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135 está submetido às regras gerais do Arranjo. As células, portanto, são grupos que se organizam nas casas e seus membros subordinam-se por um lado, a uma agenda construída previamente pelo fundador e disseminada pelas lideranças e, por outro, às regras organizacionais da Fanuel. A inserção de novos membros realiza-se em cumprimento de algumas fases de “engajamento”: a) O neo-discípulo: após participar de três reuniões consecutivas na célula, efetiva sua participação no grupo dando início ao caminho do discipulado. b) discípulo a caminho: após ter passado pela formação inicial que inclui o chamado Encontro de vida plena em que o neófito se aliena do mundo durante um final de semana: Pra você participar, você nos visitou hoje, a semana que vem você vai novamente na próxima semana você vai, na quarta semana consecutiva, na quarta visita consecutiva você é considerado membro da célula, você é... Considerado membro da célula,... A partir disso, nós começamos a trabalhar você para o primeiro encontro da nossa comunidade, que chama encontro da vida plena. Fazemos em uma chácara em um local bem retirado, que você fique o tempo todo em oração, o tempo ali, pensando somente naquilo e desligue totalmente das coisas externas, nada de... celular... tudo, desliga de tudo (líder de célula, grifo nosso) No próximo estágio o discípulo torna-se c) efetivo, isto é, tendo concluído as etapas da formação inicial, assume um compromisso maior com a comunidade. O novo membro passará por um processo de assimilação do carisma da comunidade, sua história, desafios e aulas de formação do que é ser discípulo Fanuel. E por fim, d) discípulo de vida dedicada: o sujeito assume a lógica de atuação em células assumindo funções de liderança sendo apto para assumir uma célula. Abaixo um esquema apresentado pelo folder de divulgação dos chamados “católicos em células” que ilustra o que acabamos de relatar em que se nota um sistema de ascensão – também chamada de “escada de crescimento”- que vai desde “ganhar a massa”, instruí-la dentro dos moldes da comunidade e, uma vez “capacitada” enviá-la para “ganhar” novamente mais membros. E o processo do “plano de carreira” reinicia:

135 está submetido às regras gerais do Arranjo. As células

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Page 1: 135 está submetido às regras gerais do Arranjo. As células

135

está submetido às regras gerais do Arranjo. As células, portanto, são grupos que se organizam

nas casas e seus membros subordinam-se por um lado, a uma agenda construída previamente

pelo fundador e disseminada pelas lideranças e, por outro, às regras organizacionais da

Fanuel. A inserção de novos membros realiza-se em cumprimento de algumas fases de

“engajamento”: a) O neo-discípulo: após participar de três reuniões consecutivas na célula,

efetiva sua participação no grupo dando início ao caminho do discipulado. b) discípulo a

caminho: após ter passado pela formação inicial que inclui o chamado Encontro de vida plena

em que o neófito se aliena do mundo durante um final de semana:

Pra você participar, você nos visitou hoje, a semana que vem você vai novamente na próxima semana você vai, na quarta semana consecutiva, na quarta visita consecutiva você é considerado membro da célula, você é... Considerado membro da célula,... A partir disso, nós começamos a trabalhar você para o primeiro encontro da nossa comunidade, que chama encontro da vida plena. Fazemos em uma chácara em um local bem retirado, que você fique o tempo todo em oração, o tempo ali, pensando somente naquilo e desligue totalmente das coisas externas, nada de... celular... tudo, desliga de tudo (líder de célula, grifo nosso)

No próximo estágio o discípulo torna-se c) efetivo, isto é, tendo concluído as

etapas da formação inicial, assume um compromisso maior com a comunidade. O novo

membro passará por um processo de assimilação do carisma da comunidade, sua história,

desafios e aulas de formação do que é ser discípulo Fanuel. E por fim, d) discípulo de vida

dedicada: o sujeito assume a lógica de atuação em células assumindo funções de liderança

sendo apto para assumir uma célula. Abaixo um esquema apresentado pelo folder de

divulgação dos chamados “católicos em células” que ilustra o que acabamos de relatar em que

se nota um sistema de ascensão – também chamada de “escada de crescimento”- que vai

desde “ganhar a massa”, instruí-la dentro dos moldes da comunidade e, uma vez “capacitada”

enviá-la para “ganhar” novamente mais membros. E o processo do “plano de carreira”

reinicia:

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Figura 26 – Processo de formação dos membros da Comunidade Fanuel

Fonte: Folder de divulgação da Fanuel.

Os arranjos católicos são entidades com propósitos e suas ações são planejadas.

