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está submetido às regras gerais do Arranjo. As células, portanto, são grupos que se organizam
nas casas e seus membros subordinam-se por um lado, a uma agenda construída previamente
pelo fundador e disseminada pelas lideranças e, por outro, às regras organizacionais da
Fanuel. A inserção de novos membros realiza-se em cumprimento de algumas fases de
“engajamento”: a) O neo-discípulo: após participar de três reuniões consecutivas na célula,
efetiva sua participação no grupo dando início ao caminho do discipulado. b) discípulo a
caminho: após ter passado pela formação inicial que inclui o chamado Encontro de vida plena
em que o neófito se aliena do mundo durante um final de semana:
Pra você participar, você nos visitou hoje, a semana que vem você vai novamente na próxima semana você vai, na quarta semana consecutiva, na quarta visita consecutiva você é considerado membro da célula, você é... Considerado membro da célula,... A partir disso, nós começamos a trabalhar você para o primeiro encontro da nossa comunidade, que chama encontro da vida plena. Fazemos em uma chácara em um local bem retirado, que você fique o tempo todo em oração, o tempo ali, pensando somente naquilo e desligue totalmente das coisas externas, nada de... celular... tudo, desliga de tudo (líder de célula, grifo nosso)
No próximo estágio o discípulo torna-se c) efetivo, isto é, tendo concluído as
etapas da formação inicial, assume um compromisso maior com a comunidade. O novo
membro passará por um processo de assimilação do carisma da comunidade, sua história,
desafios e aulas de formação do que é ser discípulo Fanuel. E por fim, d) discípulo de vida
dedicada: o sujeito assume a lógica de atuação em células assumindo funções de liderança
sendo apto para assumir uma célula. Abaixo um esquema apresentado pelo folder de
divulgação dos chamados “católicos em células” que ilustra o que acabamos de relatar em que
se nota um sistema de ascensão – também chamada de “escada de crescimento”- que vai
desde “ganhar a massa”, instruí-la dentro dos moldes da comunidade e, uma vez “capacitada”
enviá-la para “ganhar” novamente mais membros. E o processo do “plano de carreira”
reinicia:
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Figura 26 – Processo de formação dos membros da Comunidade Fanuel
Fonte: Folder de divulgação da Fanuel.
Os arranjos católicos são entidades com propósitos e suas ações são planejadas.
Sua estrutura é o resultado de decisões conscientemente tomadas pelo fundador e demais
lideranças. Existem algumas metas oficiais que atingem o público em geral e metas
operativas, isto é, aquelas que moldam a estrutura interna do Arranjo. Elas diferem somente
em graus de especificidade. Há linhas de comando internas dos arranjos cabíveis somente
aqueles que a exercem. Mas, para que atinjam as metas-gerais, os objetivos dos arranjos
devem ser úteis em determinar como o trabalho ou “força tarefa” deve ser dividido. Na
Fanuel, algumas camadas operativas se preocupam, por exemplo, com a administração e
controle das células (seu tamanho, seu tempo de existência, perfil identitário de cada uma, o
quanto foi arrecadado mensalmente para a “obra”, encaminhamento dos objetivos pensados
pelo fundador etc.) e que outras se dedicam à “formação religiosa” ou a “capacitação
doutrinário-espiritual” dos seus membros. Entendemos que as metas gerais da Fanuel e dos
demais arranjos analisados possuem acentuado determinismo. Elas precisam o serviço
prestado ou o que se quer alcançar, por exemplo, a Fanuel tem por finalidade atingir os não
católicos e os católicos afastados, propiciando-lhes um (re)encontro com os sacramentos
católicos e sua inserção mais duradoura dentro da comunidade. Discorrendo ainda sobre as
metas dos arranjos e, em particular, a Fanuel, a sua estrutura interna pode ter de ser
reformado, sem afetar diretamente as metas mais gerais, mas acarretando uma mudança no
ambiente das células. É o caso, por exemplo, dos encontros semanais das células aos sábados
- e que duram no máximo duas horas - ocorrendo uma mudança no ritual ali vivido pelos
membros. Ao invés de iniciar o encontro com um breve “lanche”, a liderança entendeu que
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era mais interessante e significativo iniciar com um “jantar” para dar um aspecto mais
informal e “quebrar o gelo” inicial. A intenção do “jantar” é proporcionar um “clima de não
superficialidade” e de construir um contato mais direto entre a membrezia. Com base em tais
declarações, são tomadas algumas decisões, tais como as que aludem à divisão do trabalho.
Há uma cadeia hierárquica bem definida na Fanuel. O organograma ou o “sistema de
liderança” se apresenta da seguinte forma:
Figura 27 – Organograma simplificado da Comunidade Fanuel
O fundador do arranjo Fanuel, atualmente instalado na cidade de Botucatu, São
Paulo, possui o controle geral das regras, toma as decisões e anuncia-as aos subordinados. As
práticas das lideranças dentro deste arranjo tenderão a uma homogeneização no tocante às
regras assimiladas e exercidas construindo assim o que se poderia chamar de estilo de
liderança Fanuel. Embora exista uma variação marcada pelo estilo individual do líder (forma
de condução e interpretação das regras) há uma uniformidade das práticas e da metodologia
aplicada às células. A figura 27 demonstra, em forma esquemática as linhas de comando mais
comuns neste arranjo e as lideranças ali expostas tem por objetivo satisfazer algumas
necessidades, mormente aquelas das famílias efetivamente atuantes nas células, juntamente
com as metas dos grupos. Em outras palavras, há três preocupações que estão na linha de
frente da prática do líder: a) formar um grupo reduzido de doze pessoas porque a
DIRETOR FUNDADOR Moderador geral da comunidades
DIRETOR LOCAL Fanuel Santo André/SP
Secretaria
Supervisores Local
até 15 células
Orientador espiritual Local
Líderes de rede Multiplicador -5 células
Lideres de célula discipuladores dos leigos
DIRETOR LOCAL Fanuel Campo Grande/MS
DIRETOR LOCAL Fanuel Botucatú/SP
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comunicação entre os membros não fica fragilizada; b) promover a integração e c) formar
comunidade, multiplicando-a em outra célula. As lideranças que estão na base de atuação nas
células têm a preocupação de satisfazer alguns requisitos de manutenção para que o grupo se
mantenha em conjunto, coeso: promoção de um nível adequado de “harmonia”, apreciação
mútua entre os membros:
Outro aspecto precisa ter comunhão na célula, por exemplo, você vê que, por exemplo, as pessoas chegam nas células, querendo receber! Querendo receber! Mas com o tempo, ela vai percebendo algo mais, nossa!! esse povo tá sendo tão bom comigo, eu tenho de ser comunidade com eles. Tem algo diferente, e ali vai criando uma comunhão. (orientador espiritual)
Observa-se no relato acima um esforço da liderança de fazer avançar a
membrezia das células em direção às metas do Arranjo, seus planos, sua visão, missão e
valores. Provavelmente, nas células, as lideranças se deparam com conflitos entre satisfazer as
metas privadas dos sujeitos e os da organização em que fazem parte. Este líder desempenha
duas funções, uma que aponta na direção do líder tarefa direcionando sua prática para a
institucionalização (estabelecer uma padronização de deveres e comportamentos) da célula
que está sob sua responsabilidade e, outro na de um especialista social-emocional construindo
relações que permitam atingir os interesses particulares dos membros. A Fanuel estabelecendo
normas espera um comportamento aceitável entre as suas lideranças. O processo de
constrangimento ao cumprimento normativo consiste na, a) educação dos valores e metas
religiosas, b) acompanhamento e fiscalização do comportamento moral dos membros do
grupo, c) reeducação e apoio constante para que o indivíduo -, mormente aqueles(as) que
estão na base das células – não modifique seus hábitos e não recue em gestos que o declinem
moralmente: “A pessoa que entra na comunidade que assume a missão da comunidade, aí sim,
o caminho é fazer o que? É regularizar sua vida sexual, a sua vida na igreja, a sua vida com a
sociedade, enfim, é consertar o homem todo, né?”(mulher, solteira, auxiliar administrativa e
supervisora de célula).
A divisão do trabalho realizado na Fanuel pode ser entendida pelas diferentes
operações ou tarefas que as pessoas desempenham. Por exemplo, as lideranças de células
coordenam seus esforços para mantê-la dentro dos padrões normativos esperados e criar
nestes espaços integração entre os membros. Conforme o organograma exposto existem duas
direções que o trabalho da Fanuel pode ser dividido: horizontalmente, no sentido de separar
as tarefas que as lideranças desempenham e, verticalmente, o trabalho é separado com base na
finalidade do mesmo, que uma posição controla ou integra. Há uma diferenciação das tarefas
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necessárias para alcançar os objetivos deste Arranjo. O líder de célula tem por tarefa e quase
somente de execução e um pequeno grau de decisão e só pode sê-lo após passar por um
processo de formação da comunidade:
Também chamado de “pastor” ou “discipulador”, o líder é responsável para
manter sua “pequena comunidade” integrada e ser um “conselheiro espiritual” dos membros
“mais avançados da célula”, também chamados de “núcleo da célula” – e não necessariamente
orientar os “recém chegados”. Estes são auxiliados pelos chamados núcleo da célula que
“discipulam” (orientam) os novos membros que se associam à sua célula. Como se pode notar
há uma hierarquia também manifesta no interior da célula e aquele que a dirige aconselha a
membrezia e os educa dentro da lógica normativa da Fanuel:
[...] é alguém mais adiantado que já concluiu o processo de formação na comunidade, ou seja, uma pessoa que seja capacitada pra poder discipular outra poder mostrar o caminho pro outro. E aquela pessoa poder ajudar em todos os pontos. Então a outra compartilha, olha eu to passando na minha vida familiar isso. Que a gente procura o que? Dentro dos modos da igreja católica, o que a igreja nos ensina a gente mostra o caminho. (mulher, solteira, auxiliar administrativa e supervisora de célula)
Acima do líder de célula (LC), vem o líder de rede (LR), que auxilia o
supervisor local (SL), cuida das células objetivando sua multiplicação. A rede aqui é
entendida geralmente como o resultado da conexão de várias células em conjunto, isto é, cada
cinco células constituem uma rede facilitando as informações que aí circulam. A rede facilita
a compreensão das interações recíprocas que ligam os componentes envolvidos. Dois dos
entrevistados são líderes de rede e são os responsáveis em acompanhar as células em reuniões
mensais. Acompanha-se o desenvolvimento e o crescimento de cada célula e o envolvimento e
comprometimento não só das lideranças das células, mas de toda a membrezia:
Até mês passado eu liderava uma célula ao sábado. Todo sábado eu estava lá. Agora, a partir desse mês, eu passei a ser supervisora de célula, então eu não fico mais numa célula só. Cada semana eu visito é... da minha área são são três células, né? (ídem).
As reuniões tem o intuito de serem laboratórios para diagnosticar propriamente
os problemas apresentados pelos LC. Quando o LR identifica um problema, uma ocorrência
torna-se consciente de uma necessidade não satisfeita. O LR defronta-se comumente com uma
lista de fatos advindos das células do tipo adequação da membrezia às normas da Fanuel,
problemas de relacionamento entre LC e seu núcleo. No caso da Fanuel observou-se que sua
estrutura comporta objetivos a serem cumpridos, assim como um corpus normativo bem
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definido e a função dos LR é compatibilizar a estrutura existente com os anseios e desejos dos
LC. Uma vez diagnosticado os problemas e caso necessite um acompanhamento mais
próximo a orientação feita pelo LR pode ser feita de forma personalizada.
O LR possui uma competência geográfica e opera de forma a manter coeso as
células e intervindo oportunamente quando necessário orientando e cumprindo seu papel
consultivo para o LC. Esta atividade de aconselhamento empreendido pelo LR soa mais como
aquele que estabelece um “controle de qualidade” do grupo lembrando-os dos seus direitos e
obrigações. O principio escalar ou hierárquico da Fanuel define a graduação de
responsabilidades e o LR, embora sua função de subordinado seja definida, designada e
especificada pelo organograma sua função se distingue das outras lideranças pela prestação de
conselhos e supervisão. Identificamos que o LR informa ao SL sobre os problemas
decorrentes nas células trazidas pelos LC. Não só informa, mas aconselha, sugere soluções,
encontra argumentos, persuade – o mesmo também se verifica na postura do LC. E, por fim, o
LR supervisiona em substituição do SL, por delegação do mesmo.
O SL é aquele que possui uma visão panorâmica das células e é subsidiado pelos
LR que o mantém informado sobre a condução dos núcleos celulares. Sua presença se faz
esporadicamente e uma de suas funções é trazer estabilidade e solidez ao grupo. Geralmente é
o que conduz as orações dominicais nos encontros de todas as células e os instrui com
exortações, palavras de afeto etc. Entre as suas atribuições destacamos a verificação do
andamento das atividades mantendo a moral elevada das demais lideranças.
Membro antigo da comunidade, colaborador da Fanuel antes mesmo da
aquisição da chácara, o atual SL atuava na paróquia Joana D’Arc em Santo André no final da
década de noventa e especificamente acompanhava o “grupo de oração”, “escutava” as
pregações do atual fundador da Fanuel em uma “casa de missão” próximo à paróquia. Foi
neste período que o entrevistado ampliou seus laços de afinidade criando ciclos de amizade
com pessoas ligadas ao fundador e desde então sua atuação, antiguidade e empenho acabaram
por torná-lo o SL atual. Segundo o excerto, a sua autoridade é legitimada por todos pelo fato
de “estar a serviço” de um projeto maior. A estrutura pautada em princípios, valores,
característicos da Fanuel, têm prioridade sobre as células e o SL “precisa” apresentar-se como
o “primeiro a servir”. Para o SL há uma linha de autoridade muito clara que deve ser
conhecida e reconhecida por todos os membros. Embora não executando as tarefas em uma
célula exerce sua influência para que o trabalho seja feito por todos. A fim de alcançar as
metas da comunidade, o SL é reconhecido como figura-chave da comunidade Fanuel em
Santo André, mas sem eclipsar a importância da figura do fundador. Com curso superior
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incompleto, o SL é atualmente gerente de marketing com especialização em marketing digital
(elaboração de símbolos e criação de uma identidade digital). Trabalha exclusivamente com
publicidade para a internet, veículos de venda e comunicação via internet:
E aí, eu gostava de desenhar tudo, mas não era a minha praia. Apesar de ter algumas particularidades, algumas coisas similares, não é a minha praia. Eu comecei a exercer a profissão, aí parei, num é? Parei e já emendei, é... conheci a área de informática, comecei a trabalhar e já emendei alguns cursos que me levaram a isso, né? Hoje, eu... também continuo desenhando, mas de uma forma diferenciada que é pra publicidade pra internet, num é? Eu tenho formação técnica nessa área. Na verdade esse curso de formação técnica levarou seis anos (homem, 40, casado, SL)
Trabalhando há doze anos com desenho publicitário e especialista em photoshop,
a fireworks, a coreldraw atende vários segmentos religiosos – católicos e evangélicos - ou
não. Presta serviços para os segmentos católicos criando páginas e sites de paróquias da
região do grande ABC que, segundo o depoimento, totaliza “setenta paróquias católicas”.
Como “prestador de serviços, a estratégia de marketing utilizada pelo
entrevistado no mundo dos “seus negócios” é o fato de atender uma diversidade de públicos e
garantir que seus esforços estejam concentrados nos elementos de marketing que são mais
relevantes para o seu negócio. As informações do SL acima mencionadas nos remetem a duas
conclusões: a) Os padrões de serviços oferecidos pelo entrevistado estão voltados para um
cliente em “potencial” independente da sua confissão religiosa. Neste caso, o entrevistado cita
que atende também “bandas evangélicas”75; b) A cultura e o conhecimento técnico que possui
possibilita-o, enquanto empresa privada, instalar serviços a fim de atender o público
consumidor daquele serviço específico. Neste sentido, sua empresa é vista como aquela ligada
às necessidades e aos desejos do seu recipiente, isto é, consumidor. Este contrata seus serviços
de “competência digital” e o SL, com sua capacidade de pesquisar, interpretar os interesses e
necessidades dos seus clientes elabora o produto desejado. Além disso, é dotado de uma
cultura de adaptabilidade no sentido de ter capacidade de fazer conexões entre os desejos dos
seus clientes e liberdade para criar seus desenhos digitais. Cada Arranjo é possuidor de uma
identidade digital, um site, em que são veiculados sua missão, valores, objetivos76 e também
sua estrutura administrativa cujas “artes visuais” foram idealizadas pelo SL da Fanuel.
Prestando assessoria na área de marketing digital77 esta liderança criou os web sites dos
75 A referida banda gospel é a “oficina G3”. 76 A análise dos “sítios” dos Arranjos será arrolada posteriormente. Citaremos alguns aspectos gerais que identificarão cada comunidade como tal. 77 Conferir site desta empresa: www.abstratodesign.com.br – Acesso 20/04/13. O site abriga imagens de logomarcas criadas para empresas, por exemplo, de produções e eventos G12 ofertando serviços do tipo iluminação, efeitos de luzes, gravação de DVD etc. Entre os seus principais da G12 duplas sertanejas, TVs
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arranjos Fanuel, Chagas de Amor, Árvore da Cruz e o fez gratuitamente, mas segundo ele,
tudo começa com um diálogo prévio.
A Logomarca de algumas paróquias do ABC paulista e os sites dos Arranjos
supracitados foram elaborados por ele. Antes da elaboração da “arte visual” do cliente há um
estudo que é realizado previamente – análise do histórico da comunidade, arquitetura, cores,
sua inspiração, seu “carisma”, documentos etc. – somente depois que o conceito ou aquilo que
identifica ou se aproxima do que o cliente deseja, emerge.
A arte visual elaborada (web sites, blogs, logomarcas etc.), segundo o depoente é
uma forma de ilustração cujo objetivo principal é uma representação visual de um design, de
um totem digital78 a ser utilizado pelo cliente em seus objetivos específicos. Embora
expressando sua visão de mundo, sua maneira de interpretar os serviços que lhes são
oferecidos através do seu trabalho, ele é um designer e não um artista. Isto quer dizer que
responde principalmente a um comando e deve levar em conta – e é avaliado por isso – um
usuário-alvo específico. Atualmente é solicitado por indicação de outros usuários e isso
contribui para visualizar sua empresa, sua imagem ao público que atende:
Segundo ele, o sucesso do seu empreendimento enquanto web designer não está
relacionado aos seus serviços somente. A rede social que construiu nestes doze anos
possibilitou certa consolidação, mormente à clientela católica, seja das chamadas “novas
comunidades” ou de paróquias. A relação criada entre empresa-cliente, segundo sua
abordagem, não foi assimétrica (controlada apenas por uma das partes) e nem transitória. A
sua “carteira de clientes” construída nestes anos possibilitou-no uma fidelização daqueles:
Já tenho uma carteira de clientes, então, o cliente A que é católico, faz um show com uma banda evangélica num congresso, e lá surge um comentário qualquer, a pessoa acaba me procurando, inevitavelmente. Então eu tenho a graça disso, né? Saí do meio católico, estou no meio Cristão, mas continuo... trabalhando ali exatamente na mesma coisa (homem, 40, casado, SL)
Uma de suas estratégias de fidelização não foi o seu conhecimento técnico sobre
“arte visual”, mas o fato de em primeiro lugar atentar às necessidades e desafios dos seus católicas (Cancã Nova e Aparecida, Século XXI, Rede Vida), TV Globo e igrejas evangélicas (Universal e Mundial). Há também web sites e blogs criados para bandas e cantores católicos (Alto Grau, Diante da Cruz, Testemunha, Ceremonya, Diante da Cruz, Cantores de Deus (apadrinhado pelo padre Zezinho), Suprema Redenção, o cantor Bruno Malaquias, a cantora paranaense Graciele, a campineira Luciana Antunes, do pregador e coordenador do ministério da intercessão da RCC de Santo André, Adriano Marin) e bandas evangélicas (Vínculo, oficina G3). Além disso, há também a criação de web sites, logomarcas de paróquias católicas e de empresas e comércio S/A. 78 A análise das simbologias utilizadas pelos Arranjos católicos será verificada no próximo capítulo. Os símbolos digitais que identificam cada Arranjo são frutos de convenções, de interpretações dos seus próprios fundadores e que foram relidos pelo “prestador de serviço”, SL da Fanuel e, posteriormente aceitos para serem divulgados.
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clientes ou na linguagem do entrevistado é “conhecer a inspiração da obra”. Conhecer a
realidade a ser atendida – e, num segundo momento – não menos importante – ingressar em
um sistema permanente de relacionamento com o objetivo de atendê-los da melhor forma, isto
é, criar seu próprio network.
Uma das outras atividades que compõem a estrutura administrativa da Fanuel e
que corresponde a divisão do trabalho interno deste arranjo referem-se ao secretariado e as
finanças. Advinda de uma família católica não praticante, uma das LR iniciou sua formação
religiosa em uma das paróquias de periferia urbana em Santo André, Nossa Senhora de
Guadalupe. Neste ambiente participou ativamente nas atividades paroquiais entre 2002 e
2006. Mesmo não pensando em se tornar “freira” agostiniana sondou, dialogou com uma
“madre” sobre quais as possibilidades de efetivar uma aproximação de uma congregação
religiosa, mas decidiu-se por continuar “leiga”. Com ensino médio completo e com pretensões
de galgar no ensino superior, a liderança pensou optar entre três graduações: arquitetura,
relações públicas ou secretariado executivo. Independente da escolha e das condições
financeiras reais, seu objetivo em ser uma graduada é o fato de se qualificar para melhor
atender a comunidade Fanuel. Formou-se ainda em 2006 como auxiliar administrativa e desde
então atua nesta posição na comunidade como voluntaria recebendo um salário mínimo,
dinheiro recolhido das células e que provém do dízimo não obrigatório recolhido:
É que assim, é mais complicado você aqui dentro da comunidade nova, você, você, você pede o dizimo, assim, que geralmente é dado na paróquia e tal, mas a gente sempre procura falar pro, pra quem participa da comunidade o que, que você deve dizimar aonde você tá recebendo a palavra de Deus. Se é na paróquia, então dizime na paróquia. (mulher, solteira, 22, LR)
O tempo de trabalho é dedicado não somente em arquivar documentos ou
atender chamadas telefônicas, mas organizar encontros da comunidade, secretariando-os,
imprimir e entregar os “encontros bíblicos” elaborados pelo fundador, assim como seus
comentários direcionando-os aos líderes de célula. Cada pessoa efetiva, cada “discipulador”
possui uma pasta contendo os nomes, situações de vida da sua célula. Cabe a secretaria
registrar semanalmente o cronograma de trabalho inclusive as presenças dos partícipes das
células. Não há uma programação mensal já articulada ou um ciclo de trabalho já
preestabelecido, mas uma programação semanal ainda a ser construída conforme a sequência
de operações.
Outra função é o que se restringe a coordenação das finanças da comunidade. Cabe
a uma pessoa computar a quantia de doações mensais realizadas pelos membros da
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comunidade79, pagamentos de salários dos LR etc. Caso aja alguma ampliação ou construção
a ser realizada, neste caso, computa-se o preço dos materiais, estimativas de gastos e o crédito
em caixa. A execução do trabalho na Fanuel ou as atividades específicas desempenhadas por
alguns dos seus membros enquadra-se no sistema global deste Arranjo. Cada qual dentro do
organograma possui um controle sobre a atividade que desempenha. É o caso, por exemplo,
do atual LR e “formador da comunidade”. Ele mesmo expõe o cuidado por três células,
“supervisionando” a atuação das lideranças, treinando-as:
É o tratar desses três líderes, porque as pessoas que participam das células eu não tenho como atingir, né? Cada grupo tem 12 pessoas, né? Ai daria umas 36, 40 pessoas, né? Então, essa estrutura permite que eu trabalhe com esse grupo pequeno de pessoas que dá umas seis pessoas, é os três líderes e os líderes em treinamento. O líder por sua vez, ele vai trabalhar os seus 12 ali da célula. (homem, 27, líder de rede, formador da comunidade)
A formação da identidade do entrevistado adveio da tradição religiosa católica
consubstanciada em uma comunidade moral na qual ele foi reconhecido enquanto sujeito. O
jovem entrevistado de vinte e sete anos apresentou-nos, em sua trajetória de vida até descobrir
a Fanuel, dificuldades de entrosamento quando da sua participação na paróquia Santa Joana
D’arc em Santo André particularmente dentro do grupo de jovens. A comunidade Fanuel,
antes de ter seu própria autonomia religiosa, era ligada a paróquia supracitada enquanto grupo
de oração chamado “leão de Judá”. Não conseguindo firmar uma amizade duradoura, além de
não se identificar com o grupo de jovens, se sentido “isolado”, dispersando-o até o momento
do seu engajamento tímido no grupo de oração. Firmando-se neste como o seu núcleo de
referência básico percebeu neste ambiente uma possibilidade de identificação adotando-o
enquanto grupo que lhe ajudou e o apoiou quando mais precisava:
Eu não me identifiquei porque eu fiquei seis meses dentro do grupo de jovens e ninguém conversou comigo, num fiz uma amizade neste tempo e na comunidade (quer dizer Fanuel), a partir do momento que eu comecei a ir houve uma preocupação comigo, entendeu? E eu tava num ponto tão alto da minha depressão... (homem, 27, LR e formador da comunidade – grifo nosso)
Manifestando um comportamento “suicida”, como ele mesmo apresentou, recebe
suporte de um casal que lhe proporcionou gradativamente estabilidade emocional e,
consequentemente, influenciou-o a ponto de manifestar sua adesão ao grupo, “consagrando-
se”. Formado em magistério e há doze anos na Fanuel recebe um reconhecimento do fundador
79 Não há nenhuma ajuda financeira advinda da ICAR local ou da diocese de Santo André e os arranjos desenvolvem seu próprio sistema de recursos financeiros administrando-os conforme a demanda.
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promovendo-o como formador religioso de todas as células em Santo André. Com este capital
simbólico atribuído e representado por ele como, uma “graça particular recebida”, cuida da
educação religiosa dos membros das células. As pessoas que se iniciam no núcleo das células
não possuem “experiência paroquial” prévia. No processo de formação religiosa, os neófitos
são “educados na fé católica” a partir de premissas elementares ensinando-os as orações
básicas: “ave-maria” e “padre-nosso”. Embora feita com adultos, esta pediatria espiritual
aplica-se como primeiro passo – caso aja necessidade – na inserção dos iniciantes à lógica das
células.
O passo seguinte é ensinar como obter a “intimidade com Deus” ou um
“conhecer-se a si mesmo diante de Deus”. Há também uma reciclagem, atualização ou
“formação permanente” dos iniciados e veteranos. Nesta formação, mais doutrinária, reflete-
se basicamente a doutrina da igreja, as encíclicas dos papas, o catecismo da igreja católica
(CIC). A ênfase aos estudos e a reflexão racional parece não ter muita prioridade na prática da
militância das lideranças. Ela é necessária, mas não fundamental. A afetividade, as emoções
compõem as partes integrantes e fundamentais da vida das células na Fanuel. Não afirmamos
que uma (as relações afetivas) é afirmada em detrimento da outra (estudo reflexivo das
Escrituras cristãs e da doutrina religiosa). A doutrina religiosa não é abolida, mas há uma
tendência, segundo o entrevistado, dos “católicos ficarem presos atrás da letra”. Pelo
contrário, usam-na, afirmam-na e a relêem na ótica das emoções. Aquela se dilui a partir dos
interesses e necessidades afetivas observadas nas células. Os problemas que acompanham os
iniciados nas células e de que forma são administrados pelas lideranças são expostos no relato
a seguir:
Por exemplo, ó! Casam... coisa muito comum, casamentos que tão se acabando, né? Um dos problemas é... famílias que não tem uma estrutura assim, natalidade dos filhos, né? Que precisa de alguma orientação, nesse sentido, né? E ai a gente atua nesse sentido também, né? De trabalhar com essas pessoas a questão que o método da igreja ensina né? Tem pessoas... tem uns três casos na comunidade, de homens que se libertaram do vício do alcoolismo, assim, através dessa acolhida, através de se sentirem amado, né? Através dessa... autoestima, né? Que, se levanta ali... desse trabalho pessoal que a célula favorece isso! A gente sempre tem uma pessoa que tá caminhando do nosso lado, se a gente tropeçar, aquela pessoa levanta, assim. (idem)
A Fanuel, mesmo possuindo uma estrutura de posições administrativas que lhe
dá um aspecto minimamente burocrático, no entanto, reflete uma parte deste Arranjo.
Poderíamos cair na armadilha de pensar que nestes locais, construídos por este tipo de
catolicismo leigo são resultados de uma arena de uma luta épica entre racionalidade e
emotividade. Enquanto agentes de transmissão religiosa, a Fanuel sustenta sua “fé católica”
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dentro de um espaço de reinterpretação simbólica que vai além da reprodução dos valores
católicos rígidos, mas o fazem segundo critérios subjetivos tidos como relevantes para a
“evangelização”, daí a utilização da afetividade e da emoção como dispositivos importantes
de aproximação e coesão do grupo. A continuidade da tradição católica se dilui e é
reformulada segundo as normas e valores deste Arranjo e de suas lideranças. Neste sentido, as
escolhas e direções apresentadas por estas comunidades em células e cimentadas pelos
interesses do fundador tende a ter precedência sobre a fidelidade à tradição recebida.
A formação de atitudes e valores nos membros da Fanuel está por sob influência
constante das normas, regras de vida deste Arranjo. Este regramento dá aos seus membros,
mormente às lideranças, uma espécie de mapa ou uma guia que os orienta em seu
comportamento no grupo. O antigo adágio cujus régio, ejus religio80 pode ser mantido sem
alteração do texto latino no ambiente da Fanuel e dos demais arranjos, por uma ligeira
alteração de sentido: “tem-se a moral religiosa do grupo em que se vive”.
Os manuais de treinamento
Para que o membro a adquira faz-se necessário que incorpore uma visão do
significado do que é “ser uma igreja em células”. Neste sentido, institucionalizou-se na Fanuel
dois manuais81 de instrução ou subsídios que são veiculados, por um lado, aos membros do
Arranjo e, por outro, aqueles que desejam ter suas práticas a partir da organização em células,
sejam eles paróquias ou novos arranjos católicos. Neste último caso, a Fanuel oferece seus
serviços de assessoria caso algum agente religioso católico necessite. Os dois manuais que
agora apresentaremos sinteticamente foram forjados pelo fundador da Fanuel com co-
participação de outra liderança que atualmente é missionário leigo casado e líder geral da
Fanuel em Campo Grande, MS.
O primeiro subsidio82 intitulado “Ano para a Transição” – designaremos aqui
por (AT) - é confeccionado em quatro módulos – cada um deles terá por sigla (M) - com
durabilidade de doze meses e cujo objetivo é fazer com que os partícipes mudem seu foco, sua
visão de igreja e de mundo levando-os a adquirir um habitus e um modus operandi que
80 Tradução literal: “a religião é de quem é a região”. In Dicionário enciclopédico de teologia. Canoas: Ulbra, 2002. 81 Estes manuais circulam livremente no arranjo, sem com isso ter o aval oficial da autoridade do clero católico. 82 Este manual é de uso exclusivo da associação “católicos em células”, mas nos foi cedido gratuitamente pelas lideranças da Fanuel em Santo André e que será utilizado apenas como um dispositivo de interpretação deste Arranjo. O subsidio possui o titulo: “Ano para a Transição” e é dividido em módulo como segue: a) Módulo 1: “transicionar é preciso”; b) Módulo 2: “Lidando com a transição”; c) Módulo 3: “Mobilizando evangelizadores”; d) Módulo 4: “Iniciando células”. Lembrando ainda que este manual não possui editora e ano de publicação.
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espelhem o propósito geral do Arranjo: “crescimento e multiplicação”. O primeiro módulo
discorre sobre a necessidade de “mudança de paradigmas” (PERES & LIMA, ATM1, p.5). A
questão colocada pelo texto intencionalmente é que a estrutura organizacional católica foi
marcada e influenciada pelas mudanças históricas. Tal estrutura “envelheceu” insistindo-se no
“conservadorismo romano” perdendo espaços simbólicos, tendendo à obsolescência
comprometendo assim, a “evangelização dos povos”. O texto reconhece também que a
sociedade contemporânea emancipou-se em termos científicos, mas o “homem passou a
ignorar valores religiosos e manipulá-los”. A “postura” da “igreja” (entenda-se católica)
indicada por alguns dos seus representantes - tanto clero quanto leigos - é criticada. “Existem
batizados”, diz o texto, que “Nunca vão à Igreja (literalmente); Que só vão excepcionalmente
(por acaso); Que só aparecem em grandes ocasiões (sacramentos); Que só assistem aos
serviços religiosos (fregueses); Engajados doentis (clericalizados)”. Por parte dos sacerdotes
se referem aos seguintes itens: “Que fazem tudo sozinhos; que não aceitam novidades e
rejeitam as mudanças; Que não fazem nada e não deixam os outros fazerem”. (Idem, p. 6). A
referência aos chamados “clericalizados” diz-se daqueles(as) que “obedecem por obedecer”
ou “cumpridores de tarefas”, mas que “não vivem o evangelho”. Uma vez identificado o
“problema”, o texto segue na direção de romper com paradigmas equivocados e “reencontrar
padrões bíblicos” que sirvam de fonte de motivação e atuação deste grupo que “deseja ser
célula”. Um evento histórico e uma personalidade são utilizados para justificar a necessidade
de alterar os paradigmas: o concilio Vaticano II e a figura de João Paulo II. O concilio é lido
como “uma nova primavera da igreja” possibilitando a “reorientação pastoral” atentando-se
aos “desafios impostos pela modernidade”. E o papa global, João Paulo II, que anunciou uma
“nova evangelização” tanto em seus métodos quanto em sua linguagem, é utilizado como
pretexto para a mobilização de “novos grupos” co-participantes da “evangelização do
mundo”.
O texto alude também à diferença existente entre a “igreja com células” da
“igreja em células”. Segundo a abordagem do texto as duas configurações são possíveis, mas
a primeira é insuficiente senão deficitária em seu termos. As células, na primeira situação,
tendem a um ajustamento dentro de uma estrutura de “pastoral” tornando-se “meros grupos
pastorais” executando apenas serviços religiosos. De fundo, faz-se uma crítica às chamadas
estruturas paróquias convencionais.
A paróquia é uma área geográfica delimitada onde há um prédio paroquial com
seus serviços religiosos correspondentes e que exerce ou não influencia neste espaço. Esta
148
territorialidade83 constituída e imaginária é uma das marcas da paróquia e comumente é
estruturada em torno de um pároco e uma equipe de leigos a que são confiados os trabalhos
(pastorais), mesmo que não haja entre eles afinidades espirituais ou teológicas específicas.
A “Igreja em células”, por sua vez, é incentivada como modelo padrão porque se
afina com o “modelo da igreja doméstica neotestamentária”. A “Igreja em células” assenta-se
num tripé – lar, templo e serviços - criando um “equilíbrio conjugado e valorativo” se,
comparado ao modelo anterior que, favorece um desequilíbrio hipertrofiando uma das partes
do tripé, a “dimensão corporativa” (os rituais religiosos no templo). Delineado as chamadas
estruturas tradicionais e convencionais a que incorre uma “Igreja com células”, o seu
contraposto, o em, acentua a importância do seu protótipo: “na Igreja em Células está o
equilíbrio: no templo a fé é celebrada, nos lares ela é vivida e nos serviços ela é
compartilhada, fazendo com que o corpo cresça na qualidade como na quantidade, alcançando
novos cristãos” (PERES & LIMA, ATM1, p. 14, grifo nosso). Reforçando esta premissa,
nota-se ainda, e para além de um dado meramente descritivo, dois atores religiosos coletivos
que se socializam a partir da configuração comunitária a qual se mantém vínculos. A estrutura
paroquial convencional ou, na terminologia da Fanuel, Igreja de Padrão Convencional (IPC),
que constrói um sujeito religioso “cumpridor de tarefas” e se limita à sua pastoral ou grupo
específico. Já, nas células, o sujeito religioso que dali emerge preocupa-se com a “vida do
corpo celular”, mas é regido também por valores que o identificam como tal.
As células são vistas como “pequenos grupos” que favorecem tal proximidade
construindo “vínculos mais duradouros”. Nas células, há um incentivo que os seus membros
realizem-na no afeto, na emoção e no entusiasmo.
Segundo a Fanuel, tais propósitos encontram seu equilíbrio na “Igreja em
células” (IC) que unem “dons hierárquicos e carismáticos”. As questões que se referem ao
magistério católico, ao “templo”, estão condensados nos “dons hierárquicos” entendidos
também como “asa corporativa”; os dons carismáticos, por sua vez, sinalizam o “pequeno
grupo familiar, a célula, entendida também como “asa comunitária”. As duas unidas
proporcionam o equilíbrio supramencionado. Segundo a Fanuel, a vivência comunitária sob o
influxo apenas da “asa hierárquica” não cria proximidades afetivas, apenas ratifica o
83 Esta territorialidade é geralmente considerada como uma forma de garantir a participação da diversidade social, profissional e geracional. Entre estes últimos destacamos as chamadas “catequeses” especificas a cada faixa etária. Este registro geográfico permite ainda elencar que a comunidade paroquial atende aqueles que vivem em seu território através dos serviços religiosos que são oferecidos: a missa dominical, a catequese, as pastorais, o atendimento personalizado do pároco (confissões individuais e comunitárias), bênçãos, casamentos, batizados, exéquias etc. Obviamente, o exercício destas atividades depende do sacerdote e a quem ele delega e que esteja sob sua supervisão.
149
investimento em prédios, em templos, amplia e reforça a distinção leigo-clero,
“supervalorizando” o segundo sujeito da díade emergindo dai um “paradigma doente onde
existem especialistas que ministram a fregueses”. (PERES & LIMA, ATM1, p.10). A Igreja
das “duas asas”84, como é referida pela Fanuel advém de uma concepção forjada pelo pastor
luterano William Beckham (2007).
O estabelecimento de uma relação amigável com o magistério católico inclusive
com os seus “cultos dominicais” e regidos por “especialistas” é condição sine qua non para a
sobrevivência deste Arranjo dentro do campo católico. Mas, a Fanuel não dispensa uma
crítica do catolicismo convencional. Pelo contrário, o vê regido por princípios diretores
impessoais e não passam segundo este Arranjo, de regras costumeiras e “incompletas” e, por
causa do seu tamanho e de sua liderança burocrática, impedem uma flexibilidade no tocante
aos locais de encontro, a organização de lideres, como o é neste Arranjo. A transição de uma
IPC para uma IC requer tempo e a mudança de ordem estrutural é gradativa conforme o
esquema abaixo:
Figura 28 – Esquema celular das comunidades
Igreja Padrão Convencional Igreja Padrão Convencional Igreja em Células (IPC) com Células – (IPCC) (IC)
Fonte: Fanuel
84 O termo surge da alegoria a “Igreja das duas asas” do pastor Beckham e que se tornou domínio público, mormente dentro do campo evangélico atual. Diz o texto: “um dia o Criador criou uma igreja com duas asas: uma asa era o grupo grande da celebração e a outra asa representava a comunidade do grupo pequeno. Usando as duas asas, a igreja podia voar alto para os céus, entrar na sua presença e fazer a sua vontade em toda a terra. Depois de alguns séculos, a igreja passa a questionar a necessidade da asa do grupo pequeno, e a serpente aplaude essa idéia. Assim, a asa do grupo pequeno se tornou fraca, e a igreja se tornou uma igreja de uma asa só. O Criador da igreja estava triste, e na sua compaixão, estendeu a mão e remodelou a igreja para que ela pudesse usar as duas asas. Assim o Criador possuía uma igreja que podia voar até a sua presença e planar bem alto sobre toda a terra, cumprindo seus propósitos e planos”. (BECKHAM, 2007, p.46)
Estrutura convencional
Estrutura Celular
Valores Celulares
Estrutura convencional
Valores
Convencionais
Valores Convencionais
150
Na fase de transição, o primeiro módulo sugere três quesitos para uma transição
bem sucedida: a) “Adicionar o que ainda não existe na comunidade” b) “Adaptar o que existe
e funciona para render ainda mais” e c) “Cortar serviços que não frutificam e concorrem com
as células”. Este processo de desmonte de uma IPC corresponde, grosso modo, um rearranjo
da suas estruturas, consideradas inadequadas ao o sistema de células sugerido, que exige das
suas lideranças uma postura dirigida a um ponto de vista mais relacional.
Outra característica desta transição para a IC deriva da adjunção provisória no
intuito de desmantelamento de “grupos” ou “pastorais” que impedem, retardam ou até mesmo
eclipsam esta transição. Por exemplo, um dos objetivos é conduzir o fiel católico, o não
comprometido com pastorais e que busca na ICAR serviços religiosos, uma mudança de
mentalidade: deixar de ser um consumidor, um membro da platéia, um mero observador para
ser um produtor e um colaborador na efetivação de uma célula, um pequeno grupo e,
consequentemente seu desdobramento. O subsídio, neste seu primeiro módulo, sugere que a
paróquia deixou de ser realmente uma comunidade, para especializar-se nas funções de
hospedagem de pastorais e movimentos católicos (Legião de Maria, Vicentinos, grupos de
oração etc.) assimilando-os dentro de uma lógica apenas funcional. Da mesma forma, a
paróquia, tornou-se um organismo centralizador e prestador de certo número de serviços
religiosos que são oferecidos e distribuídos dentro das pastorais e movimentos constituídos
neste ambiente. A organização em células exige para si a posse exclusiva de um espaço, a
“casa” no intuito de tecer entre seus membros um laço de proximidade que se revela na
maneira de agir e numa dada maneira de pensar – obviamente dentro de certos padrões
valorativos estabelecidos pela Fanuel – com certo grau de liberdade diante da monotonia e
homogeneidade impostas por um sistema IPC, mormente ao que se refere ao ritual católico da
missa e a determinados tipos de “comportamentos” considerados inadequados à estrutura
celular. A seguir trataremos brevemente do “segundo módulo” do subsídio “Ano para a
Transição”. A mudança de valores dos neófitos e o exercício dos mesmos são imprescindíveis
na configuração celular. Segundo o texto, há também uma necessidade de desconstrução de
determinados valores que foram cristalizados e inculcados nos sujeitos habituados dentro de
uma lógica comportamental evocada pela IPC. A integração de novos sujeitos ao modo de
vida oferecido pela Fanuel consiste em aceitarem dentro de si as opiniões e sentimentos,
desejos e simpatias do grupo em questão. Este Arranjo considera que os novos sujeitos
estarão plenamente integrados em seu seio quando não somente possuírem um lugar definido
que é o “seu” lugar (assumirem sua liderança interior), mas quando pensarem que aqueles, os
pequenos grupos, são “exatamente” o seu lugar. O texto põe em contraste dois tipos de
151
comportamentos morais verificáveis tanto na IPC quanto nas IC. Suas características são
apresentadas a seguir:
Tabela 1 – Quadro sinótico IPC versus IC
Fonte: Fanuel
A Fanuel é simpática aos valores cooperativistas defendendo a união, o auxilio
mútuo e integração pessoal: “Concretamente podemos dizer que nossa fé se origina de valores
cooperativistas que não são praticados com a excelência possível porque se chocam com
estruturas e práticas individualistas” (PERES & LIMA, ATM2, p. 11). A Fanuel adota para si
os princípios cooperativistas85 salvo as adaptações feitas em vistas de atendimento da
realidade das células. Uma vez identificado sua identidade corporativa e envernizando-a com
valores cristãos católicos, o Arranjo entende que tais princípios ajudam-no a aplicar seus
próprios valores e ao mesmo tempo ser um dispositivo crítico à lógica da IPC. Destacamos
aqui apenas o quarto princípio, por nos parecer mais crítico porque o mesmo manifesta a ideia
de “autonomia e independência”. A autonomia pressupõe a possibilidade de liberdade de
consciência, de opinião e até publicação de materiais, mas o uso que a Fanuel faz deste
principio concentra-se no interesse de repensar com liberdade as estruturas de um catolicismo
denominado por ela de, “convencional”. O que o Arranjo reivindica é a vivência de um
catolicismo dissolvido dentro de outra lógica organizacional. Autonomia, neste sentido, é uma
85 Os sete princípios adotados são: 1) adesão livre e voluntária; 2) gestão democrática; 3) participação econômica dos membros; 4) autonomia e independência; 5) educação, formação e informação; 6) Intercooperação e 7) Interesse pela comunidade.
IPC IC
Comportamento Geral Individualista Cooperativista
Posicionamento em rituais
Atos de piedade e de culto de forma intimista
Comprometimento com aquilo que se acredita.
Relação com a crença e com o clero Relação verticalizada Relacionamentos afetivos
Comunidade Cada um cuida de si mesmo e de sua pastoral Gestão democrática
Convenções Acordos de mera convivência institucional Adesão livre e voluntária
Grau de interesse Isolamento Intercooperação
152
palavra que foi assimilada e relida, na acepção deste Arranjo, como a capacidade deste de
gestão do seu próprio espaço simbólico a partir de organização em células sem
necessariamente a interferência do clero. Isto significa que, a Fanuel possui suas próprias
políticas internas, regulamentos e decide como devem ser gerenciados os valores por ela
constituídos. Por sua vez, o conceito Independência é utilizado não como obliteração da
tradição católica com seu rol dogmático, ritual e santorial, mas se livrar do “vício” de uma
organização católica regida pela “prática individualista” reorganizando a doutrina católica
dentro do ambiente celular. A crítica manifestada no subsídio alude à estrutura organizacional
da IPC e não ao conteúdo de crenças mesmas desta estrutura. Quais outros elementos da IPC
que são considerados frágeis e deficientes aos olhos deste Arranjo? Este detecta várias
“falhas” de comportamento institucionalizado pela IPC sentindo a necessidade de pôr em
dúvida a oposição de atitude e de valor. Uma das observações e censuras expostas pelo
subsídio refere-se ao uso do “local sagrado” que a IPC faz em suas “celebrações”.
Uma das reivindicações subjacentes ao texto, mas é alvo de críticas diz respeito à
organização do espaço de culto, que distingue as áreas reservadas ao clero, aos fieis e aos
“engajados”. Esta concentração dos sujeitos em um único espaço é entendida como uma
forma desestimuladora de participação comunitária minando o projeto cooperativista. Ao
mesmo tempo, o texto alerta para que as reuniões das células num único espaço celebrativo
não se assemelhem ao que ocorre na IPC. Pode haver aí um espectro das células reproduzirem
ou deslizarem para uma forma “convencional” mesmo no ambiente das casas. O
relacionamento construído pela IPC deixou de ser “íntimo” e constrói, por conseguinte, um
tipo de interação negativa e com “alto índice de isolamento”. Nas IC, ao contrário, o
individuo não é deixado em isolamento, conhecem-se, encontram-se, vivem muito pouco
isolados uns dos outros. Contudo, estes contatos são realizados num primeiro momento, em
círculos pequenos, como já foi mencionado, em guetos. As relações que se constroem aí
também são regulamentadas por regras e sanções – como ocorre também na IPC -, mas
acentuam-se a consideração às “pessoas” e, em segundo plano, as “instalações” (PERES &
LIMA, ATM2, p.12). Além do individualismo, a IPC é acusada de engendrar práticas
consumistas, condicionando seus fieis a serem “expectadores” e não “protagonistas”. O texto
também não está de acordo com o sistema piramidal existente no catolicismo em que pequena
parcela dos leigos assume trabalhos paroquiais corroborando e sustentando um modo de
divisão de tarefas hierarquicamente definidas. A Fanuel detecta – segundo sua ótica – alguns
“desvios” cometidos pela IPC e não deixa de considerá-los patológicos. Outro alvo de crítica
153
é o fato da IPC tratar os seus fieis como números e reproduzir minimamente o “pragmatismo
contemporâneo”.
