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Elaine Harzheim Macedo O enfrentamento tanto na doutrina como na jurisprudência da evolução dogmática da jurisdição cautelar e dos provimentos judiciais de antecipação de tutela tem sido polêmico e longe está de se encontrar um denominador comum entre as diversas posições defendidas. Pode-se afirmar, com segu- rança, que tudo o que já foi debatido sobre o tema, ainda não transitou em julgado. Nada há de surpresa nisso, na medida em que o Direito é uma ciên- cia não da certeza, mas do razoável, e profundamente comprometida com a compreensão e a pré-compreensão a nos envolver a todos hermeneutica- mente. Você não deve esquecer que os operadores do direito são, pela tra- dição acadêmica vigente, moldados nos valores da certeza e da segurança jurídica, valores estes que não coadunam com a jurisdição de urgência e mesmo aqueles que com esse paradigma procurem romper, ainda assim são muitas as armadilhas que nos esperam a cada curva ou encruzilhada do caminho, a fazer com que recuemos. Porém, quando se defrontam os ope- radores do direito com a situação de fato, que tem suas raízes na vida, no cotidiano, o que mais se quer do Judiciário é a prestação célere e efetiva, isto é, quer-se brevidade e presteza na solução ou composição dos conflitos. Pois bem, foram exatamente as medidas cautelares e as medidas de antecipação de tutela que o tempo ofertou aos legisladores, aos juízes, às partes e aos advogados como instrumento, como ferramenta para atender essa dinâmica na atividade jurisdicional, cada uma atendendo especial situação de fato ou relação jurídica subjacente. Cuidam-se, portanto, de provimentos – tanto as cautelares como as ante- cipações de tutela – irrelevante, neste momento de enfrentamento, qual a natureza jurídica de umas e de outras – que atendem, ambas, providências jurisdicionais de urgência e, por isso mesmo, atendem jurisdição célere e efe- tiva, ideal que encontra respaldo nos princípios e garantias fundamentais da jurisdição cunhada pelo artigo 5.º da Constituição Federal (CF). Tutela cautelar versus tutela antecipada

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Elaine Harzheim Macedo

O enfrentamento tanto na doutrina como na jurisprudência da evolução dogmática da jurisdição cautelar e dos provimentos judiciais de antecipação de tutela tem sido polêmico e longe está de se encontrar um denominador comum entre as diversas posições defendidas. Pode-se afirmar, com segu-rança, que tudo o que já foi debatido sobre o tema, ainda não transitou em julgado. Nada há de surpresa nisso, na medida em que o Direito é uma ciên-cia não da certeza, mas do razoável, e profundamente comprometida com a compreensão e a pré-compreensão a nos envolver a todos hermeneutica-mente. Você não deve esquecer que os operadores do direito são, pela tra-dição acadêmica vigente, moldados nos valores da certeza e da segurança jurídica, valores estes que não coadunam com a jurisdição de urgência e mesmo aqueles que com esse paradigma procurem romper, ainda assim são muitas as armadilhas que nos esperam a cada curva ou encruzilhada do caminho, a fazer com que recuemos. Porém, quando se defrontam os ope-radores do direito com a situação de fato, que tem suas raízes na vida, no cotidiano, o que mais se quer do Judiciário é a prestação célere e efetiva, isto é, quer-se brevidade e presteza na solução ou composição dos conflitos. Pois bem, foram exatamente as medidas cautelares e as medidas de antecipação de tutela que o tempo ofertou aos legisladores, aos juízes, às partes e aos advogados como instrumento, como ferramenta para atender essa dinâmica na atividade jurisdicional, cada uma atendendo especial situação de fato ou relação jurídica subjacente.

Cuidam-se, portanto, de provimentos – tanto as cautelares como as ante-cipações de tutela – irrelevante, neste momento de enfrentamento, qual a natureza jurídica de umas e de outras – que atendem, ambas, providências jurisdicionais de urgência e, por isso mesmo, atendem jurisdição célere e efe-tiva, ideal que encontra respaldo nos princípios e garantias fundamentais da jurisdição cunhada pelo artigo 5.º da Constituição Federal (CF).

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Ao estudioso do processo, porém, não é dado omitir-se ao estudo dogmático de jurisdição tão diferenciada e de tamanha importância no Processo Civil da pós- -modernidade, que luta contra a morosidade e a inoperância da jurisdição que o Estado liberal nos legou, o que passa a ser nosso objetivo mais próximo, a partir do texto em desenvolvimento.

Movimento históricoO Código de 1973, inovando em relação ao Código anterior, adotou uma linha

bastante teórica, distinguindo os processos de acordo com as respectivas funções jurisdicionais: cognição, execução e cautelar, reunindo no Livro III, exatamente o que cuida do processo cautelar, inúmeras ações que, efetivamente, se carac-terizam como tutelas de urgência, mas nem todas necessariamente de natureza cautelar, como adiante se verá.

Essa postura legislativa contribui para que durante muito tempo a doutrina e a jurisprudência se esmerassem em distinguir, afastar, divorciar as funções cautela-res daqueles provimentos que, embora antecipassem comandos típicos das sen-tenças definitivas, ainda assim não esgotavam a jurisdição provocada, até então conhecidos como liminares. Neste período, a discussão costumava se apresentar sob o rótulo de cautelares X liminares, como se tudo se resolvesse nessa dicoto-mia, quando isso apenas representa um dos diversos enfoques do problema, que é bem mais amplo.

Sem embargo da limitação, se a proposta que durante mais de duas décadas prevaleceu na doutrina pátria teve alguma validade enquanto contribuição a dis-tinguir a natureza do conteúdo da jurisdição prestada, o mesmo não pode ser dito em relação às variáveis dos conflitos de direito material, que muitas vezes exigem uma relativização dessa dicotomia, que pode ser estabelecida nos seguin-tes termos:

“na tutela cautelar garanto agora,

para executar (ou satisfazer) depois,

porque presente o perigo da demora”

X

“na tutela antecipatória, executo (ou satisfaço) agora,

porque presente o perigo da demora”

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A tendência atual já não está na separação, mas na aproximação da jurisdi-ção cautelar e na jurisdição hoje reconhecida como de antecipações de tutela, não mais limitada apenas ao âmbito das liminares. Nesse sentido, o pêndulo his-tórico passou a considerar, principalmente a partir das reformas processuais de 1994, que ambas as medidas, sejam as antecipatórias, sejam as cautelares, têm em comum a função de superar o perigo da demora, o que as tornam medidas de urgência. O que se altera, numa e noutra, é o objeto ou função da atividade judicial, pois enquanto no processo cautelar não satisfaço, mas garanto, nos pro-vimentos antecipatórios satisfaço, desde logo, ainda que provisoriamente. Nesse sentido, pode-se afirmar que a antecipação de tutela é mais que mera cautela.

Essa nova visão veio dar força a um velho princípio, sempre trabalhado, embora com algum constrangimento dependendo das circunstâncias: o princípio da fun-gibilidade.