Sua estrutura é o resultado de decisões conscientemente tomadas pelo fundador e demais

lideranças. Existem algumas metas oficiais que atingem o público em geral e metas

operativas, isto é, aquelas que moldam a estrutura interna do Arranjo. Elas diferem somente

em graus de especificidade. Há linhas de comando internas dos arranjos cabíveis somente

aqueles que a exercem. Mas, para que atinjam as metas-gerais, os objetivos dos arranjos

devem ser úteis em determinar como o trabalho ou “força tarefa” deve ser dividido. Na

Fanuel, algumas camadas operativas se preocupam, por exemplo, com a administração e

controle das células (seu tamanho, seu tempo de existência, perfil identitário de cada uma, o

quanto foi arrecadado mensalmente para a “obra”, encaminhamento dos objetivos pensados

pelo fundador etc.) e que outras se dedicam à “formação religiosa” ou a “capacitação

doutrinário-espiritual” dos seus membros. Entendemos que as metas gerais da Fanuel e dos

demais arranjos analisados possuem acentuado determinismo. Elas precisam o serviço

prestado ou o que se quer alcançar, por exemplo, a Fanuel tem por finalidade atingir os não

católicos e os católicos afastados, propiciando-lhes um (re)encontro com os sacramentos

católicos e sua inserção mais duradoura dentro da comunidade. Discorrendo ainda sobre as

metas dos arranjos e, em particular, a Fanuel, a sua estrutura interna pode ter de ser

reformado, sem afetar diretamente as metas mais gerais, mas acarretando uma mudança no

ambiente das células. É o caso, por exemplo, dos encontros semanais das células aos sábados

- e que duram no máximo duas horas - ocorrendo uma mudança no ritual ali vivido pelos

membros. Ao invés de iniciar o encontro com um breve “lanche”, a liderança entendeu que

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137

era mais interessante e significativo iniciar com um “jantar” para dar um aspecto mais

informal e “quebrar o gelo” inicial. A intenção do “jantar” é proporcionar um “clima de não

superficialidade” e de construir um contato mais direto entre a membrezia. Com base em tais

declarações, são tomadas algumas decisões, tais como as que aludem à divisão do trabalho.

Há uma cadeia hierárquica bem definida na Fanuel. O organograma ou o “sistema de

liderança” se apresenta da seguinte forma:

Figura 27 – Organograma simplificado da Comunidade Fanuel

O fundador do arranjo Fanuel, atualmente instalado na cidade de Botucatu, São

Paulo, possui o controle geral das regras, toma as decisões e anuncia-as aos subordinados. As

práticas das lideranças dentro deste arranjo tenderão a uma homogeneização no tocante às

regras assimiladas e exercidas construindo assim o que se poderia chamar de estilo de

liderança Fanuel. Embora exista uma variação marcada pelo estilo individual do líder (forma

de condução e interpretação das regras) há uma uniformidade das práticas e da metodologia

aplicada às células. A figura 27 demonstra, em forma esquemática as linhas de comando mais

comuns neste arranjo e as lideranças ali expostas tem por objetivo satisfazer algumas

necessidades, mormente aquelas das famílias efetivamente atuantes nas células, juntamente

com as metas dos grupos. Em outras palavras, há três preocupações que estão na linha de

frente da prática do líder: a) formar um grupo reduzido de doze pessoas porque a

DIRETOR FUNDADOR Moderador geral da comunidades

DIRETOR LOCAL Fanuel Santo André/SP

Secretaria

Supervisores Local

até 15 células

Orientador espiritual Local

Líderes de rede Multiplicador -5 células

Lideres de célula discipuladores dos leigos

DIRETOR LOCAL Fanuel Campo Grande/MS

DIRETOR LOCAL Fanuel Botucatú/SP

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comunicação entre os membros não fica fragilizada; b) promover a integração e c) formar

comunidade, multiplicando-a em outra célula. As lideranças que estão na base de atuação nas

células têm a preocupação de satisfazer alguns requisitos de manutenção para que o grupo se

mantenha em conjunto, coeso: promoção de um nível adequado de “harmonia”, apreciação

mútua entre os membros:

Outro aspecto precisa ter comunhão na célula, por exemplo, você vê que, por exemplo, as pessoas chegam nas células, querendo receber! Querendo receber! Mas com o tempo, ela vai percebendo algo mais, nossa!! esse povo tá sendo tão bom comigo, eu tenho de ser comunidade com eles. Tem algo diferente, e ali vai criando uma comunhão. (orientador espiritual)

Observa-se no relato acima um esforço da liderança de fazer avançar a

membrezia das células em direção às metas do Arranjo, seus planos, sua visão, missão e

valores. Provavelmente, nas células, as lideranças se deparam com conflitos entre satisfazer as

metas privadas dos sujeitos e os da organização em que fazem parte. Este líder desempenha

duas funções, uma que aponta na direção do líder tarefa direcionando sua prática para a

institucionalização (estabelecer uma padronização de deveres e comportamentos) da célula

que está sob sua responsabilidade e, outro na de um especialista social-emocional construindo

relações que permitam atingir os interesses particulares dos membros. A Fanuel estabelecendo

normas espera um comportamento aceitável entre as suas lideranças. O processo de

constrangimento ao cumprimento normativo consiste na, a) educação dos valores e metas

religiosas, b) acompanhamento e fiscalização do comportamento moral dos membros do

grupo, c) reeducação e apoio constante para que o indivíduo -, mormente aqueles(as) que

estão na base das células – não modifique seus hábitos e não recue em gestos que o declinem

moralmente: “A pessoa que entra na comunidade que assume a missão da comunidade, aí sim,

o caminho é fazer o que? É regularizar sua vida sexual, a sua vida na igreja, a sua vida com a

sociedade, enfim, é consertar o homem todo, né?”(mulher, solteira, auxiliar administrativa e

supervisora de célula).