Esta mentalidade pode ser detectada também nas posturas de lideranças na IPC
que, ao estarem em sintonia com o “relativismo contemporâneo” acabam por minar um
“ambiente de vida comunitária” objetivando apenas “resultados numéricos, quando não
financeiros” (PERES & LIMA, ATM2, p.18). Ao considerar as várias implicações da
mudança em direção à mentalidade da IC e perceber seus “conteúdos humanos”, os agentes
que desejam “transicionar” para uma IC e, consequentemente tornarem-se líderes de células
são convidados a desenvolver uma habilidade em lidar com estas questões. A IC considera
anacrônica a tríade “rezar, pagar e obedecer”86 designada como “paradigma ultrapassado a
partir do Concilio Vaticano II”. Ao valorizar as premissas cooperativistas, a IC considera
problemáticas as reuniões pastorais da IPC consideradas muito “racionalizadoras” tratando as
discussões emocionais e assuntos interpessoais como irrelevantes. Segundo a Fanuel a
mudança de “paradigma” não é apenas para ser “ouvida”, mas implica também numa
“mudança pessoal”. A participação em células exige uma mudança de mentalidade e de
valores daquele(a) que esteja empenhado em constituir um grupo de células também chamado
de “agente de transição”. Há um padrão comportamental a ser alcançado e o argumento
utilizado para que tal mudança se efetive é o fato de que não basta um “líder eficiente”
visando “produtividade”, mas que o “agente de transição” necessite de um questionamento de
seu próprio caráter, visão de mundo e do seu próprio catolicismo. Esta integração do líder em
potencial e que precisa ser instruído a um novo sistema de plausibilidade se situa no nível das
suas atitudes e, por correlação, ao nível das suas hierarquias de valor. No entanto, o “agente
de transição” precisará repensar sua prática antes de assumir os valores propostos pelo
“programa de treinamento” da Fanuel. São eles: a) Empatia: romper com a “frieza e
indiferença” diante das carências manifestadas pelos neófitos, isto é, estabelecer “relações
com as pessoas afastadas da Igreja, que carecem de salvação”; b) Propósito: atribuir à vida
um “valor e um sentido”; c) Busca de Colaboradores: redefinir suas redes de contatos ou
86 O Conselho Nacional do Laicato do Brasil (CNLB), organismo representativo dos leigos católicos no Brasil articulado desde 1975, abriga em seu site informativo, reflexões e documentos. Em texto redigido por ASR, então secretário Geral do CNLB Sul I e Coordenador do Conselho Diocesano de Pastoral da Diocese de Lins em 2011, intitulado “Cristãos Leigos e Cristãs Leigas: memória, história e perspectivas” desqualifica o chavão mencionado. Apoiando-se nas decisões conciliares reivindica, por sua vez, o “protagonismo do leigo” e seu compromisso com a pastoral “fé e política”, direitos humanos, cidadania e também com a CEB’s. Aqui o Concilio Vaticano é utilizado de forma particular para atender os interesses da CNLB diferenciando-se das propostas das IC católicas cujo interesse centra-se nas redes de amizade e multiplicação das células isento de um conteúdo político mais explícito. Conferir texto no site: http://cnlbsul1.blogspot.com.br/2011/06/cristaos-leigos-e-cristas-leigas.html. Acesso em: 20/04/13.
154
“estabelecer relacionamentos com aqueles(as) que lhe permitirão “colaborar” com o “novo
projeto de vida”; d) Pesquisa: reconhecimento das “próprias falhas” e enfrentá-las de modo a
“restaurar as muralhas” da sua intimidade; e) Auto-sacrifício: é necessário que o agente esteja
predisposto a “pagar o preço pelo sacrifício”. A obrigação moral é entendida como “sacrifício
de si” (PERES & LIMA, ATM2, p.24). Em tais condições, certamente admitimos que a
formação de atitudes e dos valores do “agente de transição” no nível da sua inserção religiosa
no grupo é progressiva. E o que se espera deste futuro “líder servidor” (LS) é elencado a
seguir: 1. “Vê no seu dom não um cargo para mandar e sim uma graça para servir”; 2. “É
exigente consigo mesmo antes de ser exigente com os seus colaboradores”; 3. “Comemora o
progresso de cada membro de sua comunidade”; 4. “Vive para desafiar, encorajando as
pessoas”; 5. “Identifica, desenvolve e investe em líderes; 6. “Insiste com sua melhora pessoal
contínua”; 7. “Promove a vida comunitária e familiar”; 8. “Confia nas pessoas e relaciona-se
com elas”; 9. “Começa as grandes mudanças nas pequenas coisas” (PERES & LIMA, ATM2,
p.24). Os nove traços supracitados assemelham-se ao quadro sinótico apresentado a seguir
construído dentro de um conceito de management ou de gestão administração e muito
utilizado em literaturas de “Introdução Geral à Administração”. O quadro faz um comparativo
entre o tipo de gestão tradicional de um gerente que foca em resultados e uma liderança com
perfil afinado com a contemporaneidade e opera cultivando relações de mútua confiança,
capaz de identificar os objetivos e necessidades subjetivas dos “subordinados”, amparando-os
e estimulando-os nesta busca:
155
Tabela 2 – Gerência versus Liderança.
Fonte: Caravantes, 2008, p.141
Os perfis da Liderança especificamente referenciados nos itens 1, 3 e 5 da figura
3 apresenta similaridades com os traços 8, 7 e 9 do LS, respectivamente. Um dos três
requisitos fundamentais para a “eficácia” da IC é a necessidade de implementar e manter a
cooperação entre os membros cuja responsabilidade maior é depositada nas lideranças de
células. O ponto crucial para a transmissão dos valores creditados pela Fanuel é efetivar
relacionamentos positivos de forma a manter a lealdade entre os membros. O LS é convidado
a motivar as pessoas do seu pequeno gueto religioso empreendendo esforço físico e mental no
intuito de resolução de problemas apresentados em sua célula, daí a ideia do auto-sacrificio,
da abnegação das suas próprias vontades e desejos em favor da satisfação e desejos pessoais
dos neófitos, dos valores aos quais se submete demonstrando ainda o sentido de pertença
católica. Feita estas observações é necessário examinarmos até que ponto o fundador e o líder
156
geral de Campo Grande da Fanuel, ao confeccionarem o manual de transição, estariam
informados - consciente ou inconscientemente - pelas novas formas de gestão e liderança do
mundo corporativo atual utilizando esta visão, agrupando e adaptando-a a IC. Notamos que há
aqui uma concordância textual entre o líder corporativo e o líder servidor expostos
anteriormente. Tal concordância provavelmente é fruto de intercambio de informações que
estas lideranças majoritárias da Fanuel possuem sobre novas formas de gestão empresarial.
Entendemos que cada Arranjo não é uma ilha, isolada do seu contexto social e religioso.
Portanto, esta interação forneceria tanto um guia direto de crenças, necessidades próprias do
mundo organizacional contemporâneo quanto um guia indireto, ao focalizar determinadas
informações – pelo menos aquelas mais relevantes – para dar significado ao contexto das
células da Fanuel. A partir destes pressupostos, o texto do manual foi ajustado às próprias
percepções peculiares das lideranças supracitadas. O ponto de familiaridade e afinidades entre
as características das duas lideranças, a corporativa e o LS, demonstram um grau de
intertextualidade cujos autores recorreram sem uma fonte explicitada87. Entendemos por
intertextualidade, a presença explicita ou implícita de um texto em outro. Segundo Bakhtin,
(1992) cada “enunciado é um elo de cadeia muito complexa de outros enunciados” (p. 291). A
inserção de pontos e declarações no manual de transição, relacionando suas semelhanças,
traça o perfil de um “líder” contemporâneo próprio do mundo corporativo com o LS. E a
adaptação efetivada constituirá, certamente, a produção de novos significados, por outros.
Esta “nova” leitura da LS proposta pelos autores do manual, além de fazer eco ao texto-fonte
(Tabela 2) em vistas do deslocamento de idéias de um contexto para outro, provoca também
alteração de sentido. Este amálgama entre a liderança religiosa e a coorporativa é o que
possibilitou criar talvez um modelo de liderança ideal para a Fanuel. Ainda no tocante à
intertextualidade, podemos dizer que, os autores do manual reproduzem o “estilo” de uma
liderança corporativa absorvendo parte das suas características e em outros trechos, utilizam a
figura de Neemias como o precursor da liderança em células, motivador dos seus liderados
incentivando-os nas suas dificuldades.
A percepção desta mudança é fundamental ao líder e demais colaboradores da
Fanuel. Mas, a apreensão desta visão não é suficiente. Faz-se necessário uma “reengenharia”
ou uma reestruturação por completo desde as instalações prediais, passando por um “plano 87 Há uma citação solta dentro do segundo módulo do manual extraída de um consultor estadunidense, J. C. Hunter, produtor do livro “O monge e o Executivo”, vendido em livrarias e classificado como literatura “auto-ajuda”. Nele, Hunter desenvolve a ideia do “líder servidor”. Reproduzimos aqui a frase deste autor inserida no manual e que caracteriza um dos muitos traços da liderança servidora da Fanuel: “Autoridade é a habilidade de influenciar pessoas para trabalharem entusiasticamente visando atingir objetivos comuns, inspirando confiança por meio da força do caráter” (PERES, ATM2, p.24).
157
pastoral” pautado nas células modificando inclusive o calendário anual das atividades
(PERES & LIMA, ATM2, p. 35). O termo “reengenharia” surge pela primeira vez no manual
e é utilizado no sentido crítico. Refere-se à necessidade de modificação dos mecanismos
internos da IPC, dos seus processos e práticas de administração das pastorais já existentes, a
fim de reconstituí-los em um novo formato e com novas funcionalidades. Esse processo de
desmonte de uma estrutura católica constituída de pastorais e movimentos oferecendo
“serviços religiosos” específicos é interpretado como ineficiente e ineficaz. A IPC é tida como
incentivadora de criar nos fieis uma lógica consumista tendendo a reproduzir no seu ambiente,
o modus operandi do mundo secular. Por este motivo a reengenharia significa reformular os
pressupostos e os métodos da IPC, otimizando o processo de criação de “sujeitos produtores”
que tenham consciência do que é “ser católico” na perspectiva celular. Portanto, a
reengenharia é o processo pelo qual a organização que existe hoje (paróquias) é aposentada e
a versão ideal da nova organização (IC) é construída voltada para as pessoas, à sua
multiplicação e não tanto ao pragmatismo característico das pastorais. A participação no
processo de transição da IPC para IC envolve “confiança”, cooperação e “empenho” de todos
os envolvidos e, dependendo do tamanho da comunidade, poderá leva até três anos para a
implantação deste novo design. (PERES & LIMA, ATM2, p. 36). A IC é focada em
resultados, o crescimento e a expansão das células. É ganhar almas e salvá-las dentro dos
parâmetros doutrinários católicos relidos nas células da Fanuel. Uma vez assumida esta nova
postura, exige-se daquele (líder em potencial) ou comunidade católica disposta a
“transicionar” assimilar ou “viver os padrões” propostos da Fanuel. Entretanto, faz-se
necessário ainda, introjetar nas possíveis lideranças um conjunto de valores e uma “declaração
de ideais” ou princípios sem os descaracterizam uma IC.
A declaração dos ideais foram forjados pela liderança majoritária da Fanuel com
o aval do fundador. Ela expressa uma “direção geral, uma imagem e uma filosofia que guia a
comunidade. Além de apontar um caminho para o futuro, faz com que todos queiram chegar
lá. Deve representar as maiores esperanças e sonhos da comunidade” (PERES & LIMA,
ATM2, p. 37). Uma vez identificadas às características da IPC e IC e o processo que aí
decorre quando da transição de uma entidade organizacional para outra, os módulos 1 e 2
discorrem também os objetivos pelos quais a mudança é considerada viável, apropriada e a
importância do papel daquele(a) disposto ao auto-sacrificio. Para nós, o manual “Ano para a
Transição”, segue três fases de transição como segue: Definição – desenvolvimento -
implantação da IC. Dentro ainda do módulo 2, as equipes - dispostas a “transicionar” – são
convidadas a assimilarem a tríade amoldada pela Fanuel e muito utilizada no mundo
158
empresarial: missão, visão e valores de uma organização. A parte que a Fanuel descreve
sobre a declaração dos ideais, ela o faz utilizando um mosaico de citações implícitas, de
fontes que o antecederam e lhe deram origem. Numa visão estritamente empresarial, por
exemplo, a declaração é importante para o plano de negócios, os investimentos. A empresa
que possui um importante planejamento das suas estratégias (funcionalidade, marketing)
constituirá para si um diferencial com a chamada concorrência. A chamada fidelização do
cliente aos negócios de uma empresa ocorrerá não só na medida em que esta ofereça um bom
atendimento nos serviços prestados, mas por se identificar com ela. A empresa que constrói
um diferencial no mercado possuirá seu próprio caráter ou personalidade. Isto facilitará,
talvez, com que o cliente a visualize e crie uma identificação com ela. O sujeito principal e
idealizador da declaração é a liderança majoritária e, a partir dai, é elaborada a visão, missão
e valores de maneira que todos os níveis departamentais possam colaborar garantindo seu
reconhecimento e legitimidade.
Com este pressuposto mais uma vez, podemos constatar a intertextualidade
implícita presente na elaboração do manual. A chamada declaração dos ideais construída é
calcada nesta visão das chamadas “organizações empresariais contemporâneas”, com o
propósito de divulgar a proposta Fanuel. Consideramos ainda a instrumentalização que os
produtores do manual operam sobre contexto alheio, com o intuito de produzir determinados
efeitos de sentido. Por exemplo, as corporações contemporâneas (RIBEIRO, 2008) são
pautadas pela visão dos seus acionistas, definindo e comunicando sua missão aos demais
membros. A visão descreve um estado futuro desejado. Sua indicação deve ser clara com
tempo de “validade”. A missão, por sua vez, está conectada com os propósitos, os valores
pelos quais os membros estão unidos, cooperando uns com os outros (PERES & LIMA,
ATM2, p.38). A missão deve garantir com que os membros percebam e interpretem os
acontecimentos da “mesma maneira” senão sob “língua comum”. Por fim, as estratégias
refletem como a organização pretende alcançar sua visão. Na esteira do que foi mencionado
anteriormente, a Fanuel incorpora estes elementos exógenos, ressignificando-os nos padrões
por ela determinados. Definido com segurança a declaração dos ideais, o Arranjo possui sua
própria marca, uma identidade corporativa exprimida em seus valores comunitários através
de alguns elementos. Abaixo colocamos a declaração dos ideais da Fanuel numa tabela
ilustrativa:
159
Tabela 3 - Ideais da Comunidade Fanuel
Fonte: Manual Ano para a Transição, p. 40. - Fanuel
Uma vez identificada a declaração dos ideais, a Fanuel acentua a necessidade de
o líder geral ter uma visão geral da comunidade. Deve possui uma capacidade de unir e
mobilizar em torno de questões de ação da comunidade. A Fanuel incentiva sua liderança a
comunicar a visão celular de forma eficaz a todos do “rebanho”. Entende-se que o grupo
precisa de uma visão do quadro geral antes que eles possam compreender o seu pedaço do
quebra-cabeças. As declarações tanto da missão quanto da visão são enxutas, a frase é curta
facilitando a assimilação ou interiorização por parte dos integrantes da célula. A missão, a
visão e os valores expostos são elementos de estratégia organizacional e servem como guias
fundamentais para o estabelecimento dos propósitos/objetivos fixados pela Fanuel. A partir
disso ela desenvolve planos estratégicos e táticos com vistas a “excelência” na atuação.
(PERES & LIMA, ATM2, p. 41).
No Módulo 3 (M3) discute-se o significado do que é evangelizar, assim como,
indica pistas e orientações às ações de evangelismo. O M3 inicia-se com uma pequena revisão
dos módulos anteriores e o faz através da exibição de uma película evangélica intitulada
“Desafiando os gigantes”. Em rápida sinopse, o vídeo relata a vida de um treinador que, em
meio a crises profissionais e pessoais, incentiva seus jogadores a seguinte lição: para ter
sucesso, sua equipe precisa entender que, derrotados ou vencedores, há mais do que um
MISSÃO
Uma comunidade de católicos em células procuram ver e fazer ver a Face de Cristo
PROPÓSITO
Ser uma família de Deus onde cada membro seja um evangelizador, formando uma comunidade que cresça e multiplique
para o bem da Igreja
VISÃO Privilegie a adoração e a escuta da
Palavra de Deus, anunciar Jesus Cristo por meio da estratégia celular
ESTRATÉGIAS
1. Evangelismo pessoal; 2. Reuniões de células; 3. Assembléias de oração; 4. Eventos evangelizadores; 5. Promoção humana
ALVOS - Afastados (pessoas de fé subjetiva);
- Descrentes (pessoas indiferentes à fé)
160
simples esporte. Há também o poder da palavra de Deus e tenta convencê-los do “verdadeiro
poder da fé”. O propósito do M3 é convencer os chamados líderes de transição a se
perguntarem sobre seus valores pessoais, sua prática convencional de evangelismo e a
ineficácia em seus métodos. Para transicionar faz-se necessário uma mudança de ideais e
valores e, consequentemente, de métodos para assim alcançar o sucesso pastoral (PERES &
LIMA, ATM3, p.6).
Um dos fatores que podem estimular o crescimento das células e reverter a
situação dada é a forma de anúncio da mensagem religiosa elucidada no manual de
treinamento. Tal anúncio deve ser “atualizado”, isto é, “Deus cura e liberta hoje”. Mais do que
reflexões densas e teológicas sobre Cristo, o mais importante, na ótica das células é apresentá-
lo e tê-lo como “amigo”. O testemunho do “líder” segue uma fácil cartilha do ABC. É
necessário que ele seja A-legre: deve envolver com entusiasmo o interlocutor; B-reve: evita-
se relatos extensos sobre Jesus e C- entrada em Cristo: apresenta-se não tanto um “Jesus
milagreiro”, mas um “amigo” que entende as necessidades subjetivas. Portanto, o “sucesso da
missão eclesial não está nas grandes coisas que fazemos, mas na nossa percepção espiritual
que temos de Cristo... [...] evangelizar não é um trabalho que temos na Igreja, uma função
religiosa ou ocupação, mas o resultado natural na vida de quem vive em Cristo” (PERES &
LIMA, ATM3, p.17). O que se quer construir aqui é um “modelo” de líder prático. Ele auxilia
os demais membros da célula, sem contar os neófitos, desenvolvendo-os em seus potenciais.
Embora existam princípios subjacentes à sua prática, norteando-o no sentido de valores, a sua
preocupação fixa-se muito mais na abordagem dos neófitos e nas sua atitudes. Outra
característica esperada daquele(a) que assumirá uma célula é que seja um “visionário”
(PERES & LIMA, ATM3, p.22).
A visão celular deve ser guiada por este visionário caracterizado ainda por uma
“fé inquebrantável no Senhor, por uma oração perseverante, e por um revestimento poderoso
do Espírito Santo”. Estes líderes promovem a aprendizagem organizada, constroem fortes
relações com sua célula, não eclipsam sua visão organizacional e possui um “espírito
empreendedor” (PERES & LIMA, ATM3, p.22).
Para o arranjo, o “sistema falido”, dito IPC, não se afina mais às mudanças
verificadas na sociedade contemporânea. As chamadas táticas tradicionais de persuadir fieis,
na linguagem da Fanuel, é menos eficaz em um ambiente instável, mas desafiador para uma
IC, que trabalha com um tipo de liderança que se apodera do sagrado em seus próprios
termos, a partir do seu carisma, como dizem. A IC oferece um “modelo de negócios” pró-
ativo desenvolvendo e implementando um processo de desenvolvimento e crescimento
161
celular, bem como de treinamento de pessoal. A Fanuel considera-se
comunicadora/retransmissora da tradição da ICAR, não os “costumes antigos”, mas como
“fonte de inventividade” atualizando-a “num lugar preciso, num grupo preciso e num tempo
preciso”, isto é, “aplica-se a Tradição sempre, numa nova perspectiva” (PERES & LIMA,
ATM3, p. 26). O ponto nevrálgico da crítica feita pela Fanuel incide dentro do campo católico
e não do campo evangélico. Há uma luta simbólica interna de desqualificação de práticas de
um tipo de catolicismo que, para o Arranjo, mesmo que existindo, não possui criatividade
metodológica para alcançar seus objetivos. Segundo a Fanuel a IPC, sofre de um desgaste
estrutural de divisão simbólica clero-leigos e divisão dos trabalhos engajados por um lado e,
contribuintes-consumidores, por outro.
O evangelismo missionário da Fanuel possui uma estratégia proselitista de
crescimento territorial e humano. Não basta apenas mapear o bairro identificando nos seus
possíveis alvos, perfis profissionais e religiosos. É necessário “conhecer a necessidade das
pessoas percebendo quais os momentos certos de evangelizá-las”: (PERES & LIMA, ATM3,
p. 29). O manual ajuda os líderes a se posicionarem diante do seu próprio ativismo religioso.
Este, por sua vez, é uma mistura de estratégia para atrair e reter os de fora da IC, ao mesmo
tempo em que reforça a identidade da marca ou do Totem-Fanuel impulsionando o
crescimento. A Fanuel reconhece ainda que o tipo de cristão ideal possui um perfil “simpático
e amigável” e a exigência atual, dos chamados por ela de “incrédulos” é que não mais
necessitam de religião, mas “querem resultados na fé”, dizendo ainda “não ao ‘igrejismo’,
pois estão doentes de Igreja, embora famintas de Deus”. Preocupada com as técnicas de
aquisição de novos membros, estimulada pelo ambiente sócio-religioso brasileiro com sua
heterogeneidade religiosa e, consequentemente, uma exigência maior do fiel, a Fanuel detecta
a “incapacidade” moral e doutrinária da IPC de “envolver” aqueles que estão “de fora” da fé
católica. (PERES & LIMA, ATM3, p.31-39)
Existem duas categorias de pessoas que são alvos do seu “evangelismo”: a) Alvo
A – “afastados” ou cristãos batizados que se afastaram e que “necessitam de uma nova
evangelização”. Segundo o Arranjo, este grupo de pessoas é classificado como “mais fácil” ao
“evangelizador”, pois possui uma “noção” do que é ser cristão católico e b) Alvo D –
“descrentes”, “resistentes” ou também classificados por “sem religião” e imbuído de uma
cultura “materialista” e do “indiferentismo religioso”. Ambos os alvos são identificados
também por personagens bíblicos, Cornélio e Zaqueu, respectivamente. Ambos comportam
um rol de valores dos quais orientam suas atividades diárias e a chamada “conversão” está
estritamente ligada a “mudança do sistema de valores do incrédulo” (PERES, ATM3, p.40).
162
O módulo 4 (M4), por fim, orienta os líderes em potencial em 5 vias: a)
Compreender uma reunião celular; b) Compreendendo a liderança de uma célula e qual a sua
característica; c) Compreendendo os membros da célula; d) Como multiplicar a célula e, e)
Iniciando células. A via (a) reúne os cinco propósitos nas reuniões celulares. Todo encontro
segue algumas etapas e possui durabilidade de uma hora e meia.
Na acolhida realiza-se uma pequena ceia de 20 minutos para “quebrar o gelo”
fazendo com que todos “sintam-se em casa”. Na exaltação, de 15 minutos o momento de
orações, salmos e cânticos. Esta etapa é preparada antecipadamente pelo líder e seu auxiliar.
Na edificação, de 40 minutos lê-se uma perícope bíblica seguida de discussões participativas
e contextualizadas. Solicita-se à liderança, in off, permanecer atento às reações das pessoas e
identificar comportamentos negativos (espectador passivo, pessimista, humorista, emburrado)
e os positivos (propõe boas idéias, incentivador de outros, resolve conflitos). No evangelismo,
de 10 minutos é o momento do planejamento estratégico. Trata-se de contatar os alvos A e D
(já mencionados) cujo propósito é tornar cada membro um “missionário”. O associado,
membro da célula é convidado a se dispor a fazer contatos com os “estranhos” e, os católicos
afastados. Na entrega, de 10 minutos acontece a intercessão cuja finalidade é encorajar os
membros para a missão e o “combate espiritual” a ser realizado no cotidiano (PERES &
LIMA, ATM4, p-10-12). Na via (b) o interesse recai na chamada visão de liderança. Para
tratá-la, o manual associa premissas bíblicas com as atuais formas de liderança empresariais.
Se o objetivo das células é sua multiplicação oferecendo um produto (células) que irá resolver
determinados problemas, então o líder precisa ter o alvo claro em sua “cabeça”. Precisa
oferecer um produto que faz com que as pessoas digam por que não pensei nisso antes? Há
também uma exigência moral e técnica. Destacamos algumas: ser fiel à sua família, treinar
seu auxiliar na prática, ganhar, consolidar e treinar membros de células, visitar regularmente
cada membro, relacionar-se com alvos A e D, multiplicar sua célula em no máximo um ano,
prestar contas do seu ministério ao supervisor mensalmente. Sendo assim, o manual sugere
um organograma do sistema de células pautado no chamado modelo de Jetro (Ex 18, 21)
construído sob a máscara de atuais organogramas empresariais. Na via (c) discute-se a ideia
de maturidade da liderança. Separa-se simbolicamente quem são os capacitados, chamados de
Pai, e os em treinamento, referidos à Jovens. Os Pais são identificados como aqueles que
estão aptos a “evangelizar” os alvos A e D. Podem exercer seu ministério enquanto líder de
célula como supervisor. Os Jovens são aqueles(as) que estão em fase de treinamento, portanto
com baixa maturidade para assumir posições estratégicas. Além dos dois há também os
classificados como filhinhos, recém convertidos, carece de muitos cuidados e sua única
163
função neste estágio é convidar pessoas. (PERES & LIMA, ATM4, p.21-25). A via (d)
apresenta a visão de multiplicação celular e os fatores adequados para multiplicação: a)
tamanho ideal, isto é doze membros. A justificativa está no fato de que as linhas de
comunicação entre os membros ampliam-se razoavelmente e doze é um número ideal; b)
líderes treinados. As células devem contar com ao menos dois líderes auxiliares treinados. O
líder geral treina quatro pessoas. Após a multiplicação, deixa a liderança da célula e passa a
administrar como supervisor deixando em seu lugar o líder auxiliar na célula mãe; c) A saúde
da célula. Sugere-se que uma célula saudável transcenda as reuniões semanais aproximando
mais os membros de momentos de descontração, informalidade, festas e jantares evitando a
tendência ao isolamento e ao individualismo contemporâneo (PERES & LIMA, ATM4, p. 26-
29). Por fim, a via (e) instrui o líder geral da comunidade em células na sua fase inicial de
implantação do sistema tornando os seus membros co-responsáveis modelando o estilo de
vida dos neófitos para serem futuros líderes (PERES & LIMA, ATM4, p. 30-35).
A organização das chamadas Igrejas Celulares é atribuída ao pastor coreano
David Yonggi Cho criador da Igreja Yodo do Evangelho Pleno em 1958 na Coréia do Sul.
Considerada uma das maiores congregações de fieis no mundo, com uma adesão de 700 mil
membros em finais de 199488 influenciou a prática do mundo pentecostal contemporâneo.
Destacamos os G1289 (governo dos doze) nascido nas três primeiras décadas dos anos oitenta
através de um dos seus discípulos mais diretos de Yonggi Cho, o pastor colombiano César
Castellanos Dominguez. Similar a igreja em células coreana, o pastor de Bogotá adotou
também o mesmo modelo. A paróquia Santo Eustórgio em Milão, no mesmo período que
nascia o G12 colombiano, adotava para si também a experiência de células coreana. Pesquisa
realizada pelo padre católico Michael J. Eivers em 1983 da paróquia St. Edward, na Flórida o
levou a adotar a estrutura e a metodologia do pastor Yonggi adaptando-a na paróquia
americana90. O formador da casa de missão da Fanuel possui conhecimento afinado destas
experiências e não vê pré-conceito em adotar estes sistemas de células mesmo que nascidas
no berço evangélico. Rebatendo as opiniões e críticas que lhes são dirigidas por católicos
avessos ao seu Arranjo, o líder formador diz que a Fanuel não é “crente”, mas possui um
DNA católico, no entanto, considera com louvor que a metodologia é evangélica:
Já, tem... tem um diferencial, né? Nisso, né? Até... muita gente... chega, falando, né? Ah! A Fanuel é crente! Tá fazendo coisas de crente, coisas de evangélico, porque
88 Dados extraídos do site oficial da Igreja Yodo. Conf. www.fgtv.com. Acesso em 02/03/13. 89 Conferir site oficial in g12.me/es. Acesso em 02/0313. 90 Conferir site oficial da paróquia http://stedward.net/Cell_Groups.html. Acesso em -2/03/13.
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tem igrejas em célula pra todo canto e tudo, né? E na verdade, não é bem assim, né? As células, elas... são algo muito católico, é... por exemplo, começou com pastor, né? Lá na Coréia do Sul, chamado Po Yonggi Cho. (homem, solteiro, 27 anos)
Notadamente, há aqui um processo de contato intercultural realizada por estas
lideranças em que o sistema cultural próprio de cada região cruzou suas próprias fronteiras em
busca de experiências e práticas que lhes pareceram estranhas e acabaram por tornarem-se
familiares devido ao contato e, conseqüente envolvimento ulterior. Esta re-territorialização de
práticas religiosas coreanas produziu novas formas de vivência da fé tanto evangélicas quanto
católicas. Segundo Canclini (1990), estas “re-localizações de velhas e novas produções
simbólicas”, alteraram a compreensão do que é ser católico. A Fanuel, neste caso, construiu
tentativas de equalização da doutrina católica sob o influxo da Igreja em células coreana,
conjugando proximidade (metodologia evangélica) e distância (as células possuem uma
“essência” católica) estabelecendo paralelos conflituosos entre ambas. Estas ligações
transnacionais impactaram a estabilidade da doutrina católica intensificada pela mediação de
experiências evangélicas de origem asiática com modelos de gestão modernas resultando, por
assim dizer, na criação deste Arranjo. Esta combinação não é vista como assimétrica e
desigual pelo arranjador líder- fundador e demais lideranças da Fanuel. Ao contrário, esta
junção permite afirmarem-se como católicos estabelecendo fronteiras simbólicas de
identidade de grupo.
2. ARRANJO CATÓLICO CHAGAS DE AMOR
O Arranjo Chagas de Amor, localizada no parque das Nações em Santo André,
no ABC paulista com 8 anos de existência possui atualmente uma “casa de missão Nossa
Senhora do Carmo”91 situada na Vila Francisco Matarazzo, em Santo André onde é
confeccionado os trabalhos de administração, núcleos de formação, criação e divulgação das
atividades realizadas semanalmente e anualmente. Dentre elas, destacamos o encontrão
público de três dias intitulado Embriagai-vos do Espírito Santo, encontro das mulheres de
fogo, homens de fogo, além de mini reuniões públicas semanais realizadas no salão paroquial
Santo Antônio do Arraial, na mesma vila.
91 O arranjo mantinha mais uma casa em aluguel onde se concentrava a sede dos trabalhos missionários intitulada “casa de missão São Pio de Pietrelcina, na Rua França, Parque das Nações, em Santo André.
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Figura 29 - Comunidade Chagas de Amor, Bairro Parque das Nações, Santo André, SP
Fonte: Foto realizada por Vlademir Ramos
O fundador do Chagas, de 32 anos, possui um histórico familiar de pais católicos
paraenses não praticantes, cresceu dentro de um catolicismo tradicional familiar e social.
Admite ter adquirido os valores familiares e os traduz como importantes na formação do seu
“caráter”:
Então, a minha família é toda católica, fui batizado na igreja católica, fiz primeira comunhão, crisma, mas uma família que de professa católica, mas não tive o testemunho dos meus pais. Então eu não via eles freqüentando a igreja, eu não via eles indo à missa, servindo numa paróquia, numa comunidade... mas uma comunidade, uma família que se professava católica, mas não praticante como o que dizem hoje. (homem, leigo, casado, 32)
A descoberta da prática católica e seu posterior engajamento advieram
gradativamente e se iniciam sob um histórico pessoal de difícil resolução que o afetou
emocionalmente:
E normalmente nós dizemos assim que, ou se conhece a Deus pelo amor ou pela dor. Então o meu engajamento, a minha. a minha... vamos dizer assim a minha experiência pessoal com Jesus, para que eu pudesse à partir daí estar a serviço do reino de Deus na igreja, foi em um momento de dor da minha família. Então hoje eu tenho 31 anos, então há 15 anos atrás eu passei por um momento muito é. escuro, por causa das drogas. Durante 4 anos, dos meus 12 aos meus 16 anos eu fui usuário de drogas. É... maconha, álcool, cigarro, cocaína... e isso levou a minha vida de adolescente de 16 anos, uma vida de trevas, sem sentido, uma vida sem perspectiva e também com conseqüências familiares terríveis, né? Brigas, contendas, desrespeito, todo tipo de violência. Ou seja, quando eu me envolvi no mundo de drogas, eu comecei a destruir todos que estavam ao meu redor. (homem, leigo, casado, 32)
O surgimento de uma pequena rede afetiva em sua vida, sua futura esposa,
modificou seus hábitos. À convite de um amigo participou de um encontro de “jovens com
166
Cristo” e, segundo o fundador, a partir dele houve uma sincronização e um alinhamento dos
seus valores com os valores cristãos.
Há um clichê popular religioso muito usado nos grupos de oração e na RCC para
justificar a inserção do sujeito ao grupo: “Ou se conhece Deus pelo amor ou pela dor”. Este
relato feito de maneira retroativa sobre sua “conversão” e a saída do mundo das drogas
justifica o uso que faz do clichê. No relato a “dor” fez sentido. Ele recebe de Deus uma
“restauração” a partir do momento da sua inserção no mundo religioso. A “dor” foi
interpretada como caminho, uma “ponte” de indenização para Deus modificando seus hábitos.
O seu corpo, seu espaço doméstico, seu relacionamento afetivo se redefine a partir destas
escolhas que fez. Descobre ainda que sua vocação não se dirigia para o sacerdócio, mas para o
matrimônio.
Formado pelo SENAI e em Administração de empresas pela UNIA em Santo
André há oito anos, trabalhava em setor operacional numa indústria automobilística no abc
paulista com projeção de crescimento profissional. Paralelamente, militava também em um
grupo de oração na paróquia Santo Antônio e não tinha intenções reais de constituir uma
comunidade onde pudesse se dedicar, como ele mesmo relata, “inteiramente à obra de Deus”.
Havia dúvidas na decisão tanto no sentido de “evolução dentro da empresa traçando um
caminho seguro à promoção” como “se sacrificar em vistas de uma vocação interior abrindo
mão de certa estabilidade financeira”.
Apoiado pelos colegas de trabalho e sendo incompreendido pelo seu superior
imediato por não “entender de coisas espirituais” assume os riscos da sua decisão. Embora,
segundo o depoente, comprometendo-se com os votos de “pobreza, obediência e castidade”,
construiu um Arranjo sob adversidades e afetivas e sem ajuda financeira da diocese de Santo
André:
Interessante que ele não entendeu justamente pelo fato que eu tava traçando um caminho para promoção. Então ele não entendeu que uma hora eu queria tanto evoluir na empresa, mas que de uma hora pra outra eu queria abrir mão. E é claro, o homem natural, ele não entende as coisas espirituais. Então esse meu supervisor, de certo momento ele não entendeu, mas também não questionou a decisão, apenas respeitou. (homem, leigo, casado, 32).
Percebe-se aqui a construção de relações de confiança entre aqueles colegas de
profissão com equivalência base operacional que “entenderam sua decisão”, o que não
ocorreu com seu superior: “não entendeu, mas não questionou”. Não houve aqui por parte do
seu supervisor, uma má interpretação da mensagem, mas uma incompreensão do significado
167
da mensagem emitida pelo seu subordinado. Comumente a empresa é vista como um lugar de
produção, eficiência e rentabilidade, assim como, um lugar potencialmente de mudança e
desenvolvimento pessoal dos seus funcionários. O protocolo das relações ali construídas são
determinadas pela impessoalidade e as relações de amizade aparecerão em consequência do
tempo de trabalho. Demissões por motivos pessoais devem ser pautados em causas reais e
“sérias”. Não estaria aí um motivo da fala do entrevistado ao relatar que seu chefe “não
entende de coisas espirituais” no sentido que ele não interpretou seriamente a decisão do seu
subordinado, ou as coisas sagradas estão dentro de outro padrão lógico incompreensível ao
homem comum? O depoente afirma uma possibilidade de vivenciar o sagrado no secular sem,
de fato, desligar-se efetivamente. Percebemos aqui que o motivo do desligamento não era o
fato de ser “sal e luz na empresa”, como relatado, ou em outros termos, não haveria conflitos,
para ele, entre a ascensão pessoal, busca de lucros e religião mesmo porque, a liberdade
religiosa não deve se sobrepor aos interesses da empresa. Outra questão é o fato dos seus
“amigos” não estranharem sua decisão, ao contrário, incentivava-o porque “conheciam” a sua
vida. Provavelmente aqui não se estabelecia uma discriminação pela sua crença e até mesmo o
exercício dela no ambiente de trabalho. Talvez a proximidade criada com seus colegas de
trabalho ajudou-lhe em sua decisão. Esta relação provavelmente não era uma relação de
autoridade, verificável entre subordinado e patrão, mas uma relação emocional com base em
sentimentos de amizade e companheirismo que o motivou na efetivação dos seus objetivos.
Ele observa que o novo contexto situacional exige condições necessárias para a fundação de
uma comunidade. Registrada como Associação Privada de Fieis, o Chagas, possui CNPJ e
um centro de contabilidade onde está registrada a casa alugada, telefones etc. Ainda dentro do chamado “discernimento” no que se refere à fundação da comunidade, ela surge
gradativamente a partir do grupo de oração paroquial já mencionado e atualmente conta com
alguns membros efetivos “dedicados inteiramente à obra”, também chamada de “comunidade
de vida” e outros colaboradores ou sócios benfeitores – “comunidade de aliança”. Os
membros da comunidade de vida pertencem a dois diferentes estados de vida (casal –
fundador/esposa/filhos e três solteiros (duas mulheres de 23 anos e um homem de 21) e a co-
fundadora pertencente à comunidade de aliança:
Os chamados sócios benfeitores colaboram com determinada quantia mensal.
Mesmo que não compartilhem com a mesma visão e missão do Chagas, as pessoas que se
associam podem fornecer apoio financeiro e excepcional (doação, contribuição) permanente
ou não. A comunidade possui uma conta bancária em nome da Associação Fraterna Chagas
de Amor, e os recursos captados por este dispositivo visam manter a “obra”, isto é, seus
168
membros incluindo o fundador e sua família e suas atividades de cura e libertação espiritual.
Há também uma série de produtos oferecidos pela comunidade: DVDs de pregações, livros do
fundador, camisetas com a logomarca Chagas, confecção de trufas:
Como que é a captação de recurso da comunidade? Hoje nós temos benfeitores. Sócios que vão manter a obra, não é? Temos também os produtos que nós fazemos que são os livros, DVDs, temos também. nós fazemos trufa, bolo. é... a gente faz isso, e também as doações espontâneas que as pessoas dão. Elas dão roupa... Hoje por exemplo a minha filha estava com um sapato que ela ganhou, bem novo. Eu e minha esposa nos dispomos a vivermos com essa condição, não vemos problema nenhum. Não nos falta nada pra gente viver! E a gente vive, não vivemos no luxo, certo? Não vivemos na pobreza, mas sabemos viver quando temos e quando não temos. É uma maneira de viver com sobriedade. É lógico! Pra eu, pra minha esposa e pros solteiros, existe muito mais austeridade do que pros meus filhos. Para os meus filhos, por exemplo, o que eles precisam né? Escola... embora estudem na rede municipal, o plano deles é o SUS, mas uma roupa, um brinquedo, a gente tem tudo isso com a sobriedade. (homem, leigo, casado, 32).
A opção de vida feita pelo fundador envolveu sua família rearticulando-a sob
uma nova ótica organizacional e moral, no caso, a ética da sobriedade. A sobriedade parece
resumir a percepção do fundador sobre o restabelecimento de atitudes contrárias àquelas
consideradas por ele, excessivas do ponto de vista da sociedade de consumo. O estilo de vida
vivido agora e mantido mediante um regramento comunitário é capaz de transformar sua
situação e da sua membrezia. Há, portanto, uma regulação dos gastos da comunidade exigindo
daí um planejamento estratégico para suprir necessidades de subsistência e marketing dos
serviços oferecidos.
Mantendo uma distância relativa do mundo secular vê a necessidade de um estilo
austero para si, esposa os “solteiros” dedicados às atividades da comunidade e uma
flexibilidade moral favorável aos filhos. A austeridade católica relida pelo fundador priva
voluntariamente alguns prazeres e bens materiais a fim de concentrar na sua vocação
religiosa, mas não a ponto de negar aos filhos um mínimo de acesso à escola e à diversão.
Outro fator subjacente ao relato é o fato de que seus filhos não fiquem muito apartados do
capital simbólico oferecido pela sociedade:
Por exemplo, os meus filhos, por exemplo, no final de ano, ele nunca pede um presente. Mesmo vivendo essa atmosfera de Natal, mas se eu falar filho o papai não pode dar um presente de Natal pra você, ele vai entender. Mas nunca aconteceu isso. Então nesse fim de ano, dento do segmento de sobriedade, ela foi comprou um presente pras crianças, né? Simples... e pega a nota, no CNPJ da comunidade, e tudo vai pra contabilidade... então tudo é em nome da associação. (Idem).
169
Ainda dentro das estratégias familiares educativas dos filhos, o fundador, busca
interá-los dentro da moral da sobriedade. Em outras palavras, procura dar sentido e
significado à sua escolha agora dentro um novo sistema de plausibilidade tentando definir
objetivos para os “seus” dobrando os constrangimentos externos “consumistas” adotando
meios práticos para minimizar exigências lúdicas e educacionais dos filhos:
Meu filho tem 9 anos, pra fazer estudar já é difícil! Hoje em dia tem a bagunça, baladas. Lá em casa, por exemplo, eu e minha esposa... acho que já são valores, valores que a religião nos deu. Lá por exemplo nós não temos televisão na nossa casa. Você vai na sala de casa tem uma televisão. Mas é pro DVD, pra assistir em família, as crianças vêem em DVD. E tem uma no nosso quarto. Então as crianças se querem assistir desenho, por exemplo, assistem no máximo 2 horas por dia. Então é um padrão que a gente colocou, porque a gente procura ocupar o tempo com outras coisas. O meu filho, por exemplo, pelo menos 2 livros por semana, livro é de lei, um mais didático pra sua idade, por exemplo, a gente descobriu o valor disso. São livros pequenos, né? (Idem)
Os espaços da casa estão bem delimitados assim como as fronteiras entre o
público (preservação de laços familiares) e o privado (garantia de preservar a intimidade do
casal?), aquilo que pode ser realizado ou evitado. Há um alto controle nos padrões a serem
seguidos pelos filhos de forma a estabelecer limites. Notadamente, a vida em família está
localizada espontaneamente na esfera privada e em constante tensão com a esfera pública que
passa a ser associada a “bagunça”.
A providência divina também ganha espaço nos relatos. Sob uma aparente
“loucura”, o depoente ratifica a governança divina e seu monitoramento sobre o Chagas. O
fundador acredita que o caminho escolhido se enquadra dentro dos projetos “secretos” de
Deus que governa o mundo. O dito popular “Ao deus dará” se encaixa nesta perspectiva. O
compartilhamento desta crença de que há uma direção divina na história ajuda a enfrentar o
cotidiano alimentando assim uma ascese extra-mundo.
O imediatismo vivido não o faz pensar em questões, por exemplo, de regulação
“profissional” dos consagrados. Não há qualquer programa de proteção social que
proporcione um grau de segurança caso seus membros se confrontem com alguma doença,
sobrevivência pessoal ou até mesmo invalidez. Mas, há uma possibilidade de incluir esta
assistência em sua agenda organizacional:
Por exemplo, hoje quando a gente fala de INSS, né? Hoje nós não trabalhamos, nós não contribuímos né? Então nos temos dentro do nosso planejamento esta avaliação que não seria bom, as pessoas que se dedicam inteiramente à obra que através a comunidade fizesse essa contribuição, né? Particular ao INSS. Não existe porque a comunidade ainda não deu passos nesta estabilidade. Por exemplo, hoje nós temos
170
duas casas, nós moramos em duas casas que são de aluguel, mas estamos dando um passo, o ano que vem nós queremos comprar um terreno. (Idem)
O Arranjo Chagas possui duas casas alugadas. Uma delas aloja duas meninas
entre faixa etária de 20 a 24 anos consagradas à comunidade de vida onde se “dedicam
exclusivamente” à obra. Há também um jovem de 22 anos da comunidade de vida, mas que
reside na casa do fundador em quarto reservado para ele. Esta casa conta com cinco quartos,
uma sala e cozinha amplas. A área da varanda é constituída de um gramado e uma garagem
ampla com acesso à sala. O ambiente foi ocupado e organizado simbolicamente favorecendo
o intercâmbio com o público em geral e o gerenciamento das atividades: oração, atendimento
de algum usuário procurando atendimento espiritual, escritório onde são confeccionados os
folders de divulgação do Arranjo via email marketing, além de contar com impressoras,
telefones etc. A preocupação com o aluguel e a pouca habilidade no trato de questões
burocráticas e demais gastos são uma constante no depoimento do fundador:
Nosso campo missionário, aqui nossa vida paroquial, aqui é onde Deus nos enraizou, e você sabe que o ramo imobiliário é caro demais... uma casa de 5 cômodos, aqui essa casa, mil e cem nós pagamos aqui. Ela é grande, mas também é caro! Por exemplo, uma ONG consegue extrair benefícios, né? E dentro de uma nova comunidade, envolve a família fraterna, de depender totalmente de Deus, mas também que a providência se manifesta através destes meios, né? Nós nos reunimos em reuniões quinzenais, num conselho. (Homem, casado, 34 anos)
Indicando lugares próximos como Capuava e parque São Rafael (regiões de
periferia urbana de Santo André) para a “construção” de uma sede própria, o entrevistado,
“sonha” com uma doação em massa que lhe permite realizar seus objetivos contando,
obviamente com o poder da Providência que lhe oferece cobertura básica contra os riscos de
investimento em um terreno. Neste espírito empreendedor, combinado com uma forte fé na
Providência, o fundador “crê” que os meios que dispõe – seu conselho administrativo92 – lhe
ajudará a efetivar o projeto. Neste sentido, alugando salões e ginásios escolares no intuito de
realizar a “obra” da comunidade, o depoente deseja “liberdade” de atuação do seu
evangelismo:
E qual é nosso desejo, né? Nós queremos se Deus quiser esse terreno. Nós queremos um lugar pra viver em comunidade como irmãos, queremos um lugar pra acolher as pessoas que precisam um local de oração. Nós sempre alugamos salões paroquiais por aí, então chega uma hora que não cabe, a gente não tem liberdade. Então a gente paga. (Idem)
92 Optamos em utilizar o termo para designar um grupo de pessoas previamente escolhidas pelo fundador de forma a assisti-lo nas orientações e decisões estratégicas.