Fungibilidade das medidas cautelares e fungibilidade entre medida cautelar e antecipação de tutela

O primeiro registro diz com a fungibilidade das medidas cautelares, interpreta-ção que sempre encontrou guarida nos tribunais pátrios, restando assentado que a proposição de uma ação cautelar não impedia a prestação jurisdicional através de outra, se restasse caracterizado que a utilidade do pronunciamento judicial só se faria presente caso concedida a medida adequada. O reconhecimento veio através da jurisprudência e da doutrina, não através do texto legislativo1.

A experiência forense mostrou, contudo, que tal fungibilidade não se mostrava suficiente e, com o advento da Lei 10.444/2002, passou a legislação processual a conceber, expressamente a fungibilidade entre as duas classes de providências de urgência, conforme dispõe expressamente o artigo 273, parágrafo 7.º 2.

1 A exemplo: “No exercício do poder geral de cautela, o julgador age dentro da fungibilidade que o faça garantir a utilidade do processo principal.” (TRF, 1.ª Região, 4.ª Turma, Juíza Eliana Calmon, 27/10/1994)

2 Art. 273. [...] §7.º Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.

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Duas observações se fazem importantes para o cabimento e adequação dessa fungibilidade legalmente estabelecida:

o legislador pressupõe que o pleito de urgência caracterize-se como de �natureza cautelar, mas a ação proposta é típica de processo de conheci-mento: a exigência, aqui, é que entre os polos ativo e passivo de ambas as pretensões, satisfativa e cautelar, sejam idênticos, como na hipótese de ação de anulação de título pelo devedor contra o emitente, requerendo liminarmente a sustação de protesto do título objeto da ação, protesto este provocado pelo próprio emitente;

não contempla a hipótese de ter sido proposta ação na forma e na exigên- �cia do processo cautelar, mas a pretensão ser tipicamente de natureza satis-fativa.

Nesse último caso, a exemplo do que já ocorreu com a fungibilidade entre as medidas cautelares, de criação jurisprudencial, posição mais moderna tem aceito a conversão (e não simplesmente fungibilidade), desde que a petição inicial pre-encha todos os requisitos do processo principal, aproveitando-se, com base no princípio da instrumentalidade, os atos praticados. Trata-se, porém, de situação mais delicada, que requer uma certa dose de ativismo judicial.

Características comuns às tutelas cautelar e antecipatória

A atual posição que a legislação, a doutrina e a jurisprudência vêm adotando, no sentido de aproximar os dois institutos, encontra assento exatamente nas características que são comuns a ambos, muito mais predominantes do que os traços ou características que os distinguem. São, assim, características comuns à tutela cautelar e antecipatória:

Provisoriedade � – a decisão proferida em ambas é balizada pela proviso-riedade. Qualquer provimento antecipatório pode ser revogado, a requeri-mento ou de ofício, no curso do processo ou na sentença definitiva, a exem-plo do que dispõe o parágrafo 4.º do artigo 273 do CPC3. Vale o mesmo

3 Art. 273. [...]§4.º A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada.

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para liminar concedida em sede de processo cautelar, o que se estende à própria sentença proferida em seu bojo, porquanto cediço que a sentença no feito cautelar não se qualifica pela coisa julgada, podendo ser revista no processo principal. Provisoriedade é no sentido oposto das sentenças, que se qualificam como definitivas.

Cognição sumária � – é da essência de ambas as medidas, que atendem a jurisdição de urgência, o pronunciamento ser emitido em sede de cogni-ção sumária. A antecipação de tutela com base nos fatos alegados e provas produzidas, liminarmente, pela parte autora e a tutela cautelar, com base na fumaça do bom direito, sem se adentrar nas questões que envolvem o processo principal, correspondem ao exercício de uma atividade cognitiva sumarizada, exatamente porque não explora a amplitude dos fatos e nem a amplitude das provas, a começar pela ausência de manifestação e partici-pação da parte adversa que só intervirá no processo mais adiante.

Temporariedade � – corolário da provisoriedade, ambas as decisões são contempladas com curto espaço temporal de permanência: a antecipação de tutela até sentença final; a tutela cautelar até o julgamento do processo principal, isso quando não revogadas ou modificadas, a pedido da parte adversa ou até de ofício antes, no curso do respectivo processo. Tempora-riedade é no sentido inverso de duradouro, qualidade que se tem ínsita nas sentenças definitivas.

Juízo de aparência/verossimilhança � – decorre da própria cognição sumá-ria. Tutela-se, em ambos os casos, o bom direito, isto é, o bom direito subje-tivo, que se baseia em fatos verossímeis. É a tutela da aparência. É o contrá-rio ou inverso do juízo da certeza. Basta ser verossímel, razoável, passível de ser acreditado, digno de fé, crença.

Revogabilidade � – no processo cautelar a revogabilidade leva ao reconhe-cimento de que as decisões nele proferidas não se qualificam pela coisa jul-gada material; na antecipação de tutela, diz com as características de pro-visoriedade e temporalidade, podendo a qualquer tempo ser reexaminada pelo próprio juiz da causa. A revogabilidade tanto pode ser provocada pela parte interessada como expedida de ofício, mas ainda assim é decisão do juiz da causa e não por força de instância superior, em sede de reexame ou recurso. A revogabilidade pode ocorrer no curso do processo ou por oca-sião da sentença final, definitiva, derradeira.

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Reversibilidade jurídica � – a reversibilidade que se fala é a jurídica, na medida em que a revogabilidade fática é impossível de ser alcançada, por-que diz com a irredutibilidade do tempo. O ontem é irrecuperável para qualquer um de nós e não será diferente no processo. Eventuais irreversibi-lidades, fáticas, sempre passíveis de serem admitidas, ou jurídicas se inevi-táveis ou ocorrentes por força de erro, resolvem-se pelas perdas e danos.

Características exclusivas da tutela cautelarAssim como há características comuns entre as duas categorias, há também

aquelas que se fazem presentes exclusivamente na tutela cautelar, distinguin-do-as das antecipações de tutela. São elas:

Não satisfatividade (de natureza negativa) � – a principal distinção está exatamente que a função cautelar, embora atenda a urgência, com todas as características antes analisadas, não tem o condão de satisfazer. O comando é sempre e meramente garantidor. Sua compreensão se dá mais pela natu-reza negativa: não satisfaz. A “satisfatividade” que pode existir no processo cautelar é tão somente aquela que elimina uma situação de perigo.

Referibilidade � – o direito referido é o objeto protegido ou direito acaute-lado, encontrando-se no plano do direito material e, por isso mesmo, repor-tando-se ao processo principal, seja ele de conhecimento ou de execução.

Dependência X autonomia eventual � – a dependência decorre das duas características antes analisadas, na medida em que o direito acautelado requer enfrentamento jurisdicional satisfativo, daí porque as cautelares serem preparatórias (antes de ajuizado o processo principal) ou incidentais (no curso do processo principal). Pode, eventualmente, uma ação cautelar gozar de autonomia eventual, dispensando o processo principal, o que não é suficiente para afastar a característica de cautelaridade, que se faz pre-sente na hipótese, conforme artigo 796 do CPC4.

