-Auditoria de Qualidade de Obras Publicas

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Auditoria de Qualidade de Obras Pblicas

Carnot Leal NogueiraEng. Civil, M.Sc., Ph.D., Inspetor de Obras Pblicas Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco.

Resumo O presente trabalho prope a partir de uma mudana na forma tradicionalmente aplicada de auditoria a implementao de auditorias de qualidade de obras pblicas com nfase no recebimento e em inspees posteriores concluso. Inicialmente, expe-se uma anlise crtica da efetividade das auditorias usualmente efetuadas em obras pblicas; enfatiza-se o fato de que os mtodos tradicionais de auditoria no se prestam ao controle processos empregados em construo e o fato de que tais auditorias tampouco se prestam verificao dos projetos ou materiais usados nas obras. Partindo-se de normas jurdicas e posicionamentos j consolidados jurisprudencialmente, discorre-se, ento, acerca da responsabilidade civil do construtor de obras pblicas e da forma como tal matria se presta execuo auditorias. Enfatizando-se os lapsos temporais para a exigibilidade de reparao de defeitos em obras, procede-se a uma anlise da responsabilidade dos projetistas, consultores, construtores e gestores pblicos. Por fim, a necessidade de implementao de auditorias de qualidade atravs dos prprios rgos gestores dos recursos abordada.

Introduo Padecem as obras pblicas nacionais de diversos problemas das mais diversas origens. H fraudes em licitaes, emprego de materiais de baixa qualidade, uso de tcnicas inadequadas, obras paralisadas ou inacabadas, e h, claro, superfaturamento de preos e pagamentos por servios no realizados e materiais no empregados. Muito embora no seja possvel quantificar precisamente o montante de recursos pblicos inadequadamente empregado em cada tipo de irregularidade relacionada execuo de obras pblicas no Brasil, evidente que um dos maiores problemas nas construes financiadas pelo Errio aquele relacionado qualidade das mesmas. Obras construdas com m qualidade apresentam pouca durabilidade, oferecem riscos populao, freqentemente provocam acidentes (que implicam indenizaes a serem pagar com recursos pblicos) e demandam novos investimentos em curtos prazos. O presente artigo parte de uma abordagem da obra pblica como um processo composto por diversas etapas ao qual esto associados diferentes agentes pblicos e privados. A partir do entendimento da obra pblica como um processo, a responsabilidade de cada agente envolvido deve ser caracterizada. A caracterizao da responsabilidade de cada agente importante no somente para que os mesmos possam responder pelos problemas encontrados, mas tambm para que tais problemas no sejam repetidos em obras pblicas futuras. O corolrio natural do exposto no pargrafo acima a criao de auditorias de obras pblicas baseadas na qualidade das mesmas. assim proposta a implementao de auditorias de qualidade de obras pblicas com nfase no recebimento e em inspees posteriores concluso.

As Auditorias Tradicionais e suas Limitaes Um primeiro lugar, para que possam ser percebidas as limitaes das auditorias tradicionais e as vantagens das auditorias de qualidade, importante a compreenso do processo que leva execuo da obra e, tambm, do seu comportamento ao longo da sua vida til. Deve-se ter em mente a existncia de trs fases distintas da vida de

