constatada alguma irregularidade, será aberto um processo administrativo. As punições variam de censura à cassação do registro profissional. Ainda segundo o Cremesp, Sabino Neto, que clinica há 35 anos, nunca respondeu a um processo desse tipo.

Outra investigação está sendo conduzida pela Corregedoria da Polícia Civil de São Paulo, que pretende esclarecer se policiais receberam

suborno para dar algum tipo de privilégio ao lutador. Sabino Neto confirma que pediu dinheiro à família Gracie para que Ryan fosse bem tratado. “Sugeri dar R$ 200 para cada carcereiro. Uma pessoa que estava lá, um amigo de longa data, acredito que bem-

O médico ofereceu comprimidos ao repórter de ÉPOCA, para “provar” que não exagerou na dose a Ryan

intencionado, disse ‘tem de dar dinheiro para ele ter s mais conforto’.” A Corregedoria investiga a conduta de policiais. Neste caso, fará mais que isso. “Desde que se teve notícia do falecimento, os fatos começaram a ser apurados pela Corregedoria da Polícia Civil”, afirma o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Ronaldo Marzagão. Para o Ministério Público Estadual, porém, a Corregedoria não tem competência para investigar a causa da morte.

Ao ser detido, Ryan Gracie foi levado a um distrito policial, depois ao IML, para fazer exames, e finalmente a um outro distrito, onde morreu. Em entrevista a ÉPOCA, o psiquiatra Sabino Neto afirmou ter dado seis medicamentos distintos ao lutador e nega que tenha exagerado. “Dei poucos medicamentos porque eu queria o Ryan não sedado, mas em condições de se alimentar. Se eu o tivesse sedado teria de ter soro lá”, diz o médico.

Durante a entrevista, em sua clínica na cidade de Atibaia, o médico se esforçou para comprovar que a medicação dada a Ryan era leve. De uma caixa de Dienpax, um ansiolítico de venda controlada, ele extraiu alguns comprimidos e ofereceu ao repórter de ÉPOCA, que recusou. O psiquiatra então distribuiu comprimidos: um para sua assistente, um para a psicóloga-chefe da clínica e um para seu filho. Ainda não satisfeito com a demonstração, Sabino mandou chamar dois pacientes: um rapaz e uma mulher que, segundo ele, faziam uso dos mesmos medicamentos dados a Ryan Gracie, e em quantidade muito maior. O rapaz, de no máximo 20 anos, apresentava dificuldade de raciocínio e na fala. Ainda assim, o médico o interrogou. Perguntou que remédios ele tomava e em que quantidades. O rapaz afirma tomar Haldol injetável junto com Dienpax e até oito comprimidos de Topamax. A mesma conversa se repetiu com a outra paciente.

Sabino diz que tem mais de 30 anos de experiência no tratamento de dependentes químicos e que, antes de Ryan, só havia “perdido” um paciente. “Fiz o que achei que era o melhor naquele momento. Talvez não fizesse para o meu filho, mas estava lá para atender um paciente”, afirma. “Ainda sugeri que fizessem uma petição ao juiz para que ele não pudesse sair de lá porque, se ele fosse com outros presos, ele poderia matar ou ser morto.”

Para Paulo César Sampaio, psiquiatra do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), Ryan Gracie pode ter sido vítima do privilégio que recebeu. “Em caso de emergência, o preso deve ser encaminhado para um hospital público, e não ser atendido dentro da delegacia por um médico particular”, afirma. “Se alguém tinha poder ali para mandá-lo

LUTOO enterro, no Rio de Janeiro, reuniu a elite do jiu-jítsu

para um hospital seria um médico-legista, que é de um órgão oficial, não eu, um médico particular”, diz Sabino. “Discute-se muito a presença do médico. Várias outras pessoas que foram presas antes solicitaram a presença de médicos. E isso foi permitido”, afirma o secretário de Segurança Pública, Ronaldo Marzagão. Segundo o Tribunal de Justiça de São Paulo, em situações de emergência, o delegado pode permitir a entrada de um médico particular ou a transferência do preso para um hospital. Isso pode ser feito sem autorização prévia do Judiciário, desde que o delegado informe os procedimentos adotados.

A morte do lutador reabriu o debate sobre o uso de drogas por praticantes de artes marciais. “Existiam dois Ryans, um antes das drogas e outro depois. O de antes era um cara tranqüilo, que adorava o esporte. Ele dizia que tinha vontade de parar, mas o vício foi mais forte que ele”, diz o amigo e também lutador Amaury Bitetti. Segundo outro amigo de Ryan, ele teria começado a usar drogas por influência do também lutador Marcelo Bering. Depois de se envolver numa série de confusões, Bering desapareceu. Há suspeitas de que ele tenha sido assassinado. Sob o efeito das drogas, Ryan começou a ganhar fama de brigão de rua. Em 2000, ano em que perdeu a mais importante luta de sua carreira, contra o japonês Kazushi Sakuraba, ele esfaqueou um estudante numa badalada casa de festas do Rio de Janeiro. Ficou 18 dias na cadeia. Há dois anos, foi preso por agredir um policial civil em São Paulo. Ainda em 2005, levou um tiro na perna. No hospital, contou que uma arma disparou acidentalmente na casa de sua irmã, Flávia, casada com um policial federal. Com essa versão, livrou-se de uma investigação sobre o tiro.

A morte de Ryan abala a história de uma família cultuada no Brasil, no Japão e nos Estados Unidos como a grande grife de jiu-jítsu. O primeiro Gracie a praticar artes marciais no Brasil foi Carlos. Ele foi professor de seu irmão Hélio, hoje com 95 anos. Mestre e aprendiz, os dois irmãos se desentenderam por causa do direito ao uso do nome da família em um negócio milionário que envolve cachês por lutas, academias e material esportivo. O episódio terminou num acordo: todos podem usar o nome Gracie. Mas a relação se deteriorou de vez. Agora, os Gracies se dividem entre os clãs de Hélio e do já falecido Carlos. Hélio vive num sítio na região serrana do Rio. Apesar da idade, ainda dá aulas para amigos e empresários. Tem horror a confusão e diz que quem recorre à força física tenta compensar a falta de inteligência. Sobrinho-neto de Carlos, Ryan pertencia ao “outro lado” da família.

O coquetel de remédiosRyan Gracie ingeriu sete medicamentos diferentes antes de morrer – seis deles receitados pelo psiquiatra Sabino. Conheça seus efeitos e riscos

Frontal Indicado para tratar transtornos de ansiedade e do pânico1. O exame toxicológico feito no IML, no dia em que Ryan foi preso, mostrou que o lutador havia ingerido o medicamento, que causa sonolência

Fenergan Minimiza os efeitos de outras drogas, como contrações musculares 2. Duas ampolas foram aplicadas pelo psiquiatra. O remédio é indicado para evitar reações alérgicas. Pode causar perda da consciência

Haldol Indicado para delírios e alucinações na esquizofrenia, paranóia 3. Foram aplicadas três ampolas. Age no sistema nervoso central para controlar estados impulsivos e agressivos. Há casos raros de morte súbita

Dienpax Indicado para agitação, ansiedade patológica4. Ryan tomou três comprimidos de 10 miligramas. A droga é usada para sedação e para conter espasmos musculares. Pode provocar depressão respiratória

Topamax Coadjuvante no tratamento de crises epiléticas 5. Foram dois comprimidos de 50 miligramas. As reações adversas mais comuns incluem confusão mental, tontura, fadiga e alterações do raciocínio

Leponex Indicado para pacientes esquizofrênicos 6. Gracie tomou um comprimido. Produz sedação rápida e acentuada. É contra-indicado em psicoses alcoólicas e tóxicas e intoxicação por drogas

Capoten Indicado para controle da hipertensão 7. A dose foi um comprimido de 25 miligramas. Age na glândula supra-renal. Entre as reações adversas estão parada cardíaca e insuficiência renal

Fotos: Carla Romero/Folha Imagem , Gustavo Stephan/Ag. O Globo

 

 

Quem cuida melhor de seu dinheiro na Bolsa

Os gestores que administram os fundos de ações com as maiores rentabilidades do mercado e como eles conseguiram chegar ao topo do pódio

maria laura neves

O Banrisul, o banco estadual do Rio Grande do Sul, não é conhecido pela agilidade com que administra o patrimônio da clientela, como as pequenas butiques de investimento. Como todo banco estatal, leva fama de ser burocrático, ineficiente e pouco antenado nas novas tendências do mercado. Mas, ao contrário do que se poderia imaginar, o Banrisul mostrou que merece ser levado a sério.

Na pesquisa realizada por ÉPOCA, em parceria com a Quadrante Investimentos, de São Paulo, o Banrisul conquistou, sem alarde, o primeiro lugar na lista dos fundos de ações mais rentáveis de 2007, entre aqueles que aceitam depósitos de pessoas físicas abaixo de R$ 10 mil. Ele superou os gigantes do varejo nacional, como Bradesco e Itaú, e pequenas instituições menos conhecidas do grande público, como os bancos Fator e Daycoval, especializados na área. De acordo com o levantamento, o fundo Banrisul Ações teve uma rentabilidade de 75,6% no ano, até o dia 10 de dezembro. É bem mais que os 47,2% do Ibovespa, o índice da Bolsa de Valores de São Paulo, uma espécie de termômetro dos pregões que reflete o desempenho médio das ações mais negociadas (leia o quadro abaixo).

Segundo a economista Helena Biasotto, de 50 anos, que comanda a área de fundos do Banrisul, o resultado se deve à compra de papéis de pequenas e médias empresas da Região Sul, com alto potencial de valorização. Uma delas foi a Excelsior, empresa do ramo de alimentos com sede em Santa Cruz do Sul, no interior gaúcho. Só em 2007, os papéis, comprados anos atrás, renderam 358%, oito vezes mais que o Ibovespa. Outra foi a Josapar, de Pelotas, também no Rio Grande do Sul, que fabrica o arroz Tio João, uma das marcas mais vendidas no país. As ações da empresa tiveram alta de 128% neste ano. “Compramos os papéis quando ninguém queria saber deles”, diz Helena. “Com o crescimento da demanda por ações, conseguimos vendê-los por preços atraentes.”

Funcionária de carreira do Banrisul há 28 anos, Helena é uma exceção no mundo das finanças, que ainda é dominado pelos

NO PÓDIOCarregari, Mendes e Oliveira, responsáveis pela gestão dos fundos de ações do Itaú, banco com três nomes na lista dos mais rentáveis

O fundo de ações do Banrisul, o campeão em rentabilidade de 2007, teve um retorno de 75,6%

homens. Mestre em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, passou por diversos setores da instituição e hoje tem sob seu comando dois analistas e dois gestores responsáveis pelos fundos de renda variável do banco, como o Banrisul Ações, o campeão de rentabilidade do país em 2007.

A conquista do Banrisul ganha relevância por acontecer num período em que o retorno do investimento em ações superou o das principais aplicações financeiras, apesar das oscilações das últimas semanas. Segundo dados da Anbid, a entidade que reúne os administradores de fundos do país, os fundos de ações tiveram um ganho médio bruto (sem descontar o Imposto de Renda), até o dia 13 de dezembro, de 41,5%. No mesmo período, os fundos DI, que seguem a tendência dos juros, ofereceram um rendimento médio bruto de 11,3%, quase quatro vezes menos. A velha caderneta de poupança, embora esteja atraindo novos depositantes nos últimos tempos, rendeu apenas 7,1%.

Não por acaso, os fundos de ações, considerados o veículo ideal para os pequenos e médios investidores aplicarem seus recursos na Bolsa, receberam um volume recorde de dinheiro novo. Até o dia 13 de dezembro, foram R$ 18,1 bilhões, de acordo com a Anbid, o equivalente a 30% dos R$ 62,6 bilhões depositados neste ano; em todos os tipos de fundos. Considerando a valorização das carteiras e a captação de novos depósitos, o patrimônio dos fundos de ações triplicou, desde o final de 2004, para R$ 128 bilhões.

No passado, os fundos de ações cobravam taxas de administração de até 12% ao ano, um recorde mundial, e eram gerenciados de forma pouco transparente. Muitos bancos recheavam as carteiras dos fundos com ações que recebiam em troca de dívidas não pagas. Dificilmente um fundo oferecia um retorno superior ao do Ibovespa. Com a chegada dos investidores estrangeiros no início dos anos 90, a coisa mudou. Hoje, o mercado se profissionalizou mais. As taxas de administração estão mais próximas do nível internacional, os gestores precisam abrir as carteiras dos fundos para o público e a gestão não depende mais apenas do “feeling” dos analistas. Agora, leva em conta, em geral, o resultado das empresas e dos setores em que elas atuam. Com isso, os fundos de ações passaram a conquistar novos adeptos em profusão.

É certo que o desempenho das aplicações em Bolsa deve ser medido no longo prazo. Mas, quando se analisa o retorno dos fundos de ações nos últimos três anos, o resultado é excepcional. Nesse caso, o fundo mais rentável da praça foi o Bradesco IBX Plus, com

ganho de 256,1%. Logo a seguir, vêm o Itaú Valor, com ganho de 245,2%, e o BRAM Ibovespa Alavancado, também do Bradesco, com rendimento de 234,3%. No mesmo período, o índice Bovespa teve uma valorização de 216,8%.

Se levarmos em conta os fundos que restringem seus investimentos a papéis da Vale do Rio Doce e da Petrobras, os resultados são ainda melhores. Neste ano, até o dia 13 de dezembro, o Bradesco BA Vale do Rio Doce, o mais rentável entre os fundos da categoria, teve um ganho de 100,9%. Mas, como tais fundos exigem pouca habilidade dos gestores, foram excluídos do levantamento. “As duas empresas se beneficiaram muito do crescimento da economia mundial e da alta dos preços das commodities”, afirma Valmir Celestino, de 45 anos, responsável pela gestão dos fundos de ações do Banco Safra. O fundo de Vale do Rio Doce do Safra rendeu 96,7% no ano, até o dia 13, e ficou em nono lugar entre os mais rentáveis da modalidade.

Além do Banrisul, também se destacaram na gestão de fundos de ações em 2007 o Bradesco, com seis nomes na lista dos 25 mais rentáveis do país, e o Itaú, com três.

Fora os dois grandes bancos, uma pequena corretora de Porto Alegre, a Geração Futuro, conseguiu um honroso segundo lugar no ranking com o fundo Geração Programado, cuja rentabilidade ficou em 67,8% no ano. Lançado no final do ano passado, o Geração Programado é voltado apenas para pessoas físicas. Ele é “filhote” de um fundo homônimo, restrito a investidores institucionais, como fundos de pensão e seguradoras, que rendeu quase 1.000% nos últimos quatro anos.

Segundo o administrador de empresas Wagner Faccini

Salaverry, de 30 anos, um dos sócios da corretora gaúcha, o sucesso do fundo deve-se à estratégia de investir num número limitado de ações. Desde 2001, o fundo mantém em carteira apenas nove empresas: Gerdau, Guararapes, Petrobras, Plascar, Randon, Taurus, Usiminas, Votorantim Papel e Celulose e Weg. Chova ou faça sol, são sempre os mesmos papéis. Ao concentrar os investimentos em poucos papéis, o fundo, hoje com quase R$ 900 milhões em recursos de clientes, detém participações relevantes no capital das empresas. É o segundo maior acionista de Plascar, Randon e Taurus e o oitavo da Usiminas. Uma vez por bimestre, os gestores do fundo realizam reuniões com os executivos das empresas. Periodicamente, fazem visitas às fábricas e às instalações. “A gente não compra pesquisas no mercado”, diz Salaverry. “Os encontros são fundamentais para acompanhar a gestão da empresa e influenciam nossas decisões de investimento.”

PAPA-TUDO Alves, do Bradesco, emplacou seis nomes na lista dos mais rentáveis da categoria

Outro diferencial da Geração é abrir a qualquer momento a composição de seus fundos para os clientes, quase um segredo de Estado nos grandes bancos de varejo. Só com atraso de três meses – e mesmo assim obrigados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que fiscaliza o mercado – é que os bancões divulgam os papéis em que aplicam o dinheiro dos cotistas. “Quem quiser copiar nossa estratégia, copie”, afirma Salaverry. “Ela cria mais liquidez para as ações dos nossos fundos.”