171
Os gastos também são computados e é uma das fontes de preocupação da co-
fundadora. Mulher, negra, 41 anos, solteira e sem filhos, de família católica, com exceção da
tia que, convictamente “segue a igreja evangélica dos mórmons” é ligada ao Arranjo via
comunidade de Aliança. Graduada em administração com ênfase em comércio exterior, pós-
graduada em marketing internacional e administração financeira. Embora possuindo
autonomia profissional e trabalhando na área financeira coloca seus serviços de intercessora
da oração à disposição da comunidade. Enxerga o Arranjo como “uma empresa regida por
uma espiritualidade” possuindo uma estrutura de pessoa jurídica e que necessita de controle
dos custos e despesas referente à missão empreendida pela comunidade:
Todo mês nós temos uma meta a atingir, o que é esta meta? Toda a despesa da comunidade, não é algo, por exemplo, este mês nós queremos comprar um carro novo, e isso mesmo? Comprar este carro numa meta de $15 mil não é neste sentido, e o que? A nossa meta é pagar todas as despesas da comunidade. Nós pedimos uma ajuda pras pessoas, não podemos ter o gasto com a missão, já fomos em uma e em várias outras vezes em missões que as pessoas não podiam, não tinham condição de dar a ajuda ministerial o que pedíamos, então nós não podíamos ir naquele lugar, vocês não vão poder nos ajudar? Eu tenho lá as pessoas que nos ajudam, os sócios amigos, temos ajuda dos chamados para levar a palavra em uma missão, por exemplo, o fundador esta semana está em missão. (Mulher, solteira, 41)
Há aqui uma preocupação com as dificuldades financeiras que o Arranjo enfrenta,
e que é característico da rotinização de uma organização religiosa. A co-fundadora se
preocupa em examinar cuidadosamente as condições da sua organização, mas sem relegar os
valores que a ela estão subjacentes. Por detrás desta aparente mentalidade pragmática é
realçada a intervenção divina. Mais uma vez é ela que dirige as ações dos integrantes do
Arranjo. A oferta de serviços religiosos precisa ser reposta pela comunidade solicitante de
forma a criar um equilíbrio entre receitas e despesas. Um importante aporte ao Arranjo a ser
ampliado e mantido são os chamados “sócios benfeitores” ou carteira de clientes que, mesmo
não possuindo um vínculo direto com a organização, se sensibilizem com a sua evangelização
continuada. Se as dificuldades são lidas como um “teste” de Deus para o Arranjo, assim como
o foi a “experiência da dor” que aproximou o futuro líder do Chagas novamente ao exercício
das práticas católicas, então a recusa do bispo de santo André em emitir qualquer espécie de
ajuda financeira para os Arranjos inclui-se também nesta perspectiva providencial.
Não existe esta ajuda. Eu creio que não existe também, porque nós não pedimos. Não falamos, olha! Dom Nelson, precisamos de ajuda... Mas eu sei que se pedirmos, a ajuda virá como for ajudar um filho qualquer, ele vai no ajudar, com certeza! Mas a própria comunidade ela tem que ter essa noção de sobriedade. Eu jamais eu daria um passo desses, sem saber que o meu trabalho ia gerar a providência! Então,
172
espontâneo não tem nenhuma ajuda, né? É claro, que a Diocese, ela abençoa o trabalho, promove os eventos, isto tudo é muito importante. (Homem, casado, 32)
O único apoio que lhes são ofertados é um incentivo moral, uma bênção especial
e, sobretudo uma fiscalização clerical interpretada pelos leigos como um acompanhamento
saudável que visa à um discernimento da sua missão, valores, mas, sobretudo, garantir a
unidade da Igreja:
Diante desta realidade que se tornou muito, muito próxima aqui dentro da diocese, esse nascimento, surgimento das novas comunidades, qual foi a visão do bispo que teve em relação a isto? Se eles estão nascendo, se eles estão crescendo dentro da nossa diocese, a missão da Igreja junto dando suporte, acompanhando, não, de maneira alguma é desconfiança, nós nunca enxergamos desta forma. Mas, do que? Estar acompanhando, ajudando naquilo, que é necessário de, um discernimento, aquilo que é necessário olha de como vocês estão caminhando hoje, como vocês definem o carisma de vocês, como vocês definem a missão de vocês? (Idem).
O chamado controle eclesiástico não é interpretado pelo fundador como um grupo
dominando o outro e nem que sua comunidade é “vigiada” e controlada do ponto de vista
coercitivo. Entende que este “acompanhamento” feito pelo clero católico tem por finalidade
manter o Arranjo numa condição que possa funcionar adequadamente, para que tais
propósitos (os do clero e deles) sejam realizados. O controle exercido pela hierarquia
concerne em prevenir ou impedir a ocorrência de coisas indesejáveis. Dois excertos a seguir
refletem a opinião do clero do ABC na figura do bispo da diocese de Santo André. Duas são
as preocupações e desconfianças do bispo. Um é o fato de que os arranjos podem transparecer
um “excesso de subjetividade” não correspondendo aí uma “inspiração do Espírito Santo” e,
outra, ligada à primeira, é o fato de causar divisão “destruindo a ortodoxia e a unidade da
Igreja” comprometendo e eclipsando assim a identidade católica:
[...] Muitas vezes os próprios grupos não são fieis em tudo e são auto-suficientes e autônomos em algumas coisas. Por tanto, assim em algumas coisas destroem a própria ortodoxia, muitas vezes, né? No rio da essência, mas em alguns aspectos da liturgia, né? Fazem por conta, não obedecem, ouvem apenas, mas não obedecem, acham que é... acham que não é, mas não é... Vive imitando os evangélicos, imitam os evangélicos[...]. No momento que você for participar de novas comunidades ai, eu não vejo nenhuma diferenças dos encontros evangélicos, é as mesma expressões das coisas, os mesmos pensamentos, textos, não tem muita diferença. existe Dentro dos movimentos (Arranjos) existe pessoas isoladas. arredias, estão mesmo contrárias a hierarquia, ou seja, não querem orientação da igreja, pessoas assim, a maioria cai fora da igreja, por que eles acham... que eles são a Igreja, eles não são igreja .. E por isso. funda outro grupo,... eu digo seita.
[...]Sobretudo se não vive em sintonia com a igreja, com padre na paróquia... se não houver sintonia... Se não houver comunhão e entusiasmo, primeiro sinal que não foi inspirado pelo Espírito Santo... Levar uma vida auto-suficiente? É a igreja que é
173
mediadora, né? Se a fé é uma fé que não for eclesial, não existe. Não existe fé sem ser eclesial. Na teoria de muitos hoje, que diz assim ‘eu creio em Jesus Cristo, mas na Igreja, não’ pra você ver é um absurdo, uma aberração... Uma aberração, um cristão, alguém falar assim. Não existe um movimento se não fizerem um sintonia, uma comunhão, porque é Igreja que vai reconhecer (o bispo diocesano e todo clero católico). Quem vai reconhecer a legitimidade de um movimento ou não, não é o fulano que fundou. Não é o fulano vai. É a Igreja que vai reconhecer! E isso é evidente quando se usa nosso direito canônico, né?[...] (bispo católico, 73 anos, grifo nosso)
Em poucas palavras, este controle do clero diz respeito ao ajustamento do
desempenho dos Arranjos – em termos litúrgicos e doutrinais – que ainda estão em curso, isto
é, estão sendo avaliados ou como “movimento eclesial em constituição” ou “supostas seitas”,
a fim de que seja alcançado um padrão doutrinário e, acima de tudo, não comprometa a
unidade religiosa.
A comunidade Chagas de Amor oferece serviços religiosos na linha de “cura e
libertação espiritual” para casais, jovens, homens, mulheres. Estes serviços religiosos estão
organizados em quatro linhas de apoio: a) Encontrões mensais dominicais: “casais de fogo”,
“homens de fogo”, “mulheres de fogo”, “jovens de fogo”; b) Cursos de formação e de
consultoria sobre a doutrina da Igreja católica: a figura de Maria, paixão de Jesus, o Espírito
Santo, aos casais - castidade conjugal, casais de 2ª união, educação dos filhos, harmonia
conjugal; c) Grupo de oração às sextas-feiras, no período noturno, na paróquia Santo Antônio
do Arraial; d) Encontros temáticos de “sete semanais de cura e libertação”, comumente
administrados pelo fundador e “consagrados” às terças-feiras também no período noturno e e)
Serviços de assessoria missionária: oferta de produtos e execução de serviços fora das suas
fronteiras missionárias mediante agendamentos antecipados: pregações, evangelizashow’s,
retiros, encontros ou formações. A Chagas como uma empresa de espiritualidade cuja
especialidade se acentua em oferecer “avivamentos”, conta com pessoal qualificado de
pregadores e missionários – não somente o fundador – disponíveis para executar os serviços
solicitados. O capital espiritual construído pelo Arranjo contribui de forma significativa para a
construção de redes entre paróquias e demais arranjos no Brasil que tenham por base esta
espiritualidade carismática. Num dos encontrões também chamados de “retiros de
avivamento” intitulados “mulheres de fogo”, os participantes “somente mulheres” são de
faixas etárias diferentes. A proposta deste encontro, por exemplo, é a chamada “cura e
restauração” dos partícipes:
Tem pontos que a gente não deixa de abordar. Que é o que? Sempre a cura da imagem feminina, né? Exatamente por isso, a mulher é sempre colocada muitas vezes em segundo plano, né? ali tem mulheres que estão indo para aquele encontro,
174
mas não caminham na Igreja, né? Às vezes vão à missa mesmo, não vão nem em grupo de oração, estão ali machucadas, feridas, mulheres traídas, então, sempre em nossos primeiros momentos, é esse momento de restauração da imagem feminina, sabe, de fazer a mulher, no meio de mulheres, não precisa ter vergonha, não precisa ter jeito, ter máscaras, olha pra você, se reconhecer mulher, se valorizar mulher saber se valorizar como mulher, como mãe, como esposa, sabe que Deus chamou cada um, e deu a cada uma delas a valorização do corpo, sabe, a figura feminina entendeu? (Mulher, negra, 41 anos, grifo nosso).
O discurso - religioso pronunciado pelo fundador ou um membro de
competência do Arranjo -, as orações que ali são feitas, em meio a murmúrios e cantos, para
se chegar ao objetivo proposto, a “restauração espiritual”, são construídos tendo por base um
estereótipo do feminino bem conhecido: a mulher como “esposa, mãe e trabalhadora”. Isto é,
a mulher como esposa e mãe, mas que se encontra em estado de “desgaste físico e emocional”
e requer uma reconstituição das forças. A indenização ou a satisfação dos danos enfrentados
no cotidiano feminino advém de um fármaco espiritual oferecido nestes avivamentos
coletivos.
Estes encontros tem por intuito ajudar e apoiar as mulheres em sua vida
cotidiana. O conteúdo dos encontros atende aos seguintes requisitos entretenimento,
informação e aconselhamento. Os tópicos ali trabalhados revestidos de muita reza em línguas
e cantorias, discorrem sobre temas considerados, pelo Arranjo, tipicamente do sexo feminino:
fidelidade, amor à prole, à Igreja, cuidado com o corpo. Esta imagem superwoman ou
“mulher perfeita” a destrói porque é através dela que os requisitos por ela veiculados
socialmente tornam-se mais difíceis de cumprir. Segundo o relato, ser uma super mulher não é
o único requisito solicitado a mulher contemporânea, pois outros são fundamentais e que lhe
proporcionam, de fato, “restauração”. Ainda, segundo o relato, “anunciar-se” como “filha de
Deus”, independente do lugar deste anúncio é que faz a mulher completa. Neste sentido, com
a mulher restaurada ou “incendiada” ela conseguirá manter melhor o seu fardo cotidiano. Os
demais encontrões seguem numa linha similar ao que foi exposto, mas dirigida a um público
alvo específico, já os chamados encontros de formação doutrinária e moral desempenham um
papel de esclarecimento de tópicos da fé católica: jejum e abstinência, catecismo da ICAR,
penitência, a pureza da Virgem Maria, penitência. Tais encontros, mais intimistas, são
ministrados na “casa de missão” Nossa Senhora do Carmo.
Outro serviço religioso ofertado são as chamadas “sete semanas de cura e
libertação”. Os encontros agrupam, em estimativa, sessenta pessoas entre jovens, adultos e
crianças de 0 a 12 anos e são realizados no salão da paróquia santo Antônio do Arraial. Neste
ambiente há monitores-consagrados que atendem somente as crianças. Estas, denominadas
175
“turminha dos chagas” são locadas em um ambiente separado e ali são introduzidas neste
clima do avivamento. As semanas de cura e libertação são construídas e fundamentadas a
partir de temáticas retiradas das Escrituras. O número simbólico “sete” corresponde a ideia de
perfeição, totalidade. Por isso, convenientemente estes encontros ou estas sete semanas para
um “novo começo” não podem ser abortados durante o processo porque tudo converge para
uma finalidade de cura e restauração completa da alma. Esta restauração acontece pela
oração aplicada a casos como problemas matrimoniais, drogas, saúde:
As pessoas que passam lá, tão buscando a libertação das drogas. Então, são pessoas que tão com problemas na família, é o que a gente tem, a gente percebe, né? Às vezes no casamento, pedidos a serem feitos... Vão também pai e mãe orar pelos seus filhos que estão nas drogas. Tem pessoas que vão lá orarem pelo marido ou filho ou parentes que estão presos no alcoolismo, adultério. Então existe de tudo, saúde com pessoas com enfermidades graves, sabe, doenças terminais que o médico já desenganou, então tem essas metas e não tem como definir... vão porque estão necessitando de uma graça especial, vão atrás de uma graça especial nos mais variados fins, a gente tem concentrado bastante um é... um olhar pra família, um olhar pra família, né? (Idem)
O termo “sete semanas” não é um neologismo da Chagas, mas foi adaptado por
eles e levados para dentro das fronteiras católicas. Estas sete semanas de avivamentos também
são uma prática evangélica93 o que consideramos aqui que existem tênues fronteiras culturais
entre a comunicação destes arranjos com o mundo evangélico. Neste sentido, os temas são
enxertados e adaptados à lógica da comunidade. Em outras palavras, difícil precisar o
nascimento deste diálogo entre sistemas simbólicos que são compartilhados coletivamente
(gestos, discursos, rituais), o que nos interessa aqui é como que o Arranjo, através do seu
fundador, percebe o seu “ambiente social”, extraindo elementos que lhe interessam. Este
diálogo está associado a fenômenos de diferenciação e integração. As sete semanas são
regidas pela Chagas na figura do seu fundador e são oferecidas ao público católico sem
necessariamente conhecê-lo em seu cotidiano. Tomemos, por exemplo, os “sete mergulhos de
Naamã:
[...] Estão os 7 mergulhos de Naamã. Cada mergulho vai ser o que? obediência, a humildade, a fraternidade. Cada mergulho busca, vai ser direcionado pra uma coisa. Então, nós elaboramos todos os temas. Então, na condução de cada um dos encontros [...] vamos pegar pra um dos mergulhos: o mergulho da obediência, quando se fala de obediência. A gente só entende de quem manda, quem faz o que manda e quem obedece, ou a obediência, alguém mandou eu faço, eu sou obediente. Não aquela obediência que degrada a pessoa, mas uma obediência no que? ao
93 Foram detectados alguns sites que utilizam esta terminologia e possuem a mesma lógica de cura e libertação da Chagas – conf. Ministério internacional Torre Forte in http://jovenstorreforte.wordpress.com/ e Igreja Embaixada do reino de Deus in http://www.embaixada.org/historico. Acesso em 02/04/13.
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compromisso que você firmou naquele dia diante do altar, né. Isto é um exemplo, a obediência pode reger o que mais? (Idem)
Mesmo que esta prática dos “sete mergulhos” não seja privilégio de um grupo
religioso apenas, o arranjo o adota anexando-o a certos valores próprios do seu grupo de
referência. Uma das funções destes encontros são assumidamente seu caráter de tratamento
espiritual do fiel e a forma de divulgação fica a critérios dos próprios “consagrados” da
comunidade:
O fundador, mesmo que ele tá lá no sul, mas ele fala lá no nosso curso de direção, nós estamos fazendo a campanha dos 7 mergulhos de Naamã, a “Rita” foi lá no Sacomã pregar junto com os outros irmãos de comunidade, ela divulga lá também, sabe? Naquele papelzinho que a gente entrega tá lá, atividades da comunidade, todo ano, começo do ano, nós entregamos um calendariozinho do que a gente faz e eventos da comunidade, aqueles mais fortes, né?
Aos encontros mencionados anteriormente registramos ainda um grande
encontrão de final de semana, realizado uma vez ao ano, no mês de Abril, o “Embriagai-vos
no Espírito Santo”. Realizado num ginásio no bairro de Camilópolis, em Santo André, o
Embriagai-vos conta com participação de alguns sacerdotes católicos - possuidores de uma
afinidade carismática - da diocese de Santo André e outras dioceses. Além disso, para a
realização dos chamados “testemunhos de vida”, exortações de cura são convidados
pregadores de outras missões, de São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, por exemplo.
Há momentos de entretenimento com o chamado Evangelizashow com grupos musicais
gospel inclusive católicos, quando do “7º Embriagai-vos”, a performance de freiras cantoras e
dançantes foi peculiar94.
Além disso, estes “megaencontros” regionais são registrados em tempo real em
canais de rádio e televisão via internet. Comportando mais de 500 pessoas sem contar os
transeuntes, ajudantes, colaboradores, sócios benfeitores, o evento só pôde ser efetivado
através de meios de captação de recursos: internet, doações, estruturas metálicas cedidas pela
prefeitura, vigilância, apoio de candidatos, sócio-colaboradores e “voluntariados”
principalmente dos paroquianos da Santo Antônio do Arraial. O evento é de tal magnitude que
demonstra um forte senso de organização e responsabilidade para cumprir as tarefas
agendadas. O evento ainda conta com a exposição de um mini feira com artigos religiosos,
94 A freira artista, irmã Kelly Patrícia fundadora do instituto Hesed e seu ministério de música participaram do oitavo Embriagai-vos no evangelizashow. Cantora se destaca pelas suas interpretações e melodias retiradas de poemas dos místicos do século XVI, São João da Cruz e Santa Tereza D’Ávila. Ela mesma anuncia em seu site oficial que se dedica a Jesus através da música. (VER ANEXO E).
177
camisetas com o emblema do Arranjo, DVDs, CDs, vários livros (do pregadores leigos da
diocese de Santo André, padres cantores, exorcismo, liturgia carismática etc.) “santinhos”,
cruzes, colares e pingentes. Dentro desta arena religiosa, os membros consagrados de Vida
visibilizam sua filiação com botons, roupas e adesivos, banners. Ao anunciar publicamente
sua afiliação via linguagem visual reivindicam para si um reconhecimento público dos
transeuntes católicos que ali se agrupam. (VERIFICAR ANEXO E).
O fundador, em especial, possui seu próprio espaço vip. Colocam-no em cena,
num lugar de destaque esteticamente diferenciado com sua foto, venda dos seus CDs e DVDs,
livros, panfletos da comunidade. Obviamente, a imagem do fundador e a veiculação do seu
próprio merchandising tem como objetivo promover seu Arranjo, sua vocação e a promessa
religiosa dedicada aos interessados. A assimilação deste evento por parte daqueles que o
usufruem, certamente reforçam não somente a imagem do Arranjo associando-o à imagem do
fundador senão reconhecê-lo como um grupo católico alternativo que oferta bens religiosos
diferenciados dos já usuais ofertados pelo catolicismo tradicional ou paroquial.
Todas as ações, canais de transmissão de conhecimento apropriado do catolicismo
oficial, atividades engendradas por este Arranjo sinalizam que este comportamento anseia, por
um lado, legitimidade ante ao ambiente religioso católico da qual se inscrevem as orientações
do clero e, por outro legitimidade ante ao ambiente cultural próprio da sociedade
contemporânea. Talvez, estando na vanguarda da oferta de vários serviços religiosos
aumentando consequentemente sua visibilidade organizacional, revela que o fundador possui
seu lado criativo envolvendo seu Arranjo na busca de melhor desempenho para o público que
o procura.
O Conselho Administrativo
O arranjo Chagas de Amor possui uma divisão interna bem definida. O
funcionamento deste arranjo é largamente dependente de um controle hierárquico centralizado
nas mãos do fundador, auxiliado pelo co-fundador. É uma comunidade que não possui muitos
membros. Em média o número varia entre vinte e vinte e três pessoas entre “consagrados”
(Vida) e “consagrados” (Aliança). O fundador conta com uma assessoria interna e menor de
no máximo cinco integrantes e as tarefas ou operações que as pessoas desempenham estão sob
seu controle. Os objetivos, a missão, ou como nos fora colocado pelo co-fundador, o
“alimento espiritual” são orientados de modo que o fundador tenha total controle das ações.
Quando se fala, porém da estrutura da comunidade, isto é, a “prestação de contas”, a
operacionalização das atividades (produção e venda de trufas, DVDs, livros do fundador,
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arrecadação da contribuição mensal dos sócios benfeitores, organização de um culto:
acomodação das cadeiras, som, afixação de banners com o logotipo das Chagas, realização de
orações particulares, imposição das mãos em momentos específicos do culto religioso de cura
e libertação, cantar e tocar violão, teclado, bateria, marcação de viagens de missão, retiro,
formação feitos pelos pregadores Chagas) fica à critério dos “consagrados” ou os de Vida.
Um vez definido a maneira como são repartidos os papéis dos sujeitos, seu lugar e função na
comunidade, as suas relações com outros níveis da hierarquia, os membros do “escalão
inferior” possuem dentro do Conselho uma participação adjacente reconhecida:
No momento da tomada da decisão entre o conselho, todos são ouvidos, todos são ouvidos, a palavra final é sempre do fundador entre o conselho, mas todas as decisões são partilhadas, ele (Fundador) sempre coloca o parecer dele. ... ele vai por expor a situação, vamos discernir, vamos decidir e diante de alguma controvérsia de às vezes de opinião ou achamos que deve fazer isso, a gente coloca tudo na mesa, tudo aquilo que são as possibilidades de resolver uma situação ou tomada de decisão, mas se houver, por exemplo, uma divergência que dois ou três concordam com o fundador e outros dois tem, de repente, uma opinião diferente, a opinião final vai ser do fundador, mas nós sempre nos colocamos na escuta, mas na decisão final acaba sendo dele, acaba sendo dele, mas tudo é partilhado. (Mulher, negra, 41 anos, grifo nosso)
Depois de “ruminar” e “discernir” a pauta discutida no Conselho, a decisão final
fica a critério do fundador. Em se tratando do parecer do bispo diocesano, não há discussão:
O fundador esteve em várias audiências com o Bispo, ele foi na audiência com o Bispo e ele ficou com algumas ideias e aquilo que o Bispo disse a ele naquele momento, foi aquilo que eu falei, porque para nós o Bispo é a voz da Igreja. Quando o bispo traz algo para ser colocado seja direcionado para a comunidade, seja direcionado para outra qualquer realidade da Igreja é aquilo e ponto e ponto. (Idem)
Há uma tentativa de regularizar os métodos – programas, especificações e normas
do Arranjo – tendo em conta os recursos disponíveis, tanto de pessoas quanto de materiais
para a consecução dos objetivos. O conjunto de atividades e tarefas é controlado por um
protocolo que foi elaborada antecipadamente e sob a “inspiração” do Fundador. Os papéis
desempenhados pelos seus membros procuram assegurar que o Chagas cumpra seus objetivos
com eficácia e que atendam os interesses do seu público alvo, famílias, jovens e crianças.
Cabe lembrar ainda que aqueles que estão à margem da cúpula estratégica, os consagrados
(Vida e Aliança), devem ser multifuncionais e que saiba, por exemplo, limpar os banheiros
nos encontros e, quando solicitado, atue na chamada “imposição das mãos” ou na “intercessão
espiritual” dos usuários destes serviços:
179
Se hoje eu faço parte de uma intercessão, amém? Mas aquele outro dia eu tenho que ir para a cozinha ajudar, eu tenho que ir para cozinha cozinhar, eu tenho que estar na equipe que vai fazer a limpeza, eu não vou só sentar, ajoelhar e rezar. [...]E hoje eu sou intercessora, amém? Se amanhã precisar ser aquela que vai tomar conta das crianças, aquela que vai animar o grupo das crianças, aquela que vai estar cuidando da livraria, eu posso. (Idem)
Cabe à cúpula estratégica criar boas relações ou com os padres e o bispo,
monitoramento e análise da sua membrezia mais direta emitindo opiniões sobre suas condutas
podendo levar até o afastamento da comunidade por meio de afirmações do tipo: “será que
realmente é isso que você quer?”, “você precisa amadurecer mais”.
Cabe ainda à cúpula da Chagas oferecer saídas diante de circunstâncias – conflito
de interesses, por exemplo, em que não existam regras para tais procedimentos, estabelecer
relações pessoais com outros membros de outros Arranjos não só situados no ABC, mas no
Brasil, representar sua comunidade em eventos importantes,, mormente aqueles que se
referem ao planejado pela hierarquia católica local etc. O organograma da Chagas é
desenhado da seguinte forma:
Figura 30 – Organograma simplificado da comunidade Chagas de Amor
FUNDADOR
CONSAGRADA VIDA
DOIS PRÉ-DISCIPULADOS
CO-FUNDADOR
180
3. ARRANJO CATÓLICO ÁRVORE DA CRUZ
Situada em um bairro da periferia urbana de São Bernardo do Campo em vila
Nova Devinéia a casa de missão e vida “Santa Teresinha do Menino Jesus” é o locus central
das atividades do Arranjo Árvore da Cruz. Entre pequenas vielas asfaltadas e entrecortadas, o
bairro residencial consolidado de média vulnerabilidade social é notadamente pobre e
formado por habitações com alvenaria à mostra:
Figura 31 – Fachada da Comunidade Árvore da Cruz
Fonte: foto realizada por Vlademir Ramos
Figuras 32 e 33 – Rua da Comunidade Arvore da Cruz – travessa Vista Alegre, Bairro dos Casa, São Bernardo do Campo
Fonte: fotos realizadas por Vlademir Ramos
181
Na Vila, nota-se a presença de pequenos mercados caseiros que dinamizam o
comércio local e uma população que não só lida com sua própria pobreza ficando refém da
política de algumas milícias e do tráfico de drogas atuantes neste território, mas também com
o isolamento social que lhes foram impostos pelo crescimento urbano desigual. O bairro
parece imune à intervenção de políticas públicas ou iniciativas privadas ou, na linguagem de
Milton Santos (2008) tornam-se “espaços opacos” que se iluminam apenas em momentos de
campanha política grampeados pelo oportunismo de candidatos da região. É dentro deste
espaço que uma das vertentes deste catolicismo alternativo constrói seu network e viabiliza
sua “missão”. O fundador, de personalidade forte, possui algumas características que marcam
sua moral rígida: discorda da posição de alguns padres de tendência liberal apoiando outros
que não “denigrem” a imagem do catolicismo, por exemplo, o padre midiático de Cuiabá,
Paulo Ricardo, assume contrariamente a relativização da doutrina católica vendo-a como uma
verdade senão um sacramento e exerce, segundo os seus próprios relatos, o método de
ovulação Billings. Fundador deste Arranjo, de 34 anos, pai de três filhos, casado cuja esposa é
a co-fundadora, ensino médio completo e com “sonho” de estudar “teologia católica” atuou
por vinte anos na área de usinagem em empresas situada no grande ABC - Wheaton Plásticos,
Proem-engenharia, mas abdicou não sem conflitos à mudança de vida em decorrência da sua
decisão:
Assim, a gente trabalhava normal, com a mesma responsabilidade, que tem que ter no trabalho só que, querendo ou não, eu identifiquei quem me atrapalhava por que? porque você não tava se dedicando ali ao chamado, aquilo que deus moveu, então, aquilo sempre dentro de mim..., as vezes, eu falo, eu fiquei os quatro anos me questionando, ‘eu devo ou não devo abandonar o emprego’? A minha esposa sempre, concordou com esse abandono, essa saída do emprego, e eu, não! Eu não queria desistir porque eu fui educado, na família, que meu pai aposentou, trabalhou vinte e seis anos dentro de só uma empresa, então, pra mim ali é uma cultura muito forte onde, eu precisava me confrontar com essa ideia de viver com o que Deus dá através de benfeitores, os amigos, né? Realmente, esperar em Deus, eu fiz um retiro de nova comunidades, né? O retiro da comunidade Oásis, que são seis módulos, da escola. Aí, participando de alguns módulos, não tinha como. Foi uma coisa que eu tinha que ficar perguntando – ‘Senhor, só que eu me sinto sem coragem de tomar essa decisão’, e lá, eu senti forte esta decisão, mas o tempo que eu trabalhei foi muito difícil, até mesmo, muitas coisas, não caminharam na comunidade devido a isso. (Idem- grifo nosso)
Duas coisas aqui chamam a atenção, a primeira é o fato da sua angústia em
desistir daquilo que considera a “normalidade” da vida: estudar, trabalhar, ter sucesso, casar,
aposentar, assim como foi com seu “pai”. E o outro fato, a influência recebida da esposa e a
182
experiência advinda da sua participação de outro Arranjo, chamado Oásis95 consolidado e
criado há 25 anos por uma mulher catarinense. Enquanto algumas decisões parecem óbvias,
“crescer na empresa e tornar-se líder de sessão”, o fundador, à custa de grande ansiedade, sua
indecisão cresceu vertiginosamente na medida em que ele teve a “oportunidade” de realização
profissional.
O primeiro indício de que a escolha seria importante não adveio de uma
consequente insatisfação suficiente para superar a resistência à mudança. Ao contrário, não
foi a sua consciência que o provocou, mas Deus mesmo. Este o “testou” mesmo sendo um
“funcionário padrão”:
[...] Porque eu sempre me dediquei. Nessa, última atuação, nesta parte de logística, eu me encontrei enquanto profissional, por que eu sei, sempre trabalhei na área de usinagem, fiz três Senai’s, mas não era aquilo, aquilo que me agradava. Quando eu entrei na parte de logística, eu me encontrei, então eu creio que até o Senhor permitiu, que eu fosse para essa área, pra eu realmente sentir falta. (Idem, grifo nosso)
Desligado da empresa, o fundador passou por um processo decisório
correspondente a três fases. Primeiro, houve por sua parte, uma análise exploratória de
conhecer as “experiências” já efetivadas de outras “novas comunidades”. Em seguida, a fase
de incubação ou avaliação racional pesando os “prós e contras” e, finalmente, efetuar sua
decisão, mesmo que residisse um paradoxo entre sua vontade e a de Deus. Retirando-se da sua
zona de conforto profissional, atualmente dedica-se “totalmente à obra” vivendo sob a lógica
da Providência. Ainda dentro de uma atuação paroquial teve um insigth divino para
aprofundar melhor a sua fé.
Auxiliado pelo pároco à discernir sua experiência mística e sob influência de
caminhos propostos por outros Arranjos, o fundador oficialmente constitui a comunidade em
2003 e, atualmente se encontra vinculado à paróquia em stand by, mas a dedicação exclusiva
concentra-se na organização que criou. Devido ao respaldo positivo emitido pela ICAR
incentivando a criação de “novas comunidades eclesiais”, o fundador da Árvore organizou-a
livremente mediante suas necessidades e carisma. Residindo com sua família em outra casa
no mesmo bairro, ele relata que até chegar a “casa de missão” atual fez algumas experiências
em 2003 em locais diferentes desenvolvendo atividades oferecendo cursos de inglês, espanhol
e artesanato. Opinião equivalente é emitida também por um membro da comunidade de Vida
da Árvore: [...] “Antigamente a gente tinha este trabalho social, tinha curso de violão, Rh, de
95 Conferir http://comunidadeoasis.org.br/site/, Acesso em 02/03/13.
183
desenho de crochê de ginástica as pessoas faziam, hoje a gente não mantém mais esses
trabalho, né? Até por questão de espaço, né, a gente acabou não continuando, né?” [...]
As atividades supracitadas eram oferecidas gratuitamente ao “povo” intercalando
com atividades religiosas de oração e aconselhamento. Desta experiência, surgia a
“comunidade de Aliança”, mas desejando “um dia ter a comunidade de vida”. Os efeitos
destas atividades se fizeram notar e, em 2005 somaram-se à comunidade mais cinco membros
que se dispuseram a “fazer esta experiência”, restando atualmente três garotas em estado de
“dedicação exclusiva”. Mas, estas ações não lhe satisfizeram levando-o a morar em uma
chácara alugada num período de três anos e meio foi então que lhe surgiu um insight de criar
a atual “casa de missão” na vila Nova Divineia, antiga moradia do seu pai e cedida por ele ao
filho, onde residem apenas as três garotas celibatárias mencionadas com faixa etária entre
vinte e quatro e trinta anos.
Fato importante é que o Arranjo Árvore da Cruz apresenta um mínimo de
rotatividade do seu pessoal tanto da Aliança quanto a de Vida o que indica a fidelidade às
regras e ao carisma do Arranjo. A pergunta que dirigimos a este tópico é: quais são os
critérios pelos quais os participantes são recrutados? Este Arranjo é uma organização
tipicamente normativa, uma comunidade moral. Confiam na comunicação e socialização entre
seus membros e a partir deste pressuposto é que elaboram seus meios de recrutamento de
novos membros. Há regras que são vividas pelos membros veteranos e a aposta recai nesta
normatividade porque não força os membros a “aderir” a ela. Ao contrário, o acento recai no
aspecto moral o que amplia a possibilidade dos seus membros permanecerem envolvidos na
comunidade. A participação inicial de alguém que deseje ingressar no Arranjo concentra-se
num “encontro vocacional” realizado todo final de ano:
Então hoje, a gente ainda tá definindo porque isso ainda tá acontecendo, mas hoje o é encontro vocacional, né? Depois deste encontro geralmente em novembro, ele fica (o neófito) o outro ano no vocacionado. Ele, aceitando isso, ele faz uma carta de ingresso, ele seja de, deseja, então ele começa a participar de encontros ocasionais é um encontro por mês, e nesses encontros o que acontece ele vai conhecendo o carisma, uma hora vai ser dito pra ele como vive a oração, a Palavra, o conhecimento da fé. (homem, casado, 34 anos).
A socialização feita posteriormente, no “vocacionado” é gradativa e a experiência
agregada pelo neófito podem mudá-lo acentuadamente. Após intensa socialização na chamada
inserção na “comunidade Aliança” identifica-se no interessado a sua disposição mínima de
aceitação normativa da comunidade. Obviamente, este recrutamento moral não está isento de
um mínimo de coação, pois exige do voluntário a renúncia dos seus desejos, interesses e se
184
subordine aos interesses do Arranjo. Mesmo que, após um estágio demorado de inserção
comunitária, o neófito desista da sua opção de “celibatário”, por exemplo, não poderá agir
indiscriminadamente, mas é convidado a preservar os ensinamentos para manter-se uma
pessoa “correta”. O fundador elucida com um caso emblemático de uma pessoa que começou
num “estado de vida” e migrou para outro, mas sem perder a ética:
[...] Se no meio do caminho existir algum desejo, olha teve uma menina, com o desejo de ser celibatária. Foi até umas das primeiras, e depois ela viu que não era ai ela partilhou, a gente conversou muito, ela saiu dessa situação de celibato.[...] Ela poderia ser Vida, ela ficou um pouco, mas ela depois discerniu que tinha que ser Aliança, hoje ela namora com uma pessoa que não é da comunidade, é orientado por uma vivencia, mas a pessoa é da igreja, porque tem que ser, né? (Idem,)
O Arranjo Árvore da Cruz – não muito diferente dos demais arranjos – se envolve
em algum tipo de atividade de angariação de fundos gerando renda para sustentar os
programas e atividades da organização. Há modestos projetos de captação de recursos, como
por exemplo, a confecção de cruzes de madeira de tamanhos e formas variadas elaboradas em
uma das salas da “casa de missão” (um ateliê peculiar), reservadas somente para este intuito e
a confecção de trufas vendidas também no grupo de louvor ministrado às sextas-feiras pelo
fundador. Por sua vez, os usuários são convidados ou incentivados a dar ofertas regulares de
apoio ao “trabalho missionário” incluindo a forma como a contribuição é solicitada e as
consequências da doação, tanto para o doador e a organização beneficiária. Segundo o relato,
a doação feita à Árvore não diminui necessariamente o dízimo paroquial porque a propaganda
é no sentido de sensibilizar os usuários do fato de que os proventos acumulados serão
administrados para “amparar” a comunidade, criando um fundo de reserva que ajude inclusive
na “aposentadoria” do fundador:
[...] Não era o que ganhava, no trabalho, com certeza, bem menos, mais no futuro a gente tem pensado, nos amparos da vida pública vida civil normal, no INSS então até novembro (2012) eu vou recebendo o seguro até setembro agora, e em novembro no mais eu vou começar a depositar, eu vou ver também,... um dia pra se aposentar. (homem, casado, 34 anos)
A comunidade é sustentada por doações e estas são vistas como um “dom
gratuito” sendo que os membros da “comunidade de Aliança”, as pessoas que são
“evangelizadas”, a capela de São Francisco – próximo à casa de missão da comunidade -,
grupo de oração da paróquia, doam regularmente ou em dinheiro ou espécie para manter a
comunidade. Desde a formação da Árvore da Cruz e com recursos mínimos realizam-se
185
algumas atividades distribuídas em cada dia da semana. Às sextas-feiras acontece o “grupo de
louvor” localizado numa sede de bairro “cedida” ao grupo:
Hoje é assim, a gente tem o trabalho com o grupo de oração, todas as sextas-feiras sete e meia tem o grupo de oração, é onde a gente reuni o povo. É uma capela próxima daqui, a gente tem as visitas nas famílias, que é missão famílias restauradas, é uma missão aonde a gente vai, leva a palavra do evangelho do dia, procura ouvir a famílias. As famílias vai partilhar ali suas lutas seus sofrimentos, e a gente faz um grande clamor pedindo ao Senhor que, derrame seu Espírito que cure que aja naquela família, naquela estrutura, né? (Homem, casado, 34 anos)
Nestes momentos de “louvor, oração em línguas” criam-se laços com as famílias
que visitam e participam do culto carismático. Os cultos oferecidos pelo Arranjo são
momentos oportunos de propagar suas atividades e um espaço propício para a captação de
novos membros ou futuros benfeitores. Ao final do culto é “sorteado” uma “capelinha de
Nossa senhora” para as famílias que estavam presentes e, na semana seguinte, a equipe
missionária da Árvore irá à casa desta família. No entanto, é igualmente importante considerar
que a captação e a retenção de novos membros é inseparável dos esforços de recrutamento, de
educação espiritual oferecida às famílias. Através deste “plano de marketing”, o Arranjo tenta
ativar novos membros utilizando uma combinação de adoração e atendimento mediante uma
atividade estruturada e organizada estabelecendo uma relação informal entre os membros já
existentes e os novos. A seguir descreveremos as demais atividades e networks estruturados
pelo Arranjo, que em nosso entendimento, são construídos e mantidos estrategicamente por
estes cultos realizados pelo grupo de louvor às sextas-feiras.
A “casa de missão”, além de servir de alojamento para as três mulheres
“consagradas” oferece assistência e apoio familiar do tipo “orientação matrimonial”, sobre
drogas, no sentido de atendimento espiritual: aconselhamentos e orações. Um casal, por
exemplo, é acompanhado pelos “consagrados” no que diz respeito aos seus interesses e
necessidades específicas a fim de responder de forma eficaz quanto possível essas
necessidades. Aconselhamentos e visitações fazem parte da rotina empreendida por este
Arranjo, sinalizam as formas de resolução de problemas, indicando um senso de direção e
propósito para o público – geralmente católico - que ali se aproxima. A seguir, verificaremos
o perfil de um agente missionário, mulher, “consagrada” há seis anos no Arranjo. Atualmente
está sob dedicação exclusiva vivendo de “doações” e que nos indicou as principais atividades
realizadas.
Pernambucana e caçula de seis irmãos, com ensino médio completo e
“sonhando” cursar Enfermagem, mas que pratica violão porque “gosta”, a “consagrada” de 25
186
anos que nunca pensou em ser freira migrou à São Paulo com dezoito. Em São Bernardo do
Campo residiu na casa de familiares em uma região próxima à comunidade Árvore, a fim de
“passar férias” sofrendo a influência de sua tia – devota e praticante do catolicismo –
apresentando à sobrinha as atividades do Arranjo deixando-a, como a “consagrada” mesma
relata, “fascinada”. Volta à Pernambuco, “pede” autorização aos pais e regressa a fim de
efetivar o seu desejo:
Ai ela me convidou, né? Pra participar, conhecer o trabalho, né? Eu assim, de inicio não fiquei com medo, a gente não tinha costume lá onde a gente morava. A gente era católico, mas não praticava né? De maneira alguma, né? Pra conhecer, que não conhecia, minha tia conhecia, aí ela me levou né? E na hora que vi assim, a comunidade, né? Eu lembro como se fosse hoje a acolhida que a comunidade me deu, me fascinou! (mulher, solteira, 25 anos)
Atualmente, este processo de identificação com o Arranjo, a fez internalizar as
regras, os objetivos e a missão da comunidade, assim como, identificar-se com o seu papel e
com suas funções compartilhando valores estabelecidos pelo fundador. O grau de dedicação
da “consagrada” às atividades da casa requer dela uma medida de controle dos seus desejos,
vontades, isto é, de uma mudança de mentalidade e isso se faz não sem conflitos:
Se eu disser que não existe dificuldade eu vou mentir, né? A dificuldade que eu vejo assim é a renuncia de si mesmo, eu renunciar aqui pra viver a vontade de Deus. [...] eu vejo que crescer, que eu preciso melhorar, até a cultura de tudo que a gente aprende é Deus, né? Deus, ele tem uma forma de agir com a gente, eu tenho muito respeito... e tenho que me dobrar diante da vontade de é difícil, porque você tem que morrer pra si mesmo e morrer pra si mesmo, deixar suas vontades dói, né? (Idem)
Há de se considerar aqui que o relato expõe que a “carga emocional” a qual ela
se submete devido à necessidade de controlar a expressão de suas emoções para satisfazer as
exigências da opção que fez é compensada pelo ritmo de atividades e horários presentes na
agenda da comunidade. A dedicação à comunidade não faz pensar sobre o futuro, o
importante é a intensidade do momento. Nota-se que a consagrada, nestes seis anos de
convivência comunitária foi absorvida pelo entusiasmo do trabalho realizado enquanto
liderança ativa, o que demonstra minimamente o seu envolvimento afetivo fazendo da
organização seu projeto de vida. Embora as posições de controle majoritário estejam nas
mãos do fundador, as atividades instrumentais ou operacionais realizadas, a coloca numa
posição de controle das suas ações. Por outro lado, a sua participação no conselho geral, em
se apoderar de algumas atividades intracomunitárias (aconselhamento e artesanato), sem
187
contar os treinamentos sistemáticos realizados pelo fundador colaboraram na sua integração
dentro do quadro estruturante da comunidade.
Os serviços religiosos de consultoria e assessoria planejados semanalmente e
oferecidos aos usuários garantem também a participação, a colaboração e a manutenção das
“consagradas” no Arranjo. As residentes estão submetidas não somente ao regramento moral
assim como os horários de reza foram estipulados previamente pelo fundador:
[...] Terminou o café a gente vai pra capela fazer a nossa oração pessoal, porque oração comunitária é outra coisa, a gente vai orar por você pela sua dificuldade, pela sua limitações dentro da comunidade, pela comunidade se você precisa crescer, então tem essa momento, depois a gente faz a leitura da palavra, né, Ler um livro, né?, é indicado um livro pra tá lendo, né? sobre igreja sobre depressão, né? cada um fica lendo um livro, e começa a ler, dá as dez horas, ai a gente começa a arrumação da casa deixa tudo organizado. [...] (Idem).
O ajuste de horários da oração do Arranjo é muito similar ao das ordens religiosas
– franciscanos, dominicanos, beneditinos, apenas como exemplo. No entanto, o Arranjo
carrega características comuns que são a marca registrada da vida religiosa: oração
comunitária, pequena refeição matinal (café) somente entre os membros, oração privada,
estudo e, obviamente, os votos de pobreza, castidade e obediência. A prática da oração96–
fixada pelo fundador - se repete durante toda a semana mesclando momentos de contemplação
e militância. Todos(as) da comunidade dividem um componente fundamental que é a
dedicação a uma vida de auto-conversão e renúncia para a santificação da religião e dos
próprios consagrados. Nessa troca rítmica de oração, trabalho e descanso, o fundador, embora
residindo com sua esposa em outra casa, participa alternadamente das orações feitas pelas
consagradas na “casa de missão” e o mesmo relata os momentos de reza conjunta, com certo
grau de conhecimento do teor das orações e dos horários:
O nosso cotidiano é oracional, a comunidade toda, principalmente. A Vida Aliança não tem esta obrigação. Acordam cinco e meia vão pro oratório às seis, dentro da casa, não é todo dia que venho aqui é em dias alternados, a gente vem rezar com elas, a gente faz as laudes, que é das orações das horas, que é diferente da liturgia das horas. É como um resumo, mais simplificado, mas contém toda essa unidade da igreja, que é a oração universal, né? É a gente faz às seis horas essa oração das horas. Depois da oração das horas, tem o café da manhã, que é por volta das sete e meia. A oração das horas vai das seis até seis e meia, seis e quarenta. Sete e meia, o café, né? Aí, oito horas termina o café. Das oito as nove é feita a Lectio Divina, que é a meditação da palavra e depois, a outra meia hora é uma oração pessoal, onde
96 A liturgia das horas é a oração oficial da ICAR. É composta de cantos, salmos, hinos com adição de ração e leituras das Escrituras judaico-cristãs. As orações são ajustadas em diferentes períodos do dia, também chamadas horas canônicas. O arranjo Árvore da cruz faz uso de parte desta liturgia oracional, isto é, a Laudes, oração da manhã, mais enxuta e as completas, antes de dormir. A liturgia das horas é obrigatória aos bispos, sacerdotes e diáconos e indicada, recomendada, aos leigos.
188
você fica no oratóri, aqui na casa de vida, fica ali, juntos em silêncio, falando com o Senhor por oração, aí tem o almoço, ao meio dia. Três horas tem o terço da misericórdia e seis horas, o terço mariano,... aí, vinte uma horas, vinte e um e trinta na verdade, é as completas que é oração das horas, ai finalizou o dia, né? Durante o ano a gente faz a quaresma de São Miguel, né? O tríduo de São Pio que é o nosso patrono, o terço de Santa Terezinha, que é nossa patrona,... então a vida de oração da comunidade é assim, né? A gente usa sempre a motivação. (Homem, casado, 34 – grifo nosso)
Nota-se ainda, dentro do relato do fundador, que há a inclusão de mais três
momentos de reza comunitária, a Lectio divina, o terço da misericórdia, o terço mariano. A
primeira, reativada por Bento XVI em 2005, em comemoração ao quadragésimo aniversário
do Concílio vaticano II no intuito de trazer para os ambientes católicos uma nova primavera
espiritual97. Corresponde a um método de leitura das Escrituras e que remonta uma prática
medieval do século XII de examinar cuidadosamente as Escrituras tentando encontrar a escuta
divina. A segunda, corresponde a uma oração substituta mais enxuta, do tradicional terço
católico e é atribuída à santa Faustina. E, por último, o terço mariano correspondendo ao terço
tradicional. Soma-se a estas orações a quaresma de São Miguel ou uma oração de combate ao
inimigo, o tríduo do padre Pio de Pietrelcina e o terço de santa Terezinha do Menino Jesus. A
inserção destas orações, quaresmas, tríduos diários enxertados de forma criativa e que
correspondem a intenções e momentos históricos diferentes que a geraram, formam um
mosaico, um construto que, segundo a lógica do fundador, permite por um lado estabelecer
certo regramento do seu Arranjo. Por outro, indica um esforço da sua parte de firmar ou fixar
uma tradição - ainda em processo de consolidação - da sua comunidade. Em outras palavras,
o uso que faz de orações próprias do catolicismo – seja ele mais tradicional, seja mais
carismático – mantém a sucessão do continuum católico adequando e reformulando algumas
de suas características típicas advindas das ordens religiosas, dos santos católicos e de todo
arcabouço simbólico permeado pelos anjos. Aqui temos uma amostragem da capacidade
criativa do fundador de salvaguardar uma memória católica apostando seletivamente na
manutenção de alguns de seus caracteres combinados com uma prática burocraticamente
dividida de forma a potencializar o atendimento espiritual dos seus usuários sejam eles
“consagrados”, seja o “público” em geral.