uma obra e, a partir da, precisar a responsabilidade das partes intervenientes em cada uma delas. As 3 fases da vida de uma obra so: projeto, execuo e manuteno (NOGUEIRA E CALADO, 2003a e 2003b). Fase de projeto: muitos dos problemas e acidentes que ocorrem em obras pblicas so decorrentes de erros de detalhamento ou erros de concepo no projeto. H um equivocado e pernicioso entendimento por parte das empresas e de muitos rgos pblicos de que o projeto bsico serve apenas para licitar (TCU, 2004). Em Pernambuco, na auditoria de uma obra de recuperao de uma ponte, contratou-se, inicialmente, um projeto, fez-se a licitao baseada em um segundo e, por fim, a obra foi executada atravs de um terceiro projeto. Existe, tambm, em muitos rgos, uma poltica de ressuscitar projetos antigos para, aps revises superficiais, viabilizar o investimento (rectios: a dilapidao) de novas dotaes oramentrias. Em face disso, seria fortemente aconselhvel que fossem adotadas medidas no sentido de obrigar efetivamente a feitura do projeto bsico1 e, em obras maiores, obrigar uma dplice verificao dos projetos antes do incio da construo. Assim, aps a concluso de um projeto bsico por um engenheiro ou uma firma projetista, ele seria remetido a outro engenheiro ou a outra firma idnea para que fosse verificado. Com isso reduzir-se-ia em muito o risco de acidentes decorrentes de problemas no projeto e reduzir-se-ia, tambm, a possibilidade de que fossem perpetradas fraudes (e.g., jogo de planilha) atravs de projetos adredemente preparados. Entretanto, apesar de todas as cautelas, seria muito difcil, ou mesmo impossvel, verificar a viabilidade, a adequao, a correo de projetos de engenharia usados nas obras pblicas. Por mais minuciosa e precisa que seja a auditoria de obra realizada, dificilmente um projeto seria completamente verificado pelo auditor. Por um lado, tal tarefa demandaria plenos conhecimentos acerca de todas as matrias relacionadas aos projetos (fundaes, clculo estrutural, pavimentao, etc.), por outro, ainda que superada a primeira dificuldade, face discrepncia entre o nmero de auditores e o nmero de obras auditadas, no haveria condies de efetivo acompanhamento de todos os projetos executados pelo Poder Pblico. Dessa forma, a efetiva verificao do projeto se d1

Lei 8.666/93: Art. 6 Para os fins desta Lei, considera-se: (...) IX - Projeto Bsico - conjunto de elementos necessrios e suficientes, com nvel de preciso adequado, para caracterizar a obra ou servio, ou complexo de obras ou servios objeto da licitao, elaborado com base nas indicaes dos estudos tcnicos preliminares, que assegurem a viabilidade tcnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento, e que possibilite a avaliao do custo da obra e a definio dos mtodos e do prazo de execuo, devendo conter os seguintes elementos: (...)

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atravs do pleno funcionamento da obra por um perodo de tempo razoavelmente longo2. Fase de execuo: na fase de execuo os procedimentos para a efetiva construo da obra so levados a cabo, de acordo espera-se com as especificaes de projeto. Tomando como exemplo a construo de um viaduto, ter-se-ia, resumidamente: (i) cravao de estacas; (ii) execuo dos blocos de fundao; (iii) concretagem dos pilares; (iv) execuo da superestrutura; (v) execuo do estrado. Em cada um desses itens podem surgir problemas relacionados aos materiais empregados e.g.: (i) concreto das estacas pr-moldadas sem resistncia agressividade do solo; (ii) reao lcali-agregado no concreto dos blocos; (iii) espaadores inadequados, marcando a superfcie externa e vulnerando a armadura corroso; (iv) graute sem fluidez adequada, deixando vazios nas vigas protentidas; (v) m qualidade do material betuminoso usado na camada asfltica, respectivamente ou aos processos (mo-deobra), e.g.: (i) trmino da cravao antes da nega adequada; (ii) colocao das ferragens sem o devido cobrimento; (iii) nichos de concretagem e segregao de agregados; (iv) aplicao de protenso aqum do especificado; (v) aplicao da camada asfltica com espessura insuficiente, tambm respectivamente. Como se pode concluir, em virtude da infinidade de problemas que podem se dar nos materiais ou processos empregados em obras, torna-se impossvel a verificao do xito do empreendimento atravs de auditorias de obras, mesmo em se tratando de auditorias de acompanhamento. Assim, sem olvidar da importncia da auditoria de obras para a verificao de preos e quantidades pagas aos contratados pelo Poder Pblico, devese concluir que a efetiva verificao da qualidade de uma obra (e dos materiais e procedimentos nela empregados) somente pode ser realizada aps a mesma estar concluda. Nas fotografias abaixo, todas de pontes e viadutos em uma BR, no estado de Pernambuco, concluda h pouco mais de dois anos, pode-se ver facilmente as conseqncias da m qualidade dos processos ou materiais empregados em obra:

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Adiantando matria a ser tratada no item Lapsos Temporais para Responsabilizao da Construtora abaixo, pergunta-se: Qual deve ser a de vida til de uma obra qualquer? E qual deve ser a de uma obra pblica?