A divisão do trabalho realizado na Fanuel pode ser entendida pelas diferentes

operações ou tarefas que as pessoas desempenham. Por exemplo, as lideranças de células

coordenam seus esforços para mantê-la dentro dos padrões normativos esperados e criar

nestes espaços integração entre os membros. Conforme o organograma exposto existem duas

direções que o trabalho da Fanuel pode ser dividido: horizontalmente, no sentido de separar

as tarefas que as lideranças desempenham e, verticalmente, o trabalho é separado com base na

finalidade do mesmo, que uma posição controla ou integra. Há uma diferenciação das tarefas

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necessárias para alcançar os objetivos deste Arranjo. O líder de célula tem por tarefa e quase

somente de execução e um pequeno grau de decisão e só pode sê-lo após passar por um

processo de formação da comunidade:

Também chamado de “pastor” ou “discipulador”, o líder é responsável para

manter sua “pequena comunidade” integrada e ser um “conselheiro espiritual” dos membros

“mais avançados da célula”, também chamados de “núcleo da célula” – e não necessariamente

orientar os “recém chegados”. Estes são auxiliados pelos chamados núcleo da célula que

“discipulam” (orientam) os novos membros que se associam à sua célula. Como se pode notar

há uma hierarquia também manifesta no interior da célula e aquele que a dirige aconselha a

membrezia e os educa dentro da lógica normativa da Fanuel:

[...] é alguém mais adiantado que já concluiu o processo de formação na comunidade, ou seja, uma pessoa que seja capacitada pra poder discipular outra poder mostrar o caminho pro outro. E aquela pessoa poder ajudar em todos os pontos. Então a outra compartilha, olha eu to passando na minha vida familiar isso. Que a gente procura o que? Dentro dos modos da igreja católica, o que a igreja nos ensina a gente mostra o caminho. (mulher, solteira, auxiliar administrativa e supervisora de célula)

Acima do líder de célula (LC), vem o líder de rede (LR), que auxilia o

supervisor local (SL), cuida das células objetivando sua multiplicação. A rede aqui é

entendida geralmente como o resultado da conexão de várias células em conjunto, isto é, cada

cinco células constituem uma rede facilitando as informações que aí circulam. A rede facilita

a compreensão das interações recíprocas que ligam os componentes envolvidos. Dois dos

entrevistados são líderes de rede e são os responsáveis em acompanhar as células em reuniões

mensais. Acompanha-se o desenvolvimento e o crescimento de cada célula e o envolvimento e

comprometimento não só das lideranças das células, mas de toda a membrezia:

Até mês passado eu liderava uma célula ao sábado. Todo sábado eu estava lá. Agora, a partir desse mês, eu passei a ser supervisora de célula, então eu não fico mais numa célula só. Cada semana eu visito é... da minha área são são três células, né? (ídem).

As reuniões tem o intuito de serem laboratórios para diagnosticar propriamente

os problemas apresentados pelos LC. Quando o LR identifica um problema, uma ocorrência

torna-se consciente de uma necessidade não satisfeita. O LR defronta-se comumente com uma

lista de fatos advindos das células do tipo adequação da membrezia às normas da Fanuel,

problemas de relacionamento entre LC e seu núcleo. No caso da Fanuel observou-se que sua

estrutura comporta objetivos a serem cumpridos, assim como um corpus normativo bem

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definido e a função dos LR é compatibilizar a estrutura existente com os anseios e desejos dos

LC. Uma vez diagnosticado os problemas e caso necessite um acompanhamento mais

próximo a orientação feita pelo LR pode ser feita de forma personalizada.

O LR possui uma competência geográfica e opera de forma a manter coeso as

células e intervindo oportunamente quando necessário orientando e cumprindo seu papel

consultivo para o LC. Esta atividade de aconselhamento empreendido pelo LR soa mais como

aquele que estabelece um “controle de qualidade” do grupo lembrando-os dos seus direitos e

obrigações. O principio escalar ou hierárquico da Fanuel define a graduação de

responsabilidades e o LR, embora sua função de subordinado seja definida, designada e

especificada pelo organograma sua função se distingue das outras lideranças pela prestação de

conselhos e supervisão. Identificamos que o LR informa ao SL sobre os problemas

decorrentes nas células trazidas pelos LC. Não só informa, mas aconselha, sugere soluções,

encontra argumentos, persuade – o mesmo também se verifica na postura do LC. E, por fim, o

LR supervisiona em substituição do SL, por delegação do mesmo.

O SL é aquele que possui uma visão panorâmica das células e é subsidiado pelos

LR que o mantém informado sobre a condução dos núcleos celulares. Sua presença se faz

esporadicamente e uma de suas funções é trazer estabilidade e solidez ao grupo. Geralmente é

o que conduz as orações dominicais nos encontros de todas as células e os instrui com

exortações, palavras de afeto etc. Entre as suas atribuições destacamos a verificação do

andamento das atividades mantendo a moral elevada das demais lideranças.