No caso dos fundos do Bradesco, a instituição que mais tem fundos na lista dos mais rentáveis, a estratégia de gestão é bem diferente da adotada pelo Banrisul e pela Geração. Em vez de concentrar os investimentos em empresas que sempre estiveram sob controle privado, os gestores preferiram apostar na ex-estatal Vale do Rio Doce, hoje uma das maiores companhias do mundo na área de mineração, e na Petrobras, controlada até hoje pelo governo, entre ações de outras empresas com menor peso nas carteiras. Mas, assim como o pessoal das duas instituições gaúchas, o Bradesco conseguiu alcançar excelentes resultados. “Avaliamos a Vale e a Petrobras no início de 2007 e concluímos que elas teriam um grande crescimento neste ano”, diz o economista Herculano Anibal Alves, responsável pela gestão dos R$ 20 bilhões aplicados em fundos de ações do Bradesco.

O Itaú, outro grande banco que alcançou posição de destaque no levantamento de ÉPOCA, seguiu estratégia semelhante à do Bradesco na gestão do Export, um dos três fundos que emplacaram na lista. Voltado para ações de empresas exportadoras, como o próprio nome diz, o Export alcançou bom resultado, de acordo com o economista Walter Mendes, responsável pela área de fundos de ações do Itaú, em razão do grande peso que as ações da Vale do Rio Doce têm na carteira.

Já no caso dos outros dois – o Valor e o Personnalité Valor (filhote do primeiro) –, a estratégia foi bem mais agressiva. Mendes, que conta com o apoio dos administradores Marco Antônio Carregari e Guilherme Rebouças Oliveira na gestão desses fundos, afirma que suas carteiras procuram incluir os papéis mais atraentes do momento. Não há uma preocupação em reproduzir a carteira do Ibovespa e demais índices da Bolsa paulista, como os fundos mais conservadores. “O investidor

FOCOSalaverry, da Geração Futuro, aposta em ações de nove empresas

amadureceu e está buscando novas alternativas de investimento para diversificar o portfólio”, diz Mendes.

É certo que glórias passadas não garantem desempenho futuro. Ao longo da História, não faltam exemplos de quem perdeu dinheiro grosso ao aplicar em fundos que haviam subido ao pódio pouco tempo antes. Mas, na hora de escolher o fundo de ações que merece receber seu dinheiro, o retrospecto dos fundos é algo que nenhum investidor pode descartar. Ao menos é um indicador de que os gestores estão comprometidos em cuidar (bem) do patrimônio alheio.

Foto: Rogério Albuquerque/ÉPOCA, Marcelo Min/Agência Fotogarrafa /ÉPOCA e Jefferson Bernardes/Preview.com/ÉPOCA

Remédios nos tribunais

Dispara o número de ações judiciais que obrigam o governo a fornecer gratuitamente medicamentos caros. A despesa deverá chegar a R$ 600 milhões

sOlaNGe aZeVedO

Ao completar 47 anos, a dona de casa Eliana Batista Santos ganhou um bolo de presente de um de seus cunhados. “Ele garantiu que todo ano me dará um de

ESPERANÇAHá quatro meses, a dona de casa Eliana Batista Santos recebe um remédio que custa R$ 11 mil. “Se não lutasse, eu morreria”

aniversário. Será que está achando que vou viver pouco?”, diz, brincando. A pergunta de Eliana tem um motivo. No fim de 2005, ao fazer o auto-exame, ela notou um nódulo na mama esquerda. “A minha mama estava deformada. Eu sabia que era câncer”, afirma. Durante sete meses, ela escondeu a doença da família e não procurou ajuda médica. “Tive um bloqueio emocional. Passava antiinflamatório e tomava antibiótico como se aquilo pudesse desaparecer.” Para combater o tumor agressivo, a dona de casa se submeteu ao tratamento convencional: cirurgia para a extração total da mama, quimioterapia e radioterapia. Quando supôs estar curada, descobriu que a mama direita também estava comprometida. “O médico disse que, no meu caso, o efeito daquele tratamento tinha sido como o de água com açúcar. E que minha única esperança seria o Herceptin”, diz. Um mês desse remédio custa R$ 11 mil, e ele não está na lista de medicamentos excepcionais fornecidos de graça pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Sem poder pagar pelo tratamento, Eliana entrou na Justiça. Há quatro meses, recebe o medicamento do Estado sem desembolsar um centavo. “Se não lutasse, eu morreria.”

Assim como no caso de Eliana, o número de ações para obter gratuitamente remédios de alto custo tem crescido no país. Especialistas calculam que nove de cada dez pedidos sejam deferidos pelos juízes. O gasto do governo federal com essas ações cresceu 265 vezes em cinco anos. Saltou de R$ 188 mil para R$ 50 milhões. Segundo estimativas do Ministério da Saúde, o investimento da União, dos Estados e municípios com essas demandas deverá atingir R$ 600 milhões em 2007. Essa verba é equivalente ao custo da construção de 12 hospitais com 200 leitos cada um. “Há uma epidemia de ações judiciais”, diz Reinaldo Guimarães, secretário de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde. Só neste ano, foram impetradas cerca de 30 mil ações judiciais desse tipo no Estado de São Paulo. O valor gasto em Minas Gerais atualmente é 15 vezes o registrado há quatro anos. No Rio Grande do Sul, a Justiça garante o fornecimento de drogas caras a cerca de 10 mil pacientes. Eles são menos de 10% dos doentes que recebem medicamentos gratuitamente, mas consomem quase metade dos R$ 150 milhões destinados pelo Estado gaúcho para a compra de remédios.

Há razões legais para que pacientes em tratamento sejam amparados pelo governo. De acordo com a Constituição, “a saúde é direito de todos e dever do Estado”. Apesar disso, estima-se que ainda hoje pelo

menos 40% da população brasileira não tenha acesso a medicamentos, inclusive aos mais baratos. Além da Constituição, a lei que trata dos objetivos e das atribuições do SUS determina que o sistema é responsável pela “assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica”, à população. Quem inaugurou a corrida ao Judiciário foram os portadores do vírus HIV, na década de 90.

Uma série de fatores contribuiu para o aumento das ações judiciais. Um deles é o envelhecimento da população. Quanto mais tempo uma pessoa vive, maior é a probabilidade de ela acumular enfermidades. A partir dos 65 anos, três de cada quatro brasileiros têm pelo menos uma doença crônica. O segundo fator é o lançamento freqüente de remédios de alta tecnologia, na maioria das vezes caríssimos. Segundo Maria Cristina Scandiuzzi, da Gerência de Câncer da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, até 1995 havia 27 drogas contra o câncer aprovadas pela FDA, a agência que regula remédios e alimentos nos Estados Unidos. Nos dez anos seguintes, outras 43 foram incluídas nessa lista. Isso aconteceu porque a FDA adotou um processo de aprovação acelerada e passou a exigir menos pesquisas científicas sobre a eficácia

A Justiça acata nove em dez pedidos de remédios. As demandas custam R$ 600 milhões aos contribuintes

das novas drogas. “A FDA é altamente sugestionada pela indústria farmacêutica”, diz Maria Cristina. É daí que vem boa parte dos remédios que chegam ao Brasil. Recentemente a Anvisa aprovou a venda do Tarceva (cloridrato de erlotinibe) no país. “Mesmo sendo indicado para um subtipo muito restrito de câncer de pulmão, houve um boom de ações judiciais solicitando esse medicamento.” Segundo Maria Cristina, a agência americana financia apenas 22% dos testes com novas drogas. O restante tem a participação dos laboratórios.

Secretários de Saúde acusam a indústria farmacêutica de tentar seduzir médicos oferecendo brindes que incluem notebooks e viagens internacionais. “O negócio dos laboratórios é vender remédios. O nosso é tratar doentes”, afirma Luiz Roberto Barradas Barata, secretário estadual da Saúde de São Paulo. “Os laboratórios usam os pacientes, e nós somos obrigados a pagar por medicamentos que não têm eficácia comprovada”, diz o presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde, Osmar Terra. “Não queremos restringir o acesso. Apenas dar o remédio certo, na dose certa.”

Se de um lado os secretários de Saúde se queixam da corrida aos tribunais, do outro os pacientes alegam que as terapias disponíveis no SUS são insuficientes e desatualizadas. “O SUS oferece pouco”, diz o promotor Vidal Serrano Júnior, fundador do Grupo de Saúde Pública do Ministério Público de São Paulo. A lista de medicamentos excepcionais – que inclui 226 s itens para patologias como hepatite, osteoporose e Alzheimer – foi atualizada no ano passado. Apesar disso, dela não constam drogas autorizadas pela Anvisa há anos. O Herceptin, que a dona de casa Eliana toma, foi liberado no Brasil em 1999. O Temodal (temozolomida), indicado para tumor cerebral, entrou no mercado nacional um ano depois. Mas também não está no rol dos excepcionais.

Foi o Temodal que motivou a dona de casa baiana Cleilde Moreira Santos, de 57 anos, a entrar na Justiça. Em janeiro, ela se submeteu a uma cirurgia no cérebro. Os médicos não conseguiram extrair completamente o tumor. Cleilde fez radioterapia. Para conseguir as sessões de quimioterapia, peregrinou durante meses por hospitais de São Paulo. Apesar do dinheiro escasso, ela gastou R$ 350 para ouvir a opinião de um especialista particular. Foi esse médico que a alertou sobre a possibilidade de conseguir o medicamento de graça e indicou uma advogada. “A gente não sabia que tinha esse direito”, afirma Miguel Ferreira dos Santos, marido de Cleilde. “O médico disse que o remédio serve para matar a doença. Tenho fé de que vou ficar boa”, diz a dona de casa. O valor da droga – R$ 8.700 por mês – é equivalente a seis vezes sua renda familiar. Ela mora em Capão Redondo, bairro pobre da zona sul paulistana. “Há médicos que não

A CURA PELA LEIO remédio de Cleilde Moreira Santos custa seis vezes sua renda familiar. Um médico a orientou a exigi-lo na Justiça

prescrevem certos medicamentos porque o paciente não vai conseguir arcar com os custos”, diz a advogada Renata Vilhena Silva, especializada nesse tipo de ação.

“As decisões dos juízes são baseadas em problemas individuais. Mas o coletivo não pode ser desconsiderado”, diz Jorge Padovan, do Centro Paulista de Economia da Saúde. “O Ministério da Saúde não tem capacidade para atender à demanda.” É um dilema. O dinheiro destinado ao atendimento de um paciente com câncer seria suficiente para cuidar de centenas de hipertensos ou diabéticos. As decisões judiciais normalmente são proferidas em até três dias, por meio de liminares. Quando o Estado contesta, a batalha legal continua nos tribunais superiores. Sentenças recentes da ministra Ellen Gracie, presidente do STF, mostram que o Supremo tem seguido certos critérios, como o de dar ganho de causa ao Estado quando ele consegue comprovar que drogas oferecidas pelo SUS fazem o mesmo efeito que as solicitadas por meio da Justiça. “Às vezes, o remédio que o médico prescreve é melhor porque o paciente tem de tomar um comprimido por dia, enquanto o que está padronizado pelo SUS só dá o mesmo efeito com vários comprimidos”, diz Barradas Barata, secretário da Saúde de São Paulo. O paciente, geralmente, ganha quando demonstra que todos os recursos disponíveis na rede pública foram tentados e se mostraram insuficientes.

Além de remédios que não constam da lista de excepcionais, vendidos no Brasil ou disponíveis apenas no exterior, os pacientes também pleiteiam drogas já fornecidas pelo sistema público. Mas para

tratar doenças diferentes das previstas pelo SUS ou em doses diferentes do padrão. Um projeto de lei do senador Tião Viana tenta limitar a oferta de medicamentos aos protocolos e diretrizes determinados pelo SUS. Na prática, essa proposta livraria o Estado de pagar por remédios que, hoje, são solicitados nos tribunais. “Qualquer lei que restrinja um direito fundamental como o da saúde será inconstitucional”, afirma Carlos Velloso, ex-ministro do STF. “Mas, se a decisão do Supremo for contra o que determina a Constituição, essa questão estaria encerrada. E os cidadãos não poderiam mais entrar na Justiça.”

Segundo Guimarães, do Ministério da Saúde, países do Primeiro Mundo também adotam listas de drogas fornecidas gratuitamente à população. E nenhum deles oferece de tudo. “O sistema público tem de ter protocolos baseados não na opinião de um ou dois médicos, mas em evidências de pesquisas científicas feitas no mundo todo. Imagine um medicamento recém-lançado que aumenta em seis meses a sobrevida de uma pessoa que tem câncer. Só que o custo desse remédio é 20 vezes maior”, afirma Guimarães. “Do ponto de vista individual, mais seis meses de vida são relevantes. Se fosse um parente seu ou meu, pensaríamos assim. Mas, do ponto de vista do gestor público, o raciocínio tem de ser diferente. É isso que precisa ser discutido.”

O custo das liminaresDecisões judiciais fazem o gasto do governo com remédios disparar

Um projeto de lei do senador Tião Viana (PT-AC) quer limitar a oferta de medicamentos às regras do SUS

1. Minas Gerais Em 2007, os gastos com medicamentos exigidos pela Justiça deverão chegar a R$ 30 milhões. O valor é 15 vezes o registrado há quatro anos

2. São Paulo Mais de 30% da verba para compra de medicamentos vai para os que recorrem à Justiça. Eles são menos de 10% dos que recebem drogas gratuitas

3. Santa Catarina Neste ano as demandas judiciais sobre medicamentos deverão somar R$ 40 milhões. Cerca de 30% do valor se refere a ações de doentes de câncer

4. Rio Grande do SulMenos de 10% dos que recebem remédios gratuitamente entraram na Justiça. Eles consomem quase 50% da verba para a compra de medicamentos no Estado

R$ 600 milhões é o valor que a União, os Estados e municípios deverão gastar com remédios solicitados nos tribunais em

2007

O gasto com os remédios que os juízes obrigam a União a pagar para os cidadãos é 265

vezes maior que há cinco anos

(1) EstimativaFontes: Reinaldo Guimarães (Ministério da Saúde), Secretaria de Estado de Saúde de Minas

Gerais, Maria Cristina Scandiuzzi (Secretaria de Estado da Saúde do Distrito Federal), Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul e Secretaria Estadual da Saúde de São

Paulo

Foto: Rogério Albuquerque/Ag.Fotogarrafa/ÉPOCA

Personagem da semana - Kaká e Marta

Em comum, o melhor jogador e a melhor jogadora do mundo têm duas coisas: o talento e a nacionalidade

MARCELO DAMATO

Os dois brasileiros lado a lado no palco da Opera House de Zurique, na Suíça, dificilmente poderiam ter origens mais díspares. Ricardo Izecson dos Santos Leite, brasiliense de classe média alta de 25 anos, e Marta Vieira da Silva, alagoana de 21 anos, nascida em uma família pobre no pequeno município de Dois Riachos, têm em comum, além da nacionalidade, pouco mais que um fato: são, hoje, os melhores jogadores de futebol do mundo. Na segunda-feira 17, Kaká recebeu o troféu da Fifa, a federação internacional de futebol, pela primeira vez; Marta, pelo segundo ano consecutivo. A escolha é feita por votação de técnicos e capitães de todas as seleções de futebol do mundo.

A trajetória de Marta é mais parecida com a da média dos jogadores de futebol brasileiros: começou nas peladas em terrenos baldios. Desde os 8 anos impressionou pelo domínio da bola. Jogava e superava os meninos, que a chamavam de “macho-fêmea”, uma aberração. “Não vou mentir: tentei várias vezes impedir que a minha filha fosse jogar bola com os meninos no campo. Fazia isso porque ela fugia da escola e dava muito trabalho aos professores”, diz a mãe, Tereza. Aos 14 anos, Marta deixou a casa e foi fazer um teste no Vasco da Gama, no Rio de Janeiro. Com 18, já era titular da seleção e atuava no exterior. “Ela é o equivalente ao Pelé no feminino. Se pusessem seu talento no corpo de um homem, seria melhor do que o Pelé. Faz coisas que nunca vi”, afirma o técnico René Simões, que a dirigiu na última edição das Olimpíadas, em Atenas, em 2004. O feito de Marta é ainda mais impressionante porque no Brasil não há sequer uma liga nacional organizada, apenas torneios esporádicos.

Kaká não teve de enfrentar nenhum desses desafios. Filho de um engenheiro e de uma professora, começou a jogar futebol na quadra do colégio batista onde estudava, em São Paulo. Criado em família evangélica, Kaká costuma dizer que sua fé cresceu com o tempo – na adolescência, optou pela Igreja Renascer, dos controvertidos bispos Sônia e Estevam Hernandes, hoje às voltas com a Justiça americana. Essa fé o fez até dobrar a família da noiva católica, Caroline, na hora de escolher o templo para o casamento. Mesmo depois dos escândalos financeiros do casal de bispos, Kaká continua a defendê-los em público.