O pedao de concreto na extremidade superior da estrutura de conteno do aterro do pequeno viaduto, no resistiu sequer ao peso do engenheiro que inspecionava a obra. O pedao rompeu e se precipitou.

Na foto esquerda possvel observar a rachadura na ponta de vrias placas de concreto ao longo da pista. direita, v-se em detalhe de que forma as rupturas se formam.

As fotos acima mostram um dos mais comuns problemas encontrados em rodovias: a degradao dos encontros entre a pista e as pontes ou viadutos. A correo de tais defeitos com camadas asflticas somente maquia o problema, no se constituindo soluo efetiva.

O trecho prximo ao apoio elastomrico (foto esquerda) apresenta diversas rachaduras que se prolongam diagonalmente da extremidade inferior esquerda parte superior direita do trecho mostrado nas fotografias. Um detalhe das rachaduras mestrado na foto direita. Tais rachaduras esto associadas inaptido da estrutura para absorver esforos cortantes 3.3

MacGregor, J. G., Reinforced Concrete, Prentice Hall, 1997:88; Collins, M. P., Mitchell, D., Prestressed Concrete Structures, Prentice Hall, 1991:310

esquerda, podem ser vistos restos de madeira e ao usados na construo, deixados incrustados na obra depois de sua concluso. direita, o deslocamento do aparelho elastomrico indica o deslocamento dos apoios.

A calhe de drenagem da ponte acima ficou completamente destruda aps as primeiras chuvas. Com a destruio, a gua das chuvas acelera a eroso nos encontros.

Fase de manuteno: terminada a construo e iniciado o uso da obra pblica, h uma tendncia sua natural deteriorao, em decorrncia do prprio uso, do

envelhecimento, da exposio ao sol, chuva, poluio, a variaes de temperatura, etc. Inspees peridicas posteriores ao trmino da obra tm grande importncia e devem ser procedidas por diversos motivos. Inicialmente, importantssimo que haja uma inspeo logo ao trmino da obra, de forma a se verificar a plena adequao entre a obra entregue e os projetos e contratos. Inspees posteriores tambm so importantes, especialmente, como j alhures recomendado, antes do trmino do prazo de garantia qinqenal e para viabilizar o chamamento do construtor responsabilidade por fora da garantia qinqenal (NOGUEIRA , 2005; PESSOA JR., 2005). lcito concluir, a partir da anlise das 3 fases acima citadas e consoante acima exposto, que as auditorias tradicionalmente realizadas em obras pblicas no se prestam verificao de diversos fatores que vo ter grande importncia na terceira fase da obra, i.e., na fase de manuteno, aps a entrega. Observe-se, ainda, que as inspees realizadas aps o trmino da construo das obras se prestam verificao no somente dos aspectos relacionados s garantias mas tambm de fatores que podem comprometer, a curto, mdio ou longo prazo, o funcionamento das mesmas. Assim, em uma rodovia, por exemplo, inspees posteriores entrega se prestam, no somente verificao de rachaduras, fissuras, panelas, deslizamentos de taludes (problemas estes, a princpio, de responsabilidade do construtor); mas tambm verificao de obstrues no sistema de drenagem, atos de vandalismo na sinalizao vertical, trfego caminhes com carga acima do permitido (problemas relacionados omisso o ente pblico ou privado responsvel pela estrada). Assim, com a realizao das inspees de auditoria da qualidade, realizadas nas obras prontas, h duas grandes vantagens. A primeira, e principal, se relaciona ao chamamento das construtoras responsabilidade pelos problemas de suas obras; a segunda se relaciona adoo, pelo ente a quem a obra foi confiada, das medidas cabveis para que a obra tenha um funcionamento seguro e duradouro. Observe-se desde j que um dos aspectos mais importantes das responsabilidades que fundamentam as auditorias de qualidade propostas no presente artigo a delimitao, a fronteira, a separao, entre o que de responsabilidade da construtora e o que de responsabilidade da Administrao Pblica. Em se constatando que houve um deslizamento de talude margem de uma rodovia, deve-se atribuir a responsabilidade construtora (que no teria efetuado o corte adequadamente) ou Administrao (que se omitiu do dever de

desobstruir o sistema de drenagem)? Tais problemas, conforme exposto no item abaixo, se resolve a partir de presunes de culpa.