Membro antigo da comunidade, colaborador da Fanuel antes mesmo da

aquisição da chácara, o atual SL atuava na paróquia Joana D’Arc em Santo André no final da

década de noventa e especificamente acompanhava o “grupo de oração”, “escutava” as

pregações do atual fundador da Fanuel em uma “casa de missão” próximo à paróquia. Foi

neste período que o entrevistado ampliou seus laços de afinidade criando ciclos de amizade

com pessoas ligadas ao fundador e desde então sua atuação, antiguidade e empenho acabaram

por torná-lo o SL atual. Segundo o excerto, a sua autoridade é legitimada por todos pelo fato

de “estar a serviço” de um projeto maior. A estrutura pautada em princípios, valores,

característicos da Fanuel, têm prioridade sobre as células e o SL “precisa” apresentar-se como

o “primeiro a servir”. Para o SL há uma linha de autoridade muito clara que deve ser

conhecida e reconhecida por todos os membros. Embora não executando as tarefas em uma

célula exerce sua influência para que o trabalho seja feito por todos. A fim de alcançar as

metas da comunidade, o SL é reconhecido como figura-chave da comunidade Fanuel em

Santo André, mas sem eclipsar a importância da figura do fundador. Com curso superior

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incompleto, o SL é atualmente gerente de marketing com especialização em marketing digital

(elaboração de símbolos e criação de uma identidade digital). Trabalha exclusivamente com

publicidade para a internet, veículos de venda e comunicação via internet:

E aí, eu gostava de desenhar tudo, mas não era a minha praia. Apesar de ter algumas particularidades, algumas coisas similares, não é a minha praia. Eu comecei a exercer a profissão, aí parei, num é? Parei e já emendei, é... conheci a área de informática, comecei a trabalhar e já emendei alguns cursos que me levaram a isso, né? Hoje, eu... também continuo desenhando, mas de uma forma diferenciada que é pra publicidade pra internet, num é? Eu tenho formação técnica nessa área. Na verdade esse curso de formação técnica levarou seis anos (homem, 40, casado, SL)

Trabalhando há doze anos com desenho publicitário e especialista em photoshop,

a fireworks, a coreldraw atende vários segmentos religiosos – católicos e evangélicos - ou

não. Presta serviços para os segmentos católicos criando páginas e sites de paróquias da

região do grande ABC que, segundo o depoimento, totaliza “setenta paróquias católicas”.

Como “prestador de serviços, a estratégia de marketing utilizada pelo

entrevistado no mundo dos “seus negócios” é o fato de atender uma diversidade de públicos e

garantir que seus esforços estejam concentrados nos elementos de marketing que são mais

relevantes para o seu negócio. As informações do SL acima mencionadas nos remetem a duas

conclusões: a) Os padrões de serviços oferecidos pelo entrevistado estão voltados para um

cliente em “potencial” independente da sua confissão religiosa. Neste caso, o entrevistado cita

que atende também “bandas evangélicas”75; b) A cultura e o conhecimento técnico que possui

possibilita-o, enquanto empresa privada, instalar serviços a fim de atender o público

consumidor daquele serviço específico. Neste sentido, sua empresa é vista como aquela ligada

às necessidades e aos desejos do seu recipiente, isto é, consumidor. Este contrata seus serviços

de “competência digital” e o SL, com sua capacidade de pesquisar, interpretar os interesses e

necessidades dos seus clientes elabora o produto desejado. Além disso, é dotado de uma

cultura de adaptabilidade no sentido de ter capacidade de fazer conexões entre os desejos dos

seus clientes e liberdade para criar seus desenhos digitais. Cada Arranjo é possuidor de uma

identidade digital, um site, em que são veiculados sua missão, valores, objetivos76 e também

sua estrutura administrativa cujas “artes visuais” foram idealizadas pelo SL da Fanuel.

Prestando assessoria na área de marketing digital77 esta liderança criou os web sites dos

75 A referida banda gospel é a “oficina G3”. 76 A análise dos “sítios” dos Arranjos será arrolada posteriormente. Citaremos alguns aspectos gerais que identificarão cada comunidade como tal. 77 Conferir site desta empresa: www.abstratodesign.com.br – Acesso 20/04/13. O site abriga imagens de logomarcas criadas para empresas, por exemplo, de produções e eventos G12 ofertando serviços do tipo iluminação, efeitos de luzes, gravação de DVD etc. Entre os seus principais da G12 duplas sertanejas, TVs

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arranjos Fanuel, Chagas de Amor, Árvore da Cruz e o fez gratuitamente, mas segundo ele,

tudo começa com um diálogo prévio.

A Logomarca de algumas paróquias do ABC paulista e os sites dos Arranjos

supracitados foram elaborados por ele. Antes da elaboração da “arte visual” do cliente há um

estudo que é realizado previamente – análise do histórico da comunidade, arquitetura, cores,

sua inspiração, seu “carisma”, documentos etc. – somente depois que o conceito ou aquilo que

identifica ou se aproxima do que o cliente deseja, emerge.