Em todas as conquistas, Kaká exibe camisetas estampadas com frases como “Deus é Fiel” ou “Eu pertenço a Jesus”, sempre em inglês. A cada gol que marca aponta para os céus, como se Deus estivesse logo acima. Kaká também adora repetir – e os repórteres adoram perguntar – que se casou virgem, como prega a Bíblia. Marta é católica, sempre reza antes dos jogos, mas não faz proselitismo religioso dentro ou fora de campo.

ÍDOLOSKaká e Marta posando como modelos e na premiação da Fifa (abaixo), em Zurique

O sucesso de Kaká nos campos e suas aparições em campanhas publicitárias, como a da grife Armani, fizeram dele na Itália um sucesso entre as mulheres tão

grande quanto no Brasil. Se, em 2002, ao viajar pela primeira vez com a Seleção, Kaká já era de longe o jogador mais assediado – deixando Ronaldo de boca aberta –, neste mês, ao chegar à festa da Fifa em Zurique, mesmo acompanhado de Caroline, ouviu dezenas de pedidos de casamento. Marta nunca sofreu o mesmo assédio. O futebol feminino não tem no Brasil o glamour do masculino. Marta ganha em um ano menos do que Kaká em uma semana (só o Milan paga a seu astro 6 milhões de euros por ano), e ainda não se tornou queridinha da publicidade.

Dois acontecimentos foram marcos cruciais na carreira de Kaká. Em setembro de 2000, ele sofreu um acidente num toboágua. Não percebeu que havia trincado uma vértebra. Voltou a treinar – correndo assim, sem saber, o risco de ficar paraplégico. O agravamento da lesão o fez perder o lugar no time de juniores do São Paulo justamente durante o torneio-vitrine para os jovens jogadores brasileiros, a Copa São Paulo. Mas, dois meses depois, “Cacá” – como na época seu nome aparecia na camisa – fez os dois gols que garantiram o título do Torneio Rio–São Paulo. O sucesso deu a ele a chance de avisar os repórteres: queria ser chamado de Kaká, com K.

Nos dois anos seguintes, Kaká não se limitou a jogar. Fez da carreira uma escada e começou a subi-la. Seguiu um rigoroso programa de fortalecimento ósseo e muscular, que não só corrigiu o atraso (aos 15 anos tinha 50 quilos e ossos de um menino de 13), como o tornou mais forte. Hoje tem 1,86 metro e 83 quilos.Quando chegou à Itália, em 2003, embora já tivesse a Copa de 2002 no currículo (como reserva), Kaká ainda era desconhecido da maioria dos “tifosi”, os fanáticos torcedores italianos. Fazia-se piada com seu nome, que soa parecido com “cocô” em italiano. As piadas acabaram logo no primeiro ano, quando Kaká barrou o intocável Rivaldo, astro da conquista do pentacampeonato mundial pelo Brasil um ano antes.

Kaká não investiu apenas na força física: aprimorou sua técnica à custa de muito treinamento. Aprendeu a chutar com força e precisão e a correr com a bola – braços abertos, protegendo o próprio corpo –, marcas que hoje definem seu estilo. Kaká não se destaca em campo pelos malabarismos com a bola, como um Ronaldinho Gaúcho ou um Messi. Os clipes com seus “melhores momentos” mostram-no sempre em velocidade, em arrancadas irresistíveis com a bola. Foi assim que fez um dos gols na final do Mundial de Clubes, no domingo 16, no Japão, em que o Milan derrotou o Boca Juniors, da Argentina, por 4 a 2.

Kaká recebe em uma semana mais que um ano inteiro de salário de Marta

Marta não passou por um programa de fortalecimento na adolescência. Tem apenas 1,62 metro e 56 quilos. Mas seu estilo, aprendido nas ruas, é mais espetacular. Na Copa do Mundo da China, em setembro, seus dribles e gols levaram o Brasil à decisão – onde ela perdeu um pênalti que empataria a decisão perdida para a Alemanha. Foi seu único grande erro, o que a fez chorar muito. Diferentes no estilo, na vida e no salário, Kaká e Marta têm outro ponto em comum: querem vencer em qualquer situação.

Fotos: Max and Douglas/Grazia Neri/Brainpix, Patrick Tragardh/Criativa e Anja Niedringhaus/AP

Fala, Mundo

Um olhar para o planeta

1 - ESTADOS UNIDOSA pena de morte está com os dias contados?

Os ativistas pelos direitos humanos ganharam um presente de Natal na semana passada: dos 37 Estados que praticam a pena de morte nos EUA, um deles, Nova Jersey, acaba de proibir esse tipo de punição. Para os defensores da sentença, 2007 foi o pior ano desde 1976, quando a execução voltou a ser permitida no país. Além da proibição em Nova Jersey, uma decisão de setembro da Suprema Corte já havia suspendido a execução por injeção letal, o método preferido na maioria dos Estados. A

CANETADA O governador John Corzine, democrata e contra a pena de morte, assinando a lei

suspensão continuará valendo até que novos estudos atestem que o método não faz o condenado sofrer. A decisão pela proibição em Nova Jersey é conseqüência de um relatório de uma comissão de estudiosos que apontou a ineficácia da pena de morte em dissuadir novos assassinatos. Outra conclusão foi que executar criminosos é mais caro que mantê-los presos pelo resto de suas vidas. Os EUA executaram 53 pessoas no ano passado. Em números absolutos, o país só fica atrás da China. Até países árabes, tradicionalmente muito rigorosos em suas condenações, mataram menos que os americanos, segundo um levantamento divulgado pelo jornal The New York Times. Entidades de direitos humanos acreditam que uma decisão definitiva da Suprema Corte sobre a injeção letal, a ser tomada em 2008, poderá influenciar outros Estados a seguir o exemplo de Nova Jersey.

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2 - ÁFRICA DO SULZuma e a aids

Nada mostra que o problema da aids na África do Sul será resolvido por algum tipo de iniciativa política. Cerca de 21% da população está infectada pelo HIV, mas dois homens que acreditam que a aids não é um problema no país disputaram a indicação para líder do Congresso Nacional Africano, trampolim para a eleição presidencial. O atual presidente, Thabo Mbeki, foi derrotado pelo ex-vice-presidente Jacob Zuma. Foi um desalento para as pessoas e entidades que lutam para combater a epidemia.

3 - Afeganistão A imagem acima, feita pela americana Stephanie Sinclair, ganhou o prêmio de foto do ano do Unicef. Mostra o casamento de Ghulam, de 11 anos, com o homem que a comprou de seus pais.

ELEITOZuma comemora a vitória

4 - CHINA O verdadeiro tamanho do PIB

Que a China passa por enormes transformações econômicas, todos sabem. O que o Banco Mundial (Bird) mostrou agora é que a China também passa por transformações estatísticas: seu Produto Interno Bruto (PIB) corrigido pelo poder de compra é 40% menor do que se imaginava. Com isso, a China não está tão próxima de passar os Estados Unidos como muitos acreditavam. A comparação dos países pelo poder de compra é mais fiel que a comparação pelo câmbio convencional, pois as mercadorias em países pobres costumam ser mais baratas que as mercadorias nos países ricos. Por esse critério, imaginava-se que o PIB chinês fosse equivalente a cerca de US$ 9 trilhões, o segundo maior, logo atrás dos EUA. Os números usados na conta da China, porém, eram baseados em estudos dos anos 80. O Bird atualizou as referências e descobriu que o PIB chinês pelo poder de compra é equivalente a US$ 5,3 trilhões. O país continua em segundo no ranking, mas agora bem atrás dos EUA. O Bird também divulgou que o Brasil está em sexto no ranking do dólar convertido ao poder de compra. Na verdade, o Brasil está em décimo e só aparece na sexta colocação, empatado com Reino Unido, França, Rússia e Itália, quando os números desses países são arredondados para baixo.

5 - BÉLGICA Miss da discórdia

A crise entre Flandres e Valônia, que ameaça a unidade da Bélgica, ganhou combustível com um simples concurso de beleza. Alizee Poulicek, eleita Miss Bélgica, não sabe falar o flamengo, língua semelhante ao holandês falada em Flandres. A vitória de Alizee gerou protestos. Flandres, região mais rica, quer se separar do sul, Valônia, que tem o francês como língua oficial. A disputa de hoje é uma espécie de revanche a uma hostilidade do passado. A região da Valônia foi por muitos anos a mais rica e sempre desprezou o norte.

(1) Corrigido de acordo com a Paridade do Poder de Compra

ELA MERECE? A miss Alizee Poulicek (centro) só saberia ler O Pequeno Príncipe em francês

6 - UGANDA Um país de intocáveis

O governo anunciou 101 casos suspeitos de febre causada pelo vírus ebola. O pânico gerado pela doença já é maior que o medo da malária, que mata 300 pessoas por dia, dez vezes mais que o ebola mata por ano. É que o ebola mata por uma febre hemorrágica extremamente dolorosa. O contágio ocorre por qualquer tipo de contato físico.

7 - IRAQUE O adeus britânico a Basra

Ao contrário do que muitos acreditavam, os planos do Exército britânico de reduzir pela metade o contingente de 4.500 soldados no Iraque no ano que vem parece real. Na semana passada, eles entregaram a Província de Basra, o maior entreposto de petróleo do país, às Forças iraquianas.

8 - UCRÂNIA A força da ucraniana

A bela e polêmica política pró-Ocidente Yulia Timoshenko foi nomeada primeira-ministra depois de ficar dois anos longe do poder. Yulia teve 226 votos, o mínimo exigido. Ela havia sido destituída do cargo em 2005, após romper com o presidente Viktor Yushchenko.

PERIGO Homem desinfeta hospital em Fort Portal, no oeste de Uganda

COMANDO Força iraquiana marcha para o palácio do governo em Basra

PODER Yulia, eleita primeira-ministra

Fotos: Jerome Delay/AP, Stephanie Sinclair/UNICEF/AP, Stringer/Reuters, AP (2), Sergei Supinsky/AFP e MJ Schear/AP

Fala, Brasil

O que está acontecendo pelo país

1 - RIO DE JANEIRO (RJ) As punições de Rebeca e Romário

Duas importantes personalidades do esporte brasileiro foram punidas por doping na semana passada. A nadadora Rebeca Gusmão perdeu as quatro medalhas que conquistou no Pan (duas de ouro, uma de prata e uma de bronze) por decisão da Organização Desportiva Pan-Americana. Um exame mostrou nível anormal de testosterona. Outro apresentou duplo DNA, um indício de fraude. Alguém teria misturado amostras da nadadora com as de outra pessoa para supostamente burlar o exame. Pelas regras do esporte, isso configura doping. O advogado de Rebeca nega as acusações. A outra punição foi de Romário, jogador do Vasco. A Justiça Desportiva suspendeu o atleta por 120 dias, pois um teste encontrou finasterida em seu organismo. Romário admitiu que usava um remédio

SEM MEDALHA A nadadora Rebeca Gusmão no dia 7, no Rio, antes de depor sobre doping

para combater a queda de cabelos que contém essa substância.

2 - CACHOEIRINHA (TO)Quando o índio vira assassino

Uma tragédia. Ao tentar recuperar um trator que estava em poder de índios apinajés, quatro homens ligados à Prefeitura de Cachoeirinha foram mortos a pauladas. O crime ocorreu na aldeia Buriti Comprido. O veículo estava com os índios havia duas semanas. Tinha sido tomado durante uma manifestação por energia elétrica para a aldeia.

3 - SANTO ESTEVÃO (BA)A seca ainda surpreende

O pequeno município baiano é uma amostra de como muitos poderiam sofrer menos se providências simples e baratas fossem adotadas. A seca chegou, como todo ano, mas a região continua com apenas dois carros-pipa para 44 mil habitantes. Mais de 400 municípios estão em situação de emergência na Bahia, no Ceará e na Paraíba.

4 - DUQUE DE CAXIAS (RJ)

Flagrante na feira de animais

Policiais apreenderam 86 aves e dois jabutis numa feira livre. Treze pessoas foram autuadas por comércio ilegal de animais

5 - SÃO PAULO (SP) O teatro dos bancários

Encenando um assalto a banco, sindicalistas protestaram contra a decisão de vereadores de abolir as portas giratórias nas agências.

6 - RIO DE JANEIRO (RJ) Um ex-deputado assassinado

O ex-deputado federal Ary Brum foi morto a tiros num acesso à Linha Vermelha. A polícia checa se ele estava envolvido em disputa de terras.

DISPUTA O Gol usado para levar os funcionários à aldeia ficou destruído

silvestres.

Bombou na Web

Os assuntos mais comentados na internet

A vida das Spice Girls

O documentário sobre a carreira da banda inglesa foi dividido em partes e caiu na rede. Bombou.

1 - Giving You Everything, documentário sobre as Spice Girls, bombou no YouTube. Dividido em pedaços para caber no site, fez sucesso imediato. A primeira parte foi vista quase 200 mil vezes em 24 horas. Quem ficou interessado pelas intrigas do grupo e assistiu às outras partes viu as meninas comentando sobre a saída de Geri do grupo e o que fizeram nos últimos anos. Há também cenas de bastidores, antes do anúncio oficial da volta.

2 - Um ano atrás, o americano Noah Kalina colocou na internet um vídeo com auto-retratos feitos diariamente durante cinco anos. Na semana passada, uma paródia de Homer Simpson fazendo o mesmo bombou. A seqüência, que mostra Homer desde o nascimento até os 39 anos, é parte de um episódio exibido nos Estados Unidos no domingo 16. Os vídeos foram retirados por violar direitos autorais, mas foram vistos mais de 300 mil vezes.

Fotos: Wilton Junior/AE, Joselita Matos/Jornal de Tocantins/Ag. O Globo, William de Moura/Ag. O Globo, Raimundo Pacco/Folha Imagem e Márcia

Foletto/Ag. O Globo

3 - A notícia sobre o lançamento do Knol, a nova ferramenta do Google, ficou entre as mais lidas. O novo serviço concorrerá diretamente com a Wikipédia, a enciclopédia escrita pelos próprios internautas. No Knol, os usuários também criarão verbetes. Ao contrário da Wikipédia, apenas o autor poderá editá-los. Com isso, será responsável por aquilo que escrever. A páginas do Knol poderão receber anúncios, e o Google diz que repassará parte do valor arrecadado ao autor da página.

4 - Quem assistiu ao filme Encontros e Desencontros, dirigido por Sofia Coppola, deve ter se perguntado o que Bob Harris (Bill Murray) sussurrava para Charlotte (Scarlett Johansson) na cena final. Pois alguém com bastante tempo, e um blog identificado apenas como Vid22 Dot Com, usou um processo digital para reduzir os ruídos da cena e deixar a voz mais clara, acabando com o mistério. O vídeo se espalhou em quase 1.800 blogs e teve 1.300 indicações no Digg.