A cada dia da semana há um cronograma a ser cumprido e as saídas missionárias
realizadas externamente são previamente planejadas. Às segundas-feiras, não há atividades
religiosas na “casa”. As “consagradas” têm a liberdade para organizar o seu tempo segundo
97 Conferir www. vatican.va. Acesso em 03/04/13.
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sua conveniência, organizam e limpam o ambiente, saem juntas e à noite acontece a formação
doutrinária ministrada pelo fundador:
No terceiro domingo de cada mês acontece o “dia fraterno” que reúne as
“consagradas” e a família do fundador. Dia de diversão com direito a filme e pizza. Praticada
de forma espontânea e por mútuo acordo, o fundador criou estes momentos de descontração
de modo a promover uma proximidade afetiva entre seus membros. Há uma preocupação de
preservar estes “momentos” para evitar qualquer tipo de “desgaste” ulteriores das
“consagradas”. Longe de ser uma mera distração ou dia de descanso, o fundador entende que
a “vivência” do carisma não pode ser apenas planejar e desempenhar algumas tarefas – aqui o
fundador vale-se de uma crítica feita às estruturas paroquiais – mas a necessidade de que os
seus membros se empenham diretamente e conjuntamente para que o exteriorizem em suas
ações:
A gente tem os momentos fraternos, então na segunda feria é um dia fraterno,... Então a meninas aqui na casa tem os momentos dela, e eu fico com a minha família... Aí, no terceiro domingo, a gente tem o momento fraterno ou a gente vai pra algum lugar, ou a gente assiste um filme, come um pizza, prepara alguma coisa. Na nossa comunidade pelo menos, é bem claro essa orientação geral, né? Claro, tem que ter lazer, tem que ter brincadeira, tem que ter esses momentos porque se não isso desgasta (HOMEM, CASADO, 35 ANOS)
As “missões” realizam-se às terças-feiras à noite junto às famílias previamente
“sorteadas” no grupo de louvor e famílias que já fazem parte do círculo de ação do Arranjo.
Segundo a escala de visitações, a cada terça-feira visitam-se três famílias diferentes. Estas
recebem as missionárias consagradas da Árvore prestando ajuda – às vezes emergencial – sob
a forma de aconselhamento religioso em casos principalmente de relacionamento
matrimonial, conflito de pais e filhos e, drogas. As famílias já cadastradas ou “fichadas”
permitem que o Arranjo as conheça. Questões como “casamento regular religião”,
“divorciados”, “quantidade de filhos”, “doenças na família” são registrados forjando assim
um histórico de características das famílias atendidas. Algumas delas são contatadas através
de vários dispositivos: a) grupo de oração da paróquia; b) grupo de louvor criado e conduzido
pelo Arranjo na figura do seu fundador; c) Indicado por um “amigo” e até mesmo pelo
pároco, que acompanha as atividades do Arranjo. Abaixo, a entrevistada explicita sua
descrição de tarefas com base na realidade do seu próprio ambiente
[...] A gente tem um cadastro de varias pessoas, né? Das famílias que a gente acompanha, mas também a gente não fica preso só nessa. A gente tem as pessoas que não tão cadastradas, que vem nos procurar, é ai aonde a gente começa, né,
190
colocar neste cadastro a gente pega amizade, com esta família e se torna mais uma família pra gente acompanhar, então tem as pessoas que costuma nos visitar e que aparece por indicação dessas que a gente acompanha, por indicação do grupo de oração, por indicação da paróquia, o padre diz: - ‘olha eu queria que vocês visitem tal pessoa, tal família, tá acontecendo isso, vocês podem ir lá?’. A gente vai, a gente cria esse elo, então, não vê essas pessoas na igreja pessoas contam, mudam de lugar. [...] A situação do nosso padre, né? Ele tá sozinho, né? que é muita coisa, né? (mulher, solteira, 25)
Estes serviços espirituais de apoio domiciliar promovem cuidados paliativos. Na
visão geral das missionárias consagradas, o exercício deste cuidado espiritual junto às famílias
apresenta um caráter preventivo de “cura” tanto individual quanto coletivo. Sua missão é
realizada – quando solicitada – em estreita colaboração com o padre local e desempenha um
importante papel na consolidação de relações mais próximas entre o Arranjo e a paróquia. A
depressão que acomete a vida das famílias em decorrência de “falta de carinho, melancolia,
tristeza”, é interpretada como “vazio espiritual” necessitando de uma consolação espiritual:
Segundo a entrevistada, conflitos matrimoniais, drogas e depressão são os três
problemas mais comuns nas famílias e o fato de ter “alguém para escutá-las” acaba
criando/recriando um vínculo social importante para o Arranjo. A introdução destes
elementos de “escuta” e “orientação” característicos destas visitas missionárias são
considerados favoráveis ou propícios para a criação e manutenção dos contatos efetivados. Há
um esforço, por parte das missionárias da Árvore, que estes contatos tornem-se afetivos,
transformem-se em “lugares amigáveis”, um espaço onde as pessoas visitadas se sintam bem
preservando a privacidade dos envolvidos. Estes pontos de escuta criados nas casas e o
monitoramento das famílias cadastradas, além de promover um vínculo com o Arranjo,
intentam “prevenir” – a seu modo - o consumo de drogas, as relações matrimoniais críticas
restaurando, ao mesmo tempo, a ligação dos sujeitos com a religião católica:
Os dois maiores problemas que a gente percebe é o casamento, né? A questão do casamento... muita dificuldade no casamento, né? Porque as pessoas casam, mas não conhecem um ao outro e vão conhecer e depois do casamento, é lógico que a gente não vai conhecer plenamente, mas o que acontece casa e acaba sofrendo, muitos já tiveram envolvimento acaba tendo filho com o vicio e é muita dificuldade neste sentido, né? E a questão da droga, né? As droga, a depressão, né? . Que tem aqui tanta, gente também, pois a maioria pensa assim, a depressão é só ficar em cima de uma cama, mas o que é isso né... tem muitas pessoas, que estão depressivas, por que, não tem ninguém para conversar fica morando sozinha, passa o dia sozinha, a maioria não tem, a família quando chega o filho ou marido não quer saber da esposa ou visse e versa, então essas situação vão levando a família destruição é que essa pessoa vive, e depois que a gente houve a pessoa a falar tudo o q eu que ela tá vivendo tudo o que ela viu (idem – grifo nosso)
191
Outros serviços são oferecidos na “casa de missão”, que por sua vez, são
divulgados no grupo de louvor. Os serviços em curso já mencionados, reza de terço,
aconselhamento e grupo de oração, para uma clientela móvel, não incluem apoio financeiro,
alimentação – somente em extrema necessidade -, e muito menos luta política:
Tem mais uma questão da missão na quinta-feira, nós temos atendimento de oração aqui, então, o atendimento vai do aconselhamento. Então, o aconselhamento, a pessoa vem e traz uma luta familiar, dificuldades do matrimonio, então baseado na doutrina, a gente vai fazer orientação, os passos que a pessoas poderia tá dando, prá pessoa tá melhorando, junto com os a vida de, também, e também hora pessoas que estão precisando de oração, por esta inspiração carismática. ~
Na quarta feira, realizam-se atividades de escritório: agendamento de visitas,
elaboração de trufas, confecção de cruzes de madeira, agendamentos das palestras do
fundador, preparação do grupo de louvor realizado às sextas. A consagrada relata que cuida
do artesanato num pequeno quarto transformado em ateliê e posta fotos, vídeos de eventos nas
redes sociais. Às quintas feiras, pela manhã após a reza da laudes, as consagradas vão à missa
e à tarde aguardam as pessoas evangelizadas nas casas e nas capelas que as procuram ou para
aconselhamento ou pedindo uma oração particular. Há, no entanto, um revezamento entre elas
no trato deste atendimento.
O exercício do controle no atendimento ao público é dividido entre os
“consagrados” incluindo o fundador. A divisão tarefas ou atividades é construída sob uma
divisão funcional do trabalho. O aconselhamento, por exemplo, é ministrado por todos(as)
aqueles engajados na militância do Arranjo, comunidade de Vida e Aliança. Neste caso não
há uma nítida divisão dos papéis e funções de ambos os sexos. A casa de missão possui vários
espaços. Um deles, numa sala no subsolo é realizado estes aconselhamentos e, no oratório há
outro grupo que reza pelos aconselhados. Subordinados as mesmas normas que regem o
Arranjo, as lideranças acabam por executar, ao menos neste dia, funções semelhantes.
Descrevemos abaixo um caso típico de aconselhamento relatado por uma das integrantes da
comunidade de Vida e aconselhadora no trato de problemas matrimoniais:
Vou citar um caso, veja um exemplo, vem aqui e alguém fala assim eu tó precisando separar do meu marido, eu não agüento mais, não sei o que fazer não dá certo, não sei o que ai eu pergunto o que está acontecendo, né? O que é que houve? é culpa só culpa dele no momento você vê que só ele que tá errando o que você tá fazendo pra ajudar nesta situação você. e ai a gente vai vendo que as pessoas vai falando situações que a gente vê que o marido tá errado,... a gente vê você realmente quer largar essa pessoa você tem certeza disto, você tá é ciente das responsabilidades que você vai assumir né? (Idem)
192
No relato acima, o matrimônio precisa ser consertado. Este se dá restituindo
alguns valores que são veiculados neste aconselhamento: reconhecimento do próprio erro,
renúncia, compartilhamento, escuta etc. A crise matrimonial é interpretada como uma crise
espiritual. Falta ao casal ou em uma de suas partes a percepção do seu próprio erro. Em
nenhum momento a informante usou explicitamente uma doutrina religiosa apropriada, nem
asserções bíblicas como dispositivo-força para seus argumentos. Estes conselhos trabalham
com seus usuários em uma base de médio prazo, geralmente mais de duas sessões. Nesta
freqüência semanal oferecida pela clientela – que pode ser do bairro e não freqüentador de
paróquia ou paroquiano - o conselheiro pode ter ocasiões de observar e interagir
proporcionando maior consistência e apoio. Como o usuário informa sua história, o
conselheiro determina – a seu modo - a origem e a intensidade da dor espiritual e emocional
daquele. Ao final do aconselhamento faz-se um pedido de intervenção divina no fornecimento
de força e cura e não necessariamente esta oração é recitada em línguas.
O aconselhamento, na versão desta militante, tem a função de fazer com que o
usuário saiba quem é encontrando maneira de reduzir seu sofrimento, conviver com os outros
levando a paz interior, mesmo que paliativa. O aconselhamento, como foi citado, é
constituído de uma equipe que não passou pelo crivo de um treinamento técnico de
seminários e workshops devidamente registrado em algum órgão da religião católica. Ele se
institucionalizou informalmente seguindo as experiências, estudos de caso já construídos
anteriormente e que acabam por garantir o nível de competência do conselheiro(a) assim
como ampliando sua credibilidade tanto ao Arranjo quanto ao pároco local. Há casos em que
o aconselhamento dirige-se à homossexuais, em sua maioria mulheres, que procuram o
Arranjo expondo sua situação veladamente.
Não há uma recusa em aconselhar o usuário ou indícios de relutância em atendê-
lo por se chocar com suas crenças religiosas. Ao contrário, a consagrada escuta-o
identificando no comportamento homossexual do seu interlocutor não somente uma
orientação consciente, mas em decorrência de uma coação externa que a “machucou” –
provavelmente violência doméstica - influindo em suas ideias, emoções e sentimentos e que
“não é culpa dela ser o que é” e “ela escolheu por causa do sofrimento”. Neste
aconselhamento, por exemplo, recomenda-se, em nome das normas católicas, a vivência de
uma “vida casta”. A orientação a qual a consagrada se pauta é fruto de um duplo
conhecimento: o que vem da experiência da sua comunidade permitindo-lhe exercer um
jeitinho no trato de determinados aconselhamentos e, de uma doutrinação religiosa externa e
formal garantindo-lhe também legitimidade. Ambas lhe servem de parâmetro para suas ações
193
que, por sua vez são amalgamadas nos casos particulares que ali afloram. O fundador, ao falar
sobre a homossexualidade, dirige-se com uma linguagem pautada mais nos critérios da
doutrina religiosa e o aconselhamento, segundo o relato a seguir possui um objetivo de
“libertar” a pessoa das “tentações” que a acometem na busca de satisfação:
E sempre partir do principio acolher a pessoa. você tem escutar a pessoa é dizer pra ela com carinho que o ato não é correto certo que isso,... que é muitas vezes gente ninguém entende que a igreja é contra o homossexual, não é isso a igreja é contra o ato, o ato não é correto então assim a gente fala diz pra pessoa que, não tá correto, né? (Homem, casado, 34)
Não interessa, nestes dois exemplos anteriores, querer ser completo na
interpretação dos casos, mas simplesmente fazer perceber de que modo o aconselhamento, se
situa num quadro determinado, sancionado pelo Arranjo e pela doutrina religiosa, mas ainda
por costumes criados pela prática da liderança deste Arranjo.
Aos fins de semana, as consagradas realizam oração em conjunto com a reza do
rosário e, a tarde e noite disponibilizam-se para pregações em grupos de oração em paróquias
situadas em bairros próximo à casa de missão. Aos domingos, após a oração matinal o
Arranjo colabora com as atividades litúrgicas da paróquia São Francisco e à tarde ficam no
aguardo de uma eventual inscrição de famílias que solicitam missão em suas casas. Um
domingo por mês, as consagradas visitam seus familiares.
O Conselho Administrativo
Para garantir a colaboração ativa de seus membros, o fundador – mesmo que
inconscientemente – desenvolve o que nós chamamos de cooptação dos seus colaboradores
mais diretos (os de Vida, as consagradas) e os indiretos (os de Aliança, também consagrados,
porém sem dedicação exclusiva). A estrutura de ligações entre o fundador da Árvore e demais
membros é pautado por uma colaboração amigável, mas significa também um contrato
espiritual dos consagrados ao seu líder, considerado exemplo modelar de pessoa santificada
dotada de um carisma peculiar escolhido por Deus. Adotando um estilo de gestão
participativa onde a grande ênfase é colocada no trabalho em equipe - que também não difere
muito em comparação aos demais arranjos elencados neste capítulo -, o fundador recruta
participantes de níveis inferiores que possuam capacidade de liderança. Cargos especiais e
tarefas são desenvolvidos de maneira que tornam possível sua contribuição para os objetivos
194
da sua comunidade. Embora tais atividades direta ou indiretamente estejam controladas por
ele, o conselho propicia posições para este liderança subalterna manifestar-se, opinar sobre as
atividades realizadas. Provavelmente, o intuito é equilibrar o poder preservando a coesão
interna.
Sendo o Arranjo uma comunidade moral, estabelecem-se regras de convivência,
horários de reza e atendimento ao público, obrigações e responsabilidades cultivadas nas
atividades empreendidas mesmo que o estatuto ainda esteja em estágio embrionário. A Árvore
da Cruz pode ser entendida também como uma organização formal visto que não deixa de
transparecer uma expressão estrutural de ações racionais:
Vamos falar assim na parte, pra você e entender. No caso tem a menina que cuida das administrações e das missões, que é o agendamento de missões, pregações minhas, de retiro, pregações de ida na casa das pessoas. é essa pessoa que cuida, né? [...] Por exemplo, vai ter um seminário no grupo, sendo os temas e mediação, a gente monta um quadro de pregações eu convido os membros, ela convida os membros, é ela quem convida que liga pros pregadores, que necessariamente não são da comunidade. Tem pessoas que vem de fora - grupos de pastorais, comunidades. Tem os benfeitores. Essa menina cuida da partilha de arrecadação, como é, tá entrando, como foi, foram buscar a doação, tem pessoas que traz a comunidade. A gente faz uma carta também mensal simples, pro benfeitor saber o que tá acontecendo, o que vai acontecer, se vai ter algum encontro. Então o benfeitor vai saber. (Homem, casado, 35 anos)
A mobilização de competências técnicas – como no caso do artesanato e do
aconselhamento – requer um padrão de coordenação, uma ordenação das funções e a alta dose
de consenso entre os participantes do conselho no que diz respeito aos valores, hábitos e
normas que dirigem o Arranjo favorecendo a cooperação dos envolvidos garantindo, por
assim dizer, a sustentação do carisma do fundador.
Atualmente o Arranjo Árvore da Cruz estrutura-se da seguinte forma: cinco
membros da comunidade de Vida (incluindo o fundador e sua esposa, co-fundadora) e três de
Aliança. Há em processo cinco pessoas pré-vocacionadas cuja condição é a participação direta
nas atividades da comunidade “vivendo” o carisma. A mudança de “hábitos” também é
fundamental para participar da comunidade mantendo uma “vida de abnegação”. Isto é, em se
tratando de assuntos particulares, por exemplo, aquisição de um carro, o membro precisa
antes consultar o Conselho e pautar pelo seu parecer. O organograma do Arranjo é indicado
abaixo:
195
Figura 34 – Organograma simplificado da comunidade Árvore da Cruz
4. ARRANJO CATÓLICO CORAÇÃO SAGRADO
O Arranjo Coração Sagrado situa-se no Jardim Alvorada98, Ribeirão Pires,
região do grande ABC.
Figura 35 – Fachada da Comunidade coração Sagrado, Ribeirão Pires, São Paulo.
Fonte: foto de Vlademir Ramos
98 . Na mesma rua onde se encontra a sua “casa de missão” há também, em suas proximidades, dois grandes centros religiosos, um núcleo da seicho-no-ie do Brasil e um centro espírita “Recanto da Luz Irmã Scheilla. (VER ANEXO F). Este último conta com um pronto-socorro de cura espiritual gratuito em que as “pessoas doentes” preenchem ficha, passam por uma triagem e são avaliadas pelo “médico espiritual”. Havendo possibilidades, o paciente é operado no mesmo dia. O médico espiritual é coordenado pelo “Dr. Stefani Oswald” que atende pelo espírito de Dr. Xavier e também é responsável pelos passes, águas fluidificadas, consultas espirituais locais e à distância. Conf. Site www.irmascheilla.org.br. Acesso em 02/04/13.
FUNDADOR
VIDA
CONSAGRADO VIDA
CONSAGRADO ALIANÇA
CO-FUNDADOR
VIDA
CONSAGRADO ALIANÇA
CONSAGRADO ALIANÇA
CONSAGRADO VIDA
CONSAGRADO VIDA
196
O Arranjo foi fundado em 2009, por um pernambucano de nascimento de 34 anos e conta
atualmente com aproximadamente trinta integrantes formando uma Comunidade de Aliança,
apenas. O Arranjo foi precedido por um grupo – também erigido pelo fundador - denominado
projeto Sabaoth ou em hebraico, Deus dos Exércitos, cujo objetivo era “formar um exército
de Deus na luta pela evangelização dos jovens”99 através de encontrões em finais de semana,
cristotecas, palestras oferecidas em paróquias da região, mas se concentrava principalmente
na cidade de Ribeirão. O sabaoth é fruto de uma experiência mística do fundador logo após
deixar o seminário100 há doze anos, ainda como diácono católico, da Canção Nova. Tal
assertiva é ratificada por dois dos membros do Arranjo. O primeiro relato advém de uma
jovem mulher, que não participava ativamente do Sabaoth, mas veio conhecer sua história
após a inserção no Arranjo. O outro relato advém do próprio co-fundador que conviveu desde
a fundação do projeto referindo ainda que as “pessoas” o ridicularizavam sem entender seu
objetivo:
Por ter um berço católico, ele foi pro seminário canção nova, inclusive até uns que estudaram com ele hoje são padres mesmo de lá. O que acontece depois de sair do seminário, ele sentiu um chamado a mais, ai ele criou o projeto Sabaoth, que o projeto Sabaoth era o intuito de trabalhar com os jovens. Eu participava da capela do Belém Valentina, então eu nunca participei a fundo, eu nunca praticava. Eu ia no evento que eles promoviam, mas eu não fazia parte da comunidade. (Mulher, casada, 25 anos – grifo nosso).
[...] Acho que Deus nos uniu, cada vez mais, e tem nos unido cada vez mais nessa obra, nessa palavra, e de lá pra cá, Deus só tem mostrado e acrescentado aquilo que faço. O primeiro projeto que Deus deu no coração do fundador, é o projeto Sabaoth, todo mundo tirava o sarro: “- Porque projeto sabaoth?” “- Sabão, não sei o que?”, e Sabaoth quer dizer, Deus dos exércitos, né? Em grego. (Homem, casado, 47 anos)
O projeto sabaoth, além de divulgar seus produtos evangelizadores promoveu
também suas lideranças - o fundador e co-fundador - construindo assim, interações estáveis e
continuadas entre os jovens que participaram deste projeto. O resultado desta empreitada de
oito anos foi a aproximação de alguns jovens que se tornaram fieis ao fundador e às suas
premissas. Este, por sua vez, obteve deles, razoável lealdade capacitando-o a criar uma “nova
comunidade” mantendo a mesma proposta, mas com outro nome e Logotipo.
Um dos sujeitos entrevistados e componente importante desde a fundação do
Arranjo e que mantém fidelidade ao fundador é o co-fundador. Permitiu-nos, através dos seus
relatos, analisar os contratempos que obteve em sua vida até “descobrir Deus” novamente no 99 Conferir site: www.coracaosagrado.com.br. Acesso em 02/04/13. 100 O próprio fundador assume esta decisão por descobrir “verdadeiramente sua vocação” de continuar sua missão agora como leigo casado e pai de família.
197
catolicismo carismático por meio de um grupo de oração anterior ao Sabaoth, denominado
ministério Jovem de Luz, liderado pelo fundador do Arranjo no ano de 2001.
O co-fundador, cearense de origem, chegou em São Paulo com cinco anos,
fixando-se em Ribeirão Pires. Possui dois filhos do primeiro casamento. Após o divorcio,
casou-se pela segunda vez. Atualmente com 47 anos de idade, reside com a esposa e dois
filhos na “casa de missão Coração Sagrado”. Colabora com algumas despesas da casa, como
parte do aluguel, contas de telefone, água, luz e internet. Exerce a atividade de motorista
numa empresa na mesma cidade. Em sua militância afirma ter recusado salários convidativos
que o forçariam a trabalhar nos finais de semana, pois “não troca a folga de Deus por nada”.
Foi membro da Assembléia de Deus próximo à Vila Prudente em São Paulo,
onde residiu por cinco anos. Entretanto, se desencantou com a comunidade religiosa por
motivos pessoais relacionados ao divórcio, como também por não ter sido respeitado em seu
jeito de ser:
[...] E nessa trajetória de vida, eu... devido não ter dado certo o primeiro casamento, eu me afastei das igreja, da caminhada eu... eu...eu.... Praticamente falei para mim mesmo, mas Deus houve tudo o que a gente fala que eu não queria saber mais de religião nenhuma, né? Devido tantas coisas que aconteceu, e as decepções da igreja evangélica que eu via né? ... uma coisa que mais me chateava lá é... que hoje mudou muito, né? A personalidades das pessoas hoje numa igreja, o modo de vestir, né? Naquele tempo que eu servia lá na Assembléia de Deus você não podia usar bermuda... você tinha que andar de calça social camisa, né? (Homem, casado, 47 anos, grifo nosso)
O entrevistado não resiste à dupla imposição moral assembleiana, uma a que diz
respeito ao divórcio e outro, ao comportamento moral dos seus membros, mormente no que se
refere à modéstia física. Por um lado, a posição religiosa da Assembléia desencoraja o
divórcio acentuando uma forte doutrina sobre a santidade e a permanência do matrimônio, por
outro, enfatiza o cuidado apropriado com o corpo, de forma a estabelecer um padrão visual
que não chama a atenção para si por meio de exposição inadequada do físico. Não
encontrando mais plausibilidade neste sistema religioso, se distancia criticando-o. Sob pressão
psicológica volta para Ribeirão, conhece sua atual esposa e firma um primeiro contato com o
futuro fundador do Coração Sagrado. Embora afastado do circuito religioso, já dentro do seu
segundo casamento, sua sogra convence-o a participar de um encontro de oração de “um
rapaz que veio do Paraná”. Duvidando se adaptar novamente, foi ao encontro estabelecendo
uma competição com Deus:
198
[...] E minha sogra, muito católica ficou sabendo que eu era evangélico e tal, e a minha mulher não pois obstáculo nenhum, não! ‘eu tô afastado, não tô a procura de igreja nenhuma’, essa era a minha conversa... só que minha sogra falou assim: ‘há tem um rapaz ai, ele veio do Paraná e vai fazer um momento de oração ai no salão daqui do bairro e, se você quiser ir lá’, eu falei: - ‘não tem problema nenhum, posso ir acompanhar vocês’... Só que eu desafiei Deus naquele dia... foi eu tava de bermuda, de regata, falei comigo mesmo no meu coração, comigo mesmo: - ‘se deus me visitar do jeito que eu to, vou seguir essa e Deus veio e renovou muito forte e... me renovou, me renovou mesmo, e. foi quando eu comecei a abraçar e comecei a conhecer a renovação carismática, aqui mesmo em Ribeirão, comecei a conhecer um outro lado da religião, um outro lado da igreja católica que eu não conhecia, né? (Idem)
Podemos notar claramente o uso que faz da sua autonomia. A primeira questão a
ser considerada é que Deus não pode coagi-lo. Ao contrário, a coação advém do co-fundador:
é ele que quer barganhar contanto que satisfaça suas necessidades. Entende que Deus não
pode discriminá-lo, pois tal condenação reforçaria e agravaria seus sentimentos de suspeita da
religião. Isto é particularmente verdadeiro para ele, que se encontra em um estado de
fragilidade e reorganização simbólica na vida. Atribuindo a Deus o fato de se tornar
novamente “renovado” constrói a sua própria hermenêutica do texto bíblico. Por sua vez, este
é utilizado para ordenar e justificar sua vida de acordo com a moral que ele mesmo acredita,
exceto coações que lhe impedem o exercício da sua liberdade. Sua autonomia foi preservada
através da interpretação do texto bíblico explicitamente reformado adaptando-o aos seus
próprios interesses. Percebe-se aqui que o catolicismo, tipo carismático, lhe dá possibilidades
de exercê-la e tranqüilizá-lo em relação sua prática religiosa e sua vida privativa. Neste novo
ambiente de plausibilidade, o co-fundador afasta-se provisoriamente do fundador dado que o
mesmo ingressara no seminário da Canção Nova. No entanto, conhece outra “nova
comunidade” em Ribeirão intitulada Rosa de Saron, comunidade de Vida, mas que não teve
muita durabilidade histórica (1993-96) devido a certos burburinhos criados por seus
membros. Diante da nova decepção, tem uma recaída e volta a beber – prática que já possuía
antes mesmo do vínculo com o catolicismo – ao mesmo tempo em que “tem uma queda pelo
time do Corinthians”. Por um breve período de tempo, o entrevistado se afastou da religião,
mas não da sua rede de amizades incluindo o atual fundador do Arranjo, que lhe incentivava a
“voltar para a Igreja”. Ao assistir “um jogo” no estádio do Morumbi percebeu que ali não era
o seu lugar. Recebe uma “revelação” do Espírito Santo por três vezes num momento tenso do
jogo em que a “polícia” tentou controlar um “reboliço” no meio da torcida onde ele se
encontrava. Esta ocorrência influiu sobre sua percepção incitando-o à estagnação
momentânea:
199
[...] Tava todo mundo sentado, assim, eu não sei o que aconteceu no meio daquele povo ali, começou aquele reboliço ali, e os PM começaram a subir, né? Tipo, na nossa direção, na minha direção e eu fiquei meio assim, nossa agora vai sobrar pra todo mundo e, no mesmo instante que eu vi todo aquele reboliço o Senhor veio tocar no meu coração, por três vez, o Espírito Santo veio falar no meu coração: ‘o que eu tava fazendo ali, se ali não era o meu lugar? nas mesma hora eu fiquei estagnado, eu devia tá ouvindo vozes alguma coisa, né? (Idem)
A sua reação se fez sentir entre os colegas, mormente do irmão - que
posteriormente “passado um tempo” deixou de ir a estádios ou em suas palavras “largou essa
loucura” para ir a cultos evangélicos. Utilizando inconscientemente seu grupo de referência
religioso anterior externou sua vontade: “aqui não é o meu lugar” e “eu só tô esperando
acabar, eu quero ir embora pra casa”. Tal grupo lhe serviu de função normativa que o fez ser
representado pelo Espírito Santo usando-o como referência para avaliar a si mesmo. Ao
chegar em casa manifestou sua experiência mística à esposa dizendo que descobrira qual, de
fato era seu objetivo: “voltar para Jesus” por meio da participação do grupo de oração
Ministério Jovem de Luz em Ribeirão Pires. Ao voltar para o grupo, o co-fundador discorre
que realiza um “pacto definitivo com Deus”.
Foram nestes encontros de grupo de oração que “nasceu” a ideia de formar uma
comunidade estreitando laços cujo trabalho focasse a evangelização da juventude e não em
trabalhos sociais. A primeira casa alugada para a realização desta empreitada na cidade de
Ribeirão Pires foi próximo à paróquia São José: [...] “Deus deu as casas pra, nós, a primeira
casa que Deus deu foi atrás do ENAU tem a matriz são José, o ENAU, é aquele colégio lá, na
rua de traz Deus nos deu a primeira casa, se pode deixar assim por que as casas,... a casa toda
comunidade precisa ter uma casa um local”[...]. Devido ao aumento de membros, a
necessidade de mudança foi sentida como necessária. Em novas buscas, o fundador encontra
em um bairro próximo a ETEC de Ribeirão uma casa na rua Áustria em bairro residencial.
Diferenciada pela sua estrutura de estilo muito similar a arquitetura colonial alemã possui dois
andares e um subsolo onde o co-fundador reside com sua família. Construída com o intuito de
ser um bar noturno ficou embargada por cinco anos antes da chegada deste Arranjo devido à
reclamação da vizinhança em relação ao “barulho” emanado deste local. O relato abaixo,
revestido pela crença da divina providência indica que a atual casa de missão é reconhecida
pela direção de uma Providência que exerce controle supremo sobre assuntos inclusive, os de
contrato de aluguel:
200
[...] Deus falou assim que a gente precisava sair de lá e vir pra um ligar melhor... e dentro dessa palavra, dentro dessa profecia, o fundador, incomodado começou a procurar outra casa. Foi quando ela passou aqui em frente e viu essa casa fechada, Nem placa não tinha. Porque ela ficou fechada cinco anos e o atual dono, não queira alugar mais porque teve algumas decepções, né? [...] O fundador passou aqui uma vez e viu essa casa fechada, é de um senhor que mora no centro de Ribeirão. Quando o fundador ligou marcamos uma reunião. Foi eu e o fundador que conversamos com ele, foi providência irmão, providência porque o homem é católico, é da caminhada também, de Deus também sabe né? (Idem – grifo nosso)
Expondo suas necessidades de ser uma comunidade católica sem fins lucrativos,
o fundador e sua testemunha ocular, o co-fundador, firmaram contrato informal com o
proprietário, mas o processo exigiu dos locatários o cumprimento de alguns passos menos
rigorosos no tocante ao que se referia ao valor do aluguel e o seu pagamento flexível. Este
acordo foi entendido pela liderança do Arranjo não como um negócio, mas um apoio caridoso
do proprietário devido ao fato de ser da família católica.
Segundo ainda o co-fundador, mesmo que findando o contrato, não deixa de
sonhar com um jeitinho de comprar o atual estabelecimento101 – aproveitando a bondade do
proprietário católico – com o dinheiro do aluguel. Outra possibilidade acenada por ele em
uma das reuniões semanais com o conselho da comunidade foi o da compra de um terreno
dotado de um galpão amplo com espaço suficiente para um eventual crescimento da demanda
de fieis.
O Arranjo desenvolve um trabalho de recuperação espiritual dos jovens com um
acento forte na transformação da conduta moral deles. Neste sentido, utilizam-se alguns
dispositivos de atração como, por exemplo: 1) Cristotecas, que nada mais são encontros
públicos de música eletrônica ao vivo ou playback com estilos que vão desde o rock até
samba, mas retrabalhadas a partir de repertórios religiosos/gospel. Em outras palavras,
preserva-se a ideia de entretenimento, porém acrescentado o revestimento religioso; 2)
Projeto Sabaoth: aulas de violão com preços acessíveis para todas as idades; 3) Aulas de
dança country e inglês: ministrados pelo fundador; 4) Noite da pizza: a casa de missão possui
uma cozinha apropriada para a confecção de pizzas elaboradas pela própria liderança do
Arranjo cujo objetivo é arrecadação de fundos para os trabalhos de evangelização. Outro
dispositivo atrativo é 5) Dia da feijoada: confecção de marmitex com o mesmo intuito do
item anterior, mas com acréscimo de um detalhe. Parte da renda adquirida é voltada para o
retiro; 6) Retiros de jovens: também chamado de “Decida-se”. Isolando-se por três dias
101 O valor de mercado estimado é de seiscentos mil reais.
201
consecutivos comumente realizado na “casa do cursilho” no parque das nações, em Santo
André, os jovens partícipes são submetidos a um encontro intensivo de impacto emocional de
louvores e pregações organizados pela própria comunidade Coração Sagrado. Existem alguns
mecanismos de atração juvenil utilizados pelo Arranjo. Um deles é a evangelização por
celulares e as chamadas redes sociais e também do “boca a boca”:
A gente também tem evangelização por celular. Então os que não tem Facebook, os que não têm e-mail, a gente manda sms, agente liga, pergunta como tá. Então não que a gente fica em cima, mas... se a gente voltar e não tiver presente com o jovem... “- A gente tá aqui. Com problemas que você tiver, pra conversar, pra chorar, pra louvar juntos”. Então a primeira coisa que o mundo lá fora vai oferecer é: vamos pra balada sexta-feira à noite encher a cara de beber e afogar as mágoas... afogar as magoas, ou então vamo fumar um beck... (Mulher, casada, 24 anos)
Outra forma de divulgação da comunidade é o fato dos consagrados se unirem
pra participarem de algum show com a camisa personalizada do Coração. Outra estratégia é
visitar lugares públicos, o shopping, por exemplo, com a camisa da comunidade:
Show católico, show gospel, por exemplo, eu vou no shopping com a minha camiseta passeando, o pessoal dá uma olhada, a turma vai perguntar. A gente explica que é da igreja, do movimento, explica o que é mais ou menos. – Onde é que fica? - Tal em Ribeirão. - Tem grupo? - Começa seis e meia. A pessoa vem, vem até nós e ai começa a descobrir o que é a comunidade. (Idem)
A outra é o “Decida-se” que segue um padrão de encontros previamente
elaborados pelo Arranjo e que envolve uma quantidade de voluntários consagrados solicitados
para este evento. A 10ª edição cujo tema versou sobre Por suas Chagas fomos curados, foi
realizada em março de 2013 e contou com 132 jovens de 20 a 25 anos inscritos e oitenta
consagrados ou “servos” que colaboraram desde a organização administrativa: cozinha,
banheiros, palestras.
Tem todo um preparo. A gente se prepara, tem ensaios, né? Quem vai pregar então tem passado o nome de oração de escuta a Deus, daquilo que Deus quer, por que tudo é direção de Deus, né? Porque assim, levar cem jovens lá, imagina! Levar cem jovens numa casa, passar três dias com esses jovens, porque o primeiro dia, irmão, é terrível quando eu chego lá no primeiro dia, eles vêm de qualquer jeito, né? Eles vêm com a cabeça bagunçada, com a cabeça daquele jeito, os vícios na flor da pele, tudo ali daquele jeito, quando é no sábado, você já não conhece mais ninguém. (Idem)
São realizados dois encontros de jovens anuais e é praticamente deles que
alimenta, mesmo que de forma incipiente, a demanda do Arranjo. Consciente de que uma das
202
armas para atrair jovens reside na música ou “rock católico”, o co-fundador entende que estes
encontros são importantes para reintegrar o jovem na religião, mas ter a possibilidade deles
pensarem em sua vida moral de forma a deixarem de lado “sua cabeça bagunçada”. O jovem
compreendido desta forma, isto é, desorientado e irreverente precisa ser “moldado” até se
tornar, na linguagem de Foucault, um “corpo dócil” e disciplinado:
Porque é assim, a pessoa chega lá como se fosse descontrolada. Aí ela começa a entrar na vida espiritual, no momento de oração, mas no sábado é o momento mais forte de oração que têm pregadores fortes, que levam pregações forte mesmo, entendeu? Só pra você ter uma idéia, no sábado nós fomos dormir quase duas hora da manhã, na oração do Santíssimo e fusão do Espírito. Então você que vê que no sábado ninguém é mais o mesmo... Vem pregações fortes que mexe com a parte emotiva, que traz à tona o que a pessoa é, seus erros, seus pecados, né? Seu pai, sua mãe, né? Aquilo que eles tão vivendo, então tudo aquilo acaba borbulhante, e acaba todo mundo vomitando, né? (Homem, casado, 47 anos)
O contato com os possíveis jovens encontristas se dá via e-mail “agradando-os”,
cativando-os para o retiro. A maioria dos jovens encontristas são da cidade de Ribeirão,
porém devido a propaganda nas redes sociais, celulares e missas atingem também regiões de
Suzano, Ouro Fino e alguns bairros de São Paulo, por exemplo, Ipiranga.
O retiro segue um cronograma de orações, músicas, palestras, teatros tentando
permitir que os encontristas se fixem no ritmo daquilo que lhe é proposto. Apresentaremos a
seguir brevemente o cronograma de um dos cujo objetivo principal é a maximização do
marketing da comunidade: sua estrutura organizacional (valores, visão e missão) e sua
maneira de pensar a juventude. Segundo a liderança entrevistada, o primeiro dia de encontro é
pautado por encenações, palestras e músicas eletrônicas. O primeiro dia é dividido em quatro
momentos:
[...] eles já chegam num momento todo diferente. Esse último retiro ele passaram por um corredor cheio de soldados romanos, né? Num ambiente escuro, eles passaram pra entrar numa sala de palestra, o ambiente todo de soldado romano, ai eles sentaram [...] Gente fantasiada de soldados romanos, nossos... nossos (integrantes da comunidade) mesmo, fantasiados de soldados romanos, e fizeram um corredor e os jovens passavam por esse meio de corredor, entravam na sala, sentavam nos lugares e tudo em silêncio absoluto, ai começou... ai a bateria começou a fazer um barulho... pá! pá! pá! como um coração batendo, sabe? Entrou! Ai depois... é... os soldados gritando e todo mundo gritando crucifica! crucifica! Enfim a gente começou o retiro com uma mini encenação da crucificação, e a partir dali depois que o retiro acabou a gente já teve testemunho de que falou: “- Gente na entrada do retiro eu já senti uma coisa diferente, ambiente, só pela batida da bateria.”Então a gente começa dali, a partir dali. (Idem – grifo nosso)
No segundo momento o Arranjo apresenta sua “bagunça santa” dando ênfase
visual às suas músicas e coreografias. No terceiro momento, o fundador da comunidade faz
203
uma intervenção com uma pequena palestra explicando o objetivo do encontro e das
dinâmicas ocorridas. No quarto e último momento do primeiro dia de retiro os jovens são
submetidos a uma balada com música eletrônica.
No sábado há um bombardeamento de palestras mescladas com dinâmicas de
grupo e encenações. A militante destaca a palestra de um pregador de Santo André, Ademir
Minhoca102, ex-drogado que motiva e faz chorar a platéia.
Estes encontros procuram modificar a consciência juvenil por vezes até de forma
traumática. Há neles formas estratégicas de atingir os jovens pela música, diversão, momentos
de toque físico, os abraços, por exemplo. O pós-encontro, uma semana após o retiro, acontece
na casa de missão Sabaoth em Ribeirão e não conta com muitos jovens, em média de cinco a
dez103, segundo o relato do co-fundador. Opinião controversa advém da militante que
secretaria as reuniões do Conselho relatando que, no último encontro de 2013, o retorno foi
“além do esperado” preocupando as lideranças por não possuírem espaço suficiente para
comportá-los:
[...] Esse último retiro o retorno foi fantástico. De cento e dez jovens é o que a gente tá sabendo assim... Os jovens definitivamente quiseram mudar de vida. E desses cento e dez jovens do retiro, cinquenta e cinco estão querendo entrar na comunidade e vieram aqui querendo ajudar e mandaram e-mail e querendo fazer o cadastro pra entrar na comunidade, né? (Idem)
Neste “reencontro”, a intenção é manter a “chama acesa, trabalhar o coração”,
relatou um militante. O recrutamento de novos membros preenche um papel fundamental no
funcionamento do Arranjo. Os neófitos – caso queiram estreitar vínculos – passam, nos dois
primeiros anos, por um período de adaptação maximizando as suas habilidades, expandindo
seus serviços para a comunidade, mas não isento de regramento. Para inserir-se na
comunidade, o neófito atravessa um processo de “enamoramento” da comunidade. Participa
de cursos e atividades sugeridas pela liderança do Arranjo a fim de construir em sujeito que
internalize o chamado carisma da organização e efetue visivelmente no cotidiano.
102 Pregador católico itinerante de Santo André e ex-dependente químico. O mesmo possui uma página no facebook. 103 Nestas circunstâncias, não seria o caso de pensar que a religião atualmente desempenha um papel secundário na medida em que outras esferas da vida, tais como família, amigos são importantes para eles, o que talvez justificasse um dos motivos de pouca adesão. Mas, estas formações ou arranjos católicos alternativos ainda contribuem na construção de uma identidade de jovens cristãos se comparados em ambientes tradicionais veiculados pelas paróquias.
204
Há um plano de carreira espiritual104 conforme o que se segue: a) Vocacionado:
nestes estágio é avaliado se o neófito identificou-se com o trabalho e o carisma do Arranjo; b)
Pré-discipulado105: formação bíblico-doutrinária, carismática, isto é, descobrir os dons do
Espírito Santo e, por fim, humano-psicológico; c) Discípulo: exercício do carisma e e) Votos
perpétuos: dedicação exclusiva. Em seguida apresentamos o esquema do vocacionado:
[...] Então esse período do ano, um ano espiritual, vamos namorar o irmão e o irmão vai namorar nós. O irmão vai ter regra de vida, tem regras de vida, né? Um ano? Então, vamos começar a observar o irmão. Como é o irmão fora daqui? Entendeu? Aqui é uma coisa e lá fora, então tem tudo isso. (Homem, casado, 47 anos)
Passemos a relatar brevemente a história, apenas como ilustração, de um
membro que se tornou recentemente consagrado (dezembro de 2012) do Arranjo. De família
tradicional católica, a mãe rezava o terço e orientava os filhos nas “questões de fé”, mas sem
ter uma prática efetiva em paróquia. De origem cearense, de Campos Sales, o consagrado
reforça a ideia de que o seu sobrenome é conhecido na região nordestina. O seu sobrenome
fornece indícios significativos sobre a história da sua família, mormente dos seus avós
paternos, o que lhe permite traçar minimamente um viés da sua árvore genealógica. Segundo
o relato seus avós fizeram parte da família Arrais, de temperamento forte. O consagrado diz
que é um nome “forte” influenciando inclusive a política da região. São três os nomes por ele
mencionados: Arrais, Andrade e Alencar. Migrando para Santo André, no parque das Nações,
seus avós e seus pais se instalaram nesta região. Dizendo-se um “católico trivial” de
frequentar missas e datas religiosas comemorativas até os seus trinta e cinco anos quando
“acordou para a fé” ao se aproximar da sua futura esposa. Esta, católica praticante e dedicada
ao grupo de oração na Vila Suíça, em Ribeirão, aproximou-o da renovação carismática após o
casamento em 2002. Dentro deste circuito do catolicismo carismático, o consagrado conheceu
o grupo sabático que evangelizava através de orações e de shows gospel. Paralelamente a isto,
entra em contato com a Canção Nova por meio das palestras de um dos seus principais
representantes, o falecido padre Leo. Motivado pela curiosidade, conhece também a literatura
do chamado professor Felipe Aquino, do padre Léo e do padre Jonas que o fizeram “conhecer
a fé católica”. Participando com a esposa, em 2009 em um dos rebanhões promovidos pelas
lideranças da RCC em Ribeirão pires tiveram contato com o co-fundador do Arranjo que lhes
fez uma “oração bonita e emotiva” motivando-os posteriormente a participarem do grupo na 104 Ex-seminarista da Canção Nova, o fundador do Coração Sagrado provavelmente influenciado pela estrutura daquela instituição, migra para sua comunidade o programa de formação de discípulos cançãonovista. 105 Nesta etapa, o neófito é considerado consagrado da comunidade e faz uso de um anel de consagrado representando neste caso seu compromisso com a estrutura e valores daquela.
205
casa de missão Sabaoth. No final de 2012, com quarenta anos, ele fez juntamente com sua
esposa, os votos de consagrados Aliança da comunidade. Enfrentado dificuldades no
manuseio do conhecimento da oração e da doutrina religiosa adquiridos aponta que é
“testado” na fé constantemente no “mundo do trabalho” com seus colegas evangélicos. Agora,
como membro ativo da comunidade, construiu uma rede de amizades aproximando-se do co-
fundador por afinidade expor que se “consagrou a Jesus”. Para manter certa ordem moral, os
censores – representados pelo Conselho da comunidade e demais consagrados – policiam
relativamente o comportamento dos seus membros no cotidiano, mesmo que fazendo apenas
uma “visita” amigável. Por um lado, o resultado de tal exercício de policiamento representa
que o Conselho possui minimamente um consenso sobre os valores que os membros devem
adquirir. Por outro, isto significa preservar a imagem de uma comunidade moral diante da
opinião pública e, principalmente diante do bispo local.