A arte visual elaborada (web sites, blogs, logomarcas etc.), segundo o depoente é

uma forma de ilustração cujo objetivo principal é uma representação visual de um design, de

um totem digital78 a ser utilizado pelo cliente em seus objetivos específicos. Embora

expressando sua visão de mundo, sua maneira de interpretar os serviços que lhes são

oferecidos através do seu trabalho, ele é um designer e não um artista. Isto quer dizer que

responde principalmente a um comando e deve levar em conta – e é avaliado por isso – um

usuário-alvo específico. Atualmente é solicitado por indicação de outros usuários e isso

contribui para visualizar sua empresa, sua imagem ao público que atende:

Segundo ele, o sucesso do seu empreendimento enquanto web designer não está

relacionado aos seus serviços somente. A rede social que construiu nestes doze anos

possibilitou certa consolidação, mormente à clientela católica, seja das chamadas “novas

comunidades” ou de paróquias. A relação criada entre empresa-cliente, segundo sua

abordagem, não foi assimétrica (controlada apenas por uma das partes) e nem transitória. A

sua “carteira de clientes” construída nestes anos possibilitou-no uma fidelização daqueles:

Já tenho uma carteira de clientes, então, o cliente A que é católico, faz um show com uma banda evangélica num congresso, e lá surge um comentário qualquer, a pessoa acaba me procurando, inevitavelmente. Então eu tenho a graça disso, né? Saí do meio católico, estou no meio Cristão, mas continuo... trabalhando ali exatamente na mesma coisa (homem, 40, casado, SL)

Uma de suas estratégias de fidelização não foi o seu conhecimento técnico sobre

“arte visual”, mas o fato de em primeiro lugar atentar às necessidades e desafios dos seus católicas (Cancã Nova e Aparecida, Século XXI, Rede Vida), TV Globo e igrejas evangélicas (Universal e Mundial). Há também web sites e blogs criados para bandas e cantores católicos (Alto Grau, Diante da Cruz, Testemunha, Ceremonya, Diante da Cruz, Cantores de Deus (apadrinhado pelo padre Zezinho), Suprema Redenção, o cantor Bruno Malaquias, a cantora paranaense Graciele, a campineira Luciana Antunes, do pregador e coordenador do ministério da intercessão da RCC de Santo André, Adriano Marin) e bandas evangélicas (Vínculo, oficina G3). Além disso, há também a criação de web sites, logomarcas de paróquias católicas e de empresas e comércio S/A. 78 A análise das simbologias utilizadas pelos Arranjos católicos será verificada no próximo capítulo. Os símbolos digitais que identificam cada Arranjo são frutos de convenções, de interpretações dos seus próprios fundadores e que foram relidos pelo “prestador de serviço”, SL da Fanuel e, posteriormente aceitos para serem divulgados.

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clientes ou na linguagem do entrevistado é “conhecer a inspiração da obra”. Conhecer a

realidade a ser atendida – e, num segundo momento – não menos importante – ingressar em

um sistema permanente de relacionamento com o objetivo de atendê-los da melhor forma, isto

é, criar seu próprio network.

Uma das outras atividades que compõem a estrutura administrativa da Fanuel e

que corresponde a divisão do trabalho interno deste arranjo referem-se ao secretariado e as

finanças. Advinda de uma família católica não praticante, uma das LR iniciou sua formação

religiosa em uma das paróquias de periferia urbana em Santo André, Nossa Senhora de

Guadalupe. Neste ambiente participou ativamente nas atividades paroquiais entre 2002 e

2006. Mesmo não pensando em se tornar “freira” agostiniana sondou, dialogou com uma

“madre” sobre quais as possibilidades de efetivar uma aproximação de uma congregação

religiosa, mas decidiu-se por continuar “leiga”. Com ensino médio completo e com pretensões

de galgar no ensino superior, a liderança pensou optar entre três graduações: arquitetura,

relações públicas ou secretariado executivo. Independente da escolha e das condições

financeiras reais, seu objetivo em ser uma graduada é o fato de se qualificar para melhor

atender a comunidade Fanuel. Formou-se ainda em 2006 como auxiliar administrativa e desde

então atua nesta posição na comunidade como voluntaria recebendo um salário mínimo,

dinheiro recolhido das células e que provém do dízimo não obrigatório recolhido:

É que assim, é mais complicado você aqui dentro da comunidade nova, você, você, você pede o dizimo, assim, que geralmente é dado na paróquia e tal, mas a gente sempre procura falar pro, pra quem participa da comunidade o que, que você deve dizimar aonde você tá recebendo a palavra de Deus. Se é na paróquia, então dizime na paróquia. (mulher, solteira, 22, LR)

O tempo de trabalho é dedicado não somente em arquivar documentos ou

atender chamadas telefônicas, mas organizar encontros da comunidade, secretariando-os,

imprimir e entregar os “encontros bíblicos” elaborados pelo fundador, assim como seus

comentários direcionando-os aos líderes de célula. Cada pessoa efetiva, cada “discipulador”

possui uma pasta contendo os nomes, situações de vida da sua célula. Cabe a secretaria

registrar semanalmente o cronograma de trabalho inclusive as presenças dos partícipes das

células. Não há uma programação mensal já articulada ou um ciclo de trabalho já

preestabelecido, mas uma programação semanal ainda a ser construída conforme a sequência

de operações.