O que querem os brasileirosO Google liberou na semana passada a lista de termos mais procurados pelos brasileiros no buscador durante o ano. Entre eles, particularidades como as palavras “Lula” e “sexo” e sua divisão por Estados.OS TERMOS QUE MAIS CRESCERAM NO PAÍS1 - ENEM2 - BBB 7 3 - AQUECIMENTO GLOBAL 4 - TROPA DE ELITE 5 - PAN 2007 6 - PARAÍSO TROPICAL 7 - JOGOS ON-LINE

8 - G1 9 - ORKUT 10 - WIKIPÉDIA

OS 10 MAIS BUSCADOS NO GOOGLE BRASIL1 - ORKUT2 - YAHOO 3 - UOL 4 - YOUTUBE 5 - HOTMAIL 6 - JOGOS 7 - RECEITA FEDERAL 8 - SEXO 9 - DETRAN 10 - TRADUTOR

QUEM PROCUROU MAIS POR “LULA”1 - PARAÍBA2 - DISTRITO FEDERAL 3 - PERNAMBUCO 4 - MINAS GERAIS 5 - BAHIA 6 - AMAZONAS 7 - MARANHÃO 8 - CEARÁ 9 - SÃO PAULO 10 - PARÁ

O ESTADOS QUE MAIS PROCURARAM “SEXO”1 - RONDÔNIA 2 - MARANHÃO 3 - MATO GROSSO 4 - PARAÍBA 5 - CEARÁ 6 - PERNAMBUCO 7 - MINAS GERAIS 8 - MATO GROSSO DO SUL9 - RIO GRANDE DO NORTE10 - GOIÁS

Fotos: Nathan Strange/AP e reprodução

Dois Pontos

As frases que marcaram a semana

‘‘Acabei entrando depois que ele percebeu semelhanças entre os olhos do Raúl Castro e os meus’’

RODRIGO SANTORO, ator, explicando como convenceu o diretor Steven Soderbergh a incluí-lo no elenco dos filmes Guerrilla e The Argentine, sobre a Revolução Cubana. Santoro vai fazer o papel do irmão de Fidel e atual presidente de Cuba

‘‘Odeio Carnaval. É preciso ter coragem para enfrentar escola de samba’’

ANDREA MATARAZZO, secretário municipal das Subprefeituras de São Paulo, defendendo a proibição de ensaios de escolas de samba na rua

‘‘A esta altura da vida, não me interessa parecer nem inteligente nem boa atriz. Só quero parecer bonitinha’’

MARÍLIA GABRIELA, jornalista e atriz, prestes a completar 60 anos

‘‘2007 ficará marcado na história de Roberto Carlos como o ano em que ele não lançou nenhum CD, mas tirou de circulação sua biografia’’

PAULO CÉSAR DE ARAÚJO, jornalista e autor do livro Roberto Carlos em Detalhes, retirado das livrarias após uma ação judicial movida pelo cantor

‘‘Sou a noivinha bonitinha com quem todo mundo quer casar’’

WAGNER MONTES, apresentador de TV e um dos líderes nas pesquisas para a eleição à Prefeitura do Rio, sobre o assédio que tem recebido do prefeito Cesar Maia e do governador Sérgio Cabral

‘‘Meu caro ouvinte, tenho de começar pela vitória do ABC Futebol Clube. Ganhou ontem do Bragantino, e isso foi decisivo para disputar a Série B’’

GARIBALDI ALVES, presidente do Senado (PMDB-RN), em seu programa de bate-papo, transmitido por 19 emissoras de rádio do Rio Grande do Norte

‘‘Ou procuramos e removemos as causas, ou o tumor aparecerá em outro lugar’’

MARIA VITÓRIA BENEVIDES, socióloga e militante do PT, ao grupo liderado pelo presidente reeleito da sigla, Ricardo Berzoini, acusado de evitar discutir internamente a crise do mensalão

‘‘O racismo se organizou para negar a existência do racismo no Brasil’’

NEI LOPES, escritor e compositor, autor do Dicionário Literário Afro-Brasileiro, recém-lançado

‘‘A gente vive num país engraçado, onde ninguém admite que você possa ser bom de mecânica e de caneta. Eu faço uma boa regulagem de carburador e também sei escrever’’

AMYR KLINK, navegador e escritor

‘‘Consegui um alvará por R$ 20 mil. Devo dizer que foi um belíssimo investimento’’

Depoimento de um advogado anônimo de São Paulo que comprou um táxi, recorrendo ao mercado negro de alvarás, para burlar o rodízio de veículos e ainda trafegar pelas faixas exclusivas de ônibus

‘‘As acusações não procedem. Não posso admitir que alguém pretenda tirar vantagem de mentiras desse tipo para alcançar seus 15 minutos de fama’’

ELLEN JABOUR, modelo, sobre sua ex-empregada Marcelina dos Santos. A doméstica acusou Ellen e sua mãe de chamá-la de “negra fedorenta, suja e analfabeta” após o sumiço de R$ 200

‘‘As pessoas colocam as celebridades num pedestal. Mas eu gosto de estar perto das pessoas, assim como Diana, que era a princesa do povo’’

FERGIE, cantora americana, mostrando que seu forte não é a modéstia

‘‘Sim, foi assim que fizemos. Hoje em dia os dólares já não valem grande coisa’’

FRANCIS FORD COPPOLA, diretor, confirmando que pagou parte da produção de seu novo filme com garrafas de vinho de sua vinícola

‘‘Isso é uma mentira. Em nenhum momento passou pela minha cabeça trair meu país’’

RICARDINHO, jogador de vôlei, ao desmentir que estaria pedindo cidadania européia para jogar pela seleção italiana

‘‘Achei que Tarso tinha morrido. Acabei dormindo de luz acesa e porta aberta com medo de piripaque’’

LULA, presidente da República, impressionado com o desmaio do ministro da Justiça, Tarso Genro, na capital boliviana, La Paz

‘‘Para a gravação, minha receita é fumar um baseadinho. Para o show, o melhor é uma cachacinha’’

MANU CHAO, músico francês que esteve no Brasil para divulgar o CD La Radiolina

‘‘Meu dever elementar não é o de me apegar a posições e muito menos o de obstruir o caminho para pessoas mais jovens’’

FIDEL CASTRO, líder cubano de 81 anos, afastado interinamente do poder por problemas de saúde, sugerindo que poderá desistir de vez da Presidência no próximo período

‘‘Os brasileiros que iam ao Reino Unido se sentiam horrorizados diante da falta geral de higiene corporal. Estou feliz por informar que isso mudou’’

KENNETH MAXWELL, historiador britânico, afirmando que hoje seus compatriotas tomam mais banhos que no passado

bossa nova das artes plásticas

O sucesso de artistas brasileiros no exterior já é comparável ao do movimento musical dos anos 60

GISELA ANAUATE

Falar de cultura brasileira em terras estrangeiras nos anos 60 era sinônimo de falar de bossa nova. E de futebol, claro. Mas, nas últimas décadas, o balanço da bossa foi dando lugar às pinceladas. E às instalações, esculturas, fotografias... Hoje, o grande item de exportação cultural do Brasil são as artes visuais (além do futebol, claro).

O colorido psicodélico de Beatriz Milhazes, os retratos impressionantes de Vik Muniz, as instalações maleáveis de Ernesto Neto enfeitam as galerias e os museus mais importantes do mundo. Os artistas plásticos brasileiros não são mais figurantes de mostras de pouca monta que festejam o exotismo tropical – ou qualquer outro lugar-comum do olhar estrangeiro em relação ao Brasil.

MarepeO baiano Marcos Reis Peixoto, de 37 anos, já é internacional. Mas prefere morar e trabalhar em Santo Antônio de Jesus, onde nasceu

- Carreira: estudou Artes Plásticas na Universidade Federal da Bahia. Sua primeira exposição internacional aconteceu em 1992. Participou das bienais de Veneza e Istambul em 2003 - Obra: objetos do cotidiano como bacias, cartões telefônicos e até muros de concreto são matéria-prima de suas instalações - Repercussão: Marepe faz mostras

individuais nos centros de arte mais importantes do mundo. Neste ano, expôs um carrossel que tomava conta da entrada da Tate Modern, em Londres

Eles fincaram os pés no circuito internacional das artes plásticas e passeiam tranqüilamente com seus trabalhos pelo pólo Nova York–Londres–Berlim. A fórmula para se tornar um artista reconhecido no meio internacional exige vários ingredientes: fazer exposições individuais de destaque, vender trabalhos a preços razoáveis, ser representado por galerias estrangeiras, ter obras em coleções de museus importantes, participar de mostras coletivas, aparecer nas revistas de arte e vez ou outra ter uma obra arrematada numa casa de leilões de alto nível, como a Christie’s e a Sotheby’s, em Londres.

A carioca Beatriz Milhazes já realizou todas essas façanhas. Suas telas gigantes, conhecidas por misturar várias referências da história da arte em padrões coloridos, chegam a valer US$ 250 mil nas galerias. Nos leilões, em que os valores são mais volúveis, os preços podem ser ainda mais elevados: uma de suas telas pequenas (59 cm por 160 cm), intitulada Laranjeiras, foi vendida no leilão da Christie’s, em Londres, por US$ 460 mil.

Vik Muniz O paulistano de 46 anos mudou-se para os Estados Unidos em 1983. Trabalhou ilegalmente em supermercado e até dormiu na rua. Hoje é um dos artistas brasileiros mais conhecidos em Nova York e vive no

Brooklyn

- Carreira: Vik Muniz entrou no mundo das artes fazendo esculturas nos Estados Unidos. Em 1990, começou a fotografar. O sucesso veio cinco anos mais tarde, com a exposição Crianças de Açúcar- Obra: Vik Muniz faz “desenhos” usando coisas inusitadas, como poeira, caviar e pedacinhos de papel, para depois fotografá-los - Repercussão: foi o primeiro brasileiro a ter uma mostra individual no Whitney Museum de Nova York. Fez exposições nas principais galerias de Berlim, Montreal, Tóquio, Madri

As telas de Beatriz estão entre as aquisições de instituições como o MoMA (Museum of Modern Art), o Metropolitan e o Guggenheim, todos em Nova York, e o Reina Sophia, em Madri. Mesmo com a demanda, ela não aumentou sua produção de, em média, 12 telas por ano. “Quero vender, claro”, diz. “Mas essa não é minha preocupação central.” Em 2009, ela fará uma exposição na Fundação Cartier, em Paris. Também é possível conhecer o trabalho de Beatriz sem ter de sacar o passaporte. Sete obras inéditas – todas já vendidas – estão expostas na Galeria Fortes Vilaça, em São Paulo.

Além de Beatriz Milhazes, a Fortes Vilaça representa grande parte dos artistas que fazem sucesso no exterior: Vik Muniz, Adriana Varejão, Ernesto Neto, Rivane Neuenschwander, José Damasceno. “Eles conjugam o melhor paradoxo: identidade local e personalidade global”, diz a marchande Márcia Fortes, sócia da galeria.

Beatriz MilhazesA pintora de 47 anos mora no Rio e passa quatro meses por ano viajando com suas exposições

- Carreira: pinta desde os anos 80. Hoje é representada por uma galeria brasileira e três internacionais- Obra: “O único rótulo que aceito é o de artista abstrata”, diz Beatriz. Suas telas coloridíssimas fazem referência à pop art, à op art e ao modernismo- Repercussão: como só faz em média 12 telas por ano, Beatriz tem uma fila de compradores. Uma obra sua foi arrematada em leilão por US$ 460 mil

Esses artistas trazem questões universais para a arte, mas carregam cores nacionais. Um caso característico é o baiano Marepe, representado no Brasil pela Galeria Luisa Strina. Aos 37 anos, ele conquistou os europeus e americanos com instalações que remetem às ruas do Nordeste, aos vendedores ambulantes e às casas populares. Fez mostras individuais na Anton Kern Gallery, em Nova York, e no Centro Georges Pompidou, em Paris.

Adriana VarejãoA artista de 43 anos mora em Brumadinho, Minas Gerais

- Carreira: carioca, estudou na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro. Fez exposições individuais na galeria Lehmann Maupin, em Nova York, e no museu Hara, em Tóquio - Obra: Adriana mistura barroco com estilo moderno. A instalação Linda do Rosário (abaixo) foi exposta na Fundação Cartier em 2005 - Repercussão: sua obra ganhou um pavilhão no Centro de Arte Contemporânea de Inhotim, em Minas Gerais, previsto para 2008

O crítico de arte Nelson Aguilar credita à Bienal de São Paulo de 1994, da qual foi curador, a origem da invasão brasileira. O tema, Bienal Brasil Século XX, trouxe galeristas e críticos, sobretudo americanos, aos pavilhões do Parque do Ibirapuera. “Tinha gente muito influente, que acabou conhecendo melhor Hélio Oiticica, Lygia Clark e Mira Schendel”, diz Aguilar. O prestígio desse trio maravilha dos anos 60 abriu a porteira para Cildo Meireles e Tunga, puxando uma geração ainda mais nova de artistas, que usam os mais inusitados suportes e materiais para se expressar. E bota inusitado nisso.

A artista conceitual mineira Rivane Neuenschwander faz esculturas e instalações até com baba de lesma. Suas obras estão nas coleções do MoMA, da Tate Modern, em Londres, e da Fundação Arco, em Madri. “Todo mundo quer obras da Rivane”, diz Márcia Fortes. “Ela tem projeção internacional há anos, mas, no Brasil, poucos a conhecem.”

Rivane NeuenschwanderA mineira de 40 anos é muito mais conhecida no exterior que no Brasil

- Carreira: foi artista residente no Royal College of Art, em Londres - Obra: instalações conceituais, como Uma ou Outra Palavra Cruzada (foto) - Repercussão: a Tate Modern e a Fundação Arco compraram obras suas. Em 2008, fará uma mostra na galeria inglesa South London

O início da carreira do fotógrafo Vik Muniz foi semelhante ao momento atual de Rivane: sucesso, só fora do país. O paulistano começou a expor seu trabalho em Nova York, onde mora. Só quando ficou famoso por lá é que foi “reimportado” para o Brasil. Em 2007, exibiu três séries de fotografias em São Paulo: Pictures of Pigment, Earthworks, série de imagens aéreas de desenhos escavados em descampados, além de Pictures of Junk, com fotos de quadros famosos recriados com lixo.

Ernesto NetoAos 43 anos, mora no Rio de Janeiro, mas tomou conta do Panthéon de Paris

- Carreira: estudou Escultura na Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Com Vik Muniz, representou o Brasil na Bienal de

Veneza de 2001- Obra: é conhecido pelas esculturas e instalações moles e orgânicas - Repercussão: em 2006, sua obra Léviathan Thot (abaixo) ficou exposta no Panthéon, em Paris. Em 2008, fará uma mostra individual no Museu de Arte Contemporânea de Roma

A melhor imagem para expressar a conquista dos brasileiros é a escultura Léviathan Thot, do carioca Ernesto Neto. Entre setembro e dezembro de 2006, um monstro de tule e poliestireno esticou seus braços por todo o Panthéon de Paris, um dos principais monumentos da França, abraçando o Pêndulo de Foucault. É a arte brasileira ocupando seu espaço no panteão internacional.

Fotos: Niels Andreas/AE, Ana Branco/Ag. O Globo, Alaor Filho/AE, Leonardo Aversa/Ag. O Globo,

divulgação (3), Tuca Vieira/Folha Imagem e Mônica Imbuzeiro/Ag. O Globo

Pule, e depois cante

Marcelo Zorzanelli

A indústria dos games está sempre de olho nas vendas de fim de ano. Mas, para garantir sucesso, é preciso renovar os gêneros. Neste Natal, dois games se destacaram. Super Mario Galaxy utiliza o simples conceito da gravidade dos corpos para reinventar os saltos de Super Mario. Rock Band expandiu o repertório dos games de guitarra ao incluir vocal e bateria. São dois títulos visionários que deixam a certeza de que os bons tempos dos games estão apenas começando.

 

Super Mario Galaxy Wii Em 1994, a equipe criadora do primeiro Mario em 3-D começou a programação pelos saltos e pelas piruetas do personagem: na concepção deles, a diversão deveria ser instantânea. Super Mario 64, como resultado, entrou para a história. A segunda tentativa, Super Mario Sunshine, de 2002, incorreu no erro de mexer em time que estava ganhando: ataram Mario a uma traquitana que espirrava água e complicaram a diversão. Super Mario Galaxy, para Wii, é um retorno à forma, mas não apenas isso. É genialidade constrita. Com elementos simples – pequenos planetas esféricos –, toda uma gama de possibilidades apareceu. Livre para saltar de astro em astro, Mario recuperou seu brilho original: a diversão está em simplesmente correr e pular. Os meus preferidos

Rock Band 360 360, PS3, PS2 O estrelato do rock está democratizado. Guitarra e bateria agora têm quatro botões, e você só precisa do mínimo de senso rítmico para tirar o som de seus sonhos. Basta apertar os botões da cor que está na tela no tempo certo. Cantar é fácil, com a ajuda de um osciloscópio que ajuda a chegar no tom. A palavra “clássico” define a trilha sonora, só de gravações originais: “Gimme Shelter”, “Paranoid”, “Won’t Get Fooled Again” e “Detroit City Rock”. É a escola do rock.

Fotos: divulgação

É filme que não acaba

A oitava versão de Blade Runner, o Caçador de Andróides sai em edição especial, com a garantia do diretor Ridley Scott de que, desta vez, é a definitiva. Será mesmo?