Responsabilidades dos Agentes Envolvidos em Obras Pblicas Responsabilidade dos construtores Vrios so os fundamentos para a responsabilizao das empresas construtoras pelos defeitos nas obras pblicas. Inicialmente, vale salientar que a norma NBR 5.671 determina o papel das partes intervenientes nas obras de engenharia, definindo as prerrogativas e as responsabilidades de cada uma delas. Dessa forma, segundo a NBR 5.671, o executante tem como uma de suas principais responsabilidades examinar previamente o projeto e executar o empreendimento de acordo com o projeto examinado. Como se pode inferir, a sofisticao dos mtodos construtivos atuais, a ampla regulamentao da profisso do engenheiro, o prprio progresso da Engenharia e das cincias exatas, afastou deveras o construtor contemporneo dos antigos construtores e mesmo dos construtores de algumas dcadas atrs. Exige-se, hodiernamente, do profissional de engenharia, muito mais do que a peritia artis dos prticos do passado, alm dela exige-se a peritia technica, vez que a construo civil moderna processo tcnico de alta especializao (MEIRELLES, H. L., 2000:256). Corolrio natural da regulamentao da profisso do engenheiro, inclusive quanto aos aspectos ticos do exerccio de sua profisso, a responsabilidade pela perfeio da obra. O engenheiro tem o dever tico-profissional de executar com perfeio a obra que lhe foi confiada, h um dever de perfeio inerente prpria autorizao que o Estado lhe outorga para exercer seu ofcio. A obra deve ser executada como seria de esperar-se da qualidade e nvel de profisso e de especialidade do engenheiro, deve -se fazer a obra com toda a diligncia ordinria e a que resulte da natureza da obra ou da percia ou da tcnica do executante, ou decorra de exigncia especial feita pelo empreitante (PONTES DE MIRANDA , F., 1963:376 E 399). A obrigao do empreiteiro de resultado. No se confunde com a prestao de servio, que objetiva o servio em si; como obrigao de resultado, h na empreitada, a

necessidade de se considerar o resultado final, a obra perfeita, como o prprio objeto do contrato firmado entre as partes. Deve-se atentar circunstncia de se considerar o resultado final e no a atividade como objeto da relao contratual (PEREIRA , 1999:202). A obra o resultado certo e determinado que se deve apresentar slida, segura, sem mculas (vcios, defeitos, problemas judiciais ou administrativos) e em perfeitas condies de uso e funcionamento. A obra perfeita aquela que, construda de acordo com o projeto, no apresenta defeitos ou vcios, aparentes, ocultos ou funcionais. Deve-se atentar, tambm, para a necessidade de a obra atender s funes para as quais foi projetada; sua funcionalidade imprescindvel4. Dessa forma, ainda que no haja qualquer aluso contratual expressa acerca da necessidade de a obra estar perfeita, a obrigao de perfeio da obra inerente a todo contrato de construo. H, assim, ampla aplicabilidade da teoria dos vcios redibitrios. Vcios redibitrios so quaisquer vcios que revelem falta dos elementos quantitativos e qualitativos, que excluam o valor da obra, ou a sua utilidade para o uso ordinrio, ou para o uso que se apontou no contrato. Os vcios redibitrios fazem exsurgir a pretenso redibitria, ou a quanti minoris; devendo-se atentar para a finalidade do uso concretamente considerado da obra (PONTES DE MIRANDA , 1963:401). Caracterizada a existncia de defeitos na obra, nasce a pretenso do contratante rejeio da obra imperfeita ou defeituosa ou ao recebimento com abatimento no preo se assim lhe convier. O fundamento da pretenso do adquirente da obra defeituosa, pretenso redibio ou ao estimatria, o princpio de garantia; o adquirente tem direito utilidade natural da coisa; se a coisa no serve para os fins a que se destinaria naturalmente ou se no corresponde, por causa dos vcios, ao valor que foi pago para adquiri-la, o princpio da garantia pode ser invocado (PEREIRA , 1996:74). Em havendo defeitos na obra e no havendo por parte do contratante a iniciativa de elimin-lo por sua prpria conta, luz do Cdigo Civil, h quatro possveis pretenses que exsurgem (PONTES DE MIRANDA , 1963:403): redibio, minorao do preo, eliminao do defeito, ou feitura de nova obra. A responsabilidade do construtor e as garantias pelas obras, que se impem segundo os fundamentos acima expostos, encontram tambm supedneo legal no4