Outra função é o que se restringe a coordenação das finanças da comunidade. Cabe

a uma pessoa computar a quantia de doações mensais realizadas pelos membros da

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comunidade79, pagamentos de salários dos LR etc. Caso aja alguma ampliação ou construção

a ser realizada, neste caso, computa-se o preço dos materiais, estimativas de gastos e o crédito

em caixa. A execução do trabalho na Fanuel ou as atividades específicas desempenhadas por

alguns dos seus membros enquadra-se no sistema global deste Arranjo. Cada qual dentro do

organograma possui um controle sobre a atividade que desempenha. É o caso, por exemplo,

do atual LR e “formador da comunidade”. Ele mesmo expõe o cuidado por três células,

“supervisionando” a atuação das lideranças, treinando-as:

É o tratar desses três líderes, porque as pessoas que participam das células eu não tenho como atingir, né? Cada grupo tem 12 pessoas, né? Ai daria umas 36, 40 pessoas, né? Então, essa estrutura permite que eu trabalhe com esse grupo pequeno de pessoas que dá umas seis pessoas, é os três líderes e os líderes em treinamento. O líder por sua vez, ele vai trabalhar os seus 12 ali da célula. (homem, 27, líder de rede, formador da comunidade)

A formação da identidade do entrevistado adveio da tradição religiosa católica

consubstanciada em uma comunidade moral na qual ele foi reconhecido enquanto sujeito. O

jovem entrevistado de vinte e sete anos apresentou-nos, em sua trajetória de vida até descobrir

a Fanuel, dificuldades de entrosamento quando da sua participação na paróquia Santa Joana

D’arc em Santo André particularmente dentro do grupo de jovens. A comunidade Fanuel,

antes de ter seu própria autonomia religiosa, era ligada a paróquia supracitada enquanto grupo

de oração chamado “leão de Judá”. Não conseguindo firmar uma amizade duradoura, além de

não se identificar com o grupo de jovens, se sentido “isolado”, dispersando-o até o momento

do seu engajamento tímido no grupo de oração. Firmando-se neste como o seu núcleo de

referência básico percebeu neste ambiente uma possibilidade de identificação adotando-o

enquanto grupo que lhe ajudou e o apoiou quando mais precisava:

Eu não me identifiquei porque eu fiquei seis meses dentro do grupo de jovens e ninguém conversou comigo, num fiz uma amizade neste tempo e na comunidade (quer dizer Fanuel), a partir do momento que eu comecei a ir houve uma preocupação comigo, entendeu? E eu tava num ponto tão alto da minha depressão... (homem, 27, LR e formador da comunidade – grifo nosso)

Manifestando um comportamento “suicida”, como ele mesmo apresentou, recebe

suporte de um casal que lhe proporcionou gradativamente estabilidade emocional e,

consequentemente, influenciou-o a ponto de manifestar sua adesão ao grupo, “consagrando-

se”. Formado em magistério e há doze anos na Fanuel recebe um reconhecimento do fundador

79 Não há nenhuma ajuda financeira advinda da ICAR local ou da diocese de Santo André e os arranjos desenvolvem seu próprio sistema de recursos financeiros administrando-os conforme a demanda.

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promovendo-o como formador religioso de todas as células em Santo André. Com este capital

simbólico atribuído e representado por ele como, uma “graça particular recebida”, cuida da

educação religiosa dos membros das células. As pessoas que se iniciam no núcleo das células

não possuem “experiência paroquial” prévia. No processo de formação religiosa, os neófitos

são “educados na fé católica” a partir de premissas elementares ensinando-os as orações

básicas: “ave-maria” e “padre-nosso”. Embora feita com adultos, esta pediatria espiritual

aplica-se como primeiro passo – caso aja necessidade – na inserção dos iniciantes à lógica das

células.

O passo seguinte é ensinar como obter a “intimidade com Deus” ou um

“conhecer-se a si mesmo diante de Deus”. Há também uma reciclagem, atualização ou

“formação permanente” dos iniciados e veteranos. Nesta formação, mais doutrinária, reflete-

se basicamente a doutrina da igreja, as encíclicas dos papas, o catecismo da igreja católica

(CIC). A ênfase aos estudos e a reflexão racional parece não ter muita prioridade na prática da

militância das lideranças. Ela é necessária, mas não fundamental. A afetividade, as emoções

compõem as partes integrantes e fundamentais da vida das células na Fanuel. Não afirmamos

que uma (as relações afetivas) é afirmada em detrimento da outra (estudo reflexivo das

Escrituras cristãs e da doutrina religiosa). A doutrina religiosa não é abolida, mas há uma

tendência, segundo o entrevistado, dos “católicos ficarem presos atrás da letra”. Pelo

contrário, usam-na, afirmam-na e a relêem na ótica das emoções. Aquela se dilui a partir dos

interesses e necessidades afetivas observadas nas células. Os problemas que acompanham os

iniciados nas células e de que forma são administrados pelas lideranças são expostos no relato

a seguir:

Por exemplo, ó! Casam... coisa muito comum, casamentos que tão se acabando, né? Um dos problemas é... famílias que não tem uma estrutura assim, natalidade dos filhos, né? Que precisa de alguma orientação, nesse sentido, né? E ai a gente atua nesse sentido também, né? De trabalhar com essas pessoas a questão que o método da igreja ensina né? Tem pessoas... tem uns três casos na comunidade, de homens que se libertaram do vício do alcoolismo, assim, através dessa acolhida, através de se sentirem amado, né? Através dessa... autoestima, né? Que, se levanta ali... desse trabalho pessoal que a célula favorece isso! A gente sempre tem uma pessoa que tá caminhando do nosso lado, se a gente tropeçar, aquela pessoa levanta, assim. (idem)

A Fanuel, mesmo possuindo uma estrutura de posições administrativas que lhe

dá um aspecto minimamente burocrático, no entanto, reflete uma parte deste Arranjo.

Poderíamos cair na armadilha de pensar que nestes locais, construídos por este tipo de

catolicismo leigo são resultados de uma arena de uma luta épica entre racionalidade e

emotividade. Enquanto agentes de transmissão religiosa, a Fanuel sustenta sua “fé católica”

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dentro de um espaço de reinterpretação simbólica que vai além da reprodução dos valores

católicos rígidos, mas o fazem segundo critérios subjetivos tidos como relevantes para a

“evangelização”, daí a utilização da afetividade e da emoção como dispositivos importantes

de aproximação e coesão do grupo. A continuidade da tradição católica se dilui e é

reformulada segundo as normas e valores deste Arranjo e de suas lideranças. Neste sentido, as

escolhas e direções apresentadas por estas comunidades em células e cimentadas pelos

interesses do fundador tende a ter precedência sobre a fidelidade à tradição recebida.

A formação de atitudes e valores nos membros da Fanuel está por sob influência

constante das normas, regras de vida deste Arranjo. Este regramento dá aos seus membros,

mormente às lideranças, uma espécie de mapa ou uma guia que os orienta em seu

comportamento no grupo. O antigo adágio cujus régio, ejus religio80 pode ser mantido sem

alteração do texto latino no ambiente da Fanuel e dos demais arranjos, por uma ligeira

alteração de sentido: “tem-se a moral religiosa do grupo em que se vive”.

Os manuais de treinamento

Para que o membro a adquira faz-se necessário que incorpore uma visão do

significado do que é “ser uma igreja em células”. Neste sentido, institucionalizou-se na Fanuel

dois manuais81 de instrução ou subsídios que são veiculados, por um lado, aos membros do

Arranjo e, por outro, aqueles que desejam ter suas práticas a partir da organização em células,

sejam eles paróquias ou novos arranjos católicos. Neste último caso, a Fanuel oferece seus

serviços de assessoria caso algum agente religioso católico necessite. Os dois manuais que

agora apresentaremos sinteticamente foram forjados pelo fundador da Fanuel com co-

participação de outra liderança que atualmente é missionário leigo casado e líder geral da

Fanuel em Campo Grande, MS.

O primeiro subsidio82 intitulado “Ano para a Transição” – designaremos aqui

por (AT) - é confeccionado em quatro módulos – cada um deles terá por sigla (M) - com

durabilidade de doze meses e cujo objetivo é fazer com que os partícipes mudem seu foco, sua

visão de igreja e de mundo levando-os a adquirir um habitus e um modus operandi que

80 Tradução literal: “a religião é de quem é a região”. In Dicionário enciclopédico de teologia. Canoas: Ulbra, 2002. 81 Estes manuais circulam livremente no arranjo, sem com isso ter o aval oficial da autoridade do clero católico. 82 Este manual é de uso exclusivo da associação “católicos em células”, mas nos foi cedido gratuitamente pelas lideranças da Fanuel em Santo André e que será utilizado apenas como um dispositivo de interpretação deste Arranjo. O subsidio possui o titulo: “Ano para a Transição” e é dividido em módulo como segue: a) Módulo 1: “transicionar é preciso”; b) Módulo 2: “Lidando com a transição”; c) Módulo 3: “Mobilizando evangelizadores”; d) Módulo 4: “Iniciando células”. Lembrando ainda que este manual não possui editora e ano de publicação.

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147

espelhem o propósito geral do Arranjo: “crescimento e multiplicação”. O primeiro módulo

discorre sobre a necessidade de “mudança de paradigmas” (PERES & LIMA, ATM1, p.5). A

questão colocada pelo texto intencionalmente é que a estrutura organizacional católica foi

marcada e influenciada pelas mudanças históricas. Tal estrutura “envelheceu” insistindo-se no

“conservadorismo romano” perdendo espaços simbólicos, tendendo à obsolescência

comprometendo assim, a “evangelização dos povos”. O texto reconhece também que a

sociedade contemporânea emancipou-se em termos científicos, mas o “homem passou a

ignorar valores religiosos e manipulá-los”. A “postura” da “igreja” (entenda-se católica)

indicada por alguns dos seus representantes - tanto clero quanto leigos - é criticada. “Existem

batizados”, diz o texto, que “Nunca vão à Igreja (literalmente); Que só vão excepcionalmente