MARCELO BERNARDES, DE NOVA YORK

Quando lançado nos cinemas americanos, em junho de 1982, o filme Blade Runner – O Caçador de Andróides causou estranheza. O público, acostumado a ver um Harrison Ford mais aventureiro, CARA A CARA

O andróide (Rutger Hauer) e seu caçador (Harrison Ford). Quem é mais homem?

espantou-se com o ar taciturno do ator. Em plena euforia da revitalização econômica promovida por Ronald Reagan, eis que surgia um filme com uma visão sombria do futuro. Naquele verão, a mania era ver um certo E.T. cercado de crianças felizes. Um dos filmes mais ambiciosos de ficção científica que Hollywood já produziu estreou de casa vazia – o que não impediu que o filme se tornasse um dos cult movies. Essa condição é avalizada por fãs fervorosos, intelectuais que debateram temas tão diversos como distopia e engenharia genética e uma nova geração de artistas que devorou imagens criadas pelo diretor inglês Ridley Scott e a diluíram em gibis, animês e dezenas de filmes e séries de TV. A trilogia Matrix e o seriado Battlestar Galactica são exemplos recentes que se valeram do modelo.

Nesta semana, após sete versões do filme a pipocar num período de 25 anos, a Warner lança uma luxuosa edição de Blade Runner em DVD, com as quatro versões oficiais da produção (as outras quatro não são avalizadas pelo diretor), incluindo a última delas, The Final Cut, lançada com sucesso nos cinemas em setembro da maneira que o filme foi idealizado por Scott: sem a narração em off feita por Ford nem a cena de final feliz.

Baseado em algumas novelas de Philip K. Dick, o mestre da ficção científica inteligente, o filme acompanha a história do policial Deckard (Ford), que caça replicantes – jargão criado para substituir o termo robô. Criados à semelhança dos humanos, os replicantes trabalham em colônias espaciais como escravos. Um grupo de modelos sofisticados, capazes de imitar as emoções humanas, escapa e se infiltra na Los Angeles de 2019, decrépita e pluvial, com prédios art déco abandonados, outdoors fluorescentes e uma população variada que inclui de chineses que analisam o genoma na rua a hare krishnas superchatos. “O público rejeitou porque discutimos a possibilidade próxima de um fim do mundo”, disse Scott a ÉPOCA.

The Final Cut tem apenas 58 segundos a mais e foi totalmente restaurado em alta definição. Os efeitos especiais foram melhorados, erros como os fios que sustentavam os atores em cena corrigidos e a trilha de Vangelis remasterizada. Isso tornou o longa-metragem visualmente ainda mais sombrio. Mas a idéia continua a mesma do aniversário de dez anos do filme, em 1992, quando Scott acrescentou uma cena de sonho, que elucidou um dos maiores mistérios cinematográficos desde o sentido da palavra “Rosebud” em Cidadão Kane, e debatido com afinco até em universidades. “Sim, que não existam mais dúvidas: Deckard era replicante”, diz Scott. Isso pelo menos por ora. Afinal, em 2012 o filme vai comemorar 30 anos.

Escolha sua versão de replicante

FINAL FELIZ 1982 Tem narração em off e redenção no fim. Saíram as

SONHO REVELADOR1992 Director’s Cut elimina a narração. Surgem novo final e

MAIS FALAÇÃO 2007 Mantém as mudanças de 1992. O filme é restaurado,

versões americana e internacional, esta com mais violência

uma cena de sonho que explica a trama

tem diálogos mais longos e ajustes nos efeitos especiais

8perguntas para RIDLEY SCOTTRidley Scott não aparenta seus 70 anos. Antes mesmo de lançar o filme O Gângster, o cineasta dirige, no Marrocos, uma produção com Leonardo DiCaprio no papel de caçador de terroristas da Al Qaeda. Ele falou a ÉPOCA num hotel de Nova York, duas horas antes de embarcar em seu avião particular rumo ao MarrocosOito versões de Blade Runner foram lançadas. Esta será a definitiva?Sim. É a que mais me deixa satisfeito, mais próximo de minha intenção original. Sempre soube que tinha feito um filme interessante.

Por que, então, deixou a narração em off e o final feliz na primeira versão? Para minha surpresa, o público não entendeu nada. Odeio sessões-testes com o público, pois é como você permitir que o diabo entre em sua sala e saia opinando. A confiança dá lugar à insegurança e concessões são feitas.

O que aconteceu para que os produtores mudassem de idéia e deixassem o senhor lançar a versão original do filme? Com o passar dos anos, surgiram análises profundas sobre o filme. Também começamos a ouvir que, dentro do acervo de milhares de títulos do estúdio Warner Bros., Blade Runner era o segundo filme mais vendido em vídeo. Só perdíamos para Casablanca. Por causa dessa demanda, decidimos trazer o filme de volta em 1992 e agora com a versão definitiva.

O público na época criticou o filme por ele propor uma visão oblíqua do futuro? E eu não estava certo? Décadas antes dessa conscientização que vemos hoje, lá estava eu defendendo a tese de que a Terra, no futuro, seria esse lugar superpopuloso, poluído e depressivo.

Harrison Ford criticou o resultado do filme. Vocês ainda se falam? Sim. Ele criticou a narração em off e a imprensa distorceu os fatos e virou essa bola-de-neve. Harrison é um ótimo parceiro para biritas.

Russell Crowe é seu novo parceiro ideal. O que há de especial nele? Ele tem ótimo senso de humor e é inteligente. Se tivermos de apontar os três melhores atores do mundo, Russell estará nessa lista.

O senhor tem casa na Provença. Alguma chance de criar um vinho Ridley Scott, a exemplo de Francis Ford Coppola? Antes eu vendia minhas uvas para a cooperativa local, mas agora venho desenvolvendo boa uva e estamos levando a sério a idéia de produzir vinho. Mas o mercado na França passa por uma crise, por causa de países que produzem vinhos a bom preço, como Austrália, Chile e África do Sul.

O senhor dirige um filme com Leonardo DiCaprio e prepara mais três. Não pára nunca? Dizem que sou louco por trabalho. Odeio a palavra “workaholic”, é pejorativa. Trabalho muito porque tenho prazer. Se saio de férias, vou equipado. Levo sempre uma pilha de

livros, roteiros e três raquetes de tênis. Contrato um profissional para jogar comigo, bebo bastante e ainda tomo conta da patroa!

PRÁTICORidley Scott fez a versão definitiva do filme

por causa das boas vendas

Fotos: divulgação e Everett Collection/Keystock (2), Bryce Duffy/Corbis Outline/Latin Stock

20/12/2007 - 21:24 | Edição nº 501

Dom João além das coxinhas

Deixe as chacotas. Novas pesquisas sobre os 200 anos da vinda da família real esclarecem a história do Brasil

LEANDRO LOYOLA

Esqueça tudo – ou o pouco – que você sabe sobre o rei de Portugal dom João VI, sua esposa, a princesa Carlota Joaquina, e a mudança da família real portuguesa para o Brasil, em 1808. É difícil, mas deixe de lado a história de que dom João era um glutão incapaz e Carlota uma lasciva viciada em conspirações. Graças às comemorações do bicentenário da chegada da família real e da corte portuguesa ao Brasil, em março do ano que vem, uma série de novos livros dará uma chance, daquelas que surgem a cada 200 anos, de a história se impor à chacota.

Até o segundo semestre de 2008, serão lançadas mais de duas dezenas de trabalhos (alguns deles estão no quadro abaixo) sobre esses personagens e sobre o período joanino, como ficaram conhecidos os anos (1808-1821) em que a corte permaneceu no Rio de Janeiro. “Haverá um reexame menos apaixonado de um período muito discutido e que ainda não foi investigado como deveria ter sido”, afirma o embaixador e historiador Alberto da Costa e Silva, coordenador da Comissão para Comemoração da Chegada da Família Real ao Rio de Janeiro. “Vamos compreender a importância que a transferência da corte teve na formação do Estado brasileiro.”

Príncipe regente desde 1792, dom João decidiu fugir de Portugal com a família e a corte em novembro de 1807 para evitar ser capturado pelo Exército de Napoleão Bonaparte. Chegou em janeiro à Bahia e quase dois meses depois ao Rio, onde foi morar. Durante os 13 anos em que ficou no Brasil, tomou uma série de medidas que ajudou a construir o Estado brasileiro: fez a abertura comercial do país às nações aliadas, liberou a edição de livros, incentivou a música e as artes e criou instituições como o Banco do Brasil. A maioria dos historiadores aponta a construção dessa estrutura como um marco fundamental que ajudaria a manter o país unido após a independência. Ao contrário das nações vizinhas da América Espanhola, o Brasil não se esfacelou no processo de independência. Apesar disso, dom João ficou marcado pela imagem caricatural. Sua imagem é a do filme Carlota Joaquina, de Carla Camurati, no qual aparece como marido traído, carola, preguiçoso e devorador de coxas de galinha.

Na onda de revisionismo histórico do bicentenário, o rei deve ser reabilitado em uma biografia preparada pela historiadora Lúcia Bastos, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). De sua pesquisa emerge um rei muito distante do bobalhão. “Dom João não deixou um ministro dominar seu governo e tomou decisões importantes, apesar de ter sido um estadista hesitante em certos momentos”, afirma a autora. “Ele foi uma pessoa de grande importância para o Brasil: sem ele, a independência seria diferente e talvez o país tivesse se esfacelado.” A pesquisa da historiadora mostra que o rei se cercou de intelectuais, formou a Real Biblioteca em Lisboa e, no final da vida, dava sinais de preparar uma transição para tornar Portugal uma monarquia liberal.

REVISTOA aclamação de dom João VI como rei, em 1818, no Rio, em pintura de Jean-Baptiste Debret. Visto como bobo, dom João foi o único a ter enganado Napoleão

Assim como o rei, a imagem de sua mulher, dona Carlota Joaquina, deve mudar. Lançado recentemente, Cartas Inéditas (Casa da Palavra), da historiadora Francisca Nogueira de Azevedo, derruba o mito de que Carlota fosse apenas uma devoradora de homens fixada em dar golpes de Estado para derrubar o marido. Nenhuma das cerca de 1.300 cartas examinadas por Francisca dá qualquer sinal de infidelidade de Carlota. As “conspirações” para derrubar dom João também ganham um contexto mais completo. A imagem negativa de Carlota foi construída provavelmente por terceiros, devido a suas características de personalidade e postura política. “Ela era uma mulher de temperamento forte, preparada intelectualmente e com visão política”, afirma a historiadora. “São comuns cartas em que ela pede livros de política e religião a parentes na Espanha.”

As cartas revelam também dona Carlota como uma mãe zelosa, que informa o marido sobre as doenças dos filhos e, quando necessário, dá uns tapas neles. Por ironia, o único sinal de infidelidade conjugal foi encontrado não em Carlota, mas em dom João: ele teria tido uma filha fora do casamento com dona Eugênia de Menezes, uma dama de dona Carlota. O sinal mais claro é que o soberano garantiu para mãe e filha uma pensão até o fim da vida.

Do conjunto de livros sobre a mudança, um dos mais bem-sucedidos é 1808 (Planeta), do jornalista Laurentino Gomes. Campeão de vendas, é uma obra para ser lida como uma grande reportagem. Ao contrário de outros jornalistas que se aventuram no ramo – e se dão mal –, Gomes não só leu os livros necessários como se preocupou em pesquisar. Afirma no prefácio do livro ter lido documentos oficiais em bibliotecas no Brasil e no exterior durante os últimos dez anos. O próprio autor ressalta que o resultado não tem a densidade da obra de um historiador de ofício. Seu principal mérito é mostrar ao público leigo que dom João não foi o rei babão. Quando chegou ao Brasil, em 1808, ele governava Portugal e seu vasto império ultramarino – decadente e militarmente fraco. Portugal era um país vulnerável, espremido pela guerra entre a Inglaterra, maior potência do mundo, e a França, no auge da expansão de Napoleão. Dom João tinha a opção de se render ao francês e ser aniquilado pelos ingleses; ou ficar ao lado dos aliados ingleses e ser destruído pelo francês. Escolheu uma alternativa ousada: abandonar o país e transferir a corte e toda a alma do governo português para o Brasil. Nas aparências, uma atitude covarde. Na realidade, dom João foi o único a não ter perdido o reino para Napoleão. Um resultado que contradiz o folclore sobre ele. Duzentos anos depois, ficou mais fácil reconhecer isso.

Nos tempos da corte no Rio Dicionário do Brasil Joanino, Ronaldo Vainfas e Lúcia Bastos, José Olympio Dividido em verbetes, trata de temas e personagens históricos de 1808 a 1821, período em que dom João VI permaneceu no Brasil A música no tempo de D. João, Vasco Mariz, Casa da Palavra O autor trata de compositores e músicas da época de dom João, um conhecido amante de música sacraSaúde pública nos tempos de D. João, Senac Rio Escrito pelo cirurgião da corte e pelo médico do infante Dom Pedro, traz dois estudos encomendados por dom João para conhecer a situação da saúde no Rio de JaneiroO jardim de D. João, Rosa Nepomuceno, Casa da Palavra

O livro conta a fundação do Jardim Botânico do Rio e como ele foi usado para o tráfico de plantas para o Brasil, prática muito comum na época

Viagem de D. João ao Brasil, Thomas O’ Neill, José Olympio Relato da viagem da família real para o Brasil, escrito por um tenente irlandês que estava em uma das embarcações da esquadra (foto)

A transferência da capital e Corte para o Brasil-1807-1808, Kenneth Light, Tribuna da HistóriaBaseado nos diários de bordo da esquadra, Light arrisca até novos números – mais conservadores – sobre o tamanho da corte que teria aportado no Brasil

CINCO LIVROS DE MINHA VIDA

O gaúcho Paulo Scott, de 41 anos, é advogado e escritor. Publicou um romance, dois livros de poesia e um volume de contos, Ainda Orangotangos, reeditado recentemente pela Bertrand.

Os meus preferidos1. A Náusea (Jean-Paul Sartre) Livro fabuloso que me fez querer ser escritor.2. Enquanto Agonizo (William Faulkner) Trouxe a convicção de que variação de visões é riqueza. 3. Os Frutos da Terra (André Gide) Percebi que o deslumbramento diante do caos não é ruim por si. 4. Viagem ao Fim da Noite (Louis-Ferdinand Céline)Trata da covardia que há em cada homem. 5. Assim na Terra (Luiz Sérgio Metz) Obra obscura de um autor obscuro, prova a viabilidade dos épicos. O que eu ainda não liHavana para um Infante Defunto (Cabrera Infante) Parece que o virtuosismo técnico não leva a lugar algum.

Fotos: divulgação

 

Palavra Final

O piloto de Fórmula 1 Nelson Angelo Piquet responde a questionário inspirado em Freud, Proust e Pivot

NELSON ANGELO PIQUETPiloto de Fórmula 1

Vida – Nelsinho Piquet, como é conhecido, é filho do tricampeão mundial Nelson Piquet. Nasceu em Heidelberg, Alemanha, há 22 anos. É solteiro e mora em Londres

Carreira – Começou a correr de kart aos 8 anos e passou pela F-3 antes de tornar-se piloto de testes da Renault. Em 2008, será piloto da equipe ao lado de Fernando Alonso

 

Quais são seus ídolos no automobilismo? Nelson Piquet e Emerson Fittipaldi.

Que carro sonha pilotar? Não ligo muito para carros de rua. Não tenho o sonho de ter uma Ferrari, por exemplo. Já na Fórmula 1, sonho ter sempre o melhor carro do grid.

Maior desafio... Eu me sair bem no meu primeiro ano na Fórmula 1.

O que os outros dizem de você? Quem não me conhece acha que sou metido, fechado, mal-educado... As mesmas coisas que falavam do meu pai.

Se pudesse mudar algo em você, o que seria? Seria menos tímido.

Sua maior decepção... Não ter ganho o último campeonato na GP2 (2006).

Seu maior sonho... Levantar a bandeira brasileira na Fórmula 1 e deixar o público novamente feliz aos domingos. Também quero me casar, ter uma família.

Seu maior pesadelo... Não encontrar alguém para formar minha família.

Quem é seu pior inimigo? O nervosismo antes das corridas.

Uma recordação de infância... O primeiro campeonato brasileiro que ganhei, em 1997.

Na pele de quem gostaria de passar um dia? Do meu pai.

Qual é sua maior extravagância? Quando eu viajo, gosto de comer no melhor restaurante do lugar.

Seu herói favorito... Jack Bauer (personagem de Kiefer Sutherland na série 24 Horas)! Vale?

Maior vexame por que já passou... Ter soltado um pum na sala de aula e ter de inventar uma história para despistar os colegas.

Qual é o lugar mais estranho em que já fez amor? No carro. Parado!

Uma mulher bonita... Catherine Zeta-Jones.