4 Art. 796. O procedimento cautelar pode ser instaurado antes ou no curso do processo principal e deste é sempre depen-dente.

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Tutela cautelar e processo cautelar do Livro III do CPC

Embora os avanços que o Código de 1973 representou no tocante ao reconhe-cimento da autonomia do processo cautelar, ainda assim aquele momento cul-tural não foi suficiente para vencer essas distinções típicas das tutelas de urgên-cia, fazendo com que no mesmo livro fossem incluídas tanto medidas cautelares, como medidas satisfativas de tutelas de urgência, contribuindo o legislador para a “anarquia” que o tema sempre provocou na doutrina e na jurisprudência, ense-jando os mais diversos posicionamentos.

Fazendo incidir, porém, as características antes estudadas, podemos estabele-cer no Livro III quatro blocos distintos de medidas de urgência, conforme segue:

Medidas cautelares atípicas ou inominadas: os artigos 796 e 798 � 5 susten-tam o que a doutrina cunhou de cautelares genéricas ou inominadas, isto é, providências jurisdicionais que se fazem alimentar tanto das características comuns às providências de urgências como aquelas específicas à função cautelar, adotando-se para tanto um procedimento simplificado que os demais artigos deste capítulo cuidam. Durante muito tempo, antes que o processo de conhecimento se fizesse alimentar de provimentos antecipa-tórios (arts. 273, 461, §3.º e 461-A, §3.º), as cautelares inominadas se pres-taram a servir como medidas de urgências satisfativas comuns ao processo de conhecimento.

Medidas cautelares em espécie: �

arresto; �

sequestro; �

cauções; �

busca e apreensão (embora também se possa ter busca e apreensão �satisfativa);

exibição; �

5 Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz deter-minar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.

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asseguração de provas; �

arrolamento de bens. �

Trata-se de temas que, pela sua importância e abrangência, exigem espaço e aula própria para o desenvolvimento de cada uma dessas ações, tipicamente cautelares.

Medidas de urgência sem caráter de cautelar (satisfativas): �

alimentos provisionais; �

justificação; �

homologação de penhor legal; �

posse em nome de nascituro; �

atentado; �

protesto e apreensão de títulos; �

outras medidas provisionais. �

Medidas meramente conservativas: �

protesto; �

notificações; �

interpelações. �

A rigor, tais medidas, as conservativas, ficam aquém da asseguração. Pode-se, inclusive, afirmar que enquanto as medidas cautelares asseguram, as medidas satisfativas vão além da asseguração porque satisfazem, e as medidas conservati-vas ficam aquém da asseguração.

Tutelas antecipadas ou provimentos antecipatórios no processo de conhecimento

Os provimentos antecipatórios não são invenções da moderna processualís-tica, convivendo com o processo, alguns deles, desde o direito romano e, espe-cialmente, o direito medieval. Exemplo típico, que persiste até os dias de hoje, a liminar das ações possessórias do artigo 928 do Código de Processo Civil (CPC), que se confunde com os interditos do direito romano clássico.

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Contudo, principalmente levando em conta a legislação brasileira, que sempre prestigiou um processo de conhecimento baseado na cognição plenária e isento de qualquer atividade executiva ou de intervenção, por parte do juiz, no mundo fenomênico, só com as reformas da década de 1990, mais precisamente com a nova redação dada aos artigos 273 e 461, parágrafo 3.º, do CPC6, que se con-templou, positivamente, a antecipação de tutela no processo de conhecimento, sobrevindo, posteriormente, com a Lei 10.444/2002, a introdução do artigo 461-A, cujo parágrafo 3.º7 autoriza a aplicação analógica do disposto nos parágrafos do artigo 461, e, portanto, a antecipação de tutela também quando se tratar de pre-tensão de entrega de coisa, móvel ou imóvel. A partir dessa reforma, pode-se afir-mar que, definitivamente, o processo de conhecimento pátrio conta, hoje, com um sistema próprio de antecipação de tutela.

Momento da antecipação A antecipação de tutela não ocorre apenas no liminar da propositura da ação,

embora seja este o seu momento mais festejado, podendo acontecer nos seguin-tes momentos ou fases processuais:

liminarmente, por ocasião da petição inicial, desde que devidamente ins- �truída;

liminarmente, após justificação prévia, mas antes de o réu ter oportunidade �de responder (art. 461, §3.º);

no curso do processo, por abuso de defesa do réu (art. 273, II � 8);

na sentença, se o juiz pode antecipar no todo ou em parte os efeitos da �tutela, base na verossimilhança, pode fazê-lo quando proferir a sentença, pois seu cumprimento ainda demandará custo temporal, podendo mos-trar-se útil a providência.

6 Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação;Art. 461. [...] §3.º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modifi-cada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.

7 Art. 461-A. [...]§3.º Aplica-se à ação prevista neste artigo o disposto nos §§ 1.º a 6.º do art. 461.

8 Art. 273 [...]II - [...] fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

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no recebimento do recurso, ao conceder efeito meramente devolutivo, �autorizando desde logo o cumprimento da sentença estará antecipando os efeitos que a sentença produzirá no mundo fenomênico, o que representa alto grau de efetividade jurisdicional.

no curso da Apelação, no segundo grau, conforme artigo 558, parágrafo �único, do CPC9.

Por que se afirma que todas essas fases processuais são consideradas como momentos para a antecipação de tutela? A regra geral é que a sentença de mérito produzirá seus efeitos tão somente após o trânsito em julgado. Isso significa dizer que o autor vencedor deverá não só aguardar todos os trâmites proces-suais da atividade processual entre a petição inicial e a sentença, mas também das diversas etapas que se seguem à sentença e que dizem com a tramitação do recurso ou recursos que se sucedem de acordo com o sistema legal. Às vezes, é mais penosa a fase recursal do que propriamente a fase de cognição que leva à sentença. Contemplar-se, assim, na lei processual e abrir-se espaço para decisões judiciais que viabilizem desde logo o cumprimento da sentença, antecipando- -lhe os efeitos, é uma forma de qualificar a jurisdição com a efetividade e pres-teza que tanto se reclama. Ainda que tais providências não possam ser tecnica-mente qualificadas como antecipação de tutela, podem, sim, com maior precisão, ser enquadradas como provimentos antecipatórios, o que é um passo a mais na evolução da jurisdição de urgência.

Natureza do ato judicial que decide o pleito de urgência

Classificação dos atos judiciais segundo o CPC: segundo o Código, os atos judi-ciais receberam uma classificação comprometida com os recursos que o sistema processual prevê, daí porque sua distinção em despachos ordinatórios, decisões interlocutórias e sentenças, conforme artigo 162 do CPC 10.