Os membros possuem uma autonomia relativa enquanto “aprendem” as regras
da vida comunitária. Os treinamentos são ministrados por consagrados há mais tempo na
comunidade e não necessariamente feitos pelo fundador. Passam por um processo de
aprendizagem do catecismo da ICAR, noções de direito canônico, Bíblia, isto é, assimilam um
conjunto de valores e que atendem ao menos duas finalidades: a) Que os seus membros
transpareçam as expectativas do Arranjo; b) Servem de base para “lapidar” os neófitos dentro
dos parâmetros normativos da comunidade. As primeiras experiências de recrutamento não
tiveram sucesso devido ao curto tempo de treinamento sendo necessário, neste caso, uma
reformulação do “prazo de formação”:
Você chega pra mim hoje e diz: - ‘Fulano eu quero entrar na comunidade’. Eu falo: “- Irmão, gloria a Deus, tem que caminhar um ano aqui com a gente e, nós vamos ver, a gente vai ficar te avaliando pelo mesmo um ano.” A pessoa vem, assim... tem um monte de irmão que quer entrar por causa do retiro que nós fizemos... tem um monte de jovens. Nós já fizemos uma reunião, nós já falamos: “-vocês querem entrar, né?” Os primeiros que entraram, esses deram muita dor de cabeça, né? Saíram, quiseram aprontar alguma coisa, não sei mais o que então, foi um período que nós paramos e falamos, “-vamos fazer formações, vamos estudar, vamos parar tudo”. Foi quando nós viramos tudo e vamos sentar e vamos estudar. (Homem, casado, 47 anos)
Para que a assimilação dos valores seja cumprida, a liderança deve garantir que
haja um sistema para facilitar a comunicação eficaz dos valores. Isso inclui reconhecer e usar
uma estrutura informal da comunidade. A informalidade é expressa em algumas atividades
realizadas pelo Arranjo com duplo objetivo: a) Atrair jovens por meio de dispositivos do tipo
206
Baile dos anos 6; b) Acamp106, isto é, comunidade aluga uma chácara com piscinas, campos,
salão de jogos, lago, jet lona, passeios a cavalo, escalada, lual e lugar para o assentamento de
barracas de camping no intuito de mesclar diversão e evangelização; c) Estação 12107, grupo
musical gospel católico que oferece serviços de shows e pregações. Tal grupo foi contatado
pelo Arranjo para a realização de um show em 2012 na cidade de Ribeirão a frente da
paróquia São José; d) Lual na praça: similar ao item anterior e no mesmo local contou com
os membros da comunidade. Vê-se também, como exemplo, a criação de um círculo de
amizades “fora” das atividades oficiais da comunidade. Isto é importante porque, para além da
estrutura formal, os valores também são transmitidos através de um processo informal dando
abertura para a liberação de uma autonomia não tão policiada assim:
Muito! assim no sentindo de ter amigos que não são da comunidade a gente acaba meio que... aquilo vira nossa família, então se a gente têm que sair pra outro lugar, eles vão por que eles são nossos amigos, ontem nos estávamos na casa da Fulana em muitos, então automaticamente acontece da gente criar é... intimidade, ou criar um elo maior com certa pessoa, como todos nosso amigos. Semana passada a gente teve o grupo de jovens, semana retrasada, depois que acabou o grupo de jovens é... a gente convidou todo mundo, mas acho que dez de nós fomos pra Praia Grande direto do grupo, e fomos lá andar na praia comer alguma coisa e depois voltamos pra casa, então a gente se encontra muito, ai semana passada... retrasada a gente tava na praia, semana passada na casa do fundador comendo pizza, a gente tava brincando lá no jogo do palitinho, então a gente convive muito entre si, a gente convive bastante (Mulher, casada, 24 anos)
Adepta ao lema “consumir com moderação”, a jovem de 24 anos, liderança e
membro ativo do Conselho da comunidade Coração é radical consigo mesma, se
autocensurando quando o assunto é bebida, mas não vê problemas em relação aos familiares e
colegas da comunidade que fazem uso dela. Segundo a depoente, a modéstia e a moderação
do uso do álcool são aceitáveis na família e no Arranjo:
O que acontece, eu sou muito radical. Eu não coloco uma gota de álcool dentro da boca, eu não coloco, não porque eu to na comunidade, eu não coloco porque eu cresci assim, e meu pai bebe cerveja, meu. É católico, ministro da igreja, meu pai adora uma cerveja, sabe, ele adora uma cerveja e ele têm Cambuci no quintal e, às vezes, ele coloca cambuci na pinga, e de vez em quando dá uns golinhos e tal. (Idem)
106 O lema do Acamp é “Sua nova opção de ser santo sem deixar de ser jovem”. Conferir o logotipo no blog do Coração Sagrado: http://comucoracaosagrado.blogspot.com.br. Acesso: 02/03/13. 107 O grupo possui página no facebook.
207
Caso similar ao depoimento anterior é o que foi relatado por um membro
consagrado do Arranjo que, mesmo não apreciando bebida alcoólica é contra o uso excessivo
dela:
Eu não bebo, bem antes de entrar na comunidade, eu nunca gostei de bebida alcoólica então assim, por exemplo, eu tenho um amigo, você é meu irmão da comunidade e tem um amigo, de fora, eu sei que ele gosta de uma cerveja, o que peca é o excesso, o excesso é você ficar bêbado, tomou uma legal satisfez, isso eu não vejo que é pecado, por exemplo, o Fulano foi e almoçou na casa dos meu avos tomou um cálice de vinho, não é pecado nenhum, o excesso que é o pecado! (homem, casado, 32 anos)
O fato de pertencer a uma comunidade religiosa não lhe impede o exercício da
sua autonomia. A oportunidade de decidir sobre a admissibilidade ou não de um
comportamento adequado, de escutar ou não determinadas músicas fica ao critério da sua
liberdade de consciência. O Arranjo cria obviamente laços de pertença, mas não limita
totalmente a prática dos seus partícipes. A afirmação de pertença pode reforçar, sustentar a
construção de uma identidade religiosa influenciada por códigos de comportamento,
obrigações e práticas religiosas. No caso de duas lideranças entrevistadas pertencer ao
Arranjo não os fazem desprezar sua relação com o cotidiano, pelo contrário tornam-se mais
seletivos:
A gente não têm essa restrição. Eu sou uma pessoa extremamente eclética, eu ouço tudo. Se você for no meu carro, têm até o cd de música sertaneja tocando, né? Não têm nada a ver o [..] como é que fala? a gente modera. Por exemplo, no meu casamento, eu falei pro DJ o que eu não quero.Tocou de tudo: anos 60, anos 70, a Chair... tocou de tudo. Só não quero que toque essa música, essa música, essa música. Uma surgiu, ai eu falei: “- para de tocar essa música, eu não quero”. Eu adoro Ana Carolina, por exemplo. A gente ouve, não têm problema nenhum, nenhuma, nenhum. A gente não estipula: “- pare de ouvir!” Porque, assim, Deus dá a liberdade, o intuito da comunidade é ser um membro consagrado e fazer as coisas que Deus quer, e isso não significa que não pode ser livre pra ouvir o que você quer. (Mulher, casada, 25 anos)
Assim, seleciono as musica, entendeu? Assim o musico tal, musica secular falando sobre baixaria... palavrão, então assim isto não é Deus. Então eu seleciono, você vai escutar, eu seleciono, eu tenho um bom assim: Elvis Presley, que eu gosto, sei selecionar. Gosto do Jota Quest dependendo da musica que ele tá falando, depende da apologia... que ele tá falando. De repente, ele tá falando e muita gente não entende do aborto, isso ai não é de Deus não. (Homem, casado, 32 anos)
Os eventos construídos, no intuito de atração do jovem, anteriormente citados
fazem parte da tradição do Arranjo. Existem outros, que é fruto da criatividade da
comunidade. Citamos alguns deles: 1) Encontro de solteiros: realizado em junho de 2013 na
208
vila Suíça em Ribeirão Pires na associação carismática católica Nova Jerusalém e contou com
setenta participantes. Foi um momento, um nicho de encontro de mulheres e homens solteiros
católicos aumentando as chances de encontrar uma conexão compartilhando dos mesmos
valores e crença religiosa. Este projeto não é uma novidade no mundo católico, o mesmo
também é exercido nas igrejas evangélicas; 2) Baruc Pub: realizada na casa de missão
Sabaoth apenas uma vez, em 2011, o barzinho foi dirigido à comunidade católica presente em
Ribeirão com baladas cristãs e com opções Fast Food de salgadinhos e drinks sem álccol.
A venda de ingressos a dois reais teve como objetivo angariar fundos para a
comunidade. Esta experiência, em particular, foi entendida como um risco em potencial
porque o público jovem poderia interpretar como um “simples passatempo” sem firmar
interesse pela comunidade. A comunidade, em se tratando de obtenção de renda, mantém o
aluguel da casa através de doações voluntárias, venda de salgados, camisas personalizadas,
cds e dvds de pregadores da comunidade, doações feitas nos cultos noturnos dominicais na
casa de missão, rodízio de pizzas e venda de marmitex de feijoada, ambas realizadas uma vez
ao ano. A diocese não lhes fornece nenhuma ajuda financeira. As únicas fontes de “capital” da
comunidade restringe-se aos eventos supracitados e a ajuda dos amigos, consagrados da
comunidade.
Conselho Administrativo
A função administrativa do Arranjo diz respeito à facilitação do sistema de
trabalho e é composta de nove membros: fundador e co-fundador mais sete consagrados
(coordenadores da intercessão, formação, música). O Conselho reunindo-se uma vez por
semana possui um estilo centralizador, muito similar ao verificado nos outros Arranjos. As
decisões, ou pelo menos as mais importantes, por exemplo: avaliação do perfil religioso dos
consagrados, saúde financeira da comunidade, novas formas de divulgação física e virtual e
visibilização do Arranjo, formulação do estatuto, divulgação de um novo insight espiritual do
fundador estão entre as mais discutidas.
As determinações ali estabelecidas são empreendidas por um corpo de assessores
que a executarão. Os treinamentos dos novos membros são realizados por membros avaliados
com certo grau de competência espiritual e escolhidos por serem dotados de certos carismas e
que estão sob controle do Conselho. Este controle começa com a seleção cuidadosa dos
candidatos (novatos e já consagrados), principiando desde a escola vocacional que perdura
dois anos e continuada através das fases sucessivas das etapas da vocação estabelecidas pelo
209
Arranjo. Esta seleção é levada a cabo principalmente com o fim de recrutar novos jovens que
tenham competência carismática potencial. Em nosso entendimento, duas são as competências
que os futuros membros precisam adquirir: a competência instrumental no tocante ao
exercício das suas funções e valores carismáticos que une conhecimento da doutrina religiosa
com infusão do Espírito Santo e que reconheça o lugar de cada um dentro da organização,
mormente aquele que obteve inspiração divina para fundar uma comunidade. Há outros
mecanismos de prevenção/controle dos membros: julgamento, período de prática e
observação. O período de treinamento é seguido pela prática e teste de atribuições. Estas
funções delegadas aos novos membros são levadas a cabo sob supervisão dos membros mais
antigos e servem de sabatina para examinar tanto o carisma aprendido como a devoção às
crenças da comunidade. O Arranjo requer dos seus membros um grau elevado de participação
moral. Os sujeitos que, mesmo após o vocacionado não se ajustam aos interesses morais do
Arranjo são convidados a se retirarem. Portanto, a necessidade de coerência entre valores da
comunidade e o cotidiano dos seus membros pode ser prejudicial para a imagem do Arranjo
forçando o Conselho a tomada de atitudes.
A condição é mesma pra todos, todos são observados, a parte... a parte de você colocar uma aliança no dedo, essa aliança pra muitos significa muito, pra alguns talvez, lá pra frente, vai dizer que não e nóis somos bem claros pra todos. “– Oh irmão, no dia que você não quiser ser mais comunidade, você entrega sua aliança e glória a Deus”. Não quiser ser comunidade pode entregar a sua aliança e ir embora, você vai ser amado do mesmo jeito por nós, mas por favor, se você for ficar aqui, aguenta, sustenta, mas não fica falando mal. Não fica por ai, aqui, cutucando, ali, entendeu? (Idem)
Um desvio moral explícito de um dos membros fragiliza a educação religiosa
realizada pela comunidade manifestando, por assim dizer, uma fraqueza do seu esforço
integrador. Quando o desviado afasta-se da hierarquia de Valores corretamente aceite pelo
Conselho e que acaba por estragar o negócio, a solução apropriada deliberada pelos censores
da comunidade é o de desencorajá-lo e incentivá-lo a “entregar a aliança”. Considerando os
cinco anos de existência deste arranjo não seria esta atitude, de repreensão dos detratores, uma
característica de grupos precoces que não toleram e se opõem à ambigüidade? Os que não
“pensam” como o grupo, saem, criando assim um clima mais homogêneo para aqueles que
permanecem.
Como o fizemos notar anteriormente através de alguns relatos a propósito de
certas atitudes que permanecem na margem habitualmente tolerada (beber com moderação e
fazer uma audição seletiva de músicas seculares), a hierarquia de valores forjada e legitimada
210
pelo Conselho admite certa flexibilidade dos seus membros o que corresponde a certa margem
de liberdade. Nos relatos das lideranças foi observada a justificativa para a criação do
Conselho: “Deus é que determinou”. Neste sentido, podemos dizer que os chamados
elementos não-racionais estão concentrados no topo subordinando os elementos racionais,
operacionais da comunidade. Neste caso, justifica-se a existência de um Conselho dirigente,
pois a origem do seu poder é sobrenatural, assim como o é também o sistema de valores
criados. Quando a decisão do Conselho é tomada devido a uma infração não tolerável de um
dos membros, mormente aqueles(as) que estão em fase de treinamento, ela se configura
unilateral porque, além de ser considerada revelação divina protege as posições estratégicas
da cúpula do Arranjo. Atualmente o Arranjo é constituído por setenta membros: quarenta e
dois vocacionados, vinte e oito pessoas consagradas e dentre elas, nove que participam
ativamente do conselho administrativo conforme o organograma abaixo:
Figura 36 – Organograma simplificado da comunidade Coração Sagrado
Neste capítulo, examinamos amplamente a estrutura administrativa das
atividades de trabalho dos arranjos católicos leigos. Interessamo-nos por dois pontos básicos:
1. A anatomia destes arranjos: a constituição histórica destas comunidades através dos relatos
das lideranças, a inserção dos membros, estabelecimento de normas - que são acordos
relativamente ao que constitui comportamento aceitável -, aplicação de treinamento e
fiscalização de novos membros, internalização das normas, distribuição das tarefas e a forma
como elas são executadas, as atividades desenvolvidas o papel que cada membro cumpre, a
coesão moral existente e os conselhos administrativos. 2. As variações e os objetivos de cada
arranjo em relação ao público alvo que atingem.
FUNDADOR
SECRETARIA RELAÇÕES PÚBLICAS E-MAILS
ATUALIZAÇÃO SITE
CO-FUNDADOR
CONSAGRADO CONSAGRADO CONSAGRADO MINISTÉRIO: CANTO E TEATRO
LIDERANÇA
DE TREINAMENTO
211
Um elemento importante registrado foi a descrição da natureza piramidal ou
organograma de cada arranjo. Cada membro possui autoridade e responsabilidades, porém
numa área menor de autonomia quando se refere a decisões dentro do conselho administrativo
cabendo a elas ao fundador devido ao seu “carisma”. O fundador e o seu grupo imediato de
subordinados constituem um grupo de comando, isto é, a antiguidade no grupo é o que
determina os próprios conselhos administrativos. Como foi exposto neste capítulo, estes
arranjos são validados, aceitos pela hierarquia clerical local na figura do bispo diocesano que
os acompanha, apoiado por um grupo de padres especialistas no trato desse “catolicismo
renovado”. Distanciando-se de compromissos sociais mais efetivos, reforçando práticas mais
espiritualizadoras de emoção e intimidade com Deus, os arranjos alternativos católicos se
inscrevem em um tipo de catolicismo mais intimista preocupado em atender os “clientes
católicos” através de orações, cursos temáticos e de pouca duração e rituais de cura e
libertação.
212
CCAAPPÍÍTTUULLOO VV
OO PPOODDEERR SSIIMMBBÓÓLLIICCOO DDOOSS AARRRRAANNJJOOSS CCAATTÓÓLLIICCOOSS
Este capítulo se dedicará ao estudo dos símbolos utilizados pelos arranjos
católicos, tais como sites, emblemas ou totens108 e os santos, servindo-lhes de suporte para
sua militância. Estes símbolos, por sua vez, induzem e influenciam as lideranças em seguir as
diretrizes e normas do seu arranjo. Os símbolos mencionados são dotados de um poder de
camuflagem, isto é, isentos de qualquer crítica ou dúvida por parte de seus membros,
preservam e asseguram a coesão, a continuidade e o bem-estar dos arranjos. Estas
comunidades, por um lado, ordenam-se de acordo com uma estrutura de poder concentrado a
partir dos seus fundadores e, por outro, os símbolos – que lhes são subjacentes -, ganham
importante força simbólica, garantindo aos arranjos, não somente uma conexão de sentido
com o cotidiano, mas são reconhecidos como dotados de um poder simbólico (BOURDIEU,
2000). Tornaram-se referenciais importantes utilizados para direcionar os objetivos presentes
e futuros destas comunidades. Os símbolos veiculados pelos arranjos explicam suas rotinas e
atividades, interpretam eventos do passado direcionando o presente, diminuem a instabilidade
emocional dos seus membros e, por fim, criam uma identidade de grupo. O capítulo se propõe
abordar essa eficácia simbólica. Dois aportes conceituais serão utilizados para análise das
representações simbólicas dos arranjos, da sua coesão enquanto comunidades morais e das
interações destas comunidades leigas dentro do campo católico. A primeira contribuição
deriva de Durkheim, mormente aquelas que fazem alusão à religião como aglutinadora de
uma mentalidade unificada através de um aparato de crenças e ritos. Num segundo momento,
108 O termo Totem será utilizado para analisar as representações dos arranjos. Portanto, será discutido no tópico quatro deste capítulo.
213
discute as contribuições de Bourdieu relacionadas aos conceitos de campo, capital simbólico e
habitus para análise dos arranjos católicos e suas relações ad-intra e ad-extra. Por fim,
analisaremos as principais representações simbólicas utilizadas por este catolicismo
alternativo. As ferramentas conceituais a discutir nos servirão de apoio para interpretar
aspectos representativos dos arranjos católicos no ABC paulista. No entanto, o
desenvolvimento de um trabalho desta natureza envolve riscos e cabe fazê-lo com desvelo
evitando armadilhas próprias de um mecanismo anacrônico. Para evitá-lo propomos uma
revisão de conceitos-chave tanto em Durkheim como em Bourdieu capazes de agregar valor e
aventar possibilidades de interpretação alternativas do objeto abordado.
1. A FORÇA DOS ESTADOS COLETIVOS NOS ARRANJOS
CATÓLICOS
O principal impulso da sociologia de Durkheim foi o de que os fenômenos
sociais precisam ser estudados em seu conjunto. Fenômenos sociais são “fatos sociais”.
Possuem características sociais distintas e determinantes. São externos aos indivíduos
particulares constrangendo-os através da imposição de leis ou costumes. Esta coerção só é
perceptível quando as demandas sociais estão sendo violadas. Definindo os fatos sociais por
sua exterioridade e constrangimento elucida que as regras morais desempenham papel
fundamental na coesão de qualquer sociedade ou grupo social.
Por sua vez, as regras morais tornam-se guias e controles eficazes de conduta na
medida em que se tornam internalizadas na consciência dos sujeitos, enquanto continuam a
existir independentemente dos indivíduos. A moral social dita de que forma os sujeitos devem
se comportar de forma que a obrigatoriedade do cumprimento dos preceitos torna-se desejada
pelos agentes sociais. Neste sentido, entende Durkheim (1990), que a sociedade é algo além
de nós e algo em nós mesmos:
[...] É evidente que nas crenças e práticas que nos são transmitidas inteiramente prontas pelas gerações anteriores; recebemo-las e adotamo-las porque, sendo ao mesmo tempo uma obra coletiva e uma obra secular, elas estão investidas de uma particular autoridade que a educação nos ensinou a reconhecer e a respeitar[...]” (p.7-8).
214
A preocupação de Durkheim centra-se mais nas características de grupos e
estruturas do que em atributos individuais. Concentra-se em problemas como a “coesão” ou a
falta dela em grupos específicos, por exemplo, religiosos, e não com as características
individuais dos crentes religiosos. As propriedades dos grupos, segundo ele, são
independentes das características individuais: “o sentimento coletivo que explode numa
reunião, não exprime simplesmente o que há de comum em todos os sentimenos individuais”
(p.8). Qualquer formação social, embora não necessariamente superior às suas partes
individuais, é diferente delas e exige uma explicação sobre o nível que lhe é peculiar. Os
dados relativos à taxa de suicídio são outro exemplo emblemático de que o coletivo se
sobrepõe ao indivíduo. Por exemplo, em sua obra O Suicídio (2000) Durkheim demonstra que
o aumento significativo das taxas de suicídio um grupo particular indica que a coesão social
deste grupo enfraqueceu, de modo que seus membros ficaram mais vulneráveis e já não
estavam suficientemente protegidos contra as crises existenciais. Durkheim pouco se
importava com os traços psicológicos ou motivações subjetivas que levavam determinados
sujeitos a cometerem certos atos. Pelo contrário, ele investigava os modos caracteristicos dos
grupos, da sua coesão e da solidariedade entre os seus membros, daí sua preocupação com a
chamada “moral social”.
Os arranjos católicos, por exemplo, possuem cada qual com seu estilo e
objetivos comunitários, diferentes graus de integração. Nota-se que cada arranjo está
razoavelmente coeso, mantendo assim sua membresia sob nível desejado de controle.
Podemos dizer que, dentro do raciocínio durkheimiano, as pessoas que fazem parte dos
arranjos católicos e que possuem um grau de liderança em seus ambientes, estão de tal forma
integradas ao grupo que amortecem os impactos de frustração e decepções a que elas mesmas
estão vulneráveis. Mas, são menos propensas a recorrer a um comportamento externo ao
grupo. A participação nos encontros e rituais efetivados por estes arranjos maximiza a
integração entre elas.
Outro fator importante é que, embora hajam hierarquias de obediência e atuação
ou, na mentalidade weberiana, uma “burocracia organizacional”, as tarefas são diferentes, mas
complementares porque há um compartilhamento, por parte dos membros, de valores e
crenças. Se há um alto grau de consenso partilhado pela membresia então existe menos
desvios comportamentais do que nos grupos em que o consenso é atenuado devido a conflitos
político-partidários, por exemplo. Quanto mais forte ou mais unificado é o credo de um grupo
religioso, a coerção deixa de ser ‘sentida’ dando lugar a “hábitos, a tendências internas que a
tornam inútil, mas que não a substituem porque dela derivam” (DURKHEIM, 1990, p.5). O
215
próprio Durkheim ressalta que há casos especiais em que o consenso grupal ou a coesão que
os une ficam comprometidos. É o caso da taxa de suicídios entre católicos e protestantes
históricos. Estes possuem maior liberdade de pensamento o que acentua o caráter
individualista da crença, comprometendo a coesão do grupo. Já os católicos contam com mais
crenças e práticas comuns: “uma assembléia religiosa não existe sem um credo coletivo e é
tanto mais una e tanto mais forte quanto mais extenso é esse credo” (DURKHEIM, 2000,
p.186-87). No mundo católico, há um corpo de doutrinas e uma hierarquia eclesiástica bem
estabelecida historicamente o que lhe permite maior coesão e integração entre os diversos
grupos que o compõem. Embora os arranjos católicos possuam seu “estilo de vida religiosa”
tendendo para uma possível sectarização, o acento que dão à integridade e coesão grupal é
visível tanto no nível das suas práticas internas como no seu relacionamento com a hierarquia
católica local.
Esta integração não é sempre a mesma, mas está sempre presente e o que os
caracteriza é a intensidade com que os membros destes arranjos interagem entre si. A
participação nos rituais, por exemplo, no chamado “Embriagai-vos do Espírito Santo”
promovido no mês de maio pelo arranjo católico Chagas de Amor, mobiliza seiscentas
pessoas em um fim de semana ocasionando assim não só o crescimento do grupo,
revitalizando-o mas tendendo para a crescente integração dos seus membros mais ativos. Os
indivíduos que ali participam não percebem que existe uma coação sendo ministrada
ascendendo sobre eles:
[...] Assim, numa assembleia, os grandes movimentos de entusiasmo ou de devoção que se produzem não têm por lugar de origem nenhuma consciência particular. Eles nos vêm, a cada um de nós, de fora e são capazes de nos arrebatar contra a nossa vontade. Certamente pode ocorrer que, entregando-me a eles sem reserva, eu não sinta a pressão que exercem sobre mim (DURKHEIM, 1990, p.4).
Uma sociedade ou um grupo social somente funciona se os valores, crenças e
normas constrangem os comportamentos individuais acionando assim uma solidariedade
elementar que orienta suas ações. Para Durkheim, a educação, a religião, as regras jurídicas,
os sistemas financeiros são mecanismos que mantêm na ativa a integração da consciência
coletiva. Durkheim (1999) define a consciência coletiva ou a consciência moral da sociedade
como:
O conjunto das crenças e dos sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade forma um sistema determinado que tem vida própria; podemos chamá-lo de consciência coletiva ou comum. Sem dúvida, ela não tem por substrato
216
um orgão único; ela é, por definição, difusa em toda a extensão da sociedade, mas tem, ainda assim, características específicas que fazem dela uma realidade distinta” (p.50)
Durkheim já acena para este conceito em As Regras expondo que “a consciência
moral da sociedade se manifestaria por inteiro em todos os indivíduos e com uma vitalidade
suficiente para impedir todo ato que a ofendesse, tanto as faltas puramente morais como os
crimes” (1990, p. 60). Talvez, o problema recorrente em toda a obra de Durkheim seja a
“questão da ordem social”. O que une as pessoas no mundo moderno e industrial de modo que
não se fragmentem os laços de solidariedade social? Quais os agentes ou quais são as
instâncias institucionais que garantem o equilíbrio social e que representem a chamada
“consciência coletiva”? se, nas chamadas sociedades tradicionais, a família e a religião
assumiam a primazia do equilíbrio social, em sociedades industrializadas ou com a crescente
divisão social do trabalho, tais instituições garantiriam ainda a ordem social? Em sociedades
pré-industriais, as pessoas se uniam em solidariedade mecânica ou “por semelhança”. Nestas
sociedades, o desejo e a vontade dos sujeitos se confundem com os desejos e as vontades da
coletividade ou do grupo ao qual pertencem, impedindo o desenvolvimento da
individualidade. As personalidades não se diferenciam e nem se mostram em destaque. A
unidade social provinha dos costumes e da tradição. Onde a solidariedade mecânica
prevalece, as diferenças sociais são minimizadas e os membros da sociedade são mais
parecidos em sua devoção ao bem comum: “[...] nas sociedades inferiores, os delitos mais
numerosos são os que lesam a coisa pública: delitos contra a religião, contra os costumes,
contra a autoridade etc [...]”(1999, p.64). As sociedades pré-capitalistas se pautam em uma
forte consciência coletiva que constitui a base do comunitarismo. Para Durkheim, há no ser
humano, dois tipos de consciência, a particular, subjetiva e a coletiva. Quando a solidariedade
que advém da semelhança sobressai, a consciência coletiva acaba por envolver a subjetiva:
“[...] quando é um dos elementos desta última que determina nossa conduta, não agimos tendo
em vista o nosso interesse pessoal, mas perseguimos finalidades coletivas [...]”(1999, p.79).
Frases colhidas em nosso estudo de campo reforçam esta premissa durkheimiana: “eu sou
Shalom”; “quero morrer Fanuel”; “venha para a turminha das chagas” (referindo-se ao
encontro de crianças para a formação da vida cristã). Nestes arranjos, na medida em que as
pessoas os procuram pode ocorrer aí uma identificação com a proposta veiculada e,
gradativamente, na medida do seu engajamento, “tornam-se semelhantes ou constituem-se à
imagem e semelhança do grupo”.
217
A solidariedade orgânica, ao contrário, se desenvolve a partir das diferenças em
vez de semelhanças entre os indivíduos. Com a crescente diferenciação das funções –
acionadas pela crescente divisão social do trabalho - a consciência coletiva que integrava as
chamadas “sociedades inferiores”, se desfaz, pulveriza-se, torna-se difusa, maximizando-se as
diferenças entre os seus membros. A crescente divisão do trabalho surge no bojo destas
sociedades de modo que a individuação torna-se mais densa. A solidariedade orgânica é o
resultado da cooperação de indivíduos especializados. É típica do mundo contemporâneo.
Baseia-se no reconhecimento da individualidade o que acaba comprometendo a coesão social.
Dentro de uma sociedade industrializada constantemente diferenciada pelas
funções individuais há um enfraquecimento das rotinas coletivas ou se quisermos colocar, das
tradições e costumes. Segundo Durkheim, dentro do sistema de solidariedade orgânica os
membros que compõem esta sociedade, grosso modo, embora tenham pouco em comum em
relação às suas crenças particulares, estão num estado de maior interdependência do que sob a
solidariedade mecânica. Precisamente agora se engajam em formas diferenciadas de vida e
atividades específicas. Criam-se também redes de dependência, de amizade e de afinidades
múltiplas, mas agora com certo grau de liberdade de controles externos.
Segundo Durkheim, a passagem da solidariedade mecânica para a orgânica
corresponde senão a um processo de individualização. Os indivíduos passam a escolher
formas coletivas ou estilos de vida comunitária ou não, superando assim, gradualmente, laços
tradicionais de cooperação. Nas sociedades modernas o foco concentra-se na razão
instrumental, calculista e utilitarista, na liberdade de consciência, emancipando-se – não
totalmente - dos ditames da tradição. O indivíduo afirma seu direito à livre investigação, à
reflexividade, ao questionamento de ideias aceitas sobre os argumentos da autoridade. Em
exemplo, como foi observado por Weber (1987), a Reforma Protestante teve um papel
importante no processo de modernização. O próprio Lutero enfatizava a importância da fé
subjetiva com relação à autoridade do magistério católico romano. O papel do protestantismo
quando da sua gestação enfatizava a relação pessoal do indivíduo com Deus. Certamente, do
protestantismo originaram-se, por vezes, formas restritivas de agrupamentos religiosos (o
puritanismo, o anabatista etc), mas a importância que atribuiu ao livre arbítrio, à leitura
pessoal da Bíblia, à relativização do ritual e ao acento nas emoções religiosas contribuiu
inegavelmente para a ascensão do individualismo. Pautando-se na análise do desenvolvimento
das corporações medievais até as suas configurações modernas, Durkheim as visualiza como
necessárias e cumpridoras de necessidades sociais. A pergunta que faz é a seguinte: “qual o
papel que as organizações corporativas desempenham?” e a conclusiva aponta para a função
218
moral que desempenha e não para a “prestação de serviços econômicos”. O “grupo
profissional” tem por característica principal inibir as euforias egoístas individuais e “[...]
manter no coração dos trabalhadores um sentimento mais vivo de sua solidariedade comum,
de que a lei do mais forte se aplique de maneira tão brutal nas relações comerciais e
industriais [...]” (1999, p.XVI). O utilitarismo dito “individualista” é questionado e descartado
por Durkheim, pois persegue seus próprios interesses. Por outro lado, faz apologia de uma
individualismo saudável, aquele em que os sujeitos fazem bom uso da sua liberdade: o
individualismo moral. Para ele, há necessidade de uma agência reguladora, uma
regulamentação moral geral que garanta a liberdade dos sujeitos sem que com isso deslizem
para a anarquia social.
O próprio Durkheim alerta para a necessidade de que a “coerção é necessária
para levar o homem a se superar, a acrescentar em sua natureza física outra natureza” (1999,
p.XXII). Mesmo que o imperativo social dado pela consciência coletiva tenha se enfraquecido
numa sociedade de solidariedade orgânica, é necessário que se faça sempre presente para
garantir minimamente o vínculo entre as pessoas. Durkheim parece corresponder às
preocupações do secularismo contemporâneo. A desagregação da família, a instabilidade da
coesão social, a perda de autoridade das instituições tradicionais estão entre as preocupações
de sua análise. Nas sociedades modernas, ocorre a expansão das liberdades individuais
aflorando a questão da autonomia, o que não ocorria nas chamadas sociedades constituídas
pela solidariedade mecânica.
Nos arranjos católicos há uma integração das lideranças. Acabam
“desaparecendo” em nome do grupo o que implica, neste caso, o reforço da existência de uma
estado coletivo; por outro lado, o grupo ajuda-os em sua identidade mesmo que mitigando,
constrangendo e moderando seus comportamentos. A estrutura de cada arranjo católico é
dividida em camadas, em especializações, cada elemento é responsável por cumprir
determinadas funções e, dentro delas, exerce-se a autonomia (criar, sugerir, modificar)
circunscrita, obviamente, nos ditames impostos.
Nos arranjos católicos não foram observados conflitos do tipo: individuos
desafiando as regras da “vida em comum” ou levantando dúvidas sobre a legitimidade das
hierarquias (do magistério católico e do fundador da comunidade) ou sobre os valores que
regem os estatutos (ainda em formação) da comunidade etc. Se mantivermos a hipótese de
que na modernidade contemporânea há algumas crises de integração ou coesão social, na
terminologia durkheimiana, podemos citar três: crise política ou uma crise de participação
democrática; crise religiosa ou tendência geral de não relevar a influência de valores
219
religiosos e uma crise familiar ou crescimento de divórcios, implosão da chamada família
nuclear, novas tendências de união conjugal. Nos arranjos católicos, pelo contrário, há um
esforço de integração moral da família, do exercício dos valores religiosos católicos e da
participação consultiva entre a membresia de cada grupo e destes com a hierarquia católica
local.
Durkheim percebeu, em seu tempo, que o avanço do secularismo fragilizou a
chamada integração ou coesão social, mas não impediu que os sujeitos reiventassem novas
formas de sociabilidade - mesmo que estas ‘formas’ não se enquadrassem no designe
moderno de sociabilidade - e de um número de ideias e sentimentos comuns que
assegurassem a unidade e a continuidade da vida social. Ao contrário dos seus
“contemporâneos”, Durkheim não tinha dificuldade em compreender que o momento
histórico que ele experienciava era acompanhado por certa vitalidade de sentimentos
religiosos e uma continuidade das tradições religiosas. Diferentemente de Weber que percebia
que a modernidade proporcionava o desencantamento do mundo a partir da burocratização e
da racionalização dos sistemas sociais, Durkheim descreve-a como um momento histórico que
substitui a religião tradicional por formas mais científicas de compreender o mundo. Para ele,
isto significa que o sepultamento da religiões em suas formas tradicionais estava em curso,
mas novas formas do sagrado estavam emergindo incluindo aí a possibilidade do surgimento
de religiões individuais em que os sujeitos construiriam livremente seu self religioso (1989,
p.78).
Podemos entender, em termos durkheimianos, que vivemos em uma sociedade
secular, mas não sem o impacto de religiões nos estados de efervescência coletiva. Ele
imputa à religião uma visão que contrasta com os chamados filósofos da suspeita, Feurbach,
Marx, Nietzsche e Freud que viam-na como suporte da ignorância, intolerância, superstição e
ilusão. Este contraste está sublinhado em As Formas Elementares da Vida Religiosa (1989).
Nesta obra, Durkheim elabora uma reflexão sistemática de compreensão da religião
respeitando as regras do espírito científico. Não questiona a existência do sagrado, do
sobrenatural, mas percebe que as definições - por exemplo, a que Taylor atribui ao fenômeno
religioso - são insuficientes. Recusa-se a aceitar que a religião é um conjunto de fenômenos
sobrenaturais ou que ela é compreendida a partir da existência de uma “divindade”. Caso
emblemático encontra-se no budismo, que possui doutrina e ritos, mas é uma religião sem
deus. Possui uma prática religiosa, um “exercício espiritual” de controle dos desejos e
supressão da dor e não vê Buda como um ser divino, mas um exemplo a ser seguido. O
220
mesmo não ocorre no terreno cristão em que o Cristo é rememorado diurtunicamente como
divino (1989, p. 60-65).
1.1. O SAGRADO E O PROFANO
Durkheim quer encontrar elementos comuns que dão suporte às principais
religiões que ele mesmo conheceu. Daí seu interesse em se debruçar sobre o que ele chamou
de religiões pimitivas ou elementares e encontrar elementos comuns e universais de
entendimento da prática religiosa. Percebe que o fenômeno religioso, embora sendo um fato
social, originou as representações do mundo e, eventualmente, fazia as vezes de ciência e
filosofia (1989, p. 37).109 Aportado pelos estudos etnográficos sobre as sociedades primitivas
australianas no que se refere ao totemismo entre os aborígenes australianos, Durkheim quer
entender quais os elementos básicos, as características gerais que dão sustentabilidade ao
fenômeno religioso. Este é classificado em duas categorias fundamentais: “[...] as crenças e
os ritos. As primeiras são estados de opinião, consistem em representações; os segundos são
modos de ação determinados [...]” (1989, p.67). O grupo religioso expõe, verbalmente ou por
escrito, sua forma de compreensão de uma doutrina ou de santos, revitalizando-os assim à sua
maneira, nos ritos por ele elaborados. Desta forma, as crenças religiosas são de “[...] dois
gêneros opostos. Designados geralmente por dois termos distintos traduzidos, relativamente
bem, pela palavras ‘profano e sagrado’ [...]” (1989, p.68). Durkheim considera que a
dicotomia sagrado/profano é central para a compreensão do fenômeno religioso. O que o
caracteriza é esta dicotomia. O sujeito ou o grupo religioso identifica que o sagrado é algo
especial. Este sentimento pode ser conectado a vários objetos: “[...] por coisas sagradas, não
se devem entender simplesmente esses seres pessoais que chamamos deuses ou espíritos; um
rochedo, uma árvore, uma fonte, uma pedra, uma peça de madeira, uma casa, enfim, qualquer
coisa pode ser sagrada [...]” (1989, p.68). O agente religioso identifica como tal o sentido do
sagrado e aceita a realidade da distinção entre o sagrado e o profano110. Esta é uma distinção
109 Mesmo que o mundo moderno tenha eclipsado a religião da primazia social, há elementos básicos que sustentam a vida ordinária: “[...] a ordem social é regida por um pacto que transcende a singular vontade individual, por uma aposta eticamente forte que os indivíduos fazem no social [...]” (PACE, 2012, p.27-33). Ainda segundo Pace, o sagrado gera o ordenamento social. Portanto ele é o sinal da descoberta ética do estar juntos. 110 Em 2000, fui convidado por um amigo para “tocar violão” em seu casamento na região de Três Corações, em Minas Gerais. No momento que antecedeu a celebração matrimonial, o padre nos chamou perguntando sobre as músicas que seriam executadas. Mostramo-nas, e apresentarmos suas letras, ele surpreendentemente me impediu
221
que pode ser lida também como uma distinção entre bem e o mal. Segundo Durkheim,
sagrado e profano se refere a dois mundos concebidos como separados. Segundo ele, isso é
comum em todas as religiões. Há determinadas coisas que são consideradas sagradas,
interditas separadas do profano. No sagrado estão os tabus, os mitos e os ritos. Os elementos
que o compõe podem ser lidos sob duas perspectivas: a) Sincrônicas ou sistemas coerentes de
pensamentos, gestos e emoções. Para quem é católico, ou budista, ou muçulmano, ou judeu,
por exemplo, há uma padronização “esperada” dos agentes envolvidos tanto no que se refere à
normas doutrinais como nos rituais e b) diacrônicas, isto é, os sistemas religiosos sofrem
mudanças alterando assim aquilo que consideram sagrado ou profano em cada momento
histórico, mas costumam preservar elementos sem os quais não se sustentariam
historicamente e garantiriam-lhes credibilidade: uma pedra é uma pedra, mas a Caaba, em
Meca, do mundo islâmico não é qualquer pedra, mas é “a” casa de Abraão destituida e
“purificada” do seu viés sincrético. O sacrário católico não é apenas um armarinho que
“guarda objetos”, mas é “o” local que abriga o “corpo de Cristo”.
Durkheim entende que os agrupamentos religiosos distinguem formas de
convivência, de simbolismo evidenciado pelas inúmeras representações do sagrado, das mais
simples às mais sofisticadas. O sagrado não se manifesta ou irrompe nas experiências
humanas ordinárias e escapa das condições das experiências seculares ou, nas palavras de
Durkheim: “[...] é possível indicar certo número de sinais exteriores facilmente perceptíveis
que permitam reconhecer os fenômenos religiosos por toda a parte onde se encontrem e que
impeçam que sejam confundidos com outros [...]”(1989, p. 53). Embora Durkheim entenda o
contraste sagrado-profano como variável e universal e que essas duas categorias são
rigidamente definidas e separadas, elas acabam por interagir. Há um diálogo mútuo e delicado
destas categorias. Caso não ocorresse a comunicação e o relacionamento entre ambas, a “coisa
sagrada” deixaria de sê-la:
(...) A coisa sagrada é, por excelência, aquela que o profano não deve, não pode impunemente tocar. Certamente, esta interdição não poderia desenvolver-se a ponto de tornar impossível toda a comunicação entre os dois mundos; porque se o profano não pudesse de nenhuma forma entrar em relação com o sagrado, este não serviria para nada (1989, p.72).
de tocá-las chamando-as de “profanas”. Disse ele: “são músicas profanas, é melhor tocar padre Zezinho”. Uma das músicas que tínhamos preparado para cantar referia-se a “Todo azul do mar” (canção romântica comumente executada em casamentos) de um cantor chamado Flávio Venturini da safra da música popular brasileira mineira, conhecido também por participar do chamado “clube da esquina”, grupo que ficou conhecido na década de 70 e 80 no Brasil. O tecladista que nos acompanhava, por sorte, conhecia algumas canções do padre Zezinho, mas ironicamente, ao final da celebração, executamos, em respeito ao que nos foi pedido, apenas o instrumental da referida canção e, ironicamente, “toda” a assembleia presente, cantou.
222
Nos arranjos católicos observou-se que as chamadas “coisas sagradas”
durkheimianas são selecionadas dentre um rol de bens simbólicos católicos. Os santos, os
anjos, os discursos de Bento XVI, as imagens do papa e do bispo católico diocesano são
isolados dos seus respectivos contextos, sacralizando-se. Os valores, crenças, objetos
católicos sobrevivem nestes ambientes, mas sofrem uma reinterpretação conforme o interesse
destes arranjos. Constroem-se representações coletivas destes bens religiosos misturados com
os bens religiosos fornecidos pelos próprios arranjos.
Exemplificando, o estatuto da comunidade Shalom que obteve o reconhecimento
pontificial em 2011, ainda dentro da gestão de Bento XVI, não é veiculado pela internet, redes
sociais, nem comercializado nos ambientes e locais onde a Shalom se instala. Ele é fornecido
somente aos membros efetivos, aos bispos diocesanos e aos sacerdotes católicos que a
acompanham, o que implica duas breves conclusões: a) Há um interdito manifesto do uso
suspeito e indiscriminado do estatuto, inclusive para fins de pesquisa social e b) Para obtê-lo
faz-se necessário uma iniciação moral, ritual e doutrinária do sujeito interessado em ingressar
na comunidade. O estatuto é rigidamente controlado pela governança da membresia deste
arranjo. Não notamos este interdito, por exemplo, na comunidade Fanuel. Embora não tenham
estatuto, não tivemos nenhum restrição no que diz ao acesso à documentação que a estrutura e
lhe dá os fundamentos organizacionais. Por outro lado, a Fanuel exige dos seus membros uma
fidelidade aos seus componentes organizacionais – ritos, objetos de reverência, conduta moral
exemplar – considerados especiais e sagrados para ela. Assim, o mundo sagrado é o correlato
objetivo de um sentimento que o sujeito identifica como muito especial.
O sagrado não se limita ao campo religioso. Os simbolos sociais, times de
futebol, detentores de poderes políticos podem ascender a um caráter de “sagrado”. Diz
Durkheim:
[...] Aliás, a simples deerência que inspiram os homens investidos de altas funções sociais não é de natureza diferente daquela do respeito religioso. Ela se traduz pelos mesmos movimentos: mantemo-nos a distância de uma alta personagem; só nos aproximamos com precauções; para falar-lhe empregamos linguagens e gestos diferentes dos que nos servimos com o comum dos mortais. O sentimento que experimentamos nestas circunstâncias é tão próximo do sentimento religioso que muitos povos os confundiram[...] (1989, p.268).
Em outro momento, Durkheim cita que:
[...] Essa aptidão da sociedade para erigir um deus ou para criar deuses em nenhum momento foi mais visível do que nos primeiros anos da Revolução. Nesse momento, com efeito, sob influência do entusiasmo geral, coisas puramente leigas por natureza
223
foram transformadas, pela opinião pública, em coisas sagradas: a Pátria, a Liberdade, a Razão [...] (1989, p.268).
Para Durkheim, o mundo sagrado não pode sobreviver sem o profano e vice-
versa. Embora de naturezas diferentes, precisam estar conectados para que se configure o
fenômeno religioso. Em geral, aos aspectos da vida social (político, econômico), podem lhes
ser atribuída superioridade moral ou reverência tornando-os “especiais”. O sagrado, portanto
pertence ao domínio do separado, interdito, inviolável. O chamado “mito do progresso”, o
cientificismo, podem tomar feições sagradas configurando-se portanto tabus sociais.
Podemos examinar também a noção “sagrado” a partir da ideia de território,
espaços que são transformados em ambientes especiais onde se reza, canta, instrui-se
doutrinariamente, mas também engendra convivência social alternativa, afastada da lógica do
mundo ordinário. Os sujeitos, nestes ambientes, sentem-se renascidos sob forma nova ou são
convocados para tal fim. Nos arranjos católicos foi notado um traço comum em suas divisões
estruturais: o tipo de engajamento que o sujeito alocado e inserido nestes arranjos fará. São
dois os caminhos, o que chamam de comunidade de Vida e de Aliança. O primeiro
caracteriza-se por um engajamento total do sujeito ou “dedicação exclusiva”: a sua prática é
voltada exclusivamente para a “obra”, vive-se a partir da “providência divina”. O segundo,
empenha-se também dentro da proposta do Arranjo, mas mantém vínculos empregatícios ou
“dedicação flexibilizada”. Dedica-se à obra em finais de semana ou alternando semana e
finais de semana. Em ambos os casos, aquele que se filia ao arranjo é convidado a levar uma
vida regrada pautada na renúncia da lógica do mundo e revestida pelo ideal moral da
comunidade.
Na Igreja Católica, o respeito ao crucifixo, aos comportamentos e as ações
esperadas realizadas durante a missa, são considerados sagrados. A chamada “missa
carismática” possui alguns elementos que a diferem da chamada missa dominical tradicional.
Naquela, há alguns comportamentos pouco usuais como a evocação do Espírito Santo, o falar
em línguas, “cura e libertação” das chamadas doenças psíquicas, aplausos, cânticos etc. A
espontaneidade e a chamada intimidade com o Espírito Santo despontam como uma das
marcas fundamentais desse rito católico. Há uma linguagem específica usada nas missas de
cura carismáticas: a doença psíquica, por exemplo, é considerada um obstáculo para o
desenvolvimento espiritual do fiel. O mundo “profano” o faz recair constantemente
necessitando assim de uma intervenção sagrada, seja ela realizada nas missas ou nas
manifestações dos chamados “intercessores”, que “oram” pelos usuários que carregam uma
“doença espiritual”. Nestes rituais carismáticos específicos, o “sagrado” durkheimiano é
224
manifestado no “falar em línguas” – uma série de sílabas sem sentido pronunciadas sob
improvisação e espontaneidade, sem fórmulas prontas – e nas manifestações corporais
características deste ambiente ritual. Para Durkheim, um objeto não é necessariamente nem
sagrado, nem profano. Torna-se um ou outro, fica dependente da opção dos sujeitos. Pode-se
atribuir-lhe certo valor intrínseco e não considerá-lo simplesmente como um valor de uso.
Este mesmo raciocínio impõe-se também para as atividades empreendidas pelos sujeitos
crentes. Não as veem como meios para cumprir determinados fins, mas porque fazem parte da
adoração da comunidade religiosa. Distinções entre as esferas do sagrado e profano são feitas
por grupos – religiosos ou não – que se unem em um culto através dos símbolos que lhe são
comuns.
Neste sentido, chegamos a um ponto em que Durkheim considera a religião
como algo constituído coletivamente: “[...] uma religião é um sistema solidário de crenças
seguintes e de práticas relativas a coisas sagradas, ou seja, separadas, proibidas; crenças e
práticas que unem na mesma comunidade moral, chamada igreja, todos os que a ela aderem
[...]” (1989, p.79). Durkheim entende a religião como um sistema. Embora a noção sistema,
seja uma definição abrangente e utilizada em múltiplos contextos, ele percebe que a religião é
composta de partes inter-relacionadas e interdependentes e que mantêm entre si certo grau de
solidariedade. Esta interação ocorre sob certos princípios ou regras.