Um homem bonito... George Clooney.

Frase preferida... “O amor é cego.”

Qual profissão gostaria de ter tido? Gostaria de trabalhar com marketing.

Se o Céu existe, o que você gostaria de ouvir de Deus ao chegar lá? “Espero que você tenha aprendido com seus erros.”

Foto: Vladimir Rys/Bongarts/Getty Images

Proibir as drogas gera violência"

O deputado verde conhecido pelas idéias polêmicas responde às perguntas dos leitores de ÉPOCA

Na trajetória que começou na luta armada contra a ditadura, nos anos 60, e culminou em três mandatos de deputado federal pelo Partido Verde, as idéias de Fernando Gabeira evoluíram. Defensor de teses polêmicas, como a legalização da maconha e da prostituição, ele também assume posições radicalmente contrárias à de sua juventude. Integrante do grupo que seqüestrou o embaixador americano Charles Elbrick, em 1969, hoje ele diz que o seqüestro é “abominável”. Respondendo aos leitores de ÉPOCA, ele também falou do papel do usuário de drogas no financiamento do tráfico.

 

ENTREVISTAFernando Gabeira

VIDA Nascido em 1941, em Juiz de Fora, Minas Gerais, mudou-se para o Rio de Janeiro aos 22 anos. É casado e tem duas filhas

CARREIRA Jornalista, participou da luta armada durante a ditadura. Elegeu-se deputado federal em 1994 e foi reeleito em 1998 e 2002

OBRA No livro O Que É Isso, Companheiro?, de 1979, conta o seqüestro do embaixador americano no Brasil Charles Elbrick

O senhor já fumou maconha? O que tem a dizer a respeito das drogas? Samuel do Valle, Divinópolis (MG) Fernando Gabeira – Já. As drogas sempre existiram na história da humanidade, seja

para reduzir a dor, aumentar o prazer ou ampliar a consciência. Mas elas se tornaram agora um grande problema mundial, por serem a principal atividade de grupos criminosos que mobilizam, segundo cálculos extra-oficiais, US$ 500 bilhões.

A liberação do uso de drogas, nos mesmos moldes do que acontece com o álcool, diminuiria a violência causada pelo tráfico? Otto Simon da Silveira, Olinda (PE) Gabeira – Potencialmente, sim. A experiência da liberação do álcool, depois da Lei Seca, contribuiu para reduzir a violência nos Estados Unidos. No entanto, para que seja bem-sucedida, uma experiência de liberação pressupõe polícia bem equipada e capaz e instituições sociais capazes de abordar, rapidamente, conseqüências indesejadas e, às vezes, imprevistas.

O filme Tropa de Elite atribui parte da responsabilidade pelo caos do narcotráfico aos usuários. O senhor concorda com isso? Eduardo Gomes, São José dos Campos (SP) Gabeira – Sim. Se você é contra a compra de produtos de empresas que destroem o meio ambiente ou usam trabalho escravo ou infantil, por que não ser contra a compra de produtos que contribuem com a violência? Essa questão ética foi inicialmente levantada pelos próprios usuários. No caso dos que usam maconha, houve até campanhas para que se plantasse em casa. Lembro que a plantação em casa também é proibida. Acho que parte da responsabilidade deveria ser estendida também aos adeptos da proibição, pois essa política contribui com a violência. Quando não há uma autoridade externa para regular um comércio, os atores tendem a se matar. Se alguém compra 10 quilos de droga e recebe apenas 8, não pode reclamar na polícia. Se alguém quer um ponto-de-venda, não pergunta ao rival se ele tem alvará, mas o mata.

O senhor se arrepende da participação no seqüestro do embaixador americano Charles Elbrick? Mateus Alexandre Castanho, Brasília (DF) Gabeira – Considero o seqüestro uma forma de luta abominável. Hoje vejo o seqüestro com os olhos de Ingrid Betancourt, que está há cinco anos nas mãos dos guerrilheiros das Farc, definhando, sem poder ler um livro. O seqüestro, mesmo apesar de sua retórica social, é uma violação de direitos do indivíduo, de sua família e amigos.

O senhor se arrepende de ter trocado o embaixador americano pelo ex-deputado José Dirceu, então preso pela ditadura militar? Raul Pinheiro, Belo Horizonte (MG) Gabeira – Não participei da confecção da lista. Na verdade, não conhecia as pessoas que estavam sendo liberadas, com exceção dos líderes estudantis do Rio de Janeiro.

Qual é sua opinião sobre um terceiro mandato presidencial? José Maria de Sousa, Brasília (DF) Gabeira – Sou contra, e penso que a maioria do povo brasileiro também o é. O resultado das pesquisas e a derrota de Chávez na Venezuela esfriaram um pouco esse tema.

O que o senhor tem a dizer das críticas referentes a seu projeto de lei que tentou legalizar a profissão das prostitutas, mas foi vetado pelo Congresso?

"Se você boicota empresas que usam trabalho escravo, por que comprar drogas de quem contribui com a violência?"

Maria Luiza Perez Meira, Rio de Janeiro (RJ)Gabeira – Algumas críticas foram mais no campo moral. O projeto prevê a integração das profissionais na Previdência, com grandes vantagens para o Brasil. Somos um país onde o trabalho informal é muito grande e nem todos colaboram com a Previdência. O projeto poderia ajudar também no combate à prostituição infantil, pois conseguiríamos, como já o fizemos na campanha contra a aids, a participação das pessoas adultas que trabalham no setor. No entanto, há críticas que podem ser absorvidas, principalmente as que indicam a possibilidade de uma articulação maior do projeto com as diretrizes de combate à prostituição infantil e juvenil.

Há, entre os jovens, uma clara aversão à política e aos políticos. Como fazer para motivá-los a participar da política? Ronaldo Conde Aguiar, Brasília (DF) Gabeira – As crises, como a da Venezuela, costumam contribuir para lançar os estudantes na luta. Quando sentem que as velhas gerações falharam ao tratar dos grandes problemas nacionais, normalmente entram em cena. Aqui os órgãos estudantis ainda estão aprisionados a uma lógica de esquerda e apóiam o governo. Passaram a ser um movimento chapa-branca, o que os torna, apesar da juventude, velhos e sem atrativos.

Como nós, cidadãos comuns, poderíamos atuar mais diretamente no combate à corrupção na política e nas estatais? Sandra Fernandes de Oliveira, São Paulo (SP)Gabeira – O problema central é a transparência. Apoiar e exigir a transparência são bons exemplos. Monitorar os eleitos, exigir seriedade do governo, existe, enfim, uma lista de atitudes que ajudam a reduzir a corrupção. Acredito também que a mudança nas regras do jogo é muito importante. Apostar mais na redução das oportunidades de se corromper do que, propriamente, na capacidade de regeneração das pessoas.

Por que o povo não se manifesta contra a corrupção? A que o senhor atribui o comodismo nas atuais questões políticas? Laíse Coelho, Belém (PA) Gabeira – A saída em massa às ruas depende de muitas condições. Na Espanha, com o uso do celular, foi possível organizar uma grande manifestação. Mas o país estava no calor da eleição e traumatizado por um atentado terrorista. As pessoas se movem, mas precisam de razões bem fortes. No momento, se você examinar as cartas de leitores de jornais, verá que há uma minoria bastante participativa. Também na internet existem inúmeras discussões. Existe, em muita gente, certa resignação com a corrupção e, afinal, nem sempre as pessoas ligam a si mesmas o dinheiro que é roubado, como se não fosse delas. É preciso mostrar com insistência o que deixa de ser feito de bom quando se desvia dinheiro público. Talvez, vendo o que perdem com isso, as pessoas se manifestem mais.

Foto: Anderson Schneider/ÉPOCA

Um brinde perfeito

Apreciar de forma correta um bom espumante exige acessórios diferentes dos de outros vinhos

Cristina Couto

Para ser um verdadeiro enófilo, é preciso mais que conhecer rótulos. Ter à mão acessórios corretos é fundamental para degustar e conservar as preciosas garrafas. Champanhes, proseccos, cavas e espumantes em geral, com rolhas particulares e garrafas mais bojudas, requerem utensílios apropriados, como os saca-rolhas que não deixam a rolha pular ou as tampas que evitam que as borbulhas escapem. Também é preciso garantir que o espumante esteja na temperatura correta: entre 7 e 12 graus Celsius. Para isso, há termômetros que revelam a temperatura em instantes, sem que seja preciso abrir a garrafa. Depois, é só sacar a rolha com estilo e precisão.

Quanto às taças, é preciso cuidado na hora da escolha. “Champanhes e espumantes devem ser degustados em taças flûte, sendo que os mais envelhecidos melhoram muito se forem servidos em flûtes de corpo mais largo, abaulado, pois os aromas da bebida são mais bem percebidos”, diz Manuel Luz, degustador profissional de vinhos.

ROBUSTO O saca-rolhas Dynasty, da Full Fit, é feito de metal resistente (zamac) e cabo emborrachado.Brickell, tel. (51) 3328-5565R$ 64

FEMININOO saca-rolhas So Rose, da Screwpull, prende a rolha no tubo de policarbonato quando o champanhe é aberto. Tool Box, tel. (31) 3261-6722R$ 85

DOIS EM UMO Champagne Save and Pourer, da Vacuvin, é uma tampa com bico que abre e fecha.Mistral, tel. (11) 3372-3400 US$ 14,49

DUPLA DINÂMICA O Champagne Duo vem com abridor e tampa. Para abrir, encaixe a estrela na rolha, gire e puxe. Enoteca Fasano, tel. (11) 3168-1255R$ 322

DESIGNO balde para duas garrafas Ritz ganhou o primeiro lugar no Prêmio Design Museu da Casa Brasileira na categoria utensílios. Roberto Simões, tel. 0800- 770-9155R$ 450

PONTO EXATODe inox com visor de cristal líquido, o termômetro Tutto Vino envolve a garrafa e indica a temperatura ideal de cada vinho. Vinea Store, tel. (11) 3059-5200 R$ 30

PARA VIAGEMNada de chegar à casa dos amigos de garrafa na mão. Boas lojas de vinhos têm bolsas para carregar bebidas em vários estilos. A capa de neoprene, preta ou vermelha, é especial para espumantes e champanhes e ajuda a manter a temperatura.Le Tire-Bouchon, tel. (11) 3822-0515R$ 17,50

SEM DEMORA O Cooper Cooler, da RCS, gela vinhos em seis minutos. Com duas voltagens, tem adaptador para carro ou barco. Spicy, tel. (71) 3450-3190R$ 398

PROFISSIONAL A Adega Tri-Temp, da Viking, tem três áreas independentes, com temperatura própria, o que permite separar o champanhe dos demais vinhos. Com capacidade para 150 garrafas, tem vidro com proteção UV. Viking, tel. (11) 3064-0011R$ 27.768

Cristina Couto

Foto: Sendi Moraes/ÉPOCA e divulgação

Consulte os contatos das lojas

Onde encontrar

Andrea Araújowww.andreaaraujo.com.br

Empório das Floreswww.emporiodasflores.com.br

Erahwww.erah.com.br

Jacaré do Brasilwww.jacaredobrasil.com.br

Le Lis Blanc Casawww.lelisblanc.com.br

Spicywww.spicy.com.br

Tânia BulhõesTel.: (11) 3083-5700

Vá pela sombra!

Os redondos e os de aviador modernos são a tendência em óculos escuros para o verão

No Brasil, óculos escuros são item de sobrevivência. Para alguns, são um fetiche. Se você faz questão do modelo da moda, nesta estação vá de grandes arredondados ou “aviadores” revisitados.

MODERNOReleitura do modelo aviador tradicional, pela VogueR$ 684

DÉGRADÉNa Marisa, um aviador arredondadoR$ 40

REDONDOSO modelo de Tom Ford abusa das curvasR$ 1.290

CLÁSSICOOs óculos de metal da Fiorucci são quase o aviador clássico R$ 350

Velas para decorar e presentearSofisticadas, as velas são uma opção para deixar a casa bonita no Natal e no Réveillon.

1 – RobustaAs velas grandes e pesadas não saem da moda. A da foto custa R$ 123, na Erah2 – Linha fina Pintada à mão, a vela em forma de ovo custa R$ 330, na Jacaré do Brasil3 – MosaicoA vela de vidro com madrepérola, na Les Lis Blanc Casa, sai por R$ 129,504 – Louça No modelo da Ritzenhoff, a parafina fica dentro de uma cumbuca. Na Spicy, R$ 1485 – Castiçal As 12 peças do Ilhas Gregas se encaixam. Da Andrea Araujo, custa R$ 96 o conjunto, ou R$ 8 a unidade6 – No copo Velas dentro de vidros causam um belo efeito. A da foto tem perfume de rosas e custa R$ 123, na Erah 7 – Romântica O castiçal vermelho e dourado é do Empório das Flores, R$ 9 o par8 – Fechada Aromatizada, a vela branca no vidro fosco tem tampa dourada. Na Tânia Bulhões, R$ 250

6 horas em São Luís

CUXÁ Comece sua visita pela Casa das Tulhas, o antigo mercado, para tentar pegar o setor de alimentos ainda aberto. As lojas que dão para a rua vendem artesanato e há um

restaurante, o Antigamente, que sempre oferece arroz-de-cuxá no bufê. (1h30)

BOI A Casa do Maranhão, na Rua do Trapiche, funciona como um curso completo – e fascinante – sobre o bumba-meu-boi. Aqui você entende por que Joãosinho Trinta é maranhense. (2h)

MINA Na Casa da Festa (oficialmente conhecida como Centro de Cultura Popular), na Rua do Giz, visitas guiadas explicam a influência africana na cultura maranhense – especialmente o tambor-de-mina, a versão local do candomblé.(2h)

PÔR-DO-SOLÀs 17h30, esteja a postos no terraço do Palácio dos Leões para acompanhar o sol desaparecer no Atlântico. (30 min)

Fotos: Eduardo Sverzia/Criativa, André Spinola e Castro/Casa & Jardim

O sucesso de um time premiado

Carta do diretor da redação Helio Gurovitz

MUITO OBRIGADOAlgumas reportagens e capas de ÉPOCA agraciadas com prêmios em 2007

A satisfação no trabalho envolve vários fatores, como dinheiro, sucesso e um sentido de propósito. De tudo o que nos move a fazer o que fazemos com dedicação, algo se destaca: o reconhecimento. É o reconhecimento do público que faz a carreira de um jornalista ou a história de uma publicação. E uma das principais formas de reconhecimento são os prêmios. ÉPOCA pode se orgulhar de ter recebido em 2007 alguns dos principais prêmios do país:

Em abril, fomos agraciados como Veículo do Ano de 2006 pela Associação Brasileira de Propaganda (ABP).

Os jornalistas Ronald Freitas e Andréa Leal receberam o Prêmio de Jornalismo da Associação dos Magistrados Brasileiros, com a reportagem “Alguém vai para a cadeia?”, publicada em setembro deste ano.

O jornalista Murilo Ramos venceu o Prêmio Embrapa 2007, com a reportagem “A próxima revolução”.

O editor Alexandre Mansur e sua equipe ganharam o Prêmio Especial do Júri na sétima edição do Prêmio CPFL de Imprensa, por nossa Edição Verde, publicada em outubro de 2006.

Ainda na área ambiental, ÉPOCA recebeu do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) um prêmio por nossa Edição Verde, publicada em abril de 2007.

A jornalista Eliane Brum ganhou o 29o Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog com a reportagem “No Brasil do Zé Capeta”, publicada em fevereiro passado. Eliane também recebeu um prêmio da Cooperativa Cultural da Periferia por ter ajudado a tornar a periferia um lugar melhor para viver.

Pelo terceiro ano consecutivo, ÉPOCA venceu o Prêmio Alexandre Adler de Jornalismo em Saúde, na categoria revista, com a reportagem de capa “Aborto: sim ou não?”.

A jornalista Cristiane Segatto, da área de saúde, ganhou o prêmio do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer (IBCC). Ela e a repórter Suzane Frutuoso ficaram ainda com o primeiro e o segundo lugares no Prêmio de Jornalismo das Unimeds do Estado de São Paulo.

Todos esses prêmios têm um significado especial pnara cada um de nós. Agradecemos efusivamente a quem os concedeu e, acima de tudo, a você, leitor, o responsável maior por esse reconhecimento.

Muito obrigado!