9 Art. 558. [...]Parágrafo único. Aplicar-se-á o disposto neste artigo às hipóteses do art. 520.

10 Art. 162. Os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos.

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Frente a essa classificação, as decisões judiciais proferidas em sede de provi-mentos antecipatórios forçosamente se classificarão como de natureza interlo-cutória. Já a decisão que for prolatada em sede de processo cautelar, aqui desim-portando se a medida é tipicamente cautelar ou não, considerando as previsões constantes do Livro III do Código, se o for em caráter de liminar (ou, dizendo de outra forma, antecipatória dentro do processo cautelar), também se qualificará como decisão interlocutória, mas se for em sede de decisão final do processo cau-telar, tratar-se-á de sentença. A importância dessa classificação diz com os recur-sos pertinentes, pois, no primeiro caso, o recurso será o de Agravo (art. 522, do CPC11), no segundo, o de apelação, lembrando ao leitor que nesse caso a apelação é recebida apenas em seu efeito devolutivo (art. 520, IV, do CPC12).

Como se pode concluir, entre as medidas cautelares propriamente ditas e os provimentos antecipatórios há mais pontos em comum que distinções, fazendo com que ambas as categorias consistam em instrumentos processuais de presta-ção jurisdicional efetiva das tutelas de urgência, o que, em absoluto, autoriza o operador em confundir o seu tratamento, até porque requerem procedimentos distintos.

Esperamos que essas linhas traçadas tenham sido úteis para a melhor com-preensão de tema tão polêmico que, ao lado do instituto da coisa julgada ocupa, provavelmente, o topo dos debates da processualística hodierna.

11 Art. 522. Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na forma retida, salvo quando se tratar de deci-são suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão de apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento.

12 Art. 520. [...] Será no entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando (a apelação for) interposta de sentença que:[...]IV - decidir o processo cautelar;

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Tutela Diferenciada

Ampliando seus conhecimentos

Decisão 1.ª

APC 70.012.187.829

3.ª CC-TJRS

Julgado em 15/12/2005

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. REALIZAÇÃO DE RESSONÂNCIA MAGNÉ-TICA NA REDE PRIVADA. BLOQUEIO DE VALORES.- Preliminar de cerceamento de defesa afastada. Possibilidade de antecipação de tutela contra a Fazenda Pública. Embora haja disposição expressa no art. 1.º da Lei 9.494/97, tal restrição à concessão de medida antecipatória cede diante da gravidade do caso concreto. - O pedido administrativo, apesar de ser um expediente útil ao Ente Público e aos próprios cidadãos, é uma formalidade burocrática e sua ausência não revela carência de interesse processual.- O Código de Processo Civil dá respaldo legal à determinação alternativa para bloqueio do valor equivalente ao custo do exame. Aplicação da técnica de efeti-vação da tutela específica prevista no §5.º do art. 461 do CPC. Precedentes.NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO.

[...]

Afasto a preliminar de cerceamento de defesa sob a alegação de ter sido concedida tutela antecipada previamente à citação do Estado.

Conforme se depreende dos autos, o paciente Eduardo Ramão Araújo Mathias é portador de um tumor no cérebro, sendo que mesmo após a rea-lização de cirurgia e de sessões de quimioterapia e radioterapia sua condi-ção continuou piorando, com perda da visão, convulsões e perda da força nas pernas. Solicitada a realização de ressonância magnética, exame que não é feito pelo SUS em Santa Maria, requereu o Ministério Público fosse custeado pelo Estado na rede privada, pelo valor de R$944,00, uma vez que a família do paciente não dispõe de condições financeiras para arcar com referida des-pesa.

Neste contexto, cumpre afirmar que ao Estado cabe o dever de fornecer gratuitamente tratamento médico a pacientes necessitados, conforme arti-gos 6.º e 196 da Constituição Federal, que dispõem:

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‘Art. 6.º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.’

‘Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.’

A proteção à inviolabilidade do direito à vida – bem fundamental para o qual deve o Poder Público direcionar suas ações – deve prevalecer em relação a qualquer outro interesse do Estado, eis que sem ele os demais interesses socialmente reconhecidos não possuem o menor significado ou proveito.

Assim, malgrado exista disposição expressa no art. 1.º da Lei 9.494/97, que, por remessa ao §2.º do art. 1.º da Lei 8.437/92, estabelece que “não será cabível medida liminar que esgote, no todo ou em parte, o objeto da ação”, tal restrição à concessão de medida antecipatória deve ceder diante do caso concreto.

A legislação especial referida, bem como o próprio Código de Processo Civil, no §2.º do art. 273, traçam como premissa a vedação à concessão da ante-cipação de tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. Todavia, tal premissa não conduz à conclusão de que nunca será possível a concessão de tutela antecipada não passível de reversão, porque há casos concretos em que a lei mostra-se insuficiente à solução do litígio.

É certo que, no processo, ambos os litigantes têm direito fundamental à efetividade da jurisdição e, ao mesmo tempo, à segurança jurídica, esta última decorrência da aplicação do princípio do devido processo legal procedimen-tal (CF, art. 5.º, LIV).

No caso de ações ajuizadas contra a Fazenda Pública, esta segurança jurí-dica é redobrada – v.g. quando a sentença é de procedência fica sujeita ao duplo grau de jurisdição, só produzindo efeitos depois de confirmada pelo Tribunal (CPC, art. 475) –, e isso se explica porque é o interesse público que está em jogo.

Porém, nas lides forenses não é difícil detectar hipóteses em que ocorre colidência entre o direito fundamental à efetividade da jurisdição e o direito fundamental à segurança jurídica.

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Tutela Diferenciada

A situação em apreço é prova deste conflito, o qual está permeado por um elemento fático imodificável: o tempo.

Na autorizada lição de TEORI ALBINO ZAVASKI,

“o decurso do tempo, todos sabem, é inevitável para a garantia plena do direito à segurança jurídica, mas é, muitas vezes, incompatível com a efetividade da jurisdição, notadamente quando o risco de perecimento do direito reclama tutela urgente” (In “Antecipação de Tutela”, 2. ed. rev. e ampl., São Paulo: Saraiva, 1999, p.p.66).

Não há como se proporcionar uma cognição exauriente antes da conces-são da tutela sem pôr em perigo a saúde do representado pelo Ministério Público e, consequentemente, sem colocar em risco o direito à efetividade da jurisdição.

Em casos como este, cotejadas as circunstâncias da vida, é dever do Poder Judiciário fazer um juízo de harmonização entre os direitos fundamentais dos litigantes, sempre tendo por norte em seu julgamento a concretização dos prin-cípios constitucionais.

Não se fala em negligenciar o direito fundamental de uma das partes em detrimento da outra, mas sim de, no exercício de um juízo de proporcionali-dade, encontrar a solução harmonizadora para o conflito de direitos.

O exercício de um juízo axiomático é imprescindível, uma vez que, na solução da questão apresentada, o juiz dá preponderância a um dos valores em colisão, conformando sua decisão com uma escala de valores que, a meu entender, está presente na Lex Legum.

Pretende o Apelado no caso em análise o reconhecimento do direito à saúde – que é a consagração imediata do fundamento da Constituição Fede-ral de 1988: a dignidade da pessoa humana. Por seu turno, a resistência à pretensão, com fundamento na segurança jurídica, diz com a diminuição do patrimônio da Fazenda Pública.

Portanto, de um lado temos a tutela do direito à saúde, à dignidade, em suma, do direito à vida, e, de outro, a tutela ao patrimônio público.