O conceito de runa funcional, aquela decorrente da inadequao da obra para o fim a que se destina, reconhecido por jurisprudncia e doutrina aliengena ( .g., ERVITI, F. G., Compendio de Arquitectura e Legal, Madri, Mairea/Celeste, 2.001:155 SS )

Cdigo Civil, mais precisamente nos artigos 6185, 186 6 e 9277, e no Cdigo de Defesa do Consumidor. Quando os problemas construtivos surgem no prazo de 5 (cinco) anos, h uma presuno legal e absoluta de culpa do construtor. Saliente-se que o construtor, mesmo aps os 5 (cinco) anos referidos no 1.245, ainda pode ser responsabilizado pelos problemas desde que provada a sua culpa. DENTRO DOS APONTADOS 5 (CINCO) ANOS, PORM, A PRESUNO DE SUA CULPA LEGAL E ABSOLUTA. Essa a opinio de Hely Lopes Meirelles (sem negritos no original), ipsis litteris: Se a obra assim realizada apresentar vcios de solidez e segurana, j se entende que OUTRO NO PODE SER O RESPONSVEL POR ESSES DEFEITOS SENO O CONSTRUTOR. (Meirelles, H. L., Direito de Construir, 8. ed., So Paulo, Malheiros Editores, 2000:258) Na mesma esteira de raciocnio, Cavalieri ensina, in verbis: A responsabilidade do construtor de resultado, como j assinalado, porque se obriga pela boa execuo da obra, de modo a garantir sua solidez e capacidade de atender ao objetivo para o qual foi encomendada. (...) Essa responsabilidade s poder ser afastada se o construtor provar que os danos resultaram de uma causa estranha fora maior, fato exclusivo da vtima ou de terceiro, no tendo, aqui,

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Art. 618. Nos contratos de empreitada de edifcios ou outras construes considerveis, o empreiteiro de materiais e execuo responder, durante o prazo irredutvel de cinco anos, pela solidez e segurana do trabalho, assim em razo dos materiais, como do solo. Pargrafo nico. Decair do direito assegurado neste artigo o dono da obra que no propuser a ao contra o empreiteiro, nos cento e oitenta dias seguintes ao aparecimento do vcio ou defeito.6

Art. 186. Aquele que, por ao ou omisso voluntria, negligncia ou imprudncia, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilcito.7

Art. 927. Aquele que, por ato ilcito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repar-lo. Pargrafo nico. Haver obrigao de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

relevncia o fortuito interno. (Cavalieri Fo., S., Programa de Responsabilidade Civil, 4a. ed., So Paulo, Malheiros Editores, 2003:342) A presuno legal e absoluta de culpa do construtor por problemas surgidos nos 5 (cinco) anos do prazo de garantia legal (responsabilidade objetiva) j foi, naturalmente, levada s cortes nacionais. No julgamento do Recurso Especial ? 2.302, de 14 de maio de 1990, o Ministro-Relator Waldemar Zveiter, em seu voto, cita o alto magistrio de Aguiar Dias (sem destaques no original), ad litteris et verbis: Desde que se manifeste (o vcio construtivo), A RESPONSABILIDADE DO EMPREITEIRO SE ESTABELECE DE PLENO DIREITO, e nenhuma prova pode ser exigida ao proprietrio, que GOZA, CONTRA O EMPREITEIRO, DE PRESUNO, SEM POSSIBILIDADE DE PROVA EM CONTRRIO (...). (Aguiar Dias, Responsabilidade Civil em Debate, Forense, 1 a ed., p. 59) Assim, nos termos acima expostos, a responsabilidade por problemas surgidos em obras pblicas do construtor.