Durkheim não faz uma discussão sobre a noção de sistema, apenas o menciona
no enunciado supracitado. Este insight durkheimiano antecedeu a discussão pormenorizada do
conceito de sistema que surgirá posteriormente, em meados da década de trinta do século XX,
mormente no campo da biologia. Bertalanffy (1975) reconhece que o conceito de sistema
possuiu um histórico filosófico e social, mas teve um tratamento vago, permanecendo refém
da mentalidade mecanicista, desprezando da realidade a inter-relação dos fenômenos sociais
(p. 27-35). Identificando a ocorrência de fragmentação da ciência moderna, dividida ainda por
inúmeras disciplinas, Bertalanffy afirma que [...] o físico, o biologista, o psicólogo e o
cientista social estão, por assim dizer, encapsulados em seus universos privados, sendo difícil
conseguir que uma palavra passe de um casulo para outro [...] (1975, p. 52). Bertalanffy
argumenta que os chamados organismos vivos são complexos e interativos. Numa descrição
concisa podemos dizer que a “teoria dos sistemas” centra-se nas disposições das relações
entre as partes que as conectam a um todo. A natureza de um sistema é marcada pela sua
dinamicidade: ajustes e conflitos. Suas formas não são estruturas rígidas e as partes que o
compõem são flexíveis e se ajustam ao meio. A perspectiva sistêmica permite verificar que a
mudança de um dos componentes do sistema afeta os demais.
225
Segundo Durkheim, a religião atua como um sistema que se ajusta, reage ao
ambiente sócio-cultural. Os arranjos católicos, como subsistemas se inscrevem em um sistema
maior e mais complexo intitulado ICAR. Os primeiros possuem certa autonomia para a gestão
das suas atividades, possuem seu rol de crenças: santos, anjos, ritos são permitidos,
autorizados sob a hierarquia eclesiástica. A ICAR tornou-se um sistema complexo e
burocrático e dará uma resposta uniforme a qualquer perturbação que ocorra dentro do seu
campo religioso. Para proteger a chamada “comunhão dos santos” diante das manifestações e
reivindicações dos leigos católicos e também dos chamados “ataques” da mídia secular, ela
produzirá uma nova regulamentação doutrinária ou justificará suas ações a partir de um
arcabouço doutrinário já existente. A inserção dos arranjos católicos do ABC paulista, ao
menos os que estão elencados neste texto, tiveram seus pedidos de fundação deferidos pelo
bispo local. Na perspectiva sistêmica, tais arranjos acionaram na Instituição eclesiástica local
a criação de um novo tipo de regulamentação para atendê-los melhor, um departamento
específico para tal fim: criou-se um serviço especial encabeçado por alguns padres diocesanos
que possuem afinidades simbólicas com os arranjos a fim de atenuar possíveis problemas e
reclamações, mas acima de tudo, exercer controle sobre estes grupos para que os mesmos não
excedam em suas práticas religiosas. Garantiu-se desta forma, momentaneamente, a eficácia e
a unidade do sistema religioso católico como um todo. Para Durkheim o sistema “religião”
caracteriza-se da seguinte forma:
Trata-se de um todo formado de partes distintas e relativamente individualizadas. Cada grupo homogêneo de coisas sagradas ou mesmo cada coisa sagrada de alguma importância constitui um centro de organização à volta do qual gravita um grupo de crenças e de ritos, um culto particular; e não existe religião por mais unitária que possa ser que não reconheça pluralidade de coisas sagradas. Inclusive o cristianismo, pelo menos na sua forma católica, admite, além da personalidade divina, aliás, tríplice ao mesmo tempo que una, a virgem, os anjos, os santos, as almas dos mortos etc. Também uma religião não se reduz geralmente a culto único, mas consiste em sistema de cultos dotados de certa autonomia. Essa autonomia é, aliás, variável. Às vezes, eles são hierarquizados e subordinados a algum culto predominante no qual acabam sendo absorvidos. (1989, p.73)
O rosto deste catolicismo, que é plural, diferencia-se, complexificando sua
estrutura religiosa para que as conexões entre as partes deste sistema não comprometam a
chamada “comunhão dos santos”. Qualquer intervenção externa promovida pelo bispo, por
intermédio dos seus informantes padres, nada pode mudar além de manter o equilíbrio dos
grupos presentes circunscritos ao catolicismo. Tais arranjos filtram a seu modo esta
intervenção para preservar ou manter relações de boa vizinhança duradoura com a
mantenedora principal na figura do bispo diocesano. Tal sistema religioso católico é
226
unificado, no sentido da promoção da solidariedade, isto é, permite estabelecer certo grau de
laços sociais. No sistema religioso católico, os sujeitos apresentam, em grande parte, os
imperativos do grupo. Os subsistemas arranjos católicos organizam-se em torno de um
conjunto de crenças e sentimentos comuns de forma que a ênfase na autonomia individual é
baixa e não nula. Isso significa que há funções especializadas – uma solidariedade orgânica
ativa - de forma que os sujeitos exteriorizem livremente suas intenções, cumprindo
determinadas funções, mas não a ponto de comprometer o estado coletivo do grupo. Pensamos
aqui que o tipo de solidariedade que se aproxima e que impera nos arranjos é mais próxima a
do tipo mecânica. Há regras morais a serem seguidas pelos sujeitos controlando seus
possíveis impulsos egoístas. Há uma coerção simbólica sendo exercida, mas não a ponto de
extirpar a liberdade dos sujeitos. Os arranjos criam laços sociais e lutam contra aquilo que
tende a desestabilizar o grupo: crises conjugais, álcool, drogas, apenas para citar alguns casos.
Assemelham-se a “instituições de prevenção” na tentativa de tratamento e redução de danos
causados por algum tipo de vício. As restrições criadas nestes ambientes religiosos são formas
de regulação das atitudes, de conter a liberdade dentro de certos limites.
A ordem e a coesão grupal se mantêm sob sanções positivas (reconhecimento da
capacidade de alguns sujeitos em administrar suas funções e papéis corretamente), como por
exemplo, o testemunho público de alguém que superou determinada deficiência ou vício e é
ovacionado por isso; ou sob sanções negativas, isto é, reprovação de determinada atitude e
um possível convite para se retirar do grupo por demonstrar incapacidade de controle diante
de um vício e fragilizar consequentemente a “imagem” da comunidade. Durkheim, em sua
definição de religião acena para o conceito de igreja, tratado por ele como uma comunidade
moral ou:
[...] uma sociedade cujos membros estão unidos pelo fato de conceber, da mesma maneira, o mundo sagrado e suas relações com o mundo profano, e de traduzir essa concepção comum em práticas idênticas é o que se chama de igreja. Ora, não encontramos na história, religiões sem igreja (1989, p. 76).
Mais adiante, diz ele: “Uma igreja não é simplesmente uma confraria sacerdotal;
é uma comunidade moral formada por todos os crentes da mesma fé, fiéis e sacerdotes”.
(1989, p.77). Além das religiões ditas “abraâmicas” (judaísmo, cristianismo e islamismo),
tanto a definição de religião como a de igreja, não é restritiva ao mundo ocidental, mas
permite pensá-la também nas chamadas religiões não-ocidentais, no caso o budismo. Usamo-
la também como uma ferramenta útil para a compreensão do nosso objeto de estudo.
Referimo-nos um pouco antes aos arranjos que se estruturam como subsistemas ou uma parte
227
coerente e integrada que gravita ao redor do grande e complexo sistema chamado catolicismo
romano. Poderíamos pensá-los também como reduzidas “comunidades morais” que, sob a
influência de um mentor – o fundador – constroem um conjunto de crenças particulares,
possuem, cada qual, um rol de santos baluartes, anjos, ritos próprios, estatutos, estrutura
organizacional definida ou em definição, regras de convivência etc. Este conjunto de crenças
e ritos reunidos nestas comunidades morais foi retirado da ortodoxia oficial da ICAR e possue
o seu aval para atuar na sociedade. Estas comunidades sustentam seus laços internos não pela
via contratual, mas por convenções, amizades criadas, por afinidades, por emoções que
emergem, por regras de comportamento etc. Estes elementos permitem aos membros destes
arranjos minimizar as disparidades evitando qualquer tipo de polarização.
O fundador possui um papel importante para a coesão do grupo. Ele mesmo
representa o estado coletivo durkheimiano. Isto é, a forma de pensar do fundador é partilhada
por uma pluralidade de pessoas. É considerá-lo como sendo uma ideia, uma tendência de “ser
católico” compartilhada pela sua membresia. Cada fundador apresenta sua crença, suas regras
de convivência, sua maneira de interpretar a ortodoxia católica oficial respeitando
minimamente suas linhas gerais: respeito em relação aos dogmas da religião, à moral que a
subjaz e à hierarquia eclesiástica constituída. As consciências particulares dos partícipes
destes arranjos submetem-se livremente aos dispositivos morais e rituais constrangendo-os
nas suas atitudes. O mesmo conjunto de normas estabelecidas nestas comunidades morais
aplica-se a todos os indivíduos que dela participam. O estado coletivo representado pelo
fundador, “cabeça pensante” do arranjo, controla a parte inferior (as consciências particulares)
através de uma série de mediações institucionais, sejam elas materializadas ou não em crenças
ou em ritos. A mentalidade do fundador espalha-se quase que automaticamente pelas
lideranças das comunidades através das redes sociais, sites das comunidades, e também de
forma presencial junto aos colaboradores e usuários diversos que dali se aproximam. A rigor,
os arranjos não são sistemas fechados em que as relações intersubjetivas ficam sufocadas pelo
regramento imposto produzindo uma saída invariável. Pelo contrário, sobrevivem pelo fato de
saberem se adaptar às circunstâncias históricas, não vivem isolados como eremitas, mas
procuram manter-se num paradoxo contínuo entre “estar no mundo “ e “não ser do mundo”.
Central na análise que Durkheim faz do fenômeno religioso é, como foi visto, a
sua distinção em duas categorias de coisas: o sagrado e o profano. Esta dualidade, segundo
ele, é característica de todas as crenças religiosas e é facilmente observável tanto nas religiões
autodenominadas por ele de grosseiras e elementares como nas religiões mais modernas. A
função das crenças religiosas é representar esta dualidade, assim como, defini-la. Por sua vez,
228
os ritos religiosos prescrevem e reforçam em seus usuários prescrições e modos adequados de
conduta na presença de coisas sagradas. Durkheim discorda da ideia de que a origem daquela
dicotomia surgisse de fenômenos naturais ou que a natureza tenha sido inspiração para a
religião. Para ele o ponto de origem, o germe da distinção sagrado-profano advém das
religiões totêmicas, dos clãs das sociedades australianas. No totemismo, as tribos se dividem
em clãs cuja solidariedade não decorre pela consanguinidade, mas através de uma natureza
muito especial de parentesco: por possuírem igualmente um nome. Durkheim entende que esta
relação é pautada numa associação sagrada entre o clã e uma entidade sagrada:
[...] a espécie de coisas que serve para designar coletivamente o clã chama-se ‘totem’. O totem do clã é também o de cada um dos seus membros. Cada clã tem o seu totem que lhe pertence exclusivamente; dois clãs diferentes da mesma tribo não poderiam ter o mesmo totem (1989, p.140).
O objeto representado no totem é geralmente uma planta ou um animal, mas
poderia ser um ancestral, um grupo de ancestrais, um ser mítico ou até mesmo objetos como a
lua e o sol. Durkheim também identifica a ocorrência de anomalias totêmicas (1989, p.142).
Independentemente do objeto, o totem representa o sagrado e a fonte de vida moral do clã. O
totem é um ponto de encontro, um símbolo da coesão do grupo. Torna-se um símbolo de
status e um lugar de culto. Não é apenas um emblema ou brasão que permite identificar os
sujeitos e os objetos que o usam. Ele é um rótulo coletivo e apresenta um caráter religioso que
permite classificar a qual grupo pertence. Além disso, ele é exteriorizado e gravado nos
objetos e seres humanos. O símbolo totêmico é marcado nos objetos, paredes das casas,
armas, instrumentos e na própria carne (1989, p. 155). Durkheim amplia sua discussão
quando indica que o totem é muito mais que seu nome ou emblema. Ganha força e amplitude
sagrada em cerimônias religiosas e as coisas acabam por serem classificadas em sagradas e
profanas. Durkheim toma como exemplo a tribo dos Arunta que utilizam determinados
instrumentos - os churinga – que são marcados com o emblema totêmico da tribo. Os Arunta
entendiam que tais instrumentos eram sagrados e tinham que ser mantidos separados do
profano, isto é, pelos não iniciados na vida religiosa. Quando não estão em uso, são
depositados em lugar privado e reservados somente àqueles que possuem qualificação para
tocá-los e vê-los. Além disso, tal lugar é considerado santuário do grupo totêmico e
verdadeiro lugar de refúgio. Por outro lado, atribuem-se aos churinga determinados poderes
extraordinários de cura, que fortalecem virtudes humanas e enfraquecem os inimigos da tribo
(p.159-63).
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Durkheim ainda faz um adendo no sentido de que o objeto em si – o totem - não
é coisa sagrada. O totem é, antes de tudo, expressão material de alguma outra coisa (1989,
p.259-60). O totem guarda, abriga o que Durkheim denomina de princípio totêmico ou mana.
O mana é uma força impessoal e anônima que é encontrada nas coisas e nos demais seres
vivos sem ser confundida com eles. O mana não é uma metáfora, é uma força real que aciona
um sentimento de obrigação moral nos sujeitos e os condiciona imprimindo-lhes respeito e
dever. O mana se espalha em todos os lugares, nas palavras, nos gestos e nas substâncias. Cria
o divino e contém em si o princípio da eficácia. Portanto, o totem é dotado de um duplo
aspecto: ele simboliza, por um lado, o deus totêmico, o mana e por outro, manifesta o clã. A
convergência destes dois elementos cria nos sujeitos uma sensação de dependência total. Eles
seriam como dois princípios constrangedores exercendo sua autoridade moral no grupo. Uma
religião, o papa, um partido político, um sistema econômico não precisam de força física para
fazerem valer sua vontade. A autoridade que lhes é atribuída advém da força moral de que
estão investidos. A renúncia do papa Bento XVI, por exemplo, em fevereiro de 2013, causou
surpresa, apreensões por parte de teólogos e padres, choques emocionais por parte do povo,
mas a “figura do papa”, independentemente das circunstâncias e especulações midiáticas
desta renúncia, faz alusão a esta força moral durkheimiana ou como o próprio Durkheim
discorre:
Diz-se de um sujeito, individual ou coletivo, que inspira respeito, quando a representação que o exprime nas consciências é dotada de tal força que, automaticamente, suscita ou inibe atos, ‘abstraindo de toda consideração relativa aos efeitos úteis ou nocivos de uns e de outros’. Quando obedecemos a uma pessoa por força da autoridade moral que reconhecemos nela, seguimos os seus conselhos não porque nos pareçam prudentes, mas porque uma energia física de determinado tipo é imanente à ideia que temos dessa pessoa, a qual dobra a nossa vontade e a inclina no sentido indicado. O respeito é a emoção que experimentamos quando sentimos essa pressão interior e espiritual produzir-se em nós (1989, p. 261).
Esta inclinação ao respeito acionada pela força moral interiorizada nos sujeitos é
manifestada de várias formas. Por exemplo, as manifestações de apoio popular dos fiéis na
praça de São Pedro, no Vaticano, ocorridas no domingo, dia 17 de fevereiro de 2013, dias
após a renúncia declarada de Bento XVI e nas missas dominicais que ocorreram na catedral
da Sé, em São Paulo, reforçam esta inclinação de obediência provocada pela força de
autoridade moral evocada pelo papa. Em Roma, frases como “nós sentiremos sua falta”, “te
queremos bem” e em São Paulo, na celebração dirigida pelo cardeal Dom Odílo Scherer,
comunicou ao povo “acreditar na palavra do papa, e não em especulações que saem na
imprensa”. Padres da zona oeste de São Paulo afirmaram em suas falas: “se até o diabo tentou
230
Jesus, pode tentar a mim, você e até ao papa”; “conflito há em todo lugar, mostra que somos
humanos. A Igreja permanecerá. Vamos rezar por Bento XVI e pelo próximo papa” e, “A
barca de Pedro não vai afundar”111. Tais enunciados, proferidos em lugares diferentes,
possuem um denominador comum: o reconhecimento de uma autoridade moral incorporada
num sujeito. As concepções de Weber sobre a noção de autoridade ganham tônica importante
neste contexto. A estrutura eclesiástica da ICAR traduz uma rede de posições ocupadas pelos
seus representantes e, cada qual vinculada a certo grau de poder. Faz-se necessário ainda
distinguir entre a autoridade sob função hierárquica e a autoridade pessoal que se impõem ao
julgamento dos outros, positiva ou negativamente. Porém, a autoridade passa a ser inflexível
e durável caso a posição que um sujeito ocupa dentro de uma estrutura seja considerada
legítima pelos outros. Caso haja inclinação para a obediência, então estamos diante daquilo
que Weber intitula de relações de dominação. O que transpareceu nos excertos discursivos do
cardeal de São Paulo expostos anteriormente foi a ideia de zelar pela legitimidade da tradição
católica e, consequentemente, do próximo papa, independentemente das circunstâncias
históricas.
Durkheim enfatiza decididamente uma importante função da religião: a função
de integração social e de atestar a ordem social. Observando esta premissa sob a ótica do
mundo católico, o papa representa então esta força moral de unidade na diversidade de
subsistemas, cultos, posturas ideológicas polarizadas, presentes no catolicismo
contemporâneo. Por sua vez, sua autoridade é estendida a um corpo de especialistas cardeais,
arcebispos, bispos distribuídos pelo mundo a fim de ratificar uma inclinação de respeito ao
espírito de centralização e controle da qual se vale o mesmo catolicismo, com selo de garantia
de que a “barca de Pedro não afunda”.
Consoante ao exposto, é mister aludir, em breves palavras, que Durkheim
acentua a força coletiva como aquela que exerce sobre as consciências individuais não
somente respeito e admiração, mas provoca e atinge as ações dos sujeitos. Ela é introjetada
particularmente em momentos onde os atores sociais juntam-se coletivamente, seja em
assembleias religiosas, partidárias. E esta provoca em seus simpatizantes reações várias,
reforça sua identidade de grupo revivificando sua fé comum, mas que não se manifestaria,
provavelmente, na vida comum (1989, p.264). Segundo Durkheim, há momentos em que as
interações intersubjetivas tornam-se mais intensas. A religião é criada nestes momentos que
ele intitula de efervescência coletiva. Os adeptos que ali se associam manifestam mudanças de
111 Conferir Folha de S. Paulo, na seção “mundo” sobre a renúncia do papa Bento XVI, em 18/02/13.
231
comportamento, agitam seus braços, pulam, choram, falam em línguas, acreditam “sentir a
divindade”, sentem a presença do arcanjo Gabriel ou o “perfume” das flores da Virgem
Maria. Estes dois últimos relatos foram coletados de rituais católico-carismáticos leigos
realizados em lugares, horários, dias e em grupos diferentes. Durkheim retira da etnografia da
época a palavra corrobbori, um conceito que identificava cerimônias religiosas australianas
mais abrangentes onde se celebravam a intensidade da vida religiosa, proporcionando uma
profunda transformação psicológica dos sujeitos:
Ora, só o fato da aglomeração já age como excitante excepcionalmente poderoso. Uma vez que os indivíduos estão reunidos, emana da sua aproximação uma espécie de eletricidade que os conduz rapidamente a grau extraordinário de exaltação. Cada sentimento expresso vem ecoar, sem resistência, em todas essas consciências largamente abertas às impressões exteriores: cada uma delas serve de eco às outras (1989, p.270, grifo nosso).
O argumento de Durkheim centra-se no seguinte. Supomos que os adeptos de
partidos políticos, religião, tomados aqui apenas como exemplos, são suscetíveis à autoridade
moral exercida por outras pessoas respeitadas e grupos sociais. Tal autoridade quando
experimentada em situações peculiares, no caso de reuniões partidárias ou em rituais
religiosos, são capazes de elevar os adeptos além de si mesmos: uma intensidade de
sentimentos e tipos de comportamentos que eles próprios não alcançariam sozinhos. Quando
isto ocorre, os sujeitos não identificam facilmente a origem do estímulo que estão
experimentando. Eles só podem supor que é algo completamente fora do mundo de seu
entendimento pessoal. Elas identificam o sagrado como um mana que as invadiu
identificando-o com algum anjo, um perfume, uma voz intensa, uma língua estranha. O mana
também se faz presente e é experimentado diferentemente nos estádios de futebol, em
reuniões partidárias, em conglomerados junto à praça de São Pedro ovacionando uma pessoa
considerada sagrada. Por conseguinte, projeta-se esta força em algo, exterioriza-se em um
objeto, um animal, uma pessoa, em um conceito ou princípio moral. Neste frenesi coletivo, ou
no tumulto organizado, Durkheim identifica a passagem daquilo que é ordinário, das coisas
cotidianas, para o mundo concebido como sagrado. A força religiosa, impessoal e anônima, é
representada pelo totem. Isso assegura, uma vez mais, o papel exercido pelo emblema como
suporte e fonte do sagrado. Estes momentos de efervescência religiosa mantêm assegurada a
coesão da membresia. Isto porque há determinados tipos de culto ou rituais que reforçam a
coesão. Durkheim distingue dois tipos de cultos: um negativo e outro positivo. (1989, p. 374-
402). Os primeiros referiam-se a um sistema de proibições e os segundos a sistemas de
232
obrigações. Nestes cultos há tabus a serem respeitados: não há possibilidade de coexistência
no mesmo espaço de elementos da vida secular e os da vida consagrada. O culto realizado em
torno do totem, segundo Durkheim, promove no adepto uma conexão com o sagrado, com
suas crenças e renova sua lealdade ao grupo:
O rito, portanto, não serve e não pode servir senão para manter a vitalidade dessas crenças para impedir que elas se apaguem das memórias, ou seja, em suma, para revivificar os elementos mais essenciais da consciência coletiva. Através dele o grupo reanima periodicamente o sentimento que tem de si mesmo e de sua unidade. (1989, p.448)
Nos arranjos católicos, tanto os adeptos da comunidade de Vida como os de
Aliança, são convidados a realizarem exercícios espirituais fundamentados na lógica e nas
intenções do fundador de modo a se afastarem do chamado mundo secular pelo menos no que
se restringe a aspectos comportamentais e sexuais. Por outro lado, adquirem algumas
obrigações (culto positivo) e, proibições (culto negativo), isto é, não beber, não fumar, não
vestir-se com extravagância, afastar-se de músicas que incitem às drogas que, necessitam ser
realizadas pessoalmente e outras realizadas em grupo (participar dos eventos da comunidade:
trabalho em encontro de jovens, participação ativa no culto dominical realizado pelo arranjo
etc.).
Os ritos construídos pelos arranjos são esperados por serem eficazes por si
mesmos e não são dirigidos a um santo específico, mas a uma força abstrata. Tanto os que
dirigem o rito quanto os que participam dele, aguardam regenerar-se e receber o mana
invocado nas celebrações. O rito praticado nos arranjos constrói uma mentalidade religiosa
que atua como reguladora, avaliadora de outros grupos religiosos, sejam eles espíritas,
evangélicos ou de religiões afro. A mentalidade de que “a minha religião é a verdadeira” atua
com veemência nos arranjos. Os demais grupos presentes no mesmo espaço regional ou são
ignorados ou colocados como “coisa do mal”, mormente aqueles grupos religiosos do mundo
afro (Umbanda, Candomblé). Os espaços e os lugares que abrigam os arranjos são
transformados simbolicamente mediante as necessidades do grupo: a sala transforma-se em
recepção dos visitantes e membresia e lugar de divulgação da “obra”; os quartos são relidos
como lugares de cultos com baixa demanda ou como capelas; o quintal, caso exista, é
transformado em uma arena de convivência social, ensaios de apresentações teatrais, lugar de
confissão pública, de reza personalizada para os que visitam a “obra” e lugar onde se realiza a
missa. A casa transforma-se num grande espaço concebido como sagrado. Os membros em
233
sua grande maioria possuem facebook, mas entendem que podem utilizá-lo como um canal de
“evangelização”, “divulgação de mensagens de paz”, “eventos cristãos”, “sem palavrões” etc.
Na perspectiva durkheimiana, é necessário purificá-lo, santificá-lo, elevá-lo ao
patamar do sagrado. A princípio podemos colocar que, em um nível muito geral, cada arranjo
possui um sistema de valores em comum especialmente se analisados em contraste com
outros subsistemas católicos. Como exemplo, citamos a sociedade Vicente de Paula, os
Vicentinos católicos, que possuem uma prática de ajuda aos pobres com distribuição de cestas
básicas.
2. OS ARRANJOS CATÓLICOS NO JOGO DE PODERES DO
CAMPO CATÓLICO
Ainda dentro do contexto da nossa abordagem conceitual, Bourdieu oferece
noções, conceitos que nos permitem compreender não somente os arranjos católicos, como
também as relações destes com a ICAR da região do grande ABC. Até aqui apresentamos
argumentos durkheimianos que nos possibilitaram verificar que a religião é um fato social,
propulsora de coesão, integração para todos os seus membros. No caso do catolicismo
romano, aventamos que a integração é um fato, porém com algumas particularidades. Tal
coesão permite a união dos contrários112, entre os adeptos de um catolicismo mais
tradicionalista, um catolicismo midiático, aeróbico, emocional e um catolicismo sócio-
estrutural (CEBs) em declive no Brasil. Mesmo esta divisão clássica e tripartida do
catolicismo também está em processo de revisão teórica. Poderíamos pensar em católicos
messalisants (que vão à missa todos os domingos) satisfazendo-se com a obrigação cumprida
ou os “engajados” em pastorais, nas diversas possibilidades que a vida paroquial proporciona:
grupo de jovens, grupos de oração, Legião de Maria, Vicentinos, ministérios etc. Também há,
como apontou Le Bras (apud in CIPRIANI, 2007) além dos messalisants e dos engajados
(piedosos ou devotos), outros dois tipos de comportamento religioso frequentes: a) os não-
112 O Concílio Vaticano II, por exemplo, foi um caso típico de união dos contrários. Entre reformistas e conservadores que forjaram o evento, os textos resultaram e refletiram estas ambiguidades eclesiásticas. Segundo Comblin, o sínodo católico de 1985 provocado pelo então papa João Paulo II, avaliando os vinte anos de prática conciliar, resultou na ideia de que o Concílio foi “mal interpretado” necessitando “corrigir” com a reta doutrina as novidades que emanavam dos textos, mormente dos decretos da Lúmen Gentium e Gaudium et Spes, que promoviam um novo conceito de igreja enquanto “povo de Deus” e diálogo com a modernidade contemporânea. Ainda, segundo Comblin, os padres sagrados sob este novo formato eclesiástico não se interessam pelas decisões conciliares, pelo contrário, há uma tendência à veneração de todo arcabouço católico pré-conciliar e medieval, que por sua vez, traz segurança litúrgica e doutrinária para lidar as vicissitudes modernas. Conferir: http://www.unisinos.br/eventos/congresso-de-teologia. Acesso em: 03 mar. 2013.
234
praticantes, como a designação sugere, são os que não estão envolvidos em qualquer ato de
adoração e ignoram sua filiação a uma paróquia em particular ou limitam-se apenas aos ritos
de passagem: nascimento, casamento, morte; b) os sazonais ou de passagem: ligam-se à
paróquia pelos ritos de passagem e não possuem qualquer tipo de vínculo litúrgico. Além
desta “tipologia dos comportamentos” poderíamos pensar aqui num alargamento destas
tipologias do campo católico a partir dos arranjos aqui estudados, que talvez transcenda a
maneira costumeira de averiguar o catolicismo no Brasil atual. Esta manifestação fenomênica
das chamadas novas comunidades católicas provoca um novo olhar interpretativo sobre a
relação destas com a ICAR no Brasil. Pontuaremos aqui o campo religioso, tratado por
Bourdieu como uma esfera de conflitos, de ajustes entre os sujeitos que dele participam, bem
como as categorias de habitus e capital simbólico que servirão de ferramentas de análise do
objeto em estudo.
Bourdieu percebe a sociedade como um espaço onde estão posicionados os
diferentes atores. Estes, ocupam diferentes posições, muitas vezes antagônicas e interpretadas
como “naturais”. O mundo social, principalmente nas chamadas sociedades complexas, é
dividido em campos: econômico, artístico, jurídico, educacional, religioso etc. O campo,
portanto é um espaço estruturado hierarquicamente, de posições ou cargos cujas
características são relativamente independentes daqueles que os ocupam. Cada campo é
definido por problemas e interesses específicos irredutíveis com as de outro campo. Este é
uma esfera da vida social que se autonomizou dentro do percurso histórico principalmente em
sociedades contemporâneas. Podemos dizer que há o campo jornalístico, econômico, político,
religioso etc e cada um deles é caracterizado por um equilíbrio de poder entre agentes sociais
dominantes e dominados que, ao configurar as sua relações, mantêm ou transformam o
equilíbrio de poder que possuem. Tomando como exemplo o campo científico, discorre
Bourdieu:
O campo científico, enquanto sistema de relações objetivas entre posições adquiridas (em lutas anteriores), é o lugar, o espaço do jogo de uma luta concorrencial. O que está em jogo especificamente nessas luta é o monopólio da autoridade científica, compreendida enquanto capacidade de falar e de agir legitimamente (isto é, de maneira autorizada e com autoridade), que é socialmente outorgada a um agente determinado (1976, p. 88).
Cada campo se caracteriza por mecanismos específicos de capitalização de
recursos que lhes são próprios, isto é, envolvem a criação ou a posse de um capital para ele.
Em seu artigo “As formas de capital” (1986), Bourdieu amplia a definição de capital,
235
suprimindo dela o espectro que a prendia ao campo marxista e a afunilava ao seu aspecto
econômico. O que difere – se comparado ao entendimento de Marx – é que cada campo
possui sua própria estrutura e seus próprios desafios particulares. Em Bourdieu, o capital é
[...] trabalho acumulado em sua forma material ou em sua forma interiorizada, incorporada
[...]113, isto é, as posições dos agentes dentro dos espaço social, e consequentemente, do seu
campo de pertença, estruturam-se mediante o volume global de capital que possuem, recursos
que não se reduzem a bens econômicos. Por exemplo, desde tenra idade, um indivíduo
incorpora capitais em diversas modalidades: linguagem, habilidades intelectuais e técnicas,
maneiras de convivência, rendas, padrões sociais ou pode acontecer que estes elementos lhe
sejam negados, movimentando-se no espaço social, alimentando-se de capitais sobrantes.
Grosso modo, tais capitais permitem a um agente circular dentro do espaço social conferindo-
lhe ou não algum tipo de prestígio.
Levando a análise marxista a novas leituras, Bourdieu compreende que há uma
pluralidade de capitais. Distingue o capital econômico constituído pelos meios de produção
(trabalho, fábricas) dos demais bens econômicos. O capital cultura, ou todas as habilidades
intelectuais produzidas pelo sistema de ensino e da família, o capital social que indica o
conjunto de relações sociais construídas pelo sujeito, seu network e, por fim o capital
simbólico ou capital de reconhecimento, onde os sujeitos envolvidos em um determinado
campo lutam por “reputação”, prestígio:
“[...] os agentes investem o capital simbólico que adquiriram nas lutas anteriores e que pode ser juridicamente garantido. Assim, os títulos de nobreza, bem como os títulos escolares, representam autênticos títulos de propriedade simbólica que dão direito às vantagens de reconhecimento” (BOURDIEU, 2004, p.163).
O campo é também um espaço dinâmico em que os jogadores, os agentes estão
em inter-relação constante para manter ou subverter relações de poder. Ora ocupam posições
dominantes, ora as situações invertem-se. Há uma luta simbólica frequente para ocupar
posições vantajosas no espaço social. Para explicar o “funcionamento” do campo, Bourdieu
(2008, p. 64) utiliza o conceito de jogo. A razão para isto é que esta noção exprime o fato de
que os sujeitos estão conectados uns aos outros pelas regras que regem o campo. Os jogadores
ou os “detentores de capital” jogam o jogo sem necessariamente estarem cientes das regras e
pressupostos. A dinâmica do jogo consiste em que cada agente aumente ou mantenha seu
capital, suas cartas, conforme as regras implícitas no jogo. As regras podem mudar e os
113 Tradução nossa.
236
jogadores podem também lutar por uma mudança das regras a fim de melhorar sua posição.
Os agentes possuem a inclinação de lutarem por si mesmos e não pelos seus clientes (campo
econômico), eleitores (campo político), fiéis (campo religioso, por exemplo). Em cada campo
específico, os agentes envolvidos possuem interesses que lhes são comuns e lutam por valer
seus próprios direitos.
O campo religioso, por sua vez, é um espaço pequeno se comparado ao espaço
social global retratado por Bourdieu. É definido em relação a este espaço, de acordo com sua
maior ou menor autonomia, e é confeccionado em torno de um direito próprio mais ou menos
independente da lógica externa. O mundo católico, com seus grupos, movimentos,
congregações religiosas, seus cânones, santos, templos, sua arte sacra e burocracias, possui
algumas feições que dependem de certos indivíduos específicos. Os cardeais e bispos que hoje
dirigem a ICAR não são os mesmos que a dirigiam há quinze anos. João Paulo II, por
exemplo, esteve à frente desta instituição religiosa por vinte e sete anos. Bento XVI, dando
sequência à “lourde continuité”114 (herança pesada) do seu antecessor, além de redigir textos
inflexionados contra o relativismo moderno, presidiu a prefeitura da Congregação para a
Doutrina da Fé nos anos oitenta - departamento cravado no Vaticano e que postula
observações doutrinárias a serem seguidas em todo o campo católico com focos e manchas
espalhadas em todo o planeta – permaneceu no cargo de sumo-pontífice durante oito anos até
sua renúncia, dirigida publicamente em fevereiro de 2013. Em todos estes casos, examinando
o que neles acontece quando um sujeito sai e outro ingressa em seu lugar, vemos que, em
geral, o novo membro faz as mesmas coisas feitas pelo seu predecessor.
No campo do catolicismo atual, em particular, devido ao seu peso histórico de
instituição influente na cultura dos povos, transparece um continuum ou um depositum fidei a
ser preservado pelos novos membros. O procedimento destes depende muito da sua posição
particular no campo, o quesito básico é manter o legado supracitado. De forma mais ampla,
114 Expressão utilizada por Phillipe Portier em entrevista concedida ao jornal eletrônico Le nouvel Observateur, em 12/02/13. Entre os pontos principais da entrevista Portier avalia que Bento XVI se empenhou contra a pedofilia tentando empreender correção e disciplina moral no clero, desempenhou com opacidade a administração da cúria, mormente no chamado caso Vatileaks – documentos que tornaram público esquemas de corrupção, nepotismo, lavagem de dinheiro, subornos no Vaticano – que fragilizou ainda mais seu pontificado. Em favor da união dos contrários, Bento XVI revogou a sanção feita aos tradicionalistas seguidores do bispo Lefebvre, revisou o missal romano (regras liturgicaslitúrgicas) abrindo possibilidades de ativar o latim, frequentemente usado no período medieval. Pouco fez em relação à renovação doutrinária, o importante era achar uma síntese em articular a novidade com acento muito forte na tradição. Na direção do novo, Portier destaca o esforço de Bento XVI em relação à direção do diálogo inter-religioso com judeus e protestantes, com a liberdade religiosa, a ecologia etc. No aspecto doutrinário, Bento XVI enfatizou a importância da família e a emancipação do ser humano dentro de um regime econômico mais humanitário. Por fim, houve uma dificuldade do pontificado que, ao lidar com uma sociedade simultaneamente pluralista e subjetivista, perdeu terreno na Europa e na América. Conferir site: http://tempsreel.nouvelobs.com/monde acesso em 27/02/13. Tradução nossa.
237
diremos que a ICAR é constituída de pessoas que têm séries de atividades bastante estáveis e
regulares, e inter-relações de acordo com o que é determinado por aqueles que dominam o
campo. A ICAR opera, ainda, de acordo com uma repetição de tradições e mesmo a renúncia
de um papa está prescrita canonicamente. Um dos objetivos do campo católico na atualidade é
não perder o seu capital simbólico no campo macrossocial e, simultaneamente, não pode
romper com o quesito depositum fidei que é uma das premissas fundamentais da sua prática.
Neste paradoxo, ter aliados e parceiros dentro do campo pode ser fundamental para a
sobrevivência de uma instituição. Frequentemente é difícil determinar as fronteiras de uma
organização (em particular, o catolicismo) para que se saiba nitidamente onde um aparelho
institucional termina e outro tem início, ou descobrir quem é seu membro e quem não o é.
Em nosso caso, os arranjos católicos leigos participam do modus operandi da
ICAR, isto é, realizam suas atividades mediante o reconhecimento e aval da alta cúpula do
Vaticano115. Embora membros ativos, têm pouco a dizer sobre objetivos, políticas e coisas
semelhantes quando se trata da cúpula do Vaticano. Tomando os arranjos como ilustração,
reconhecemos a importância dos fundadores em determinar, cada qual, os objetivos da sua
comunidade moral e, muitas vezes, tomar decisões sobre como sua “organização” deverá
funcionar. Os arranjos não retratam suas estruturas exclusivamente baseados em seus
colaboradores subalternos, consagrados da comunidade, mas incluem os fundadores e um
conselho diretor composto de padres que acompanham estas comunidades laicas. Mesmo
possuindo uma quantidade de bens religiosos católicos que são ofertados para os seus
respectivos públicos, os arranjos não dominam o campo, pelo contrário, estão em posição de
dominados e exercerem a partir daí, esforços para conseguir seu grau de reconhecimento ou
de bens simbólicos dentro deste campo. Vamos entender aqui que existe uma parceria sendo
estabelecida entre dominantes e dominados, entre os arranjos e o clero católico para assegurar
a realização de algumas metas, mormente aquelas que dizem respeito à “evangelização “ de
jovens, de casais e dos chamados batizados, mas que se encontram afastados da ICAR. Esta
percebeu que parcela do seu desempenho depende de seus distribuidores ou concessionários,
isto é, toda a chamada massa católica atuante dentro das paróquias e de grupos, movimentos e
associações que gravitam ao redor da hierarquia católica. Então, estes agentes ou
distribuidores possuem um determinado tipo de capital religioso, possuem uma relativa
autonomia e trabalham na operacionalização da ICAR ao redor do globo.
115 Abordamos este aspecto com mais detalhe no capítulo 2.
238
Os arranjos católicos possuem legitimidade institucional no serviço de
distribuição de bens religiosos católicos – portanto são concessionárias autorizadas - e o
fazem com uma relativa autonomia pautada sob uma ordem determinada pelos agentes
dominantes do campo, o clero católico. Segundo Bourdieu (1999), o campo religioso é
estruturado de forma a desapropriar o capital religioso dos leigos em favor de um corpo de
especialistas ou peritos religiosos que produzem e reproduzem um corpus organizado de
conhecimentos secretos. Para Bourdieu há claramente uma divisão do trabalho religioso entre
especialistas pertencentes a uma instituição que possuem o ‘domínio erudito’ de um ‘corpus’
de normas e conhecimentos explícitos e sistematizados por um lado e, por outro o domínio
prático de um conjunto de esquemas de pensamento entre os praticantes e a membresia em
geral. (1999, p. 39-40). Podemos entender que os arranjos católicos estão em uma posição ou
alocam-se numa graduação específica dentro do campo religioso católico.
Nos círculos internos onde acontece a prática religiosa destes arranjos o seu
capital simbólico ganha intensidade, é visto como louvável ao colocar a sociabilidade que ali
se constitui à parte, como um diferencial organizacional a ser respeitado. Em outro círculos,
por exemplo, a do clero católico, estes arranjos poderiam ser considerados com desconfiança
o que reduziria, consequentemente, o seu capital simbólico. Os fundadores dos arranjos, assim
como a membresia mais próxima, isto é, as lideranças, possuem um domínio não erudito da
tradição católica e a expressam a partir de seus próprios moldes interpretativos. Cada arranjo
constrói sua própria tradição, seu modus operandi, suas crenças, ritos, mas o fazem segundo o
aval daqueles que, segundo Bourdieu, dominam o campo religioso.
Os arranjos ora analisados conseguiram sua posição dentro do campo, por um
lado, em consequência de abdicar parcela de sua autonomia em respeito aos
“aconselhamentos” do clero local, mormente do bispo diocesano. Por outro, adquiriram certas
propriedades ou características provenientes da tradição católica: a veiculação de santos, de
ritos carismáticos de “cura e libertação”, da imagem do papa, do bispo diocesano, fazendo-os
serem reconhecidos como grupo ou associação de fiéis católicos por parte do alto clero. Este
reconhecimento atribuído aos arranjos por aqueles que detêm o monopólio do campo religioso
não é tranquilo.
O fundador, que se encontra no topo do organograma da sua organização, tende
a ser visto pela sua membresia como dotado de um valor importante, reconhecendo seu
carisma e suas responsabilidades. Mesmo tendo reconhecimento canônico, mas ocupando
uma posição subalterna no campo, os fundadores e demais membros são relidos pelo clero
239
católico com desconfiança, o que, por sua vez, pode causar considerável dificuldade de
aceitabilidade:
[...] Toda prática ou crença dominada está fadada a aparecer como ‘profanadora’ na medida em que, por sua própria existência e na ausência de qualquer intenção de profanação, constitui uma contestação objetiva do monopólio da gestão do sagrado e, portanto, da ‘legitimidade’ dos detentores desse monopólio. Na verdade, a sobrevivência constitui sempre uma resistência, isto é, expressão da recusa em deixar-se desapropriar dos instrumentos de produção religiosos [...] (BOURDIEU, 1999, p.45)
A gestão de controle exercido pela hierarquia católica sobre estes arranjos tem
por finalidade evitar desvios e facilitar a integração deles ao grupo majoritário ou dominante
dentro do campo. As reuniões anuais solicitadas pelo bispo diocesano de Santo André, Nelson
Westrupp, junto aos fundadores dos arranjos têm por objetivo não somente conhecer a prática
e a rotina destes grupos, mas adequá-las à obediência e aos interesses da ICAR regional. Na
reunião realizada no início de novembro de 2012, o bispo discorreu sobre a importância de
um trabalho integrado das “novas comunidades” junto à paróquia e aos interesses da Diocese:
“Vocês têm grande responsabilidade, de participar da missão da Igreja de levar as pessoas até
Jesus. Temos que matar a sede de Deus que o ser humano tem”, frisou o bispo diocesano.
“Tem que participar da vida da paróquia e da vida da Diocese”116.
Há nesta curta fala elementos que denotam a típica dominação tradicional
elencada por Weber. Os usos e os costumes (integração à paróquia e à Diocese) são a fonte
última do poder. É um tipo de dominação conservadora e a mudança social implica em
rompimento com a tradição e, portanto, deve ser combatida. Ela não é exercida com uma
preocupação de eficiência como o é a dominação racional. Pelo contrario, a dominação
tradicional é destituída de qualquer base racional. Aquele que exerce a dominação tradicional
se sente senhor e os seus subordinados são vistos como “servidores” da Igreja Católica. Um
dos padres que acompanham as chamadas “novas comunidades”, VR, pronunciou: “A
importância deste encontro foi se encontrar com o Bispo, ouvir suas palavras e orientações”.
Na abordagem bourdieusiana, a ICAR, visando preservar seu “capital de graça
institucional ou sacramental” (1999, p.58), não prescinde de um aparato burocrático que
possibilite a veiculação dos bens de salvação oferecidos por ela. Ao contrário, os chamados
116 Participaram desta reunião representantes de doze comunidades novas do ABC paulista: Shalom; Fanuel; Fidelidade; Árvore da Cruz, Chagas de Amor, Coração Sagrado; Fraternidade Divino Mestre, Peregrinos do Amor, Voz do Pastor, Aliança da Cruz, Divina Misericórdia e Coração Chagado. Entre as que foram citadas, quatro4 fazem parte da análise desta tese. Conferir site http://www.diocesesantoandre.org.br. Acessado em 5/2/2013.
240
padres ou especialistas do sagrado asseguram que a distribuição e o controle de tais bens
sejam garantidos. Não se exerce o monopólio do campo se as relações entre dominantes-
dominados estiverem deterioradas. Por outro lado, exercendo seus papéis, os representantes
dos arranjos devem se pautar pelos valores, padrões, modelos, que integram a linha de
comando dos dominantes. Caso contrário, não poderiam exercer qualquer tipo de dominação
em seu próprio terreno, pois aí lhes faltaria legitimidade institucional. As atitudes
confirmatórias são um bom exemplo de reforçar a estabilidade da tradição, mantendo
eunômica a relação desigual entre dominantes e dominados. Exemplo disto é a fala de um dos
fundadores “Eu senti como o pai que acolhe seus filhos. Me senti acolhido por dom NW, a
quem devemos obediência”, frisou o fundador da comunidade Árvore da Cruz, de São
Bernardo.
Nesta reunião, portanto, apresentaram-se alguns atores sociais que desempenham
funções diferentes dentro do campo religioso católico. O bispo diocesano possui um papel de
moderação e conservação, o padre, seu auxiliar e mediador, ratifica a ideia subscrita de que a
hierarquia é a guardiã e intérprete oficial da tradição e, portanto, os leigos são convidados a
seguir. Tanto o bispo quanto seu auxiliar estão envoltos ou mergulhados na chamada
hermenêutica da continuidade117 ou continuísmo do poder religioso católico frente às novas
demandas e instâncias religiosas católicas que emergem no cenário do grande ABC paulista,
em nosso caso, os arranjos católicos.
O que o bispo solicitava para os fundadores, além do apelo que fez em
preservarem os elementos característicos da tradição religiosa – a instituição, o papa, o rito
católico, as fórmulas dogmáticas – era que os mesmos não se afastassem não da circunscrição
paroquial, mas da sua influência, dos seus comandos porque ali seria um dos ambientes que,
segundo ele, são considerados legítimos da prática religiosa.
É uma forma de controle mais direto. Os fundadores foram estimulados não
tanto a um comportamento inovador porque isto os faria percorrer um caminho que tenderia
para a sectarização, mas à segurança e ao conforto oferecidos pela obediência cega aos
regulamentos. O que se pede deles são duas coisas: a) confiar na chamada hermenêutica da
117 Quando assumiu seu pontificado em 2005, Bento XVI pronunciou o seu primeiro discurso oficial enquanto papa. Nele, faz alusão ao Concílio Vaticano II com um alerta de que é necessário entendê-lo mediante uma hermenêutica da continuidade e não de ruptura ou uma hermenêutica da descontinuidade com o passado. Segundo ele, a tradição da Igreja Católica não se rompeu com o evento conciliar, mas é um desenvolvimento legítimo dela. Independentemente das suas intenções e das ideias que o concilio Vaticano II sintetizou, a hermenêutica da continuidade impactou no mundo católico de forma a abrigar em seu seio um anacronismo composto de regras litúrgicas novas e antigas (a missa tridentina), de grupos que estavam “excluídos” da comunhão eclesial (pe.Pe. Lefevbre e cia.) ou em processo de enfraquecimento (no caso da teologia da libertação) com os chamados “novos movimentos eclesiais”.
241
continuidade que garanta o funcionamento satisfatório do campo religioso e b) disciplina
religiosa, que só se efetiva se os padrões de comportamento e o organograma dos arranjos se
sustentem por um habitus, que garanta a dedicação da membresia aos deveres que um católico
médio precisa cumprir. Aos arranjos cabe, portanto, adaptação de pensamentos, sentimentos e
ações, limitadas às perspectivas oferecidas por aqueles que detêm o monopólio do capital
religioso. Os sujeitos destes grupos foram convidados a internalizar disposições que tendem
ao conformismo e ao conservadorismo das regras do jogo.