Faço tais ponderações para que fiquem evidentes as razões de ordem cons-titucional que têm levado o Poder Judiciário a flexibilizar a vedação à conces-são da antecipação de tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado, ainda que no polo passivo da ação figure a Fazenda Pública.

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Tutela cautelar versus tutela antecipada

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Esta Corte de Justiça já enfrentou o tema em situações análogas:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. CRUZ ALTA. REALIZAÇÃO DE CIRURGIA. VIDA E SAÚDE SÃO DE RES-PONSABILIDADE DO ESTADO E DO MUNICÍPIO, DE FORMA CONCORRENTE. O DIREITO À VIDA E À SAÚDE SE SUPERPÕEM A QUALQUER OUTRO, TANTO QUE ELENCADOS NOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS DA CONSTITUIÇÃO. OBRIGATORIEDADE DO PODER PÚBLICO EM FORNECER OS MEIOS NECESSÁRIOS E CUSTEAR A CIRURGIA E PRESTAR O ATENDIMENTO CLÍ-NICO NECESSÁRIO. POSSIBILIDADE DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, MESMO QUE VEDADO POR LEI, PORQUE EM RISCO A SAÚDE DAS AGRAVADAS, GARANTIA CONSTITUCIONALMENTE PRE-VISTA. AGRAVO DESPROVIDO. (8FLS) (AGRAVO DE INSTRUMENTO 70000455303, QUARTA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, REL. DES. VASCO DELLA GIUSTINA, JULGADO EM 15/03/2000)

AGRAVO DE INSTRUMENTO - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO OU REALIZAÇÃO DE CIRUR-GIA POR PARTE DO ESTADO OU DO MUNICÍPIO - SOLIDARIEDADE A PERMITIR A OPÇÃO POR ACIONAR UM OU OUTRO - PECULIARIDADE DA ESPÉCIE A DETERMINAR A POSSIBILIDADE DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA QUE ESGOTE O OBJETO DA AÇÃO. AGRAVO DESPROVIDO. (5FLS.)(AGRAVO DE INSTRUMENTO 70000479543, QUARTA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, REL. DES. JOÃO CARLOS BRANCO CARDOSO, JULGADO EM 09/02/2000)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPACAO DE TUTELA. REALIZACAO DE CIRURGIA EM MENOR. AUSENCIA DE CONDICOES DA FAMILIA DE ARCAR COM OS CUSTOS CORRESPONDENTES. OBRI-GACAO DO MUNICIPIO DE PRESTAR O ATENDIMENTO. DECISAO DEFERITORIA. INTELIGENCIA DO ART-196 DA CF E ART-241 DA CE. 1. POSSIBILIDADE DE CONCESSAO DE TUTELA ANTECIPA-TORIA CONTRA A FAZENDA PUBLICA, DADA A NATUREZA DO DIREITO PLEITEADO. 2. DIREITO A VIDA EM CONTRAPOSICAO A DIREITO PATRIMONIAL. SUPREMACIA DAQUELE, QUE E FUNDA-MENTAL E ABSOLUTO. 3. RESPONSABILIDADE SOLIDARIA DOS ENTES FEDERATIVOS NA GARAN-TIA DO DIREITO A SAUDE. 4. PRESENTES OS REQUISITOS CONSTANTES DO ART-273 DO CPC, E DE SER DEFERIDA A ANTECIPATORIA. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO STF. AGRAVO DESPRO-VIDO. (12FLS.) (AGRAVO DE INSTRUMENTO 70000411686, PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, REL. DES. FABIANNE BRETON BAISCH, JULGADO EM 07/08/2000)”

Portanto, correta a antecipação da tutela concedida pelo Juízo a quo, não caracterizando cerceamento de defesa, até porque possibilitada a interposi-ção dos recursos cabíveis.

Modo igual, registro que não há necessidade de formulação de prévio pedido administrativo pelo enfermo.

O pedido administrativo, apesar de ser um expediente útil ao ente público e aos próprios cidadãos, é uma formalidade burocrática. A inobservância de tal procedimento não pode ser óbice a impedir o pedido judicial de forne-cimento dos remédios e/ou exames, primeiro porque a própria Constituição Federal garante a todos o direito individual de acesso ao pleito judicial (artigo 5.º, XXXV) e, segundo, porque a gravidade e a urgência da situação vivida pelo paciente devem ser sopesadas a fim de garantir sua saúde.

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Tutela Diferenciada

Neste sentido, o Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 11183/PR, da Primeira Turma do STJ, relator o Min. José Delgado, julgado em 22/08/2000:

“CONSTITUCIONAL. RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA OBJETIVANDO O FOR-NECIMENTO DE MEDICAMENTO (RILUZOL/RILUTEK) POR ENTE PÚBLICO À PESSOA PORTADORA DE DOENÇA GRAVE: ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA – ELA. PROTEÇÃO DE DIREITOS FUN-DAMENTAIS. DIREITO À VIDA (ART. 5.º, CAPUT, CF/88) E DIREITO À SAÚDE (ARTS. 6.º E 196, CF/88). ILEGALIDADE DA AUTORIDADE COATORA NA EXIGÊNCIA DE CUMPRIMENTO DE FORMALIDADE BUROCRÁTICA. 1 – A existência, a validade, a eficácia e a efetividade da Democracia está na prática dos atos administrativos do Estado voltados para o homem. A eventual ausência de cumprimento de uma formalidade burocrática exigida não pode ser óbice suficiente para impedir a concessão da medida porque não retira, de forma alguma, a gravidade e a urgência da situação da recorrente: a busca para garantia do maior de todos os bens, que é a própria vida. 2. É dever do Estado assegurar a todos os cidadãos, indistintamente, o direito à saúde, que é fundamental e está consagrado na Constituição da República nos arti-gos 6º e 196. 3. Diante da negativa/omissão do Estado em prestar atendimento à população carente, que não possui meios para a compra de medicamentos necessários à sua sobrevivên-cia, a jurisprudência vem se fortalecendo no sentido de emitir preceitos pelos quais os necessi-tados podem alcançar o benefício almejado (STF, AG 238.328/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 11/05/1999; STJ, Resp 249.026/PR, Rel. Min. José Delgado, DJ 26/06/2000). 4 – Despicienda de quaisquer comentários a discussão a respeito de ser ou não a regra dos arts. 6.º e 196, da CF/88, normas programáticas ou de eficácia imediata. Nenhuma regra hermenêutica pode sobrepor-se ao princípio maior estabelecido, em 1988, na Constituição Brasileira, de que “a saúde é direito de todos e dever do Estado” (art. 196). 5 – Tendo em vista as particularidades do caso concreto do caso concreto, faz-se imprescindível interpretar a lei de forma mais humana, teleológica, em que princípios de ordem ético-jurídica conduzam ao único desfecho justo: decidir pela preserva-ção da vida. 6 – Não se pode apegar, de forma rígida, à letra fria da lei, e sim, considerá-la com temperamentos, tendo-se em vista a intenção do legislador, mormente perante preceitos maio-res insculpidos na Carta Magna garantidores do direito à saúde, à vida e à dignidade humana, devendo-se ressaltar o entendimento das necessidades básicas dos cidadãos. 7 – Recurso ordi-nário provido para o fim de compelir o ente público (Estado do Paraná) a fornecer o medica-mento Riluzol (Rilutek) indicado para o tratamento da enfermidade da recorrente.”