Responsabilidade dos projetistas e consultores Os consultores e projetistas podem ser responsabilizados pelos problemas construtivos em obras pblicas desde que haja prova da culpa desses profissionais. Ademais, os seus erros devem ser de natureza tal que no permitisse construtora detect-los quando da execuo dos projetos. Assim, tem-se claro que as presunes de responsabilidade que se aplicam s construtoras no podem ser estendidas aos projetistas e consultores. A responsabilidade das construtoras objetiva, independente de culpa ou de prova; enquanto a dos consultores e projetistas depende da prova de sua culpa. Ademais, a responsabilizao de consultores e projetistas no teria grande valia no caso de obras vultosas. Nas mais das vezes, tais profissionais apesar de

participantes diretos de empreendimentos que envolvem milhares ou mesmo milhes de reais no dispem de recursos para corrigir os problemas ocorridos em tais obras. Novamente, assim, os nus decorrentes de problemas em obras devem ser arcados pelas empreiteiras, que alm de poderem efetivamente arcar com a soluo dos problemas em obras tm o bnus maior na realizao de tais empreendimentos.

Responsabilidade dos gestores pblicos Os gestores pblicos que gerem recursos relacionados a obras pblicas tm por obrigao, no s a correta aplicao de recursos pblicos durante a contratao e execuo das obras, mas tambm e principalmente aps a entrega das mesmas. O fato que uma obra, e.g., superfaturada e de qualidade, certamente trar menor prejuzo populao e ao Poder Pblico contratante que uma obra com preos compatveis e sem qualidade. No se est aqui a defender superfaturamento de obra, mas o fato que uma obra sem qualidade tem potencial para causar prejuzo ao errio muito maior do que causaria o simples fato de ser superfaturada. Uma obra sem qualidade implica: custos associados correo de seus defeitos, contrataes emergenciais de solues paliativas, acidentes (e indenizaes) envolvendo particulares, e, muitas vezes, uma nova execuo de toda a obra. Dessa forma, o gestor pblico que deixa de acompanhar o desempenho da obra que contratou e deixa de acionar o construtor pelas garantias a que este ltimo est obrigado, perpetra ato de improbidade e incurso nas penas previstas em lei (Lei no 8.429/92 Lei de Improbidade Administrativa, sem destaque no original): Dos Atos de Improbidade Administrativa que Causam Prejuzo ao Errio Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa leso ao errio qualquer ao ou omisso, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriao, malbaratamento ou dilapidao dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1 desta lei, e notadamente: ...

X - agir negligentemente na arrecadao de tributo ou renda, bem como no que diz respeito conservao do patrimnio pblico ; ... XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriquea ilicitamente; Assim, o administrador, ao deixar de responsabilizar o construtor, contribui que o mesmo enriquea ilicitamente e causa leso ao errio com a sua omisso. Garantias relacionadas a obras pblicas no podem ser negligenciadas pela Administrao face aos princpios da economicidade, da legalidade e da probidade administrativa.

Lapsos Temporais para Responsabilizao da Construtora To logo concluda a obra pblica, e antes de seu recebimento, devem os gestores pblicos proceder a u ma verificao de sua conformidade com projetos e especificaes. O recebimento da obra somente deve se dar caso todos os vcios aparentes sejam sanados. Dentro dos 5 primeiros anos aps o recebimento da obra, em se constatando qualquer defeito de solidez e segurana (saliente -se o sentido abrangente de tais termos), presume-se que a culpa do construtor (garantia) e deve o mesmo ser acionado para a correo dos problemas. Aps os 5 anos, o construtor pode, ainda, ser acionado, mas desde que reste provada a sua responsabilidade pelo problema que a obra apresentou. Inexistem, aps os 5 anos, as presunes de responsabilidade do construtor. A sua culpa, agora, deve ser provada.