A burocracia presente na ICAR persegue constantemente integrar os objetivos de
subgrupos à doutrina oficial. Nela há o reino do conflito, o reino da tentativa de legitimação
de interesses. Cada arranjo procura, a seu modo, manter-se no jogo e luta para que seus
interesses sejam validados oficialmente. Em termos simples, a hierarquia católica
representada neste caso pelo bispo e padre diocesanos, delega autoridade a estes subgrupos:
“participar da missão da igreja, levando as pessoas até Jesus”. O que isto significa? Servindo-
se de parcela do capital religioso católico cedido pelo bispo, os fundadores, agora dotados de
legitimidade institucional, ganham poder de atuação em seus próprios domínios concentrando
sua atenção não somente na gestão dos bens de salvação dali veiculados, mas exercendo um
poder capaz de alterar ação e pensamentos nos seus stakeholders mais próximos e de usuários
flutuantes que ali se aproximam (jovens, casais) para usufruir das ofertas religiosas
disponíveis, insuflando-lhes portanto um habitus religioso peculiar àquele arranjo. Bourdieu
define o habitus como:
[...] Sistema de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionarem como estruturas estruturantes, isto é, como princípio que gera e estrutura as práticas e as representações que podem ser objetivamente “reguladas” e “regulares” sem que por isso sejam o produto de obediência a regras, objetivamente adaptadas a um fim, sem que se tenha a necessidade de projeção consciente deste fim ou do domínio das operações para atingi-lo, mas sendo, ao mesmo tempo, coletivamente orquestradas sem serem o produto da ação organizadora de um regente. (ORTIZ, 1983, p. 61).
Em última análise, é no habitus que um determinado tipo de capital religioso é
reconhecido como importante. É no habitus dos participantes dos arranjos que os fundadores
exercem seu domínio. As lideranças dos arranjos, incluindo seus fundadores, incorporam
regras de comportamento ao longo de sua socialização na comunidade. Não há muitos
princípios a serem seguidos – veja a comunidade Fanuel cujos valores restringem-se à vida
em oração, comunhão fraterna, bom relacionamento interpessoal - mas serão suficientes para
gerarem em suas consciências maneiras de conceber ou interpretar os significantes mais
242
relevantes da comunidade (santos baluartes, anjos, Virgem Maria, Jesus etc.) e suscitarem
maneiras de ação como, por exemplo, criar e manter pequenos grupos de bairro intitulados
como células. Em cada arranjo, em cada espaço estruturador, produz-se um habitus
correspondente, que permite também a combinação de componentes mais ou menos
semelhantes, mas o conteúdo aí gerado diferencia-se de acordo com cada membro. Os sujeitos
destes arranjos sofrem um constrangimento normativo, mas nada os impede de reinterpretá-lo
utilizando seus próprios mecanismos mentais gerando assim a possibilidade de
comportamentos diferenciados.
Evocando a dinamicidade da noção de habitus, Bourdieu refere-se a ele também
como “princípios geradores de práticas distintas e distintivas” (2008, p.22). Cada arranjo
difere entre si pelos chamados “carismas” possuindo, portanto, habitus distintos, tanto os
arranjos consolidados há mais tempo, como os que permitem certa diferenciação enquanto
estrutura interna, divisão das tarefas, organogramas, propostas etc. Tanto as membresias mais
antigas como as novas possuem um sistema de produção, apreciação e percepção das suas
práticas de modo a se diferenciarem entre si. Na medida em que atuam produzem uma
expressão do seu arranjo, externalizando-o em gestos, palavras e símbolos. Veiculam o seu
totem (emblema da comunidade) e o diferenciam de outros totens demonstrando assim, seu
habitus, isto é, a maneira que eles incorporam e percebem o seu próprio grupo na interação
com outros dentro da mesma estirpe católica. Exemplo disto se deu em um encontro conjunto
entre os arranjos católicos em maio de 2012 na casa de cultura de Portugal, em Santo André.
Este evento aconteceu no chamado “dia de pentecostes”, correspondente ao ano litúrgico
católico reunindo várias comunidades novas em um único domingo às 7h30 as 18h00 (vide
cartaz de divulgação Anexo G). Neste encontro totêmico entre jovens na faixa etária de
quatorze a trinta anos, além de famílias, em meio a um mix de palestras e louvores, fechou a
participação de oito novas comunidades consolidadas e outras em processo de constituição.
Ocuparam o espaço local oportunizando a exposição dos seus trabalhos em estandes –
divulgados em folders, vídeos e banners – assim como, apresentaram seus “carismas”
acentuando aí seus habitus. Os elementos simbólicos – manifestados em palavras, gestos e
objetos – compartilhados neste dia indicaram maneiras de ações distintas a respeito daquilo
que consideram importante e válido para seu próprio arranjo.
243
3. OS FUNDADORES
O papel dos fundadores118 e seu impacto na formação desses arranjos devem ser
levados em conta. Todas estas lideranças, ao decidirem fundar uma organização religiosa,
tiveram, cada qual experiências místicas, revelações divinas específicas. Elas impõem aos
seus membros um conjunto de valores, pressupostos, artefatos e perspectivas. Os fundadores
vão buscar em outras experiências do chamado catolicismo renovado maneiras, formas de
organização das finanças, treinamento dos membros, rituais, símbolos e aplicam-nas a sua
própria comunidade. A fundação é um processo que envolve uma série de etapas: iniciação,
mobilização de recursos financeiros e humanos. Tal processo pode levar alguns meses ou até
anos. Estamos diante de comunidades com um mínimo de estruturação administrativa e que
não possuem efetivamente um estatuto redigido e oficializado pela diocese de Santo André. A
Fanuel, por exemplo, possui um estatuto oficioso e não tem reconhecimento diocesano. São
arranjos que ainda se encontram muito afetados pelas características pessoais dos seus
fundadores e mesmo que não cresçam significativamente, mantendo estável um certo número
de seguidores, não há a introdução de novas premissas porque obviamente continua indefinida
como será a primeira geração de seguidores. Inevitavelmente, os seus seguidores, caso o
Arranjo não se desfaça, adotarão novos elementos aprendidos com a experiência enquanto
consagrados.
Uma das características verificadas é que os fundadores tomaram a iniciativa e
organizaram ao redor de si pessoas que compartilham objetivos e visão em comum valendo a
pena correr o risco mesmo que isso comprometa a vida social dos sujeitos. As rotinas
estabelecidas pelo fundador aos seus seguidores manifestam procedimentos e outras tarefas
recorrentes que têm de ser executadas. A existência de tais procedimentos – também
visualizados nos outros arranjos – fornece estrutura e previsibilidade para esta associação de
fiéis e tornam a vida deste arranjo previsível, reduzindo assim a ambiguidade e a ansiedade 118 Os fundadores identificados e entrevistados nesta pesquisa possuíram, em seu histórico pessoal, participação no movimento de Renovação Carismática Católica (RCC). Neste sentido, esta influência é notadamente verificada nos cultos de cura e libertação veiculados nos ambientes dos arranjos católicos. Há, porém um detalhe. Não possuem mais vínculos ativos com a RCC e também não se identificam mais como “mais um” movimento carismático institucionalizado como, por exemplo, o da Canção Nova. Os arranjos são uma tendência cristã católica com uma forma peculiar de operar mais livremente os símbolos religiosos e de construírem para si uma gestão administrativa com “rosto próprio”, sem com isso comprometer o vínculo com a ICAR. Segundo a co-fundadora da comunidade Chagas de Amor, as novas comunidades possuem uma “espiritualidade mais profunda”. E acrescenta: [...] não é mérito de achar que nós, o grupo de oração de uma nova comunidade não é melhor do que o grupo de oração da renovação (referindo-se aos movimentos de oração paroquiais), mas é diferente, é diferente, por quê? Pela espiritualidade que é mais profunda”.
244
tanto daqueles que veiculam o capital religioso como dos que o recebem. Tais procedimentos
ainda garantem e reforçam – na mentalidade dos seguidores - a mensagem de que o fundador
realmente se preocupa com as coisas certas. O carisma do fundador e o banco de rotinas
estabelecidas por ele junto e “auxiliado” pelo conselho permite evitar inconsistências de modo
a não enfraquecer a sua mensagem enquanto líder carismático.
Os fundadores são sujeitos auto-orientados, mais dispostos a assumir riscos e
buscar objetivos de evangelização espiritual do seu público com o respaldo do bispo local e da
Providência. Embora regrados, são mais intuitivos e possuem um ponto de vista de longo
alcance porque constroem sua identidade através do seu próprio arranjo e lidam com o
ambiente externo que está em constante mutação social e religiosa. Em virtude de sua posição
e personalidade, eles se veem mais seguros e confiantes contendo a absorção de ansiedade e
de risco por parte dos seus membros. A tranquilidade em manter uma comunidade advém
muito do fato de crer que ela é dirigida pela Providência.
Os novos seguidores adotam para si os reflexos da maneira de pensar do seu
líder espiritual ou pré-conceitos pessoais dos seus fundadores e estes tendem a escolher
parceiros que compartilhem premissas semelhantes às suas. Há critérios e procedimentos de
seleção de novos membros. Tais critérios são usados posteriormente para avaliação de
desempenho moral dos subordinados e servem como termômetro para determinar quem se
encaixa ou não. Este mecanismo de aprendizagem do corpus doutrinário católico e do carisma
da comunidade reflete na prática das lideranças. Neste sentido, é uma forma de identificar em
suas ações o que eles consideram as coisas certas e adequadas a fazer ou evitar e qual modelo
de conduta devem adotar.
O grupo fundador procurou criar condições de captação de recursos localizando
espaços para fixarem seus trabalhos de missão. O grupo que se formou ao redor do fundador
permaneceu bastante estável sofrendo experiências significativas de aprendizagem
compartilhada. Neste caso, desenvolvem gradualmente uma identidade própria incluindo aí
seus próprios emblemas ou totens de identificação. O arranjo Fanuel, por exemplo, já possui
uma estrutura de células consolidada na região do ABC paulista propiciando ao fundador e
sua família instalar-se em outra cidade de São Paulo, no caso em Botucatu, e dedicar-se
exclusivamente à “obra”. Como foi verificado, a Fanuel está instalada em três cidades – Santo
André, Campo Grande e Botucatu -, sendo uma delas o epicentro de todo o projeto, a chácara
Mãe da Misericórdia em Santo André. Em cada cidade mencionada há um líder local que
mantém contato com o fundador, mas já possui um status de dirigente exercendo sua atividade
evangelizadora com certo grau de autonomia. Houve aqui o desenvolvimento de uma tradição
245
– que ainda continua em processo – com um estilo celular. Nos seu estágio inicial, no final da
década de noventa, o arranjo que ali se formara foi muito dependente do seu fundador ou
idealizador, mas que agora se encontra num momento histórico em que é dado um grande
destaque à seleção de novos membros e à sua socialização por meio de palestras e cursos
apostilados. Eventualmente, um processo de sucessão poderá considerar a tendência de
possíveis sucessores preservarem este estilo organizacional. Neste último item, o co-fundador
do arranjo Coração Sagrado não negligencia a ideia da necessidade de continuidade da
“obra”, caso ele e fundador se ausentem por algum motivo. A Fanuel, que oferece um
trabalho de consultoria a paróquias e a outras comunidades católicas que queiram transitar
para o sistema de células, marcou presença em fevereiro de 2013 em duas paróquias: 1)
Paróquia São Nicolau de Flüe, em São Carlos e 2) Paróquia Cristo Redentor, em Várzea
Paulista, cujo formador é o próprio fundador que realizou um trabalho em conjunto com o
párocos daquelas cidades. O fruto desta parceria foi a criação de sete células ativas. Um
arranjo católico situado em São Bernardo do Campo chamado Fidelidade - que não foi objeto
de investigação deste trabalho -, também solicitou à Fanuel de Santo André uma assessoria
em junho de 2013 para transitar para uma IC. Em São Paulo, na paróquia Santo Antônio de
Pádua, houve também uma multiplicação de células no início de junho de 2013, de três para
seis células. A Fanuel também marcou presença em maio de 2013 na paróquia Nossa Senhora
de Lourdes, em Formiga – MG, assessorado pelo líder local de Campo Grande e realizou a
jornada “católica em células” que contou com a participação de cento e oitenta pessoas.119
Todos estes casos exemplificam que o fundador ainda é uma figura importante, fonte de uma
identidade e uma cola que mantém o arranjo unido, mas agora assessorado por outras
lideranças igualmente importantes e comprometidas com o sistema celular.
Outro aspecto importante é o fato de que os fundadores envolvem-se em tarefas
que são tangíveis (organização e administração do seu arranjo) e intangíveis (simbólicos) de
modo a suprir as necessidades espirituais de uma demanda de fiéis que lhes procuram,
mantendo um padrão de atendimento que garanta ao arranjo sua sobrevivência temporal. Os
fundadores procuram realizar tarefas que são importantes, marcando presença física e
simbólica junto aos membros mais próximos e confiáveis. Na Árvore da Cruz, a relação entre
o fundador e suas consagradas é comparado a de um pai e suas filhas. Tanto ele quanto elas
se apresentam e agem desta forma. A natureza das relações encontradas neste arranjo entre
fundador-seguidores se configura como paternalista. Embora todos os arranjos sejam
119 Conferir no site da Fanuel: www.comuniaddefanuel.com. Acesso em 02/03/13.
246
notadamente organizados hierarquicamente, na Árvore, em particular, o fundador, embora
subsidiado por um Conselho, detém todo o poder e autoridade, ficando a seu critério as
decisões chave em relação à administração da casa e do treinamento dos seus membros,
celebração dos rituais feitos na capela próxima à casa de missão e a decisão inclusive, sobre o
estilo de vestimenta usado pelas consagradas. Sendo uma figura altamente carismática, tende
a haver um alto grau de comprometimento por parte dos seus seguidores para realizar a sua
visão e legitimá-lo enquanto agente recebedor de revelações divinas.
Neste arranjo caracterizado por um estilo paternalista, a Árvore alcançou, nos
seus onze anos de existência, certa estabilidade e fidelidade da sua membresia, com taxa de
crescimento pequena e ambiente acentuadamente estável. No Coração Sagrado, o alto escalão
representado pelo Conselho, beneficia-se de um tratamento preferencial recebendo algumas
funções de direção, e os jovens – embora haja inegavelmente uma ação de modificar seus
comportamentos – são esperados para atingir as metas do arranjo. Neste, as atividades
realizadas pelos seus membros de confiança garantem-lhe autonomia para agir, usam sua
iniciativa e seu carisma peculiar, a fim de atender às demandas mantendo-se razoavelmente
dentro dos valores e premissas creditados pela comunidade. Em todos os arranjos, os
consagrados (Vida ou Aliança) são vistos como sendo de confiança e recebem
responsabilidades para tomar decisões operacionais: confecção de trufas, pizzas, feijoadas,
folders, marcação de atendimentos espirituais, agendamento de consultorias a serem
realizadas pelos seus fundadores no próprio estado de São Paulo ou não, realização de
intercessões individuais e públicas, aconselhamentos individuais, treinamentos de novos
membros, animação dos rituais, proselitismo via e-mail, facebook e celulares etc.
Os fundadores, sem exceção, tiveram uma vida paroquial intensa em grupos de
oração anteriores à nova situação, o que lhes fez sustentar uma visão de mundo, de religião.
São gratos à paróquia e aos seus padres e bispo por confiarem em seus trabalhos agora sob
outra lógica não mais pastoral, limitada apenas a um espaço de oferta de serviços religiosos.
Ao contrário, as casas de missão são territórios fluidos que proporcionam instabilidade no
tocante à fixação de atividades religiosas. Com o novo grupo as lideranças começaram a
experimentar seus próprios problemas de sobrevivência porque precisam garantir uma posição
de proeminência nos campos social e religioso, em três frentes: a) atendendo a uma demanda
de interesses tanto de católicos ativos quanto de público que ainda necessita de um
treinamento doutrinário; b) garantindo sustentabilidade simbólica diante de seus avaliadores
que os acompanham na orientação doutrinária à distância: padres e o bispo diocesano e c)
Preservando a fidelização dos seus seguidores, motivando-os à militância para que não haja
247
nenhuma deserção indevida. Em poucas palavras, os fundadores precisaram – e ainda
necessitam -, de uma aprendizagem em lidar com o ambiente externo adaptando-se às suas
vicissitudes, assim como, lidar com problemas de integração internas ao seu arranjo.
Nesta mesma linha, o fundador, ao desenvolver o seu arranjo, consequentemente
desenvolve também sua própria história e, junto a ela, uma tradição, ainda maleável porque
necessita ser revista e alterada constantemente frente aos desafios colocados pelo meio sócio-
religioso. Além disso, emerge uma linguagem religiosa, simbólica e uma estrutura
administrativa toda peculiar ao seu grupo que o diferencia de outro arranjo. O que os
assemelha é o fato de fazerem uso de uma linguagem comum de viés carismático: muita
dança, o falar em línguas, realizar profecias em rituais públicos, revelações pessoais, esforço
na direção da vivência de uma moral rígida, crença em alguns símbolos religiosos que lhe dão
sustentabilidade existencial: anjos, santos, papas, demônio e os seus próprios totens ou
emblemas que os identificam enquanto tal.
Outra característica dos fundadores é sua preocupação com a auto-imagem.
Usando estratégias de gerenciamento de impressão via folders para divulgação da
comunidade, a foto é exposta em lugar apropriado nos eventos que agrupam grandes massas -
como é o caso do Embriagai-vos, evento promovido anualmente pelo arranjo Chagas de
Amor -, imagem e vídeos são postados nos sites das comunidades A presença real em rituais e
palestras, os fundadores usam-na – consciente ou inconscientemente - para aumentar a
capacidade de atração social do seu Arranjo e logotipo (totem), mas também de si mesmo.
Estas táticas desempenham papel importante não só no que se refere aos aspectos da sua
autoestima - a necessidade que ele tem de desempenhar bem seu carisma diante dos seus
seguidores e do público em geral -, mas um meio de divulgação da marca de um catolicismo
alternativo sugerido. Expressões do tipo “ele é uma boa pessoa” ou “ele faz um trabalho
bonito” são resultados de impressões de sujeitos que apreciam os serviços religiosos deste
catolicismo. A associação identificadora entre fundador-arranjo é importante para aumentar o
capital simbólico da comunidade diante do público atendido. Este caminho, além de ser uma
tentativada tentativa de aumentar o prestígio do fundador e identificá-lo com sua comunidade,
favorece por parte daqueles(as) que o julgam aquecer sua importância. Tais recursos usados
pelos fundadores geram certamente uma cadeia de associações na mente do público –
geralmente positivas -, ao mesmo tempo em que cumprem uma função legitimadora
reivindicando status de um católico praticante da reta doutrina, sorridente, empreendedor e
cuja reputação moral possui reconhecimento do clero local.
248
Os fundadores, sem dúvida, possuem uma liderança carismática e ganham
lealdade pessoal e piedade do seu círculo de seguidores. Sua autoridade se fundamenta em sua
personalidade, mas nada garante a durabilidade histórica do seu carisma porque é efêmera e
transitória. A transição para formas mais estáveis de organização comunitária pautada na
tradição e racionalidade é inevitável. Weber descreve isso como o processo de rotinização do
carisma. Todos os fundadores observados neste trabalho tiveram, por assim dizer, seu insight
místico antes da fundação, isto é, Deus revelou-lhe algo. A partir desta, ele se sente revestido
por uma força do alto que o conduz a criar uma organização segundo a revelação concedida
por Deus. Todas, sem exceção, possuem ao menos rascunhos dos seus estatutos, alguns mais
elaborados que outros. Há também uma coação moral advindo do bispo diocesano em
acelerar este processo para evitar, segundo o bispo, “mero oba-oba”. Weber já notara que o
“carisma autêntico” não se acomoda aos estatutos e a nenhum “modo formal de adjudicação”
(apud in CARDOSO, 1982, p. 289) Frente a este paradoxo, o líder da comunidade Árvore se
diz “preocupado” com estas questões porque sabe que, uma vez redigido em definitivo seu
estatuto, ele poderá perder o “fundamento” da missão. Comenta, “não quero parecer uma
instituição, não tenho pressa”. Outro relato indica a preocupação do fundador com o
“carisma”, mas sem deixar explícito este incômodo trazido pela rotinização: “Então não há
uma pressa das comunidades em escrever isso, porque sabemos que é o tempo, é a experiência
de Deus, é a escuta ao fundador que vai dando essa oportunidade de redigir as regras, o direito
canônico, e é lógico, quando se inicia isto é que já está bem amadurecido aquilo que vive,
aquilo que é o carisma”. Isso denota que as suas comunidades sejam interpretadas como um
sistema de rotinas pautadas e fundamentadas na tradição católica, apenas. Talvez o que seja
trágico para alguns fundadores não é o fato de morrerem e sua comunidade se extinguir ou ser
rotinizada, mas que esta ameaça aconteça ainda em vida e o seu “carisma” passe por um
inevitável declínio. Para sobreviver ou ter a identidade canônica, necessitam se rotinizar.
Os fundadores criaram suas respectivas comunidades com menos de trinta anos
de idade e estão disponíveis às atividades da comunidade quase que em tempo integral, com
exceção do fundador do Coração Sagrado que exerce atividade secular como docente de
violão e línguas. Notou-se também que estão mais dispostos a assumir riscos e ter maior
percepção das suas atividades religiosas e fora delas e são incentivados por suas respectivas
esposas, algumas também como co-fundadoras, a preservar sua condição de liderança
religiosa. Um dos motivos prováveis da incursão que fizeram para a vida religiosa foi a soma
de capital social que obtiveram de outras “novas comunidades” ajudando-os a discernirem e
tomarem posição. Por outro lado, nota-se um capital cultural mediano suficiente para não
249
necessitarem de redefinição dos seus próprios sistemas de significação, o que ocasionaria,
para estes sujeitos, possíveis traumas na fé. Os fundadores das comunidades Árvore da Cruz e
Chagas de Amor, por exemplo, “sonham” efetivar um curso sistemático de teologia, mas têm
“medo” de se sentirem desconfortáveis com reflexões relativistas que desfaçam sua ideia da
“verdadeira fé católica”. Para eles, no momento, é suficiente entender minimamente o
catecismo de Igreja católica, as regras de vida dos santos, a prática das novas comunidades
mais antigas participando inclusive de cursos promovidos por elas, criando e firmando aí um
network duradouro. Para os fundadores é também relevante ter noções da função de cada anjo
dentro da chamada hierarquia dos anjos, dos aspectos das forças malignas criadas pelo
demônio e como combatê-las, como maximizar experiência do coração em detrimento da
razão, conhecer os caminhos misteriosos que Deus lhes têm revelado através do Espírito
Santo e, por fim “respeitar com certo grau de crítica” os seus superiores eclesiásticos a fim de
continuarem sua missão na terra.
Por fim, os fundadores e demais lideranças do arranjo apresentam um
catolicismo dotado de peculiaridades e que aderem os seus respectivos públicos: jovens,
casais, solteiros, crianças. Entendemos que estas lideranças ofertam um tipo de catolicismo de
consultoria, isto é, são consultores de aconselhamento, de palestras, de ritos, de treinamento
de células. Em seu cotidiano religioso incluem o seguinte: a) reunião interna com os seus
seguidores e atendimento aberto ao público; b) reunião com o bispo local – quando solicitada;
c) angariação de fundos; d) chamadas em palestras e em confecção de rituais de cura e
libertação fora do seu âmbito local. Com todo o exposto, o intuito é chegar aos seus
interlocutores, impactando-os. Providos de um quantum de capital cultural e religioso
suficiente e capaz de dar respostas momentâneas, senão paliativas, e obtidas do Espírito
Santo, as lideranças acreditam fornecer aos seus fiéis aquilo que ainda não sabem, mas
necessitam saber para adquirir a libertação das amarras do pecado e das ciladas do demônio,
modificando inclusive seu cotidiano mediante as alterações sugeridas pelos seus consultores
católicos espirituais. A ICAR, a partir da gestão de João Paulo II e seu incentivo transparente
às “novas comunidades católicas” deu vazão para este tipo de catolicismo. Se a modernidade
contemporânea trouxe certos desconfortos para o alto clero católico minando sua tradição e
questionando seus pressupostos, a ICAR necessitou de agentes familiarizados e influenciados
em parte pela secularização, e em parte pela religião, isto é, os leigos e dentre eles, os líderes
consagrados. Paradoxalmente, fornecem à ICAR sem o saber, as melhores práticas que devem
ser seguidas, o que esperar dos fiéis, católicos ou não. Este catolicismo de consultoria acaba
250
por auxiliar também a gestão do clero garantindo os seus objetivos de sustentação do capital
simbólico católico e auxiliando-o no conhecimento do perfil do público captado.
4. OS CIBERARRANJOS
Em nossa pesquisa utilizamos também a netnografia120 para detectar
minimamente de que maneira os arranjos veiculam suas informações ou o que de fato é
postado em seus sites. Estes sites serviram como um repositório para a coleta de dados.
Mapearam-se, portanto, os “perfis” das suas práticas comunicacionais centradas em duas
questões: a) O que comunicam? e b) Como se comunicam? Os sítios dos quatro arranjos –
Fanuel, Chagas de Amor, Coração Sagrado, Árvore da Cruz– foram aqui apropriados apenas
para o entendimento inicial da “cibercultura” destas comunidades ou ciberarranjos. Referimo-
nos a eles como ciberarranjos porque também são repositórios de significados produzidos e
compartilhados por uma comunidade moral concreta no mundo virtual.
Estes ambientes constituem não só um meio de comunicação, de divulgação das
suas propostas, valores e serviços oferecidos senão, um artefato simbólico que fornece pistas
de interpretação dos seus catolicismos, das imagens (emblemas e totens) que identificam “sua
marca” e o uso que fazem das chamadas redes sociais. Obviamente a pesquisa na internet não
substitui o clássico campo de investigação destes grupos religiosos, dos lugares geográficos
em que se localizam onde há estabilidade das relações ali construídas. Os arranjos utilizam a
internet e suas redes de relacionamentos como uma importante ferramenta de comunicação. A
própria ICAR incentiva seu uso criterioso, sobretudo aos jovens no sentido de “evangelizar os
povos”121.
120 O termo é descrito como uma nova metodologia para o estudo de comunidades on-line. Utilizamo-nos para observar como os Arranjos divulgam suas atividades e expõem sua identidade visual. 121 Bento XVI, em sua mensagem redigida em janeiro de 2013 antecipando ao quadragésimo sétimo dia das comunicações sociais para maio de 2013 coloca como “desafio” a divulgação da “mensagem de Jesus e da sua doutrina” no ambiente digital com o risco permanente de cair no ostracismo. Reconhece também que a “evangelização dos povos” se dá por meio das “imagens e sons” inferindo que “uma comunicação eficaz” necessita de “envolvimento da imaginação e sensibilidade afetiva”. Bento XVI interpreta que as “redes sociais”, além da possibilidade de levar pessoas ao contato com o sagrado, favorecem e incentivam o encontro delas no “mundo real”, em “igrejas e capelas”. No CELAM, em Aparecida, Bento XVI faz um adendo na mensagem para a vigésima oitava JMJ em 2013 convocando os jovens a comprometerem-se na evangelização:“senti-vos
251
Todas as comunidades estudadas aqui possuem seu “sítio”, visibilizando seu
rosto e seus projetos de evangelismo. Os sites das comunidades que agora serão referidos
permitem o fluxo livre de informações dos seus interesses, seus objetivos, seus simbolismos.
Neste sentido, os sites criados permitem-lhes informar e comunicar aos navegantes e aos
usuários mais fiéis, suas atividades. Um dos objetivos é postar as informações on-line
necessárias para os usuários, que por sua vez, acessam as páginas em vista de entender melhor
as crenças e atividades destes arranjos. Obviamente, estes locais criados nos ciberarranjos são
dirigidos a um público mais amplo e sem restrições para o acesso a informações mais gerais
das comunidades122 e, outras dedicadas somente aos membros com direito a login e senha. Os
fundadores são os principais moderadores e possuem acesso irrestrito a qualquer momento
para intervir com novas mensagens em áudio e vídeo, retificar ou excluir textos já postados
anteriormente, atualizar seu perfil etc. São encontrados nos sites muitos artigos informativos
sobre: a) a atuação dos papas, sobretudo a de Bento XVI e atualmente, a do papa Francisco; b)
consagração ou inserção de novos membros da comunidade; c) situação dos cristãos no
mundo; d) contexto sócio-religioso atual. Também há um nicho dedicado às reflexões dos
moderadores/fundadores e demais lideranças, sobre a formação religiosa dirigida aos
membros destes arranjos. As informações postadas e as que aludem à notícias do catolicismo
no mundo são extraídas dos site Zenit123 (o Mundo visto de Roma), dos serviços de notícias
multilíngue ACI digital124 (agencia católica de informações) e de redes sociais criadas por
estas comunidades com outras de mesmo estilo, localizadas em São Paulo ou em outra região
do Brasil.
Por fim, obviamente, os sites aludem à organização da comunidade (Quem
somos, Fundador, Finalidade, Histórico, Missão, Propósitos, Valores, Visão), lugares onde
estão realizando missão, eventos da comunidade. Além disso, os sites possuem links com as
clássicas redes sociais virtuais Twitter, Linkedin, Facebook, Youtube. Os arranjos possuem,
além da sua atividade religiosa na realidade física, formas de divulgação de atividades
religiosas em seus sítios. Informam-nas através de postagem do seu histórico, arquivos de
comprometidos a introduzir na cultura deste novo ambiente comunicador e informativo os valores sobre os quais assenta a vossa vida! [...] A vós, jovens, que vos encontrais quase espontaneamente em sintonia com estes novos meios de comunicação, compete de modo particular a tarefa da evangelização deste “continente digital”». Aprendei, portanto, a usar com sabedoria este meio, levando em conta também os perigos que ele traz consigo, particularmente o risco da dependência, de confundir o mundo real com o virtual, de substituir o encontro e o diálogo direto com as pessoas por contatos na rede”. Conf. Site www. vatican.va. Acesso em 02/03/13. 13 Destacam-se relatórios e artigos de jornais, fotografias, textos diversos, documentos, filmes, gravações de áudio e vídeo de rituais etc. 123 Conferir www.zenit.org. Agência de noticias especializada na cobertura da atuação do papa, da Santa Sé, eventos da igreja católica. Acesso em 02/03/13. 124 Conferir www.acidigital.com. Acesso em 02/03/13.
252
mensagens, pregações/podcast, atividades ou eventos realizados e futuros e um espaço
chamado “seja um benfeitor da comunidade”. Citamos apenas um exemplo da comunidade
Fanuel (e esta lógica repete-se para os outros arranjos, exceto a comunidade Coração Sagrado
que faz a divulgação nos rituais dominicais) que possui um espaço de divulgação das suas
obras, seus projetos e instalações e sugere ao internauta – caso deseje - um contributo como
“voluntário da missão”, seja efetivando um cadastro on-line informando o tipo de
contribuição - em dinheiro, via boleto bancário, ou através do chamado pagseguro (o
destinatário recebe a contribuição através de uma conta aberta via este sistema on-line de
doação - ou ainda, oferecendo seus dotes profissionais, caso tenha habilidade com o setor da
saúde ou educação. Este último também é efetivado mediante o preenchimento de cadastro do
“termo de voluntariado”. Católicos ao seu modo, os arranjos utilizam seus “sítios” como um
espaço de autonomia de divulgação dos seus interesses fornecendo informações sobre seu
grupo, seu símbolos e sua apologia da fé católica. Na seção seguinte iremos de forma
interpretativa ao que se refere ao uso de símbolos que estabelecem coesão organizacional e
identitária: 1) Emblemas, logotipos ou Totens; 2) Santos Baluartes.
5. OS TOTENS
Os arranjos, na medida em que divulgam suas atividades nos seus próprios sites,
são identificados pelos seus emblemas ou totens virtuais. Os ciberarranjos veiculam suas
marcas, construindo e mantendo uma imagem “forte”. Estes totens procuram entrar em
sintonia com o carisma do grupo assim como lançar para o público uma identidade visual.
Esta é pautada por uma marca gráfica oficial ou um emblema para ajudar o público ou usuário
a identificar facilmente a comunidade católica. Os totens são os alicerces sobre os quais todos
os outros aspectos da identidade dos arranjos são colocados. É o elemento unificador da
identidade visual dessas comunidades. Entendemos que estes emblemas são as marcas
registradas e assinaturas visuais dos arranjos que refletem e apóiam sua missão, visão e
objetivos. Esta identidade faz parte da comunicação desses arranjos identificados em folders,
cartões, banners. Estes totens, quando visibilizados em espaços públicos (rituais, eventos,
afixados em lugares estratégicos nas casas de missão) estabelecem-se firmemente,
interiorizando-se na “mente” do público-alvo e evocando nele também certos sentimentos e
253
crenças. Fundamentalmente, os totens virtuais são símbolos do arranjo em específico. Eles
transmitem informações adicionais, que muitas vezes não estão disponíveis no campo de
pesquisa empírica e estão associados ao carisma do fundador e são relativamente simples. Os
totens dos arranjos marcam bem a ligação entre os comportamentos e as atitudes da
membresia. Pode tratar-se de um gesto, de um sinal exteriorizado ou uma ação observável. O
comportamento das lideranças exteriorizado nas entrevistas parece não emanar delas, mas
originados no exterior e, no entanto, profundamente internalizados ao seu caráter. Tais
comportamentos representam, com uma pequena margem de liberdade pessoal e
originalidade, certa conformidade a modelos e ao estilo do arranjo ao qual se vincula. O uso
que fazem de camisetas, botons permite verificar que possuem a mesma atitude e um acordo
razoável sobre os valores, normas da comunidade. Os totens veiculados permitem uma
comunicação identificadora entre os que os empregam. O emblema exprime a unidade moral
do ponto de vista “visual” do grupo. Os emblemas adotados pelos arranjos adquirem, como
símbolo do grupo ou dos ideais desse grupo, um valor sagrado. Daí o identificarmos enquanto
totens do grupo. Os emblemas compreendem também uma linguagem de preceitos de toda a
natureza, provérbios e mesmo slogans. Ao projetarem uma marca distintiva e um logotipo
personalizado em seus sites, os arranjos criam seus próprios slogans, alguns retirados da
liturgia católica, da Bíblia e outros, fruto da criatividade dos seus fundadores. Os slogans
fixados ali são frases memoráveis ou lemas usados para reforçar uma mensagem estratégica
de atração do público e acabam definindo a missão do arranjo. Um slogan adiciona “potência”
ao “pacote religioso ofertado” apoiando o logotipo ou Totem. Um outro detalhe observado
nas imagens identificadoras das comunidades é o uso que fazem das cores. Entendemos que a
cor é um elemento disparador na identidade visual destas comunidades, reforçando-a. Enfim,
tais símbolos são importantes para aqueles que a veiculam, por duas razões relacionadas. Em
primeiro lugar, uma pessoa pode dizer em que ponto as outras se situam e onde se enquadram
em relação a si próprias. Em segundo lugar, os “outros”, por seu turno, saberão qual a posição
identitária daquele membro. Então, qual a compreensão que podemos inferir destas imagens,
emblemas ou totens?
Segundo Berger (1972), as imagens “corporizam um modo de ver”, as fotos, por
exemplo, não são simples registros mecânicos de um fato ou paisagem. O “modo de ver do
fotógrafo reflete-se na escolha do tema”. As imagens fixadas nos sites destes arranjos, assim
como o próprio Totem ali presente são “modos de ver” dos seus criadores, os fundadores. O
aparecimento da máquina fotográfica, prossegue Berger, “modificou o modo de ver dos
quadros pintados antes da sua invenção”, consequentemente, o significado daquela imagem se
254
modifica, “se multiplica e fragmenta em muitos significados” (BERGER, 1972, p.23). Outra
questão importante aventada por ele é o fato de estarmos vivendo em uma “era das
reproduções de arte”. Em outras palavras, o significado de uma obra de arte, por exemplo,
tornou-se “transmissível” perdendo seu significado original transformando-se numa
“informação” que pode ser “ignorada ou utilizada” sob qualquer outra autoridade e em
circunstâncias culturais diferentes. Quando uma pintura é utilizada neste sentido “o seu
significado modifica-se parcial ou totalmente” (p.29). Na medida em que se reproduz uma
imagem, torna-se possível que ela seja utilizada para “muitas finalidades diferentes isolando
um pormenor dela do seu conjunto”. Examinemos a seguir alguns modos como os Totens
destes arranjos reproduzidos se prestam a essa finalidade.
5.1. TOTEM CHAGAS DE AMOR
Figura 37 – Imagem da página inicial do site Chagas de Amor
Fonte: www.chagasdeamor.com.br
O arranjo Chagas de Amor possui um totem que reproduz imageticamente a
chamada “incredulidade de Tomé” e na mesma imagem estendida há a representação do
Gólgota simbolizado por três cruzes identificando o lugar da crucifixão. Junto a esta imagem
segue, na parte superior a rádio “Chagas de Amor” e, abaixo, o seu slogan acompanhado por
uma propaganda das redes sociais.
A imagem à esquerda corresponde a uma pintura do artista plástico italiano
Caravaggio (1571-1610). Suas pinturas estão carregadas de anseio espiritual e suas
representações de santos e da chamada “Sagrada Família” possuem flash de erotismo. Pintor
controverso, para confeccionar quadros religiosos tomava como modelos personagens do
mundo real, principalmente proscritos sociais. Segundo Marcos Rizolli (2010): a pintura de
255
Caravaggio “copiava os corpos tais como eles apareciam ao olhar, sem nenhuma escolha”.
Recebendo encomendas de instituições religiosas católicas, boa parte dos seus quadros foi
rejeitada senão refeita observando uma versão mais pudica. Caravaggio propõe, então, a
“predominância do materialismo em detrimento dos elementos espirituais” (RIZOLLI, 2010,
p.601).
Outros dois elementos que também se encontram ancorados na imagem
principal, no caso a “incredulidade”, no site do arranjo e que foram introduzidos com base em
algum tipo de associação são, as fotos e ícones, também retirados da internet, das “três
cruzes” aludindo ao lugar da crucifixão, e as redes sociais. Independentemente de realizarmos
uma pluralidade de leituras e de sentido em relação à imagem como um “todo”, as três juntas
criam um bloco imagético híbrido ativando um tipo de interpretação polissêmica do
observador sem, com isso, encobrir aquilo que foi implicitamente sugerido pelo seu produtor,
o fundador das Chagas, auxiliado pelo web designer e supervisor local da Fanuel. Podemos
dizer que, a “incredulidade” e as “três cruzes” referem-se a um mesmo tema religioso. Já os
ícones das “redes sociais” possuem um viés de marketing do arranjo: suas atividades, seus
rituais, suas propagandas anunciando seus serviços religiosos etc. O bloco imagético cria sua
própria abordagem. Estabelecem conexões entre o mundo da cultura religiosa do passado com
o mundo da cultura visual contemporânea.
O tema religioso faz menção ao chamado “carisma” do arranjo: as “chagas” de
Jesus. A morte de Jesus na cruz acionou uma diversidade de devoções dentro do catolicismo
que se referiam ou à “cruz” ou às “chagas” de Jesus. Historicamente, a devoção às “chagas”
antecede à do “coração de Jesus” (SILVA, 1996, p. 175). O Coração de Jesus, uma devoção
medieval datada entre os séculos XII e XVII, procede das “suas chagas” que é mais antiga.
(SILVA, 1996, p.176). As “chagas” se unem ao “Cristo crucificado” e agonizante no Gólgota.
A narrativa sobre o descrença de Tomé - elucidada na Bíblia e construída plasticamente por
Caravaggio -, discorre que ele duvida da ressurreição de Jesus, em vez de acreditar, ele
“toca”. Ele é um religioso que duvida e “deve” acreditar sem esperar qualquer possibilidade
de tato ou visão. Tomé não acredita no que ele vê e aloca seu dedo ao lado do “tórax” (ferida)
de Jesus. O desfecho narrativo encerra-se com a pronúncia de Tomé: “meu Senhor e meu
Deus” (João 20,28). Tomé reconhece Jesus como Deus em suas chagas. Tal como a descrição
do relato, o arranjo Chagas de Amor também reconhece Jesus nas suas chagas.
Talvez esta ideia seja mais explícita no livro do fundador intitulado “Restaurados
pelo Amor” (ALEXANDRE, 2007). Preocupado em “descobrir” qual é a identidade do ser
humano e sua “razão de existir”, o fundador entende que a verdadeira felicidade está
256
depositada no amor de Jesus. Deus é aquele que eleva a auto-estima daquele(a) que vive na
“angústia”, na “depressão” porque não se “sente amado”. O mundo é rechaçado pois “quer
ditar as regras” porque é considerado patológico: “não nos corrompamos com o lixo deste
mundo” e, continua: [...] fomos libertos pelo sangue do cordeiro na cruz [...] somos grandes
vitoriosos graças às chagas do crucificado” (ALEXANDRE, 2007, p. 15-27). O amor divino é
o fármaco para a “cura de toda a carência afetiva”.
O maior ato de amor divino é associado à sua “loucura” pela humanidade. Este
ato de loucura divina faz do sujeito alguém incapaz de integrar na sociedade, de se adaptar em
conformidade a uma regra comum, padronizada. Este encarceramento e a pressão psicológica
dada pelas regras sociais aos sujeitos é estancada se estes reconhecerem a trágica loucura cujo
sentido só pode ser compreendido a partir do ponto de vista religioso: “ele se humilhou por
amor a mim e a você. Ele sofreu por nós. Pagou nossa dívida e carregou nossos pecados. Nos
curou e nos salvou da morte com suas chagas” (ALEXANDRE, 2007, p.32). O texto enfatiza
que o amor divino pelo ser humano só pode ser conhecido com o "derramamento” completo
de sangue feito por Jesus. Uma vez compreendido o “sacrifício da cruz” feito unicamente por
amor à humanidade, as “chagas de Jesus” são os sinais visíveis deixados por ele para
“abrasar” e “entusiasmar” os “corações”: “[...] Ao olharmos para Cruz podemos ouvir as
chagas de Jesus nos convidando a encher o crucificado de beijos. Cercá-lo com todo o nosso
afeto, com todo o nosso amor e com todo o nosso coração” (ALEXANDRE, p. 36). Através
de suas “chagas”, Jesus torna-se um curandeiro que permite ao sujeito que vive nas “trevas
interiores da sua vida” receber a cura, “restaurando” e consolando a sua “alma”. Identificado e
“reconhecido” o amor do crucificado através das suas “chagas”, estas impulsionam uma
prática ascética de “suportar com mais paciência” as vicissitudes do cotidiano “desprezando-
o” sem sucumbir às suas “tentações” (ALEXANDRE, 2007, p.57). Há uma tendência de fuga
do mundo e de controle de si.
Para o arranjo Chagas de Amor, o mundo da crença religiosa é um mundo à parte,
separado da vida real. Esta precisa ser “suportável” porque incita ao “pecado”. O arranjo
aciona uma prática moral - tendo como epicentro as “chagas de Jesus na cruz” – intimista, de
penitência, de jejum e abstinência. A prática moral incentivada e observada nos rituais deste
arranjo – o que vale também para os demais arranjos -, citada nos livros do fundador é o
esforço deles em atingir a perfeição, a “santidade” na forma de pensar e agir. A escolha entre
viver sob um regramento moral religioso ou não remonta a uma discussão muito similar senão
uma herança cultural do chamado paradoxo de Pelágio, isto é, como alcançar a perfeição
humana? Escritor e exegeta leigo do século IV, Pelágio tinha por objetivo questionar uma
257
“religião superficial, exteriorizada” no catolicismo de massa que aflorava naquele momento
histórico. O foco principal da pregação de Pelágio foi uma moral pragmática. Para ele, o
sujeito precisa exercer energicamente sobre sua vontade aceitando os comandos, as regras das
Escrituras. Acrescente a isto, a importância que ele atribuía à oração, ao jejum e o incentivo a
uma vida asceta. São estes basicamente os atributos pelagianos de uma moral cristã que leva à
perfeição: “[...] pregava o desprendimento das riquezas, a prática dos conselhos evangélicos
de pobreza e castidade em todo o seu rigor. Pelágio combate energicamente qualquer
relaxamento (CRISTIANI, 1962, p. 31).
O lema do arranjo Chagas de Amor, portanto, é ficar embriagado ou intoxicado
do Espírito Santo – lema que se encontra em outro livro do fundador “Embriagai-vos do
Espírito Santo” - em detrimento do excesso desregrado da vida secular: “ao invés de seguir o
exemplo daqueles que se embriagam nos bares, nos botecos, nas padarias etc., devemos
preencher os nossos corações com o Fogo de Pentecostes, procurarmos a sóbria embriaguez
do Espírito Santo” (ALEXANDRE, 2006, p.18). Esta intoxicação do Espírito Santo é similar
a uma intoxicação alcoólica: ambos levam o afastamento dos problemas e tristezas do
cotidiano. Se as pessoas embriagadas pelo álcool estão sujeitas a todos os tipos de
alucinações, a intoxicação sóbria do Espírito Santo, torna o sujeito insensível às
concupiscência, às paixões “pecaminosas” experimentando a “alegria em Deus” modificando
assim, seu estado espiritual. Esta percepção alterada da realidade é fruto então de uma pessoa
embriagada: “Esta embriaguez é a ação da glória de Deus que vivifica a alma, destruindo a
morte e o pecado em nossas vidas” (ALEXANDRE, 2006, p.19).
Para o arranjo, Tomé alude a uma pessoa com “sede de Deus” e necessitada da
“cura espiritual” – diferente talvez, daquele Tomé imaginado por Caravaggio - proporcionada
pelas “chagas de Jesus”. O que se espera de Tomé é que adquira uma atitude semelhante ao
bêbado seco ou alcoólatra sóbrio que faz a experiência do sagrado. Isto é, todos os sinais da
intoxicação estão lá, mas ele o faz em estado sóbrio. As “chagas”, portanto, o mana do totem
do arranjo católico, representa esta força impessoal e anônima que, segundo creem,
proporciona “cura” e estabilidade emocional.
258
5.2. TOTEM CORAÇÃO SAGRADO
Figura 38 - Imagem da página inicial do site Coração Sagrado.
Fonte: www.coracaosagrado.com.br
O totem do arranjo católico Coração Sagrado agrupa numa mesma imagem três
informações: a) Do lado esquerdo, a indicação da tradicional imagem de Jesus “apontando”
para o seu coração; b) No centro, a imagem de um coração sangrando, circunscrito por
espinhos e no topo inflamado, uma cruz esfaqueando-o e c) A representação de um símbolo
tradicional do catolicismo, o “ostensório”. O ostensório é um vaso cerimonial utilizado
durante a missa católica que “ostenta” a “hóstia”, o “corpo de Cristo”. Por fim, a imagem
indica também o slogan do arranjo: “Por Cristo, com Cristo e em Cristo”. As imagens
agrupadas estão suspensas no ar amalgamadas no céu, indicando a perfeição espiritual.
Uma das mais populares devoções do catolicismo encontra seu centro geográfico
e histórico na mística francesa e alemã. Mas suas raízes são mais antigas e remontam a São
Bernardo de Claraval, no século XII e São Boaventura, no século XIII. Neles encontramos as
primeiras devoções do “coração ferido”, simbolizando a ferida de amor. João Eudes e a freira
francesa e religiosa contemplativa Margarida Maria Alacoque, ambos no século XVII,
contribuíram na divulgação desta devoção. Mas, cabe a esta última a divulgação efetiva que,
segundo a tradição dos “santos” da ICAR, ela recebera em uma “revelação divina” em que
Jesus mostra-lhe um “coração humano incendiado pelo amor” e “transpassado sob a cruz do
qual jorram água e sangue”. Tal símbolo foi interpretado pela oficialidade da ICAR como “o
desejo de conhecer intimamente o Senhor e fazer um colóquio com ele” (PIO XII, 2006).