Modo igual, jurisprudência desta Corte de Justiça:

“ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. TRATAMENTO DE SAÚDE E FORNECIMENTO DE MEDICA-MENTOS. solidariedade dos entes públicos. PRELIMINAR DE INÉPCIA DA INICIAL E FALTA DE INTE-RESSE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS AO FADEP. REJEIÇÃO DAS PRELIMINARES UMA VEZ QUE o pedido é perfeitAmente deduzível e que instAurAdo ou não o processo AdministrAtivo – não impede Ao Acesso Ao Judiciário, consoAnte gArAntiA individuAl previstA nA cf/88. A CARTA FEDERAL É EXPRESSA AO ASSEGURAR O DIREITO À VIDA E O DIREITO À SAÚDE COMO GARANTIAS FUNDAMENTAIS, DE ACORDO COM A RES-PONSABILIDADE SOLIDÁRIA (ART. 196 DA CF/88). NENHUM DISPOSITIVO LEGAL OU CONS-TITUCIONAL AFASTA A INCIDÊNCIA DO ART. 20 DO CPC QUANDO O ESTADO FICA VENCIDO, SENDO O AUTOR REPRESENTADO POR DEFENSOR PÚBLICO. PRECEDENTE DE JULGAMENTO. APELOS DESPROVIDOS. SENTENÇA MANTIDA, EM REEXAME NECESSÁRIO.”(APC e REEXAME NECESSÁRIO, 70004875233, Quarta Câmara Cível – TJRS, Rel. Des. Vasco Della Giustina, em 25/09/2002)

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Tutela cautelar versus tutela antecipada

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“ESTADO E MUNICÍPIO. FORNECIMENTO DE SERVIÇOS DE SAÚDE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁ-RIA. CIRURGIA DE VARIZES NAS PERNAS. HONORÁRIOS À DEFENSORIA PÚBLICA. 1)Preliminar de Inépcia da Inicial: Postulada em momento inoportuno, e rejeitada, pois da peça se extrai com clareza o pleito. 2) Preliminar de Ilegitimidade Passiva: A Constituição Federal estabelece a responsabilidade solidária entre os entes da Federação. 3) preliminar de carência de Ação: A ausência de requerimento administrativo não retira o interesse da parte autora, quando seu pedido judicial seja contestado pelo estado. preliminar afastada. 4) Fornecimento de Medicamentos: O fornecimento gratuito de medicamentos constitui responsabilidade solidária do Estado e do Município derivada do artigo 196 e 198 da Constituição Federal. Precedentes do STJ e desta Câmara. 5) Honorários à Defensoria: A Defensoria Pública, embora órgão da admi-nistração estadual, apresenta autonomia e, quando litiga contra o Estado, faz jus à percepção de honorários advocatícios, que se destinam à formação do FADEP (Fundo de Aparelhamento da Defensoria Pública) instituído pela Lei Estadual 10.298/94. 6) Honorários em Salários Mínimos: Afronta o artigo 7.º, IV, da Constituição Federal, o arbitramento de honorários advocatícios em salários mínimos. Modificação parcial da sentença em reexame necessário para modificação do critério de cálculo dos honorários advocatícios. Súmula 201 do STJ. SENTENÇA DE PROCE-DÊNCIA PARCIALMENTE MODIFICADA EM REEXAME NECESSÁRIO. APELAÇÕES DESPROVIDAS.”(APC e REEXAME NECESSÁRIO 70004865457, Terceira Câmara Cível – TJRS, Rel. Des. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, em 12/12/2002)

Ademais, como bem salientado pelo ilustre Procurador de Justiça, Dr. Arnaldo Buede Sleimon (fl. 80), “a soma do valor do exame, que em Porto Alegre é de R$268,75, mais os custos de transporte do paciente (ambulância), e de fami-liar para acompanhá-lo, acrescida das despesas de alimentação e estadia, por certo, elevaria consideravelmente a despesa para a importância bem superior a aquela desembolsada pelo apelante, com a realização do exame nem Santa Maria.”

Por fim, no que tange à possibilidade de bloqueio de valores, tenho que é medida adequada à espécie garantindo a efetivação da tutela pretendida pelo demandante, consoante o art. 461, §5.º, do CPC.

Como bem acentuado pelo processualista Joel Dias Figueira Júnior (in Comentários à novíssima reforma do CPC: Lei 10.444, de 07 de maio de 2002, Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 198), ao comentar o artigo 461, §5.º,do CPC:

“O rol de providências elencadas no parágrafo em estudo é exemplificativo e não exaustivo, razão pela qual o juiz podia (e ainda pode) aplicar outras medidas legítimas que se façam mister para o conseguimento dos fins delineados na decisão definitiva ou provisional, em prol da satisfação perseguida pelo litigante que obteve a concessão favorável.”

Esta colenda Câmara Cível vem entendendo que a determinação judicial para bloqueio do valor equivalente ao dos medicamentos pleiteados, além de ser uma alternativa ao Estado, deve ser compreendida como uma advertência

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Tutela Diferenciada

ao Poder Público, com o fito de conferir a máxima eficácia ao mandamento constitucional que assegura o direito à vida e à saúde, dever do Estado.

Nesta senda, resta o seguinte trecho do recente julgado, do qual foi relator o e. Des. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino (AI 70005924659, Terceira Câmara Cível – TJRS, em 22/05/2003):

‘Outra alternativa é a medida adotada pelo juízo a quo, de saques diretos das contas bancárias do Estado dos valores necessários à aquisição dos medicamentos e serviços, que se sustenta pela extraordinária relevância dos bens jurídicos constitucionalmente tutelados (vida e saúde).

Frise-se, por fim, que essa medida determinada pelo juízo a quo, acaba mostrando-se mais ade-quada que a própria fixação de multa, pois, além de alcançar de imediato o seu objetivo, tem sua finalidade atingida de maneira menos onerosa ao próprio Estado que acaba por despender tão somente do numerário necessário para o cumprimento da medida pretendida.’

Restou assim ementado o julgamento do aludido Agravo de Instrumento:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. MEDICAMENTOS E SERVIÇOS DE SAÚDE. BLOQUEIO DE VALORES.Cabimento de advertência de bloqueio de valores pelo juiz para assegurar o atendimento médico urgente ao paciente necessitado, com o fornecimento de medicamentos e serviços, medida excepcional que se justifica pela relevância dos bens jurídicos em liça (vida e saúde). Menor onerosidade para o Estado do que a imposição de ‘astreintes’. Inteligência do art. 461, §5.º do CPC. Precedentes do STJ e desta Câmara.DECISÃO MANTIDA. AGRAVO DESPROVIDO.”