Implantao das Auditorias de Qualidade nos rgos Gestores As garantias relacionadas a obras pblicas e a responsabilizao dos construtores somente podero ser levadas a cabo atravs dos rgos responsveis

pela execuo obras. Assim, num primeiro momento devem ser adotados procedimentos para o recebimento de obras pblicas e execuo das garantias caso os vcios aparentes no sejam sanados pelos construtores. Um segundo e mais importante passo a adoo de auditorias aps a concluso das obras e antes do trmino de 5 anos da garantia qinqenal. Tal passo tido como mais importante porque, na maioria dos casos, os defeitos de solidez e segurana que no lustro se manifestam implicam maiores recursos para sua correo. Por fim, aps o trmino dos 5 anos, em se constatando algum defeito na obra, no podem os gestores pblicos, como soem fazer, aodar-se em contratar outra empreiteira para novamente fazer a obra. Deve-se proceder a uma investigao, ainda que sumria, das causas dos problemas achados na obra. Em se constatando que o defeito foi causado por vcio construtivo, ainda que o mesmo se tenha manifestado aps o lustro, deve o construtor ser acionado.

Concluses Props-se no presente artigo a implementao de auditorias de qualidade de obras pblicas com nfase no recebimento e em inspees antes e depois do prazo de garantia qinqenal. Partindo-se de uma anlise crtica das auditorias normalmente efetuadas em obras pblicas, discorreu-se acerca da maior efetividade das auditorias baseadas em garantias. Assim, a partir de normas jurdicas e jurisprudncia acerca da responsabilidade civil do construtor, foi justificada a necessidade de implementao de auditorias de qualidade atravs dos prprios rgos gestores dos recursos e delineouse a forma como tais auditorias devem ser realizadas.

Referncias: 1. Meirelles, H. L. Direito de Construir, 8. ed., So Paulo, Malheiros Editores, 2000. 2. Nogueira, C. L., Aplicao do Cdigo Civil e do Cdigo de Defesa do Consumidor na Verificao da Qualidade das Obras Pblicas, aceito para

publicao na Revista do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco em julho de 2005. 3. Nogueira, C. L., Ensaios No Destrutivos: Novas Ferramentas Para Auditoria de Obras Pblicas, publicado em Auditoria de Engenharia: Uma Contribuio do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, Organizadores: Souza de S, A. L. e Pereira, G. P. C, pp. 171 182, Ed. CEPE, ISBN 85-89019-02-0, Recife, 2005. 4. Nogueira, C. L., O Art. 618 do Cdigo Civil Brasileiro: o alcance do conceito de solidez e segurana das obras, Revista do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, pp. 127 131, 2003. 5. Nogueira, C. L., Responsabilidade Civil do Construtor e sua Aplicao em Auditoria de Obras Pblicas, publicado em Auditoria de Engenharia: Uma Contribuio do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, Organizadores: Souza de S, A. L. e Pereira, G. P. C, pp. 183 196, Ed. CEPE, ISBN 85-8901902-0, Recife, 2005. 6. Nogueira, C., Calado, C., A Responsabilidade do Engenheiro (1), Recife, Jornal do Commercio, edio de 3 de julho de 2003 a. 7. Nogueira, C., e Calado, C., A Responsabilidade do Engenheiro (2), Recife, Jornal do Commercio, edio de 11 de julho de 2003 b. 8. Pereira, Caio Mrio da Silva, Instituies de Direito Civil; Vol. III Fontes de Obrigaes, 10a. ed., Editora Forense, Rio de Janeiro, 1996. 9. Pessoa Jr., Elci, Auditoria de avaliao da qualidade aps a entrega de obras rodovirias e responsabilizao dos envolvidos, publicado em Auditoria de Engenharia: Uma Contribuio do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, Organizadores: Souza de S, A. L. e Pereira, G. P. C, pp. 225240, Ed. CEPE, ISBN 85-89019-02-0, Recife, 2005. 10. Pontes de Miranda, F., Tratado de Direito Privado, Parte Especial, Tomo XLIV, Ed. Borsoi, Rio de Janeiro, 1963. 11. TCU, Auditoria de Qualidade das Obras Rodovirias Federais, Braslia: 2004.