Caixa Postal

A correspondência dos leitores de ÉPOCA

O sentido do fim da CPMF para Lula

Ao desautorizar em público o ministro da Fazenda com relação à criação de novo imposto em substituição à CPMF, Lula usou o peso

A reportagem “A vida sem a CPMF” mostrou o que significa para os brasileiros e para o governo o fim do imposto do cheque nas contas públicas

HELIO GUROVITZ

Diretor de Redação

do crachá, quebrando a relação de hierarquia e o princípio de boa conduta em equipe. Coisas típicas de um feitor, jamais de um gestor. Se eu fosse o senhor Guido Mantega, pegaria imediatamente meu boné e cairia fora. Paulo Sérgio Gonçalves, São Paulo, SP

É necessário que a sociedade entenda que a CPMF foi vetada não por uma deferência do Senado à população, escorchada e lesada por Lula e seu PT, mas sim porque, nas próprias palavras dos senadores, o governo “falhou” ao negociar, e eles se vingaram negando ao governo a CPMF. Antonio Calado, Rio de Janeiro, RJ

E AGORA? O fim da CPMF mudou os planos do governo de Lula

“Da mesa onde o bolo da CPMF era partido, a saúde pública só pegava as migalhas que caíam no chão. É balela dizer que a saúde pública saiu perdendo. Não se perde o que nunca se teve” Francisco de Araujo Batista, Natal, RN

A bordo do Aerolula

Ricardo Amaral, de ÉPOCA, viajou com Lula no avião presidencial, como descrito em “É sempre boa a viagem quando o avião não cai” (500/2007)

Como um presidente que se diz “popular” recebe a notícia de um leilão da parte de um megaempresário, Emílio Odebrecht? Que relações íntimas são essas entre um presidente e o vencedor de licitações públicas? Carlos Tilden, Goiânia, GO

O texto foi tão bem construído que, por alguns momentos, me imaginei dentro do Aerolula. Samuelson Vital, Recife, PE

Sobel e a memória de Herzog

ÉPOCA publicou um perfil do rabino Henry Sobel (497/2007), oito meses depois do episódio do furto de gravatas

A revista deveria ter preservado a intimidade, a privacidade e a dignidade do falecido Vladimir Herzog, não utilizando, em nenhuma hipótese, sua sepultura como pano de fundo para reportagens, sobretudo quando o foco das mesmas não envolve o próprio senhor Herzog. Outrossim, foram fotografadas diversas sepulturas de outros falecidos, clara e facilmente identificáveis e sem qualquer ligação com o enfoque da reportagem. Consideramos que a conduta adequada ao caso seria a da consulta prévia a essa instituição e às famílias dos sepultados, para considerar a oportunidade de fotografar, ou não, o interior do cemitério. José Meiches, presidente da Associação Cemitério Israelita, São Paulo, SP

A reportagem é um trabalho jornalístico. ÉPOCA lamenta qualquer constrangimento que ela possa ter causado.

Quanto vai deixar de pagar

Quanto cada brasileiro deixará de pagar por ano de CPMF, de acordo com sua renda mensal, e quanto poderá ganhar em 30 anos com a aplicação do dinheiro no mercado financeiro – em R$

FOMOS MALAs cidades de Foz do Iguaçu e Jacareí ficam, respectivamente, no Paraná e em São Paulo, e não como informado à página 154 (“Duas Caras é uma novela política”, ÉPOCA 499/2007).

No encarte Guia de Compras que circulou com ÉPOCA 499, o telefone da loja Yellow’s House foi publicado com erro. O certo é (11) 5051-0438.

A capacidade de produção das usinas do Rio Madeira é inferior às de Itaipu e Tucuruí, e não como informado à página 64 (“Demorou, mas saiu”, ÉPOCA 500/2007).

No quadro Sopa de letras (“A vida sem a CPMF”, ÉPOCA 500/2007), o valor correto que o governo pode gastar sem aprovação do Congresso Nacional é R$ 80 bilhões. Na mesma reportagem, faltou informar no quadro Alívio no bolso (abaixo) que o ganho obtido com a aplicação do dinheiro economizado com o fim da CPMF referia-se a um período de 30 anos.

A voz rouca das ruasO pesquisador David Levy disse que, no futuro, as pessoas farão sexo com robôs. ÉPOCA perguntou aos leitores de seu site se eles concordam com essa afirmação‘‘Robôs podem até fazer sexo com humanos, mas sexo é coisa de pele, afetividade e amor’’‘‘Não concordo. Sexo envolve sentimentos, e um robô não conseguiria substituir o homem nesse sentido’’ “

Foto: Ricardo Stuckert/PR

Fazer tudo pelos outros pode ser defeito

Trabalhar pelos outros pode gerar agradecimentos ou despertar a raiva dos colegas.

Palavra da semana: guarda-chuva – Um pequeno consolo para quem acha que trabalha numa empresa meio lenta para enxergar as coisas. Há quem ainda chame o guarda-chuva de “sombrinha”. Essa é também a origem do inglês umbrella, diminutivo do latim umbra, “sombra”. Durante milênios, a humanidade usou a armação de madeira e pano para se proteger do sol. Apenas no século XVIII alguém finalmente sacou que ela poderia ser também uma boa proteção contra a chuva.

Meu gerente me disse que meu defeito é querer trabalhar pelos outros. Eu concordo com ele. Quando vejo que alguma coisa vai atrasar, ou não vai sair bem-feita, vou lá e faço. Só não entendo por que meu gerente chama essa atitude de “defeito”. – LulyDigamos que essa seja uma virtude perigosa, Luly. O trabalho pode sair bem-feito, mas sua atitude desperta alguns sentimentos em seus colegas. Na melhor hipótese, de agradecimento por sua preocupação. Na pior, de raiva incontida por sua intromissão. Seu gerente precisa administrar um departamento inteiro, e cabe a ele equilibrar a parte técnica (o trabalho bem-feito) com a parte humana (o bom ambiente de trabalho). Se sua atitude, Luly, colocar todos os seus colegas contra você, gerando um clima de insatisfação, seu gerente terá um problema. E ele lhe deu o primeiro aviso, ao chamar de “defeito” a sua proatividade invasiva. Para que isso se transforme em virtude, você só precisa trocar o “vou lá e faço” por “vou lá e ofereço ajuda”.

Faz um mês, vem circulando um boato de que a empresa está sendo vendida e que todos perderemos o emprego. Como proceder numa situação dessas? Esperar para ver? – CarlosComo dizia um antigo samba-canção, “todo boato tem um fundo de verdade”. É praticamente impossível que surja um boato sobre a venda de uma empresa sem que alguém confiável – um diretor, por exemplo – tenha feito algum comentário nesse sentido. Pode ser que quem ouviu entendeu mal ou pode ser que quem passou adiante exagerou na dose. De qualquer forma, Carlos, é melhor você pensar na possibilidade de que, na semana que vem, sua empresa terá um novo dono. Você está preparado para (1) começar a provar novamente tudo o que você já provou? Ou (2) conseguir outro emprego? Seu currículo está atualizado? Seus contatos estão em dia? Mesmo que o boato se mostre infundado, nunca é bom esperar o circo começar a pegar fogo para perguntar onde fica a saída.

MAX GEHRINGERé comentarista corporativo, autor de oito livros sobre o mundo empresarial – incluindo o recém-lançado Pergunte ao Max (Editora Globo) – e escreve semanalmente em ÉPOCA.

Minha empresa adota um sistema de avaliação em que, obrigatoriamente, 20% dos funcionários devem ser classificados como “excelentes” e 10% como “abaixo do padrão”. O restante fica entre o “bom” e o “razoável”. Neste ano, nós superamos todos os objetivos, e a empresa teve um lucro enorme. Mesmo assim, 10% dos que deram o sangue pela causa precisam levar o rótulo de “abaixo do padrão” e

não vão ganhar bônus por causa disso. Esse sistema é justo? – Emanuel T. Tecnicamente, sim. Não existe uma organização, seja ela uma empresa, seja um time de futebol ou um exército, em que todos os participantes executam suas funções com o mesmo apuro, o mesmo entusiasmo e o mesmo companheirismo. No caso de sua empresa, o “abaixo do padrão” não significa que os 10% sejam péssimos funcionários. Ao contrário, eles são bons, mas há 90% que são melhores. Cabe ao chefe, a quem compete comunicar o resultado da avaliação, explicar isso aos 10%, para que eles não fiquem revoltados. E cabe também ao chefe defender as regras do jogo, porque elas serão as mesmas no ano que vem.

PIB ou FIB: as lições do Butão

Conheça o reino de Butão, onde a Felicidade Interna Bruta é o fator mais importante.

Visualize um reino de deslumbrantes cumes nevados, com leopardos e iaques vagando pelas montanhas. Com vastas florestas intocadas, onde o contentamento é mais valorizado que o comércio, e um sábio rei que declara que a felicidade de seus súditos é mais importante que a produção econômica.

Um conto de fadas? Um sonho da imaginação? Um reino virtual no Second Life? Nada disso. Estou falando de um lugar real, com pessoas verdadeiras – o reino do Butão, no Himalaia.

O Butão tem capturado a atenção mundial por sua inovadora mensuração da FIB (Felicidade Interna Bruta), em vez de PIB (Produto Interno Bruto). Por décadas, o PIB, índice de progresso que soma todas as transações econômicas de uma nação, tem sido criticado, mais recentemente numa conferência da Comissão Européia, em Bruxelas. O PIB não somente falha em contabilizar os custos ambientais, mas também inclui formas de crescimento econômico que são prejudiciais ao bem-estar da sociedade. Por exemplo, despesas com atendimento médico, crime, divórcio e até desastres como o Katrina são computadas como um aumento do PIB!

SUSAN ANDREWSé psicóloga e monja iogue. Autora do livro Stress a Seu Favor, ela coordena a ecovila Parque Ecológico Visão Futuro e escreve quinzenalmente em ÉPOCA. www.visaofuturo.org.br [email protected]

Se você fizer o trabalho dos colegas, pode receber agradecimentos. Ou pode ser visto como intrometido e provocar raiva

A FIB vai um passo além. Ela situa a felicidade como o pivô do desenvolvimento. Desde a época de Aristóteles, e indo até a Declaração da Independência dos Estados Unidos, muitas sociedades consideraram a busca da felicidade um direito fundamental de todos os cidadãos. E agora, em pleno século XXI, o rei do Butão, Jigme Singye Wangchuk – uma das cem pessoas mais influentes do mundo, segundo a lista da revista Time –, disse que a FIB é o alicerce de todas as políticas de desenvolvimento do governo.

Fui convidada para participar da 3a Conferência Internacional sobre Felicidade Interna Bruta, na semana passada, em Bangcoc, Tailândia. Numerosos palestrantes enfatizaram que, enquanto o PIB se baseou na crença de que a acumulação da produção econômica leva a um maior bem-estar, as pesquisas mostram que, após certo nível de renda, o aumento da riqueza não conduz a um correspondente aumento da felicidade.

“O acelerado crescimento da Ásia nas últimas décadas alcançou o impressionante índice de 10% ao ano”, disse Surin Pitsuwan, ex-ministro do Exterior da Tailândia. “Mas será que estamos mais felizes que antes, com nossa renda aumentando cada vez mais rápido? Muitos dizem que não.” De fato, quando olhei a

minha volta em Bangcoc, os graciosos pináculos dos templos tailandeses, com suas douradas telhas cintilando ao sol, foram obscurecidos pelos colossais shopping centers que parecem gigantescas espaçonaves. “Nós aqui do sudeste da Ásia”, afirmou Pitsuwan, “apesar dos nossos milhões de rúpias, de ringgits e de bahts, nos sentimos mais inseguros com relação a nossa vida, a nossa família, a nosso futuro do que jamais sentimos antes.”

O Butão proveu uma alternativa. Os delegados butaneses na conferência atraíram a atenção não apenas por suas distintas túnicas bordadas, mas também por sua aura de júbilo interno. As decisões políticas nesse país, de acordo com Dasho Karma Ura, diretor para o Centro de Estudos do Butão, são tomadas a partir dos indicadores da FIB, que são os seguintes: padrão de vida, saúde, educação, resiliência ecológica, bem-estar psicológico, diversidade cultural, uso equilibrado do tempo, boa governança e vitalidade comunitária. “A renda não é buscada pelo seu bem em si, mas para aumentar a qualidade de vida, para obter a felicidade”, diz ele. “Felicidade baseada na ética, em cultivar relacionamentos entre as pessoas e com a natureza. E também uma felicidade interior baseada na espiritualidade.”

Num mundo de aceleradas rupturas ecológicas, sociais e psicológicas, talvez os butaneses, com sua sabedoria dos Himalaias, tenham algo a nos ensinar. Que possamos alcançar a prosperidade em harmonia com o planeta sem perder a verdadeira fonte da felicidade: nossas conexões uns com os outros, com a Terra e com o espírito dentro de nós.

Governo bom é governo barato

Acordo político do Senado garante uma trégua na escalada tributária dos últimos 20 anos.

Imagine um reino onde a felicidade dos súditos é mais importante que a produção econômica. Um conto de fadas?

A primeira reação da área econômica do governo à derrubada da prorrogação da CPMF foi a ameaça de aumentar impostos. Mas, graças ao bom senso do presidente Lula, um acordo político no Senado para aprovação da Desvinculação de Recursos da União (DRU) garante uma trégua na ininterrupta escalada tributária dos últimos 20 anos – a marca registrada da gestão socialdemocrata que se reveza no poder. O governo terá de se debruçar sobre as possibilidades de corte de gastos ainda no primeiro trimestre de 2008, para dar alguma previsibilidade no front fiscal.

Ignorar a importância da dimensão fiscal foi o calcanhar-de-aquiles dos economistas e políticos brasileiros de estirpe socialdemocrata. A incapacidade de demolir a estrutura de gastos do Antigo Regime por meio das reformas exigiu que a ampliação das políticas sociais fosse financiada sucessivamente por descontrolada emissão de moeda, endividamento em bola-de-neve e uma formidável escalada tributária. O combate inflacionário em meio a uma verdadeira explosão de gastos públicos, que saltaram de 20% do PIB para os 40% atuais em duas décadas, explica a persistência de juros reais elevados e a proliferação de impostos e contribuições.

A hipertrofia do governo federal foi mantida por contribuições, como a CPMF e a Cofins, evitando o compartilhamento dos recursos públicos com Estados e municípios. Mas prefeitos, governadores e suas bancadas representam legítimas e irresistíveis pressões pela descentralização de recursos numa democracia emergente. “A raiz dos grandes problemas brasileiros é a crescente e absurda concentração de receitas tributárias nas mãos da União”, afirmava em sua posse o governador mineiro, Aécio Neves.

Conservadora pela inapetência na execução das reformas, a socialdemocracia tornou-se insaciável em sua escalada tributária. Pouco importa se o presidente veste a camisa do PT ou do PSDB. O que deve ser evitado é uma administração pública gerencialmente caótica (com excesso de ministérios) e politicamente desarticulada (sem sintonia com Estados e municípios). Uma execução deficiente resulta em baixíssima eficácia e desvio de recursos. A excessiva centralização e a falta de foco são as ameaças de sempre.

Uma atuação focalizada nos pobres e operada de forma descentralizada por meio de administrações estaduais e municipais exige uma reforma fiscal,

redefinindo o pacto federativo. Essa descentralização da ação social do Estado seria o princípio básico de uma reforma fiscal. A redistribuição de recursos e atribuições para Estados e municípios aumentaria a eficiência na execução das políticas sociais, ampliaria a interlocução política do presidente com os governadores e traria legitimidade à necessária reforma administrativa para corrigir a hipertrofia do governo federal.

PAULO GUEDESé economista e escreve quinzenalmente em ÉPOCA. [email protected]

Pouco importa se o governo veste a camisa do PT ou do PSDB. O que importa é a gestão eficaz

Definidos o tamanho e o espaço de atuação dos entes federativos pela reforma fiscal, resta o problema de como financiar esse gigantesco aparelho administrativo com maior grau de eqüidade e o menor impacto sobre a eficiência da engrenagem econômica. Além desses princípios básicos, a simplificação radical da estrutura de impostos, o compartilhamento da receita, a drástica redução de alíquotas e a ampliação da base de incidência são objetivos da reforma tributária. Ironicamente, a tentação de tornar permanente uma contribuição provisória se origina exatamente das virtudes desejadas num sistema tributário: simples, alíquota baixa, enorme base de incidência. Além de bom, é importante o governo ser barato.

Uma nova chance para as reformas

O fim da CPMF e a oportunidade para se discutir o sistema fiscal e tributário.