Ressalto que embora o ideal fosse a realização da ressonância magnética na rede pública, não sendo oferecido o serviço pelo SUS na localidade em que se encontrava o paciente – Santa Maria –, mostrou-se acertado o bloqueio do valor correspondente, possibilitando que fosse efetuado o exame em clínica privada, não acarretando prejuízo à saúde do doente.

Decisão 2.ª

AI 70.013.670.591

3.ª CC-TJRS

Julgado em 18/05/2006

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CAUTELAR INOMINADA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. MULTA DIÁRIA. POSSIBILIDADE DE COMINAÇÃO.- Ao Estado cabe o dever de fornecer gratuitamente tratamento médico a pacientes necessitados, conforme artigos 6.º e 196 da constituição federal.- O Código de Processo Civil dá respaldo legal à cominação de astreintes (artigos 287 e 461), silenciando quanto a eventual impedimento de fixação de multa à Fazenda Pública. Precedentes desta Câmara e do STJ.

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- Redução do valor da multa diária, a fim de adequá-lo aos parâmetros fixados por esta e. Terceira Câmara Cível. Hipótese em que a multa resta limitada ao valor correspondente a quatro meses da medicação prescrita.- Prorrogação do prazo de entrega do medicamento ou equivalente em dinheiro para o quinto dia útil após o deferimento da medida.DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.

[...]

A matéria objeto do presente agravo de instrumento já restou analisada à saciedade quando da decisão que agregou parcial efeito suspensivo ao pre-sente agravo motivo pelo qual passo a transcrevê-la (fls. 42-46v.):

“Pelo que se infere dos autos, a agravada vem perdendo progressivamente a visão, necessitando fazer uso do medicamento VISUDYNE, 15mg, de forma continuada.

Inicialmente, afasto a alegação de que não poderia ser postulada a entrega de fármacos em ação cautelar.

Em que pese não desconheça a existência de orientação predominante no sentido de que o pedido formulado com caráter satisfativo não se coaduna com o processo cautelar, mormente após as alterações nos arts. 273 e 461, §3.º, ambos do Código de Processo Civil, há hipóteses em que – em caráter excepcional – deve-se reconhecer a satisfatividade da medida cautelar porque o pedido exauriu-se em si mesmo ou para possibilitar a realização de direito da parte, que clama por urgência.

Ainda que a pretensão da autora tenha sido articulada com inexatidão técnica, eis que seria melhor o ajuizamento de ação ordinária com pedido de antecipação de tutela, deve-se julgar a demanda à luz dos princípios da efetividade e da instrumentalidade processual.

Malgrado o meio processual adotado pela autora não seja o mais adequado, não se pode negar que se encontram presentes na hipótese dos requisitos do fumus boni iuris o do periculum in mora.

Também não se pode olvidar que o bem jurídico em discussão é o direito à saúde, no caso, à visão.

Anoto que a jurisprudência da Corte Especial, sensível aos fatos da vida, que são mais ricos que a previsão dos legisladores, tem reconhecido, em certas situações, a natureza satisfativa das cautelares.

Colhe-se do voto do eminente Ministro Vicente Legal quando do julgamento do Recurso Espe-cial 180.948-PR, onde se questionou a satisfatividade de medida liminar assegurou a perma-nência no desempenho de suas funções de servidor exonerado em estágio probatório:

“... o parágrafo 3.º, do artigo 1.º, da Lei 8.437/92, veda a concessão de medidas liminares contra atos do Poder Público, no âmbito das ações de natureza cautelar, que tenham nítida feição satisfativa, de modo a esgotar o objeto da ação principal.

Todavia, não se pode olvidar que o direito deve buscar a expressão da justiça. Deve o intér-prete da norma jurídica buscar o sentido que a mesma visa a atingir no cenário da vida.

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E, por isso, a jurisprudência deve ser fonte criadora do direito, abrindo espaço para as gran-des conquistas da humanidade, com os olhos nos princípios modernos da efetividade pro-cessual e da instrumentalidade, que recomendam o desprezo a formalismos desprovidos de efeitos prejudiciais.

Dentro dessa visão teleológica, a doutrina mais abalizada e a moderna jurisprudência dos Tribunais pátrios têm admitido, em caráter excepcional, medidas liminares de caráter satis-fativo desde que coexistam os pressupostos do fumus boni iuris e do periculum in mora e sempre que a provisão requerida seja indispensável à preservação de uma situação de fato que se revele incompatível com a demora na prestação jurisdicional.”

Também neste diapasão o Recurso Especial 453.083-SE, relator o eminente Ministro Ruy Rosado de Aguiar, assim ementado:

“AÇÃO CAUTELAR. Sustação de protesto. Título pago. Medida Satisfativa. É satisfativa a medida cautelar de título já pago, pelo que a medida liminar não perde a eficácia pela falta de propositura de outra ação, dispensável no caso. Cassação da sentença que extinguiu o processo com perda da eficácia da liminar. Precedente. Recurso conhecido e provido.”

De registrar-se caso análogo já foi analisado por esta Colenda Câmara:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECI-FICADO. REALIZAÇÃO DE EXAMES. Obrigação de o Estado fornecer medicação excepcional à pessoa que dela necessita (arts. 196 e 197 da Constituição Federal e Lei Estadual 9.908). Necessidade e urgência evidenciadas, autorizando a procedência da ação. Cautelar ino-minada reconhecida como medida satisfativa, em que pese o entendimento majoritário da doutrina, uma vez que os princípios meramente processuais não podem se sobrepor ao bem da vida almejado (assegurado constitucionalmente), sob pena não ser alcançada a mais justa prestação jurisdicional. Apelação provida para julgar procedente a ação.”(APC 70001519669, 3.ª Câm. Cível do TJRS, Rel. Des. Perciano de Castilhos Bertoluci).

Quanto à questão de fundo, cumpre afirmar que ao Estado cabe o dever de fornecer gratuita-mente tratamento médico a pacientes necessitados, conforme artigos 6º e 196 da Constituição Federal.

A proteção à inviolabilidade do direito à vida - bem fundamental para o qual deve o Poder Público direcionar suas ações - deve prevalecer em relação a qualquer outro interesse do Estado, eis que sem ele os demais interesses socialmente reconhecidos não possuem o menor signifi-cado ou proveito.

Entendo seja possível ao Julgador cominar pena de multa para eventual descumprimento da liminar concedida.

O Código de Processo Civil, em seu art. 287, dá respaldo legal à aplicação da cominação, nestes termos:

“Art. 287. Se o autor pedir que seja imposta ao réu a abstenção da prática de algum ato, tolerar alguma atividade, prestar ato ou entregar coisa, poderá requerer cominação de pena pecuniária para o caso de descumprimento da sentença ou da decisão antecipatória de tutela (arts. 461, §4.º, e 461-A).”

Ainda, neste diapasão, o diploma de direito processual, em seu art. 461, ao tratar do cumpri-mento de obrigação de fazer positiva ou negativa, faculta ao juiz – sendo relevante o funda-

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mento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final -, conceder a tutela liminarmente, inclusive impondo multa ao réu, independentemente de pedido do autor (artigo 461, §5.º).