Mas, somente com o papa Pio IX, em 1856, a festa desta devoção foi reconhecida e estendida
ao mundo católico (BOROBIO, 2000). Esta tendência gradativa da interiorização devocional
da fé no “coração de Jesus” ocorre, como foi exposto acima, no século XVII, entendido como
o “século da razão” e a afirmação do Iluminismo. O filósofo Descartes, por exemplo, é a
259
figura emblemática deste período com sua conhecida proposição Ergo, Cogito Sun,
sustentando o pensamento como a alma do corpo e não o coração. Consequências disso foi a
crítica da religião e o progressivo processo de desencantamento do mundo. Queremos dizer
que a devoção ao “coração de Jesus” se acentua neste período. A religião passou a ser uma
questão de fé pessoal principalmente quando se falava em Reforma Protestante e Contra-
Reforma. A imagem do “sagrado coração de Jesus” é parte da piedade visual, estética e não-
escrita do catolicismo medieval influenciando várias ordens religiosas e a piedade popular.
Esta imagem serviu de símbolo importante da piedade católica e por ela foi apreendida desde
cedo. A popularidade da imagem do “coração de Jesus” está baseada na forma como ela
responde às necessidades dos devotos. Necessidades de elevação ao sagrado, de se assemelhar
a ele.
Numa perspectiva bíblico-teológica, o coração, na terminologia bíblica Leb
significa algo físico e não espiritual. Corresponde ao “interior do homem”, quer dizer, ao
terreno da inteligência e das decisões morais (BAUER, 2000). Na perspectiva do carisma da
comunidade em questão, e, diferentemente do simbolismo bíblico, o objetivo é “levar o amor
do Coração Sagrado de Jesus através do olhar do Cristo. Este amor é revelado pelo olhar de
Jesus que vem do seu coração, podemos transmitir aquilo que está dentro do coração. Mas
este amor não é um amor qualquer, é um amor Santo, Sagrado, que vem do Santos dos
Santos, um amor puro sem interesse nem vaidade, que não impõe condições, que sempre está
pronto para perdoar”125. O arranjo tem por objetivo “transmitir” o que está “dentro” do
coração de Jesus para os jovens. Os usuários deste carisma devem perceber as suas atitudes
pecaminosas e se arrepender disso. O coração de Jesus só habitará o coração do fiel caso seu
coração esteja contrito. O conhecimento do “coração de Jesus” só é alcançado através da
introspecção do sujeito, isto é, aquele que avalia a si mesmo, fecha-se em seu mundo. O
coração é o órgão religioso do homem, e não o cérebro. É o terreno onde se articulam as
emoções humanas. O que importa é que o fiel faça uma peregrinação ao o céu através das
vicissitudes do cotidiano. Como o coração, representando um dispositivo interno do ser
humano, o fiel é convidado a realizar o caminho para a conversão, levando uma vida virtuosa.
O coração resume os sentimentos, fonte da vida espiritual. Cada um vê a sua própria fé como
uma questão de estabelecer um relacionamento pessoal com Jesus. Uma vez aceito o “coração
de Jesus”, é necessário agora que o fiel “inflame” constantemente o seu, assim como o é o de
Jesus. A imagem do totem coloca mais um detalhe, o ostensório, símbolo importante do
125 Conferir site: www.coracaosagrado.com.br/carisma. Acesso em 02/07/13.
260
catolicismo romano. A piedade devocional centrada na fé individual ao coração de Jesus
estabelecendo uma relação de amor com ele não pode estar dissociada do amor à ICAR.
Embora o arranjo Coração Sagrado não possua a intenção de contestação da legitimidade do
catolicismo oficial, os estados coletivos da fé proporcionados pelo arranjo, em seus rituais e
encontros de jovens, trazem consigo uma tensão entre as regras religiosas oficiais e o
individualismo espiritual muito característico do chamado “encontro pessoal com Jesus”. Em
outras palavras, a fé no “coração de Jesus” é um fenômeno prático, dogmático e institucional
ou é um assunto do coração do fiel? Esta imagem está adaptada à experiência religiosa do
arranjo católico Coração Sagrado. Estas imagens e as emoções que elas geram são um
componente importante da piedade popular. A imagem de Jesus, apresentada neste arranjo
salienta características como “ternura”, “simpatia”, acessibilidade oferecendo aos usuários
deste serviço religioso uma relação pessoal com o sagrado. Para o arranjo, o totem marca um
“estilo católico” de culto ao “coração sagrado de Jesus”, mas também disciplina sua liderança
e neófitos dentro das regras internas da comunidade.
5.3. TOTEM FANUEL
Figura 39 - Imagem da página inicial do site Fanuel
Fonte: www.comunidadefanuel.com.
O totem identificador da Fanuel é um mosaico de imagens conectadas. Todas
estas informações estão interligadas e se sobrepõem, mas é possível estabelecer distinções
suficientes entre elas, de tal modo que possam ser analisadas separadamente. O material
imagético da Fanuel extrai sua inspiração de três fontes distintas. A primeira fonte é
influenciada pelo “visão da face de Cristo”. O rosto – representando Jesus –faz alusão à
pintura bizantina do século XII intitulada a Sagrada Face.
261
Figura 40 – Ícone bizantino do século XII
Fonte: www.iconografiabrasil.com. Acesso 02/07/13
A representação acima identifica um rosto severo, uma expressão sem emoção e
olhos dilatados. A sua face é isenta de sangue e possui elementos “próximos à realidade
humana” (TREVISAN, 2003, p. 50). O ícone de Jesus apresentado no site da Fanuel é uma
espécie de reconstrução cultural aos moldes deste arranjo. Abstraído da cor original, o rosto
de Jesus é reproduzido em preto e branco respeitando os elementos principais e a fisionomia
da pintura original. Na imagem, o “rosto de Jesus” está acima de dois elementos também
significativos para o arranjo. O segundo elemento inserido no mosaico imagético da Fanuel e
que contrasta em seu design com o “rosto de Jesus, mas que possui também uma aparência
simples, uniforme e unida entre si: a representação das “colméias”. A imagem da colméia
oferece uma primeira metáfora. Tratam-se de grupos pequenos ou células familiares que
interagem oferecendo bens e serviços religiosos - tendo como material as apostilas e diretrizes
pré-elaboradas pelo fundador e seus auxiliares - aos seus usuários. Os supervisores de rede
observam e intervêm quando necessário, seja numa célula (colméia) local ou até mesmo em
uma família em particular. A segunda metáfora diz respeito a que cada líder possui sua
função: estabelece um “clima” de amizade em sua célula, divulga seu evangelismo e recolhe
as informações necessárias e as leva para o supervisor de rede. Esta estrutura celular forma
uma aparência de uma colméia inteligente. Cada líder de célula (assim como cada abelha)
leva em conta a função final do seu trabalho, o desdobramento celular e o faz
inteligentemente integrado à colméia (Fanuel). A Fanuel nada mais é do que uma construção
colaborativa cujos membros estão regrados moralmente e empenhados em multiplicar
qualitativamente os seus membros. Na descrição do supervisor local em Santo André, este
objetivo é mencionado:
262
Que são as células? As células, na linguagem bíblica, elas têm origem na colmeia, no mel, não é? Naquilo que as abelhas produzem, porque são minúsculas, pequenas, mas conseguem uma expansão, uma produção grande. Então a colméia, o símbolo da colméia, sextavado, ele simboliza isso, a amplitude, né? O trabalho e o alcance... por todos os lados, é unilateral. Então, a colmeia ela tem essa expressão, na linguagem, na nossa linguagem bíblica, ela tem essa expressão, então, isso nós trouxemos pra logomarca da comunidade, porque as células também têm esse poder, não é? (homem, casado, 40, supervisor local)
Podemos dizer então, que o mana ou a força impessoal concentra-se no sistema
celular. O terceiro elemento presente na imagem ou logotipo do arranjo, mas com certa
margem de dificuldade é a representação do “peixe” ou “parcela dele”. A imagem da colméia
possui uma identidade cristã e esta é representada por um contorno sugestivo que alude ao
peixe. Há, na imagem, um processo de abstração, de redução de elementos mais densos e
múltiplos aos traços mais essenciais daquilo que está sendo representado, no caso, o peixe. A
informação visual do contorno do peixe - amalgamada com o “rosto de Jesus” e a colméia – é
suficiente para que um observador possa identificá-lo no esboço. A ideia é que este composto
imagético não deve ser apenas visto e reconhecido, deve ser lembrado e reproduzido. A forma
de um peixe acrescida e sustentada pela face de Jesus, transforma-se num símbolo facilmente
identificável do mundo cristão:
O peixe, no centro da logomarca, ele representa o centro da nossa vida, que é Cristo, então, tirado da antiga tradição, da igreja primitiva que, pra simbolizar aquele que reunia os cristãos o símbolo do peixe, não é? Então isso foi representado no centro da nossa logomarca. Na base está o nosso nome e aquilo que nós professamos ser, ver e fazer ver a face de Cristo, não é? Apoiado em Cristo, nós exercemos o nosso ministério e, sob Cristo, abaixo de Cristo nós temos a nossa identidade própria, né?
Por fim, o totem Fanuel possui seu slogan: “Ver e fazer ver a face de Cristo”.
Um Cristo com um referencial católico que é divulgado nas células e que as identifica
enquanto suporte fundamental daquele. É fundamental assinalar que o totem da Fanuel é
produto da inspiração do fundador e os seus elementos visuais foram confeccionados pelo
designer da comunidade e que atualmente é o supervisor local em Santo André.
263
5.4. TOTEM ÁRVORE DA CRUZ
Figura 41 - Imagem da página inicial do site Árvore da Cruz
Fonte: www.comunidadefanuel.com
Neste Totem há duas referências simbólicas presentes. O primeiro símbolo
imagético refere-se à árvore ou o madeiro da crucifixão. O segundo, a figura do crucificado.
Ambas as imagens – similar ao apresentado no arranjo Coração Sagrado – estão fixadas num
céu imaginário. O slogan, criado pelo seu fundador, diz: “Ser sinal do amor do Crucificado,
levando o homem a reconhecer na sua fragilidade humana a Divindade de Deus”.
A árvore é considerada como o símbolo de relações entre céu e terra, e
representa a “vida em perpétua evolução e ascensão rumo aos céus” (EVARISTO, 2000), ela
indica também o caminho gradativo de elevação espiritual até Deus, mas inexoravelmente,
mantem uma ligação com o mundo material. Símbolo de renascimento da vida, suas folhas
reciclam-se anualmente. Além disso, as partes que a compõem, como o tronco, as folhas,
frutos, assim como sua funcionalidade fazem analogias com o mundo feminino e masculino.
A tradição cristã juntamente a sua iconografia associou simbolicamente a “árvore da vida” do
Édem com a “árvore da cruz de Jesus” devolvendo a condição paradisíaca ao ser humano
(LEXIKON, 1978, p. 25-26)
A árvore é um dispositivo paradoxal. Por um lado passou através da tradição
cristã como um instrumento de “queda” e de “pecado”, por outro, é sinal de redenção
regenerada pela crucifixão e morte de Jesus. Existe um elemento em comum que unifica essas
imagens: ela está a cargo do “poder sagrado” (ELIADE, 1979). É nesta simbologia da cruz
como “árvore redentora e purificadora dos pecados” que o arranjo católico Árvore da Cruz
apóia seu “carisma”.
A Árvore da Cruz idealizada pelo fundador faz uma analogia com a Árvore da
Vida de John Hagerty, pregador metodista do século XVIII e que publicou estampas da
264
crucifixão. A gravura delimita os espaços entre sagrado e profano. A porta estreita é o que
marca a entrada no paraíso em contraposição ao inferno que permanece sempre aberto.
(NEUENFELDT, 2008). Nota-se que na gravura abaixo, a Árvore da Vida menciona os raios
redentores de Deus, o Espírito e Jesus crucificado. Sob os mesmos raios se encontram os doze
frutos da salvação para aqueles que desejam a “nova Jerusalém” (ao fundo da gravura).
Citamos apenas algumas: eterna redenção, herança perfeita, boa vontade, paz, santificação,
segurança, eleição, perdão, refúgio, amor eterno etc. Há uma multidão reunida ao lado de
fora da parede e, à direita a porta do inferno está aberta. Pregadores com faixas “Behold the
Lamb”, “Believe on the Lord Jesus Christ”, tentam convencer homens e mulheres que se
põem bem vestidos, enquanto outros bebem. Os “pecadores” são estigmatizados com
pequenas etiquetas indicando: “orgulho”, “usura”, “libertinagem” etc.: Figura 42 - Gravura “estampa da crucifixão” de John Hagerty
Fonte: http://jcb.lunaimaging.com/luna/servlet.
265
A imagem de Jesus na cruz, com a coroa de espinhos e, posteriormente sua
morte indicada por um “coração sangrando” é sinal do “necessário sofrimento para a
purificação dos fiéis”, disse-nos uma liderança. Mas, a via de acesso para alcançá-la passa por
sucessivos sacrifícios. Sacrifícios estes como castidade, obediência, pobreza, abnegação
expressam o tipo de prática religiosa exercida na casa de missão deste arranjo. A simbologia
da árvore sofre uma ressignificação para os consagrados do arranjo. Há uma combinação
entre cruz e árvore. Nos atendimentos de aconselhamento feitos na casa de missão, a
consagrada diz que faz o papel da árvore porque as pessoas sofredoras encontram nela um
“descanso”. Ao mesmo tempo em que cumpre esta função também se coloca no lugar da cruz
porque diz “sofrer junto com os que sofrem” e “para mostrar às pessoas os olhos de Deus”:
Esse é meu olhar. Aqui tem um símbolo, a raiz, né? Significa enraizado no mundo. A gente procura se enraizar no domingo pra levar as pessoas a reconhecer este Cristo que quer nos salvar, o coração, o amor que a gente procura ter pela cruz, por Cristo e por tudo aquilo que a gente assumiu. A gente, assina a nossa consagração e a gente quer ver as pessoas buscando, se iniciando na vida de fé, de castidade. Caio chorando, mas sempre de olho na cruz, então pra mim Arvore da Cruz é um símbolo de renúncia, caminhar com amor, tudo com amor. (Mulher, solteira, 25 anos)
6. SANTOS BALUARTES
Todos os arranjos, sem exceção, possuem seu rol de santos católicos que os
identificam enquanto sujeitos religiosos. A pergunta levantada é: quais são as razões básicas e
subjacentes para a escolha e manutenção dos santos baluartes destes arranjos? O principal
fator de motivação da escolha é a resposta a uma necessidade. Necessidade que tem a ver com
questões do cotidiano destas comunidades, principalmente das lideranças. Os santos que
compõem o sistema simbólico destes arranjos atendem também às necessidades mais elevadas
de um estado de espírito religioso. Visualizados em pinturas e imagens de cerâmica e
distribuídos em áreas significativas das casas de missão (oratórios, salas de atendimento e de
rituais, sites) não só inspiram a decoração destes ambientes, mas são escolhidos
cuidadosamente como modelos de santidade. Destinam-se também a glorificar e a preservar a
memória religiosa dos arranjos reforçando também a identidade das suas lideranças. Estas
aspiram tornarem-se santos (as), isto é, pessoas do “céu” por meio da imitação da caridade e
virtudes heróicas dos santos baluartes. Os arranjos canonizaram, isto é, incluíram em sua
266
lista, gravando seus nomes em seu sites e folders de divulgação, os seus padroeiros. Os santos
católicos saem dos seus pedestais fixos nas paróquias e entram no fluxo informativo destas
comunidades e são assimilados por elas. Servindo-lhes como modelos exemplares de
santidade e obediência, os arranjos divulgam sua fé – cada qual com seus carismas e Totens -
ao público em geral e ao clero da região do grande ABC, em particular.
Tabela 4 – Relação dos santos baluartes por comunidade
FANUEL CHAGAS DE AMOR ÁRVORE DA CRUZ CORAÇÃO SAGRADO
SANTOS BALUARTES
SANTA TEREZINHA DE LISIEUX
SÃO PIO DE PIETRELCINA
SÃO PIO DE PIETRELCINA
SANTA TEREZINHA DE LISIEUX
SÃO BENTO
SÃO FRANCISCO DE ASSIS
SÃO JOSÉ
DOM BOSCO
SÃO PIO DE PIETRELCINA
Os santos possuem uma função educativa para aqueles que os veneram. São
norteadores. Reduzem o caos, inserem significados, mantendo a coesão grupal. É o caso, por
exemplo, da consagrada solteira da comunidade Árvore da Cruz que fez votos de castidade.
Faz uso de vestimentas sugeridas pelo fundador, que obteve “inspiração” em Santa Terezinha
de Lisieux e padre Pio de Pietrelcina. Este item, a “veste”, considerado sagrado e diretamente
associado aos santos referidos é particularmente reverenciado pela consagrada da Árvore da
Cruz. O uso que se faz das vestes neste arranjo é cercado por um grande respeito. Vivendo de
acordo com sua subjetividade e respeitando as regras da comunidade, aceita vestir-se de “saia
preta e blusa marrom” assumindo o estado de vida que escolheu. Ela mesma relatando sua
interpretação das cores da vestimenta, diz que o preto – cor utilizada por Terezinha de Lisieux
- significa “morte para as coisas do mundo e os interesses pessoais” para melhor efetivar, diz
ela, a “vontade de Deus”. O marrom – cor sugestiva de padre Pio -, por sua vez, simboliza a
“pobreza”. Para a consagrada, ser pobre não é sinônimo de “não ter nada”, mas “ter sem se
apegar”. O entrelaçamento santorial manifestado nas vestes da consagrada é um caso típico de
hibridização. Neste caso, houve mais do que uma mistura de cores, uma possibilidade de
negociação desestabilizando uma forma única de se pensar a espiritualidade de um santo(a). O
designer das vestes nasceu da “inspiração” do fundador e cada peça do vestuário adquire um
sentido simbólico que atende aos interesses do carisma do arranjo.
No decorrer destas discussões sobre a influência dos santos nestes ambientes do
catolicismo alternativo tornou-se cada vez mais explicitamente mais um importante fator que
lhe dá coesão simbólica: a experiência mística dos santos. Por exemplo, Terezinha de Lisieux,
267
que viveu na clausura, descobriu sua missão através do amor de Jesus: “Não tenho grandes
desejos senão aquele de amar até morrer de amor” (COTTA, 1997, p. 25). Já Pio de
Pietrelcina, proclamado santo em 2002, comumente chamado de frade “operador de
milagres”, visionário e dedicado à oração contínua é a característica mais próxima do seu
perfil: “[...] Pelo amor de Deus, venha em meu auxílio! O sangue cai como chuva em todo o
meu interior” (CANTALAMESSA, 2000). A oração manifestada nos cultos dos arranjos
possui um estilo livre, aberta e criativa e são feitas com o apoio do “falar em línguas”.
Embora respeitando e divulgando a doutrina católica, acreditam que buscar a Deus, a cura
interior, a vida regrada em busca da santidade do “eu” é mais importante do que encontrar
Deus pela mediação tradicional ou pelo dogma. Para eles, a mensagem de Cristo é mais
espiritual do que religiosa. O lugar do encontro com a divindade está “dentro da alma”. De
outro modo, maximiza-se o relacionamento emocional com o sagrado em detrimento do
entendimento intelectual e lógico dele.
Neste capítulo examinamos os principais símbolos religiosos dos arranjos
católicos que lhes proporcionam coesão comunitária. Cada arranjo, oferece à sua membresia,
uma estrutura de valores e normas, uma maneira de pensar e um modo de apreensão do
mundo que orienta suas condutas. Se distinguem dos outros primeiro pelo seu Totem e,
segundo pela forma de praticar suas crenças Estabelecem, por assim dizer, certa armadura
estrutural cristalizando um modus operandi que atribui lugares, papéis e condutas dos seus
membros mais ou menos estabilizadas e que facilitam o trabalho em comum.
268
CCOONNCCLLUUSSÃÃOO
Esta tese investigou comunidades católicas leigas presentes no ABC Paulista,
que denominamos arranjos comunitários alternativos católicos. A análise destas comunidades
se valeu de abordagem antropológica e sociológica, caracterizando as relações - de poder,
diálogo e controle existentes - entre os agentes religiosos católicos destes arranjos e a ICAR
regional do ABC Paulista. Estas novas formas organizacionais leigas do catolicismo
emergiram de contextos sócio-econômicos particulares, se adaptando ao entorno social. Seus
ritos e crenças veiculadas ajudaram a perceber como são construídas as cosmovisões destes
agentes ou qual(is) são os sistemas de pressupostos que usam para organizar e interpretar as
suas experiências religiosas. Ao buscar traçar um quadro geral destes arranjos alternativos
católicos no ABC Paulista, consideramos que nenhum retrato será completo o suficiente para
registrar a variedade dos catolicismos existentes. Além disso, seria demasiado arriscado
determinar quais os conceitos e teorias que apreendem adequadamente estas novas
configurações do catolicismo contemporâneo, uma vez que nenhum deles – teorias e
conceitos – se constituiriam sem um referencial anterior que inclui métodos e instrumentos de
pesquisa e análise. Um tema novo nunca é totalmente novo, ele sempre possui um passado
mesmo que discreto e modesto. Embora o quadro sócio-econômico e religioso do ABC
passou por mutações importantes, de maneira a impactar na vida religiosa da região, as
questões de luta social e opção pelos pobres, que foram importantes para atuação da ICAR no
chamado período das greves operárias (1978-80), hoje se pulverizaram, “desmancharam-se no
ar” e este vazio preencheu-se em parte com formas diferenciadas de atuação do catolicismo na
região, utilizando outra linguagem de convencimento e arrebanhamento de fiéis.
Os arranjos católicos são formas organizacionais que não rompem
definitivamente com o passado, mas criam maneiras híbridas de relacionamento entre passado
269
- tradição religiosa - e presente - modernidade contemporânea - traduzidas através de
comportamentos, gestos, ritos, crenças e literaturas produzidas pelos seus fundadores.
Estes novos formatos organizacionais surgem criativamente como resposta às
mudanças ambientais - sociais e econômicas - e institucionais - catolicismo eclesiástico
oficial: Roma, CNBB, bispados diocesanos e regionais, e todo o clero que daí se estrutura.
Este tipo de burocracia religiosa representada pela ICAR estaria em fase de superação ou
flexibilização se comparado a esta variedade de novas formas de organização religiosa
católica com arquiteturas e desenhos organizacionais significativamente diferentes. Estes
novos formatos organizacionais católicos surgem dentro do contexto da modernidade
contemporânea. Podemos pensar qual a relação que este “tipo” de catolicismo possui com o
ambiente moderno. São organizações mais flexíveis a ele se comparadas às relações do
catolicismo eclesiástico. As mudanças socioeconômicas empreendidas pela modernidade
contemporânea manifestaram desconfortos entre o clero católico, acionando muitas vezes
dispositivos de retaliação, resistências ou até de diálogo suspeito com a modernidade.
Parece-nos que estes espaços em ambientes latino-americanos alargaram-se
através de um catolicismo sem paróquia, visibilizados pela atuação dos arranjos católicos. São
formas organizacionais surgidos em decorrência da crescente destradicionalização do
catolicismo institucional em vistas do processo de secularização. Tais arranjos católicos se
adaptam melhor ao ambiente de uma modernidade reflexiva (GUIDDENS, 1997) de modo a
“radicalizar” ou estabelecer um “recriar contínuo” daquilo que foi constituido pela tradição
católica: seus dogmas e símbolos religiosos.
Os arranjos católicos convivem com formas tradicionais de “ser católico”: o
católico nominal, o militante católico que atua somente dentro dos ambientes paroquiais, o
católico com dupla ou tripla identidade religiosa, o católico que transita sem se adaptar em
abraçar algo seguro, o catolicismo santorial que persiste em ambientes paroquiais, etc. Estas
matizes possuem seu status dentro da ICAR, sem sofrer demasiado controle por parte da
instituição católica. A ICAR apoia moralmente os arranjos reconhecendo sua posição que
ocupam dentro do seu próprio campo religioso. Esta tolerância para com o pluralismo católico
foi incentivada principalmente no pontificado de João Paulo II. Isto significa que a ICAR
percebeu que estes movimentos – pelo menos aparentemente – além de não ferirem aspectos
como o respeito clerical, os sacramentos e o culto aos santos e à Virgem Maria proporcionam
maior extensão do catolicismo em ambientes em que a paróquia não chega.
Procurando dialogar com a cultura hodierna, mesmo que de forma tensionada,
João Paulo II e seu sucessor Bento XVI, inspiraram determinados grupos religiosos católicos,
270
no qual se inscrevem os “novos movimentos eclesiais” (NME) e “novas comunidades”, a
continuarem esta inserção. Provavelmente estes NME não sejam tão ortodoxos, se pensados
do ponto de vista dos documentos católicos oficiais, porque cada qual recria a tradição dentro
da sua própria organização, sustentando e divulgando os signos católicos pelo mundo. A
conjuntura histórica foi favorável ao desenvolvimento de muitos grupos e movimentos
religiosos e portadores de diferentes carismas. O próprio João Paulo II compreendeu isto sob
seu pontificado governou a ICAR a partir de um centro, Roma, mas o fez nesse meio sócio-
cultural altamente diferenciado tentando legitimá-lo. É neste quadro social que emergem os
arranjos católicos que, embora a autoridade eclesiástica se esforce para enquadrá-los
oficialmente, no final, foram reconhecidos como a expressão de um despertar religioso
tolerando suas capacidades relativamente autônomas de organização comunitária. Portanto, os
arranjos católicos são um dos braços estratégicos da ICAR para reduzir suas sérias
dificuldades para entrar na modernidade contemporânea.
O catolicismo leigo investigado aqui é composto por pessoas que “acharam seu
carisma” investindo seu tempo e dedicação nas atividades comunitárias criadas. Isto não
significa que não possuam mais nenhum vínculo com a estrutura paroquial. Esta nasceu
dentro do orbe rural e as mudanças ocorridas a partir da modernidade criaram um desconforto
por parte do clero católico, imprimindo-lhes uma forma diferenciada de atuação no meio
urbano. O descompasso existente entre o sistema paroquial e a urbanização social é evidente.
Os espaços e as fronteiras de atuação da ICAR via paróquias, se encontram na modernidade
contemporânea, diluídos. Os arranjos católicos parecem se adaptar melhor a este ambiente
fluido, mas surgem não em decorrência da crise – dissolução e ruptura - do sistema paroquial.
Pelo contrário, os seus membros continuam “linkados” com suas respectivas paróquias e as
usam como espaço complementar de atuação mantendo o vínculo institucional. Garantem e
mantém boas relações com o clero local para assim preservar o seu status quo. Os arranjos
católicos prestam serviços religiosos específicos guardando diferenças se comparados à
estrutura paroquial. Enquanto a paróquia é fixa do ponto de vista territorial, eles possuem
mobilidade e se ajustam a novos territórios. A paróquia oferece uma diversidade de serviços
locais: venda de artigos religiosos, missas dominicais, rifas em pról de ações beneficentes,
serviços burocráticos da secretaria paroquial, enquanto os arranjos também possuem seus
próprios esquemas de “oferta de serviços”: venda de livros, CDs e DVDs dos seus
fundadores, ofertas de cursos rápidos de evangelização, cultos variados e aconselhamentos
semanais acomodados aos perfis do seu público-alvo. Há aqui certa flexibilidade burocrática
271
na oferta de serviços religiosos enquanto na paróquia estas ofertas são bem mais
centralizadoras e departamentalizadas.
Distanciando-se de compromissos sociais e políticos mais efetivos, reforçando
práticas mais espiritualizadoras, de emoção e intimidade com Deus, os arranjos alternativos
católicos se inscrevem em um tipo de catolicismo mais espiritualista, preocupado em atender
os “clientes católicos” através de orações, cursos temáticos e de pouca duração, rituais de
“cura e libertação”, encontro de jovens, células. O “atendimento ao cliente” é um grande
diferencial na prática destes grupos e o atendimento adequado à esta clientela é importante
para o crescimento e permanência destes grupos na atual conjuntura religiosa e social do
Brasil.
Os arranjos católicos são espaços que permitem, a seus fieis externar com maior
autonomia sua catolicidade. São espaços que agregam a tradição católica atual - renovada - e
a antiga - tradicional, dos santos, anjos, reza do terço, espaços estes afinados com a
modernidade, eclodindo em carismas pessoais e garantindo liberdade de interpretação da sua
própria experiência religiosa. Espaços de rituais de “cura e libertação interior” sem a
preocupação com controles institucionais da ICAR. Os arranjos administram seus próprios
bens simbólicos sem interferência do clero. A obediência ao bispo local, mesmo que indireta,
e a lealdade ao papa são garantias de sobrevivência destas comunidades. Estas possuem perfil
“carismático”, de “católicos renovados” e são lideradas por um fundador, leigo, casado.
Reconhecido pelos seus subordinados como um “pai espiritual” dotado de “dons especiais”, o
fundador reforça a coesão, a identidade e a linha religiosa da organização.
Os arranjos auxiliam, a seu modo, o que chamam de “pessoas prejudicadas e
machucadas espiritualmente”. Em outras palavras, constroem uma prática de “cura e
libertação” seja através de rituais herméticos - rituais, orações, cristotecas, noites da pizza -
realizados durante a semana, em finais de semana ou por atendimentos personalizados. Estas
formas extra-paroquiais de gestão dos bens religiosos católicos dialogam com pertinência com
as chamadas realidades virtuais ou mídias virtuais - twitter, orkut, blogs, facebook; cada qual
com seu sítio ou com sua página na internet divulgam seus perfis identitários. Possuem ainda
variações relacionadas ao estilo de vida adotada leigos(as) consagradas dedicação exclusiva
ou não, celibatários, casais consagrados. A presença de membros casados pode ser fator
atraente para o público em geral. E este modo de vida parece ser viável e mais acessível para
jovens homens que não querem uma vida celibatária clerical. Fazem clara opção por uma vida
comunitária intensa, estabelecendo regras de convivência a partir dos seus estatutos e
realizando em seu conjunto um compromisso compartilhado de valores. As trocas
272
interpessoais construídas nestas comunidades emocionais/morais afetam qualitativamente a
maneira de pensar e agir dos sujeitos incorporando um habitus particular daquele grupo. As
chamadas “novas comunidades” oferecem um ambiente de descoberta das potencialidades
subjetivas e emocionais. O intercâmbio e as redes sociais que ali se formam também são
importantes. Há uma valorização das relações pessoais ao invés de relações apenas funcionais
emergindo, por assim dizer, espaços de trocas afetivas.
Os arranjos católicos são geralmente atraentes e credíveis ao público que os
procuram, porque dão prioridade à “cura e libertação interior”. Sua prática religiosa se afina
com a contemporaneidade, isto é, incorporam valores modernos nos rituais, na linguagem, na
divulgação de websites conjugados com elementos da tradição católica: a reza do terço, o falar
em línguas, a cruz, o coração e o sangue de Jesus, a figura dos santos baluartes que dão
sustentabilidade e identidade às comunidades até aqui observadas.
Estas associações leigas se proliferam no ABC paulista, cada uma com suas
funções especializadas e com normas organizacionais que são próprias do seu “carisma”. Tais
comunidades construíram um sistema especializado nos aspectos das suas estratégias/métodos
de convencimento religioso ao seu público alvo como as suas inserçoes na mídia virtual
possibilitou maior abrangência de divulgação do catolicismo específico não-clerical.
Os arranjos estabelecem uma tensão entre dissidência e conformismo das regras
religiosas do catolicismo oficial. Eles não se afastam dos modelos e normas em uso da ICAR,
mas possuem atitudes e sistemas de valor criados por eles cuja fonte de autoridade não
provém da tradição católica, mas de uma inspiração ou “revelação divina” que se fez conhecer
pelo fundador. A tradição religiosa, por sua vez, foi e é utilizada para justificar tal
“revelação”. Suas lideranças conscientemente deliberam um sistema de valores morais e
simbólicos que julgam mais elevados e que não se chocam necessariamente com o
catolicismo oficial: a cura interior através da invocação do Espírito Santo e do falar em
línguas, o reconhecimento do exercício de uma vida de santidade pautada em modelos de
santos(as), vida celibatária, sacrifícios pessoais, por um lado, acomodam a doutrina religiosa
oficial dentro de sua estrutura e arquitetura organizacional e, por outro, acrescentam práticas
religiosas que refletem sua identidade de grupo: pregadores itinerantes, cultos de avivamentos
específicos, interpretação “livre e subjetivada” das Escrituras etc. Os arranjos se vêem como
tendo uma identidade católica compartilhando seu rol de símbolos, seus ensinamentos sobre
questões doutrinárias e morais. Mas são simultaneamente membros de uma comunidade
emocional/moral específica, comprometidos afetivamente com sua missão, visão e valores,
criando assim uma identidade emocional com seu emblema ou totem. Esta tensão entre
273
instituição e carisma manifestada nos comportamentos das lideranças dos arranjos, incita a
preocupação do clero católico em estabelecer “um aparato corretivo e fiscalizador que evite
desvios doutrinários comprometendo a lealdade ao lema “una, santa, católica e apostólica”.
Exerce um controle à distância e sem interferência direta, de modo que os leigos destas
comunidades sejam autônomos no tocante à administração dos cultos, websites, finanças, e de
serviços especializados de bens religiosos católicos, assim como estratégias de evangelização.
Tanto a Renovação Carismática Católica quanto os arranjos católicos permanecem leais à
hierarquia porque dependem dela para o reconhecimento institucional. Por outro lado, a
hierarquia eclesiástica considera-os aliados pelo fato de divulgarem ao seu público alvo, a fé
no catolicismo romano.
A rápida difusão destas comunidades, pelo menos no ABC paulista, rasurou as
fronteiras territoriais e simbólicas. Quer dizer, assim como os pentecostais, os arranjos
admitem receber também os dons do Espírito Santo - cura, profetismo e “falar em línguas”,
esconjuram as forças malignas que impedem a restauração do indivíduo em Cristo,
implicando em dizer que estes elementos não sejam de exclusividade do mundo pentecostal.
As casas de missão dos arranjos onde são praticados os ritos carismáticos, caso não houvesse
qualquer significante - estátuas de santos, da Virgem Maria, ícones de João Paulo II e Bento
XVI - lembrando a fronteira católica, pensaríamos serem grupos pentecostais. Seus rituais não
seguem uma forma litúrgica convencional à maneira do rito católico oficial, veiculado nas
missas dominicais; são dirigidas por leigos(as) formados no próprio ambiente comunitário do
arranjo. Todas as comunidades observadas estão sob controle eclesiástico indireto, assim,
possuem certificados assinados pelo bispo local, legitimando e “abençoando” as suas
atividades. Todos os fenômenos supracitados podem ser encontrados em graus diversos nas
igrejas pentecostais, com óbvia exceção à lealdade a uma hierarquia eclesiástica.
Estes arranjos se mostram diferentes também se comparados aos “grupos de
oração carismáticos”, que se expandiram em grande parte das paroquiais do ABC paulista. Os
grupos de oração possuem conselhos paroquiais e regionais, mas continuam entrincheirados
nos território paroquial e não obedecem necessariamente a um ritual fixo. Caracterizam-se por
estabelecerem um momento de adoração, seguido por invocações ao Espírito Santo.
É um equívoco acreditar que os arranjos veiculam mensagens que enfatizam a
luta contra o “pecado estrutural”, contra a violência social institucionalizada e muito menos a
opção pelos pobres, características das CEBs na década de oitenta do século XX. Pelo
contrário, tais discursos não exercem nenhum atrativo para o público que atingem.
Influenciam os católicos que não possuam um maior engajamento religioso.
274
A emancipação das tecnologias de informação e comunicação, principalmente a
internet, contribuiram para a ocorrência de um acelerado processo de mudança nas relações
sociais, mas a incorporação e o uso de determinadas tecnologias possibilitou a reinterpretação
do contexto cultural da contemporaneidade. Ao utilizarem os recursos virtuais, estas
comunidades, elaboram sua própria linguagem visual, divulgando suas atividades e
desenvolvendo uma estratégia de atração de possíveis usuários dos seus serviços religiosos.
Nos sites das comunidades, além dos totens que as identificam, o acesso a links
de blogs, facebook, twitter, orkut, chats, terço, velas virtuais, envio de suas intenções e
pedidos a Deus, inscrição em eventos e cursos, etc. Estas comunidades possibilitam não
somente uma interação real, mas uma interação que prescinda da face a face. Sendo assim,
tais comunidades compartilham interesses e identidades por meio do ciberespaço
independente de fronteiras e demarcações territoriais fixas (LEVY, 1999).
Os arranjos católicos são um tipo de catolicismo de consultoria. Exercem uma
função de aconselhamento espiritual do público que os procuram. Seus objetivos pautam-se
no alcance de maximização de resultados – a Fanuel, por exemplo, mantém um índice de
serviços religiosos necessários ao seu crescimento que garanta sua “fatia” de participação do
seu produto religioso. Em outras palavras, tais comunidades lutam dentro do campo religioso
tentando garantir seu capital simbólico, em reconhecê-lo como legítimo, de forma que seus
serviços religiosos participem ativamente e permanentemente dentro da estrutura católica.
Obviamente o alcance de metas traduz-se por uma melhor visualização da imagem do seu
totem, internamente - entre lideranças e subordinados- e externamente - sua relação com a
hierarquia eclesiástica. Podemos pensar que os arranjos católicos, inconscientemente, são
serviços de apoio ao clero da ICAR no auxílio da tomada de decisões estratégicas.
O foco desta consultoria religiosa veiculado pelas comunidades laicas é o de
definir a melhor ação num ambiente sócio-cultural repleto de incertezas, riscos e competições
religiosas. Todas as comunidades possuem um planejamento mensal de oferta dos seus
serviços religiosos, assessorado por lideranças-consultoras qualificadas para tais ações. Este
tipo de catolicismo de consultoria não seria em ocorrência da mudança e do quadro social e
econômico ocorrido na região do ABC nos últimos 30 anos? O setor de serviços é o que
predomina hoje em termos de indicadores econômicos no ABC paulista. A ICAR regional
também mudou seu foco: já não se fala mais em CEBs ou do engajamento social em
ambientes operários, utilizando outras estratégias de evangelização, de modo a ampliar seu
campo de atuação e a participação ativa dos fieis nos sacramentos, nas missas, por fim, nas
paróquias. Neste caso, é imprescindível que a ICAR apóie as associações religiosas laicas,
275
porque as mesmas situam-se no cerne dos interesses do catolicismo romano, realizando
atividades de consultoria que a própria ICAR não consegue administrar.
Por fim, poderíamos nos perguntar, de fato, qual a novidade traduzida nas
chamadas “Nova Comunidades Católicas”. Cada comunidade analisada inclui valores, crenças
e um estilo operacional que as diferencia das atividades paroquiais distribuídas em pastoral. O
rótulo “novas” poderia ser aplicado com segurança se tais comunidades laicas anulassem o
catolicismo tradicional - rigidez moral, culto aos santos e anjos, Cristo sofredor - em suas
estruturas organizacionais. A palavra converteu-se não só num slogan dos militantes destas
comunidades, mas também é utilizada indiscriminadamente pelos representantes do clero
católico, classificando-as e integrando-as aos chamados “novos movimentos eclesiais”. Para
uma organização ser identificada como “nova” é necessário o aparecimento de novos
esquemas e desenhos tanto nos rituais quanto nos símbolos religiosos utilizados. A novidade
põe em evidência aspectos que não eram anteriormente percebidos nem vistos, ou até mesmo
suprimidos no catolicismo tradicional. As comunidades laicas no ABC paulista não foram
criadas sob uma constelação de rupturas e tensões com o catolicismo romano, susceptíveis de
alterar o modelo da estrutura dominante da ICAR. Ao contrário, pautado em negociações com
a hierarquia local, os fundadores das comunidades operam em diálogo com o clero e o bispo
da diocese de santo André, considerando-os como seus potenciais defensores. Os fundadores
sabem operar em tais limites na tentativa de construir credibilidade com a hierarquia e
encontrar um terreno de interesses comuns.
Talvez o referencial mais indicativo e apropriado nas comunidades laicas seja o
seu hibridismo típico, sua combinação entre um catolicismo mais intimista - da “santificação
e cura da alma machucada”, da devoção santorial de “imitação” e não necessariamente de
“proteção”, da doutrina católica de cunho moralista: confessar, comungar, respeitar as
regras e ir aos domingos na “santa missa”, da crença nos anjos como entidades de proteção
contra o mal e da separação entre sagrado e profano –, com questões mais modernas
principalmente ao que se refere à utilização de recursos midiáticos e de internet, de
metodologias advindas do mundo evangélico e empresarial - tipos de gestão, networks, perfis
de liderança e consultorias. À estes conjuntos de características que denominamos “arranjos
católicos” que, produzindo seus próprios esquemas simbólicos, combinam o pré e o moderno
dentro de ambientes alternativos de autonomização religiosa católica.
A modernidade contemporânea é uma variável de difícil interpretação. As
instituições e organizações religiosas buscam, por sua vez, respostas pragmáticas a problemas
levantados pelo cotidiano das pessoas. Cada arranjo católico por meio do seu design religioso,
276
dos seus processos explícitos e implícitos prescreve atividades especificas para aumentar a
eficácia e visibilidade social. Sendo assim, mantém um mínimo de coesão interna e se
acomodam às configurações do momento histórico.
277
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290
Jornais, institutos de pesquisa, bibliotecas e revistas digitais
1. http://tempsreel.nouvelobs.com/monde 2. www.folha.uol.com.br. 3. http://g1.globo.com 4. http://elpais.com/elpais/portada_america.html 5. http://www.ibge.gov.br. 6. http://www.brasildefato.com.br 7. http://www2.santoandre.sp.gov.br. 8. http://memoria.bn.br. 9. http://www.unisinos.br.
Empresas eletrônicas
1. www.abstratodesign.com.br.
291
ANEXO A CASAS DE MISSÃO DOS ARRANJOS COMUNITÁRIOS CATÓLICOS
E MAPA DA REGIÃO ABC PAULISTA Figura 1 – Chagas de Amor Figura 2 – Fanuel Figura 5 – Mapa da região ABC paulista Fonte: http://www.donizetegeografo.com.br. Figura 3 – Árvore da Cruz Figura 4 – Coração Sagrado
292
ANEXO B
ROTEIRO DE ENTREVISTAS
IDENTIFICAÇÃO Nome ____________________________________________________________
Nascimento___________Cidade____________________Estado______________
Ocupação__________________________________________________________
BLOCO DE PERGUNTAS SOBRE ANTECEDENTES SÓCIO-RELIGIOSOS
1. Quantos anos você possui?
2. Qual sua escolaridade? Superior completo? Quais cursos?
3. Qual era sua ocupação profissional antes de formar a comunidade ou participar dela? Do que você gostava no seu emprego? Por que saiu? O emprego que você tinha ajudou em idéias para criar a comunidade?
4. Qual sua renda média mensal familiar atual? Até R$ 1000,00; entre 1000,00 e 2000,00. entre 2000,00 e 4000,00; acima de 4000,00;
5. Você vem de família católica?
6. Há quanto tempo você deixou de ser evangélico?(caso houver necessidade);
7. Alguma vez você já pensou em ser padre (freira) diocesano ou da canção nova?
BLOCO DE PERGUNTAS SOBRE A CRIAÇÃO DA COMUNIDADE, RELAÇÕES COM A PARÓQUIA E O CLERO (BISPO)
1. O que levou a criação da comunidade? Qual a influência da Canção Nova em sua vida?
2. Qual a maior dificuldade particular que você encontra atualmente?
3. Você sofre pré-conceito?
4. Como é a convivência fora da comunidade, exemplo, relações de amizade?
5. Como que a comunidade se sustenta financeiramente? A Igreja Católica da região os ajuda financeiramente? Por que?
6. Olhando para trás, o que você vê de mais positivo na decisão de criar uma comunidade religiosa? E quais os pontos negativos?
7. Quais as diferenças principais entre uma comunidade religiosa leiga e uma paróquia?
293
BLOCO DE PERGUNTAS SOBRE AS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS PELOS ARRANJOS CATÓLICOS
1. O que as pessoas buscam na comunidade?
2. Qual a forma de evangelização do jovem? (pergunta dirigida ao arranjo Coração Sagrado)
3. A ação evangelizadora da comunidade é voltada mais para o coletivo ou individual?
4. Como a comunidade lida com as novas tecnologias, por exemplo, a internet?
5. Como é feita a divulgação da comunidade?
6. Você acha que as “novas comunidades” vêm de encontro às necessidades das pessoas? É diferente nas paróquias?
BLOCO DE PERGUNTAS SOBRE A ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DOS
ARRANJOS CATÓLICOS
1. A comunidade possui estatuto? Manuais?
2. Existe conselho administrativo, quem participa e quantidade de pessoas
3. Todos possuem direito de opinião, voto no conselho?
BLOCO DE PERGUNTAS SOBRE A ESTRUTURA SIMBÓLICA DOS ARRANJOS CATÓLICOS
1. Qual o significado do nome da comunidade? Por que foi escolhido este símbolo?
2. Quem são os santos baluartes? Por que da escolha?
3. Quem são os inimigos da ICAR?
4. Qual a função dos anjos na comunidade?
294
ANEXO C BAIRRO CLUBE DE CAMPO – SANTO ANDRÉ
FONTE: FOTOS REALIZADAS POR VLADEMIR RAMOS EM MAIO 2011
Figura 6 – Entrada do bairro Clube de Campo
Figura 7 – Vista panorâmica próximo à Fanuel
Figura 8 – Casas do Bairro Clube de Campo Figura 9 – Casas do Bairro Clube de Campo Figura 10 – Casas do Bairro Clube de Campo
Figura 11 – Casas do Bairro Clube de Campo Figura 12 - Vista panorâmica próximo á Fanuel
295
ANEXO D IGREJAS EVANGÉLICAS REGISTRADAS
NO BAIRRO CLUBE DE CAMPO – SANTO ANDRÉ FONTE: FOTOS REALIZADAS POR VLADEMIR RAMOS EM MAIO 2011
Figura 13 – Igreja evangélica “Apascentar” Figura 14 – Igreja Evangélica Avivamento da Fé Figura 15 – Igreja pentecostal Cristo Vivo Figura 16– Assembléia de Deus
Figura 17 – Assembléia de Deus Figura 18 – Igreja Pentecostal Missões da última Hora
Figura 19 – Igreja Deus é Amor Figura 20 – Igreja Batista Adonai Figura 21 – Internacional da graça de Deus Figura 22 – Assembléia de Deus
296
ANEXO E EVENTO: EMBRIAGAI-VOS DO ESPÍRITO SANTO- 2011 – SANTO ANDRÉ FONTE: FOTOS REALIZADAS POR VLADEMIR RAMOS EM ABRIL 2011
Figura 43 – Ginásio onde se realizou o Embriagai-vos 2011 Figura 44 – Momentos da celebração Figura 45 – Momentos da celebração Figura 46 – Momentos da celebração Figura 47 – momentos da celebração
297
Figura 48 – Evangelizashow com irmã Kelly Figura 49 – Evangelizashow com irmã Kelly Figura 50 – Espaço vip do Fundador Figura 51 – Feira de artigos religiosos
Figura 52– Santos Baluartes Figura 53– Venda de CD’s do Fundador e de pregadores católicos
298
ANEXO F CENTROS RELIGIOSOS REGISTRADOS NO BAIRRO JARDIM ALVORADA –
RIBEIRÃO PIRES FONTE: FOTOS REALIZADAS POR VLADEMIR RAMOS EM MARÇO 2012
Figura: 54 – Centro SEICHO-NO-IE do Brasil Figura 55 – Centro Espírita “Recanto da Luz Irmã Scheilla Figura 56 – Centro “Recanto da Luz Irmã Scheilla” Figura 57 -Centro “Recanto da Luz Irmã Scheilla”
299
ANEXO G
RETIRO DE PENTECOSTES COM AS NOVAS COMUNIDADES DA DIOCESE DE SANTO ANDRÉ
Figura 58 - Retiro de Pentecostes das Novas Comunidades do ABC Fonte: Folder de divulgação pública.