Das grandes batalhas pode nascer a sensatez de optar por um jogo em que todos ganhem. Uma análise sobre o dia seguinte da votação da CPMF poderia ser baseada nesse aforismo otimista. É claro que há obstáculos pelo caminho, e qualquer negociação dependerá de grande maturidade dos partidos e de seus líderes. Mas existe algo mais que uma utopia natalina nesse raciocínio. As perspectivas de mudança estão ao alcance dos atores políticos não porque eles são semideuses norteados apenas pela virtude – aliás, nenhum ser humano seria enquadrado em tal categoria.

As chances de reforma aumentaram porque situação e oposição podem se beneficiar com a alteração do quadro tributário e fiscal caso se orientem por seu objetivo eleitoral maior: a vitória com governabilidade em 2010. O que pode levar a elite política a interessar-se por reformas ainda neste mandato, e não no próximo governo? A constatação de que governo e oposição têm chances de vencer a disputa presidencial. É bem verdade que os tucanos dispõem de dois candidatos fortíssimos – os governadores Serra e Aécio –, mas, se Lula conseguir produzir um candidato efetivamente de seu gosto, esse nome terá o apoio de um presidente com enorme capacidade de chegar aos corações e mentes das camadas populares. Nesse cenário competitivo, alterações tributárias e fiscais poderão ser importantes no jogo eleitoral e, principalmente, na hora de governar.

A questão da carga tributária terá maior importância na disputa de 2010 do que teve em 2006. Não será o tema principal da campanha, pois os mais pobres, parcela majoritária do eleitorado, ainda se preocuparão mais – e com razão – com a saúde e a segurança. Mas aparecer como o responsável pela “derrama” será uma posição ingrata. Os partidos devem agora lutar para reduzir impostos como uma estratégia de proteção perante os concorrentes e a opinião pública. Isso vale não só para o governo, mas também para a oposição, pois a era FHC, liderada por PSDB-PFL, foi a recordista nesse quesito.

FERNANDO ABRUCIOé doutor em Ciência Política pela USP, professor da Fundação Getúlio Vargas (SP) e escreve quinzenalmente em ÉPOCA

O ponto central que pode favorecer uma reforma tributária e fiscal é outro: se oposição e governo podem vencer em 2010, é preciso que ambos se preocupem com o dia seguinte. O que os une é que o provisório não lhes interessa mais. Se for possível criar uma estrutura que não precise mais adiante de remendos, melhor tanto para o PT e seus aliados como para os tucanos e seus parceiros.

A reforma tributária também é fundamental para as duas maiores demandas do eleitorado. A primeira é o crescimento econômico. No atual cenário de ascensão dos emergentes e de reação das nações desenvolvidas,

quanto menor for o custo tributário (algo mais importante que o custo trabalhista), mais bem-sucedido será o governo de plantão em sua tarefa desenvolvimentista. A segunda diz respeito aos gastos sociais. Embora haja flagrantes problemas de gestão nas áreas de educação e saúde, a proporção atual das despesas em relação ao PIB é insatisfatória em comparação com países similares que avançam mais que nós. Investir mais e melhor nesses setores deveria ser um objetivo de longo prazo de todos os partidos.

Infelizmente, nem todas as batalhas levam à paz e à racionalidade. O exemplo das guerras sem fim na África demonstra isso. A briga em torno da CPMF pode redundar apenas num jogo baseado em cálculos de curto prazo e na desconfiança mútua. Se esse cenário prevalecer, nem é preciso ser oráculo para prever o que ocorrerá em 2011. Basta lembrar o que aconteceu com o presidente Lula em dezembro de 2007, quando a luta partidária foi mais importante que a discussão sobre o sistema tributário. Mas se, ao contrário, a classe política aprender com o episódio, poderá colocar o Estado acima dos partidos e ainda se beneficiar disso.

Ainda vale a pena comprar dólar?

O consultor responde aos leitores e revela se ainda vale a pena comprar dólares.

O décimo terceiro salário é uma boa oportunidade para você abandonar o campo do endividamento e entrar no estimulante mundo dos investimentos. Quem consegue ultrapassar essa fronteira coloca o dinheiro para trabalhar em seu benefício, em vez de ser seu escravo, e pode aproveitar o fim de ano para descansar

Gostaria de saber qual é sua orientação para quem investiu em dólar, neste momento de quedas sucessivas e do risco de recessão americana. – SilvanaO dólar é a moeda de um país que, como todos os demais, tem inflação, embora relativamente baixa. Por isso, simplesmente comprar dólares quase sempre é um mau

MAURO HALFELDé professor, consultor de investimentos, comentarista da rádio CBN e escreve semanalmente em ÉPOCA. Leia também seus comentários às segundas e quartas-feiras em www.epoca.com.br. Para enviar uma pergunta, escreva para [email protected]

O fim da CPMF é uma oportunidade para a classe política discutir o sistema fiscal e tributário

negócio. Quem tivesse guardado US$ 100 numa gaveta em 1968 teria perdido pouco mais de 90% de seu poder de compra hoje, 40 anos depois. Além disso, a inflação americana pode aumentar diante das fortes altas nos preços dos alimentos e dos minérios. Se você não tiver planos de viajar para o exterior, deve trocar seus dólares pelos elevados juros pagos pelos CDBs e pelos fundos de renda fixa brasileiros. Apesar das quedas recentes das taxas, o retorno ainda é atraente.

Tenho 64 anos e sou separada há 20. Como professora aposentada de uma universidade federal, recebo um benefício de R$ 5.300 por mês, parte dos quais aplico no mercado financeiro. Tenho R$ 62.000 num PGBL (Plano Gerador de Benefícios Livres) e estou pensando em transferir o dinheiro para ações, mas tenho medo de precisar fazer um saque e perder o pouco que apliquei se a Bolsa estiver em baixa. Se eu fosse sua mãe, o que você sugeriria? Tenho também R$ 52.000 num fundo de uma cooperativa de crédito. Sempre achei que era melhor que a poupança, mas não estou mais certa disso, porque preciso pagar imposto a cada retirada. Devo mudar para a poupança, que é isenta de tributação? – Sônia C.Os preços das ações subiram muito desde 2002 e o risco de queda nos próximos anos é bem acentuado. Além disso, pelo que diz, você talvez não esteja preparada psicologicamente para enfrentar eventuais perdas na Bolsa. Uma opção menos arriscada seria comprar títulos públicos federais no chamado Tesouro Direto. É um sistema que permite a qualquer investidor aplicar em papéis de longo prazo por meio da internet (tema da coluna de 17/12/2007). Os papéis têm superado o ganho das demais aplicações de renda fixa disponíveis para o investidor comum. Mas dê preferência aos papéis com vencimentos de dois a sete anos. Os títulos com prazos mais longos que isso são bem mais sensíveis às oscilações na economia e são mais indicados para investidores mais jovens. Parabéns pela disciplina e pelo capricho em sua vida financeira! Quanto a sua outra pergunta, acredito que os juros líquidos de impostos pagos nas aplicações feitas em cooperativas de crédito devem ser maiores que os da poupança. Mas há um risco maior nesses investimentos. Um cooperado é um dos “donos” da entidade. Por isso, precisa acompanhar de perto sua situação financeira para não sofrer surpresas desagradáveis.

Como posso comparar o rendimento da poupança com o dos fundos de renda fixa, levando em conta as taxas de administração e a tributação? – FernandoSupondo que um fundo de renda fixa ofereça 100% do CDI, a taxa das operações entre bancos que é usada como referência no

mercado financeiro, teremos um ganho bruto próximo a 11,25%. Descontando-se o Imposto de Renda, eu diria que fundos de renda fixa com taxas de administração superiores a 2,5% ao ano já perderiam para a poupança, que é isenta de tributação. Uma importante ressalva: os fundos oferecem liquidez diária e rentabilidade integral após 30 dias. Na poupança, há perda de rendimento em resgates feitos fora da data do “aniversário” da conta

jóia mais preciosa das Farc

Uma reflexão sobre o seqüestro de Ingrid Betancourt, refém das Farc desde 2002.

Quem tivesse guardado US$ 100 na gaveta em 1968 teria perdido 90% do poder de compra hoje

VERSÃO ONLINE AMPLIADA

A mulher magra, triste, abatida e de cabelos longos, com roupas neutras, quase de freira, num cenário que parece ser a selva latino-americana, mal lembra a combativa e charmosa senadora Ingrid Betancourt. Dá para reconhecê-la pelos traços finos do rosto e pelo nariz aquilino. Para os brasileiros, Ingrid é uma desconhecida, ressuscitada na mídia por uma foto, depois de quase seis anos de seqüestro. Mas é a mais famosa dos 3 mil reféns das Farc, a guerrilha colombiana. No Natal, dia 25 de dezembro, Ingrid completa 46 anos. Estará livre para comemorar ou ainda em cativeiro?

Eu conheci o segundo marido de Ingrid, Juan Carlos Lecompte, em Paris, em 2005, diante do imenso pôster de sua mulher na porta da prefeitura, junto ao rio Sena. Ele acabara de editar seu livro "Em nome de Ingrid", um relato emocionante do desaparecimento súbito da mulher na estrada para San Vicente del Caguán, em fevereiro de 2002. Desde então, lida aos trancos com a condição de "semiviúvo". Tomei café com a irmã de Ingrid num café parisiense: a elegante Astrid, advogada, num francês perfeito, deu uma aula sobre política colombiana. Ingrid seria refém de um conflito bem particular. Uma mistura de ideologias, o poder dos narcotraficantes, a corrupção de autoridades, o terror dos paramilitares de extrema direita, e a maior ajuda dos Estados Unidos a um país latino-americano.

Também conheci em janeiro deste ano, em Bogotá, a mãe de Ingrid, dona Yolanda Pulecio, ex-senadora, em seu amplo apartamento duplex com terraço florido. Yolanda, Astrid e Ingrid formam uma linhagem de mulheres fortes, vaidosas e belas. O chá, servido pela empregada de uniforme impecável em porcelana inglesa, não foi suficiente para abrandar a enxurrada de palavras de Yolanda. Um desabafo de mãe ferida, entremeado de lágrimas. Dona Yolanda já correu vários países na Europa pedindo pela libertação da filha. Mas, "com vida", disse, olhando as fotos da filha caçula, "e não morta num enfrentamento forçado entre o Exército e os guerrilheiros". Um ex-refém das Farc, o intelectual Guillermo Angulo, chama Ingrid de "a jóia mais preciosa das Farc". Ele nunca acreditou que os guerrilheiros pudessem matá-la ou deixá-la morrer.

Dona Yolanda poderia viver em Paris com a outra filha. Também em Paris vivem seus netos, Lorenzo, 19 anos, e Melanie, 22, filhos de Ingrid com o primeiro marido, um diplomata francês. "Mas eu não deixo a Colômbia enquanto minha filha estiver seqüestrada", me disse Yolanda. Até hoje, ela manda, sábado de madrugada, mensagens por telefone para um programa de rádio "Las voces del Secuestro". Esse programa dá a parentes de reféns na Colômbia três a quatro minutos para falar a seus queridos desaparecidos. Nunca se sabe se as mensagens serão ouvidas.

Filha de um ex-ministro da Educação e ex-diretor-adjunto da Unesco, Gabriel Betancourt, (que morreu um mês depois do seqüestro), Ingrid teve uma educação burguesa em Paris. Tinha uma babá, quase uma tutora, privilégio de elite na Europa. Estudou

RUTH DE AQUINOé redatora-chefe de ÉPOCA [email protected]

Até hoje a mãe de Ingrid, dona Yolanda, manda mensagens para a filha em um programa de rádio semanal

Ciência Política. Fluente em vários idiomas, viveu com o marido diplomata em Quito, nas ilhas Seychelles, e em Los Angeles.

Aos 29 anos, abandona tudo para voltar à Colômbia e entrar para a política. É eleita deputada aos 33 anos, com uma bandeira: acabar com a corrupção. Depois de receber ameaça de morte contra seus filhos, manda os dois para Paris. É vitima de um atentado quando dirigia seu carro. Os filhos voltam para a Colômbia. Mas, ela os envia novamente para fora do país, temendo pela vida deles. Lorenzo e Melanie vão viver com o pai na Nova Zelândia.

A foto divulgada neste mês de dezembro é a sombra da Ingrid festeira e rebelde que praticava equitação, usava relógio Cartier, vestia camiseta e jeans mostrando o corpo bem feito, disputava a presidência da Colômbia como senadora do Partido Verde, não dispensava o colete à prova de balas, e era carinhosamente chamada de "Nini".

Depois do seqüestro, Ingrid foi homenageada com o titulo de cidadã honorária em mais de 1.200 cidades no mundo. Cerca de 250 comitês voluntários organizam regularmente manifestações de apoio a ela em 40 países.

Quando encontrei a irmã de Ingrid, Astrid, num café em Paris, ela sonhava encontrar-se com o presidente Lula, no Brasil. Achava que Lula poderia, com sua influência, ajudar a libertar a irmã. Uma afirmação de Ingrid vem perseguindo a família todos esses anos: "Estamos apodrecendo na floresta".

Oscar Niemeyer, o rei do cimento

Oscar Niemeyer: as obras do arquiteto são feias e desagradáveis

Meu filho era um garotinho de 4 anos quando, numa tarde de folga em 1989, fomos conhecer a nova atração de lazer de São Paulo: o Memorial da América Latina, não muito distante de casa. Eu vi o choque no olhar do menino. Foi o mesmo que eu senti. O Memorial era uma vasta e depressiva planície de cimento com algumas passarelas e blocos maciços de concreto armado. Nenhuma sombra.

Nenhuma barraquinha de refresco. Nenhum animal, nem um reles tico-tico. Nenhuma planta. Nenhuma árvore solitária secando no meio do nada. Apenas uma mão macabra de cimento plantada no cimento. Na mão, o continente latino-americano se forma vermelho como uma mancha de sangue. É o cartaz de boas-vindas do Memorial. O sol rachava nossas cabeças naquela tarde sem sombras. Mesmo assim resolvemos tomar coragem e entrar no pesadelo. Chegamos ao centro daquele purgatório cimentado de 84,5 mil metros quadrados. Olhei aquela vastidão sem refúgios, aquelas casamatas de concreto com suas passarelas suspensas. E me senti no chão de um presídio. Pago com meus impostos.

DAGOMIR MARQUEZIé escritor e jornalista. Seu blog édagomir.blogspot.com

Como várias obras públicas do Brasil, o projeto do Memorial foi entregue a Oscar Niemeyer. Nosso mais famoso arquiteto completou 100 anos de idade. Eu não entendo de arquitetura. Mas não adianta vir com explicações teóricas sobre “a influência de Le Corbusier na sutileza das formas arredondadas que desafiam a gravidade”. Tudo o que eu quero é me sentir bem no lugar que estou. É instintivo.

Niemeyer chega aos 100 anos fiel ao mais puro stalinismo. Com a coragem rara de assumir essa posição sem subterfúgios. Aliás, o material que ele usa é uma espécie de metáfora de sua ideologia. Molda-se o concreto como se queira, e assim ele permanece solidificado para sempre, pesado, imóvel e imutável.

Por ser um leigo, não conheço todas as obras de Oscar Niemeyer. Mas a impressão que elas passam é a mesma – blocos autoritários de

concreto expulsando a vida de seus limites. Como o Museu de Arte Contemporânea de Niterói. Os edifícios do Parque do Ibirapuera, em São Paulo. O Copan. Podem ser lindos no papel. Na prática são obras opressoras e desagradáveis para quem as freqüenta. Representam uma metáfora da rigidez ideológica de seu criador.

Eu queria mesmo ter um centro cultural em meu bairro. Mas que fosse um local agradável de freqüentar, resfriado naturalmente por massas de árvores e inteiramente ecológico em seu funcionamento. Que se integrasse à natureza e sumisse na paisagem como uma casa de Frank Lloyd Wright. O século XXI aproxima-se da segunda década e não comporta mais esse conceito arquitetônico da metade do século passado. A realidade hoje exige uma arquitetura radicalmente diferente da que produziu um mausoléu ideológico como o Memorial da América Latina.

Eu sei que o tempo agora é de homenagear o centenário de Oscar Niemeyer. Discordo de suas convicções políticas. Respeito-o como respeito qualquer senhor que chegue a sua idade. Mas já fui obrigado a pagar suas obras. Não sou obrigado a gostar delas.

Respeito-o como respeito qualquer senhor que chegue aos 100. Mas não sou obrigado a gostar de suas obras