Como bem salientam LUIZ RODRIGUES WAMBIER e TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER (in Breves Comentários à 2.ª fase da reforma do Código de Processo Civil, p. 81), ao tecerem comentários ao artigo 287 do CPC:

“Essa possibilidade (de cominação de multa diária), já existente, como se disse antes, no art. 461, demonstra, mais uma vez, o extraordinário empenho do legislador no sentido de dotar o sistema de mecanismos (sanções idôneas) capazes de ‘convencer’ o réu da obriga-ção assumida, nos moldes em que o tenha sido.

Esse esforço legislativo significa, em última análise, resposta aos anseios por maior efetivi-dade do processo e é exatamente sob esse enfoque que deve ser visto, o que significa dizer que nenhuma interpretação restritiva deverá encontrar eco entre os operadores do direito.”

Sustentando a possibilidade da cominação de multa à Fazenda Pública, os seguintes julgados:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUS. INTERNACAO HOSPITALAR. EXECUCAO DE OBRIGACAO DE FAZER. ANTECIPACAO DE TUTELA. MULTA DIARIA CONTRA FAZENDA PUBLICA. O FORNECI-MENTO GRATUITO DE SERVICOS DE SAUDE E DE MEDICAMENTOS CONSTITUI RESPONSABI-LIDADE SOLIDARIA DO ESTADO E DO MUNICIPIO DERIVADA DO ARTIGO 196 DA CONSTITUI-CAO FEDERAL. POSSIBILIDADE DE DEFERIMENTO DO PEDIDO DE ANTECIPACAO DA TUTELA, EM FACE DA RELEVANCIA DOS INTERESSES PROTEGIDOS (VIDA E SAUDE), INCLUSIVE COM A IMPOSICAO DE MULTA CONTRA A FAZENDA PUBLICA. NAO HA OBICE NO ORDENAMENTO JURIDICO BRASILEIRO A CONCESSAO DE ASTREINTES PARA COMPELIR A FAZENDA PUBLICA AO CUMPRIMENTO IMEDIATO DE OBRIGACAO DE FAZER. PRECEDENTES DO STJ. REVISAO DA POSICAO DO RELATOR ACERCA DA MULTA. REDUCAO DO VALOR DA MULTA. DECISAO MODIFICADA. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO.’(AGI 70004907234, Terceira Câmara Cível – TJRS, Rel. Des. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, em 24/10/2002)

‘PROCESSO CIVIL - RECURSO ESPECIAL - FAZENDA PÚBLICA - EXECUÇÃO DE SENTENÇA - OBRIGAÇÃO DE FAZER - DESCUMPRIMENTO - COMINAÇÃO DE MULTA DIÁRIA - POSSIBI-LIDADE. 1 - Segundo entendimento já consolidado neste Superior Tribunal de Justiça, nas obrigações de fazer, é permitido ao Juízo da execução a imposição de multa cominatória ao devedor, mesmo que seja contra a Fazenda Pública. 2 - Precedentes (REsp 189.108/SP, 279.475/SP e 418.725/SP). 3 - Recurso conhecido, porém, desprovido.’(RESP 341499/SP, Quinta Turma – STJ, Rel. Min. Jorge Scartezzini, em 21/11/2002)

‘PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. FAZENDA PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. DESCUMPRI-MENTO. IMPOSIÇÃO DE MULTA. POSSIBILIDADE. ART. 644 DO CPC. Em se tratando de obri-gação de fazer, é permitido ao Juízo da execução, de ofício ou a requerimento da parte, impor multa cominatória ao devedor, mesmo que seja contra a Fazenda Pública.Recurso conhecido e provido.’ (RESP 451154/RS, Quinta Turma – STJ, Rel. Min. Felix Fischer, em 12/11/2002)

É de se ressaltar que a fixação da multa é consectário lógico da tutela deferida ante a necessária urgência do fornecimento da medicação.

Registro, ainda, que a aplicação da multa ao Estado somente será efetivada em caso de não fornecimento do fármaco pleiteado pelo agravado.

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Todavia, o valor atribuído à multa diária – R$500,00 – é excessivo, devendo ser reduzido para R$100,00, valor que está em consonância com os parâmetros adotados por esta Câmara, con-forme as seguintes decisões:

“DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS A PACIENTE PORTADORA DE GLAUCOMA. FIXAÇÃO DE ASTREINTES NA HIPÓTESE DE NÃO CUMPRI-MENTO DA TUTELA ESPECÍFICA. POSSIBILIDADE. RELEVÂNCIA DOS INTERESSES PROTEGIDOS (VIDA E SAÚDE). PRECEDENTES UNIFORMES DO EGRÉGIO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DESTE ÓRGÃO FRACIONÁRIO A RESPEITO DO TEMA. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO APENAS PARA reduzir O MONTANTE DA multA DIÁRIA PARA R$-100,00, LIMITANDO-SE O VALOR TOTAL AO NECESSÁRIO PARA A COMPRA DO medicAmento POR QUATRO MESES. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO.” (Agravo de Instrumento 70008368839, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Rel. Nelson Antônio Monteiro Pacheco, Julgado em 05/08/2004)

“DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. SAÚDE PÚBLICA. FORNECIMENTO DE MEDICA-MENTO A PESSOA NECESSITADA. TUTELA ANTECIPADA, PREENCHIMENTO DE SEUS PRES-SUPOSTOS. MULTA DIÁRIA MANTIDA, PARA O CASO DE DESCUMPRIMENTO. REDUÇÃO, PORÉM, DO VALOR ESTABELECIDO. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO”’(AGI 70005813738, Terceira Câmara Cível – TJRS, Rel. Des. Luiz Ari Azambuja Ramos, em 27/03/2003)

Cumpre salientar, ainda, que a ausência de prévio pedido administrativo ao Estado para o for-necimento dos remédios de que necessita a paciente não implica impossibilidade de sua pos-tulação na via judicial.

O pedido administrativo, apesar de ser um expediente útil ao ente público e aos próprios cida-dãos, é uma formalidade burocrática e sua não observância não pode ser óbice a impedir o pedido judicial de fornecimento do tratamento médico que necessita a Autora, diante da rele-vância do direito que busca tutelar.

Por fim, o prazo de 48 horas para cumprimento da medida mostra-se exíguo, tendo em vista os trâmites legais necessariamente observados quando se cuida de liberação de bens ou valores pela Administração.”

No mérito, assim também se manifestou o ilustre Procurador de Justiça, Dr. Eduardo Roth Dalcin, em parecer lançado às fls. 50-52v., que tenho por transcrito.

Ante o exposto, dou parcial provimento ao agravo de instrumento, para reduzir o valor da multa diária para R$100,00, limitada, contudo, ao valor correspondente a quatro meses da medicação prescrita, bem assim para prorrogar o prazo de entrega do medicamento ou equivalente em dinheiro para o quinto dia útil após o deferimento da medida.

Page 23: Tutela cautelar versus tutela antecipada · Tutela cautelar versus tutela antecipada 127 A tendência atual já não está na separação, mas na aproximação da jurisdi-ção cautelar
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