(por acaso); Que só aparecem em grandes ocasiões (sacramentos); Que só assistem aos

serviços religiosos (fregueses); Engajados doentis (clericalizados)”. Por parte dos sacerdotes

se referem aos seguintes itens: “Que fazem tudo sozinhos; que não aceitam novidades e

rejeitam as mudanças; Que não fazem nada e não deixam os outros fazerem”. (Idem, p. 6). A

referência aos chamados “clericalizados” diz-se daqueles(as) que “obedecem por obedecer”

ou “cumpridores de tarefas”, mas que “não vivem o evangelho”. Uma vez identificado o

“problema”, o texto segue na direção de romper com paradigmas equivocados e “reencontrar

padrões bíblicos” que sirvam de fonte de motivação e atuação deste grupo que “deseja ser

célula”. Um evento histórico e uma personalidade são utilizados para justificar a necessidade

de alterar os paradigmas: o concilio Vaticano II e a figura de João Paulo II. O concilio é lido

como “uma nova primavera da igreja” possibilitando a “reorientação pastoral” atentando-se

aos “desafios impostos pela modernidade”. E o papa global, João Paulo II, que anunciou uma

“nova evangelização” tanto em seus métodos quanto em sua linguagem, é utilizado como

pretexto para a mobilização de “novos grupos” co-participantes da “evangelização do

mundo”.

O texto alude também à diferença existente entre a “igreja com células” da

“igreja em células”. Segundo a abordagem do texto as duas configurações são possíveis, mas

a primeira é insuficiente senão deficitária em seu termos. As células, na primeira situação,

tendem a um ajustamento dentro de uma estrutura de “pastoral” tornando-se “meros grupos

pastorais” executando apenas serviços religiosos. De fundo, faz-se uma crítica às chamadas

estruturas paróquias convencionais.

A paróquia é uma área geográfica delimitada onde há um prédio paroquial com

seus serviços religiosos correspondentes e que exerce ou não influencia neste espaço. Esta

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148

territorialidade83 constituída e imaginária é uma das marcas da paróquia e comumente é

estruturada em torno de um pároco e uma equipe de leigos a que são confiados os trabalhos

(pastorais), mesmo que não haja entre eles afinidades espirituais ou teológicas específicas.

A “Igreja em células”, por sua vez, é incentivada como modelo padrão porque se

afina com o “modelo da igreja doméstica neotestamentária”. A “Igreja em células” assenta-se

num tripé – lar, templo e serviços - criando um “equilíbrio conjugado e valorativo” se,

comparado ao modelo anterior que, favorece um desequilíbrio hipertrofiando uma das partes

do tripé, a “dimensão corporativa” (os rituais religiosos no templo). Delineado as chamadas

estruturas tradicionais e convencionais a que incorre uma “Igreja com células”, o seu

contraposto, o em, acentua a importância do seu protótipo: “na Igreja em Células está o

equilíbrio: no templo a fé é celebrada, nos lares ela é vivida e nos serviços ela é

compartilhada, fazendo com que o corpo cresça na qualidade como na quantidade, alcançando

novos cristãos” (PERES & LIMA, ATM1, p. 14, grifo nosso). Reforçando esta premissa,

nota-se ainda, e para além de um dado meramente descritivo, dois atores religiosos coletivos

que se socializam a partir da configuração comunitária a qual se mantém vínculos. A estrutura

paroquial convencional ou, na terminologia da Fanuel, Igreja de Padrão Convencional (IPC),

que constrói um sujeito religioso “cumpridor de tarefas” e se limita à sua pastoral ou grupo

específico. Já, nas células, o sujeito religioso que dali emerge preocupa-se com a “vida do

corpo celular”, mas é regido também por valores que o identificam como tal.

As células são vistas como “pequenos grupos” que favorecem tal proximidade

construindo “vínculos mais duradouros”. Nas células, há um incentivo que os seus membros

realizem-na no afeto, na emoção e no entusiasmo.

Segundo a Fanuel, tais propósitos encontram seu equilíbrio na “Igreja em

células” (IC) que unem “dons hierárquicos e carismáticos”. As questões que se referem ao

magistério católico, ao “templo”, estão condensados nos “dons hierárquicos” entendidos

também como “asa corporativa”; os dons carismáticos, por sua vez, sinalizam o “pequeno

grupo familiar, a célula, entendida também como “asa comunitária”. As duas unidas

proporcionam o equilíbrio supramencionado. Segundo a Fanuel, a vivência comunitária sob o

influxo apenas da “asa hierárquica” não cria proximidades afetivas, apenas ratifica o

83 Esta territorialidade é geralmente considerada como uma forma de garantir a participação da diversidade social, profissional e geracional. Entre estes últimos destacamos as chamadas “catequeses” especificas a cada faixa etária. Este registro geográfico permite ainda elencar que a comunidade paroquial atende aqueles que vivem em seu território através dos serviços religiosos que são oferecidos: a missa dominical, a catequese, as pastorais, o atendimento personalizado do pároco (confissões individuais e comunitárias), bênçãos, casamentos, batizados, exéquias etc. Obviamente, o exercício destas atividades depende do sacerdote e a quem ele delega e que esteja sob sua supervisão.

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149

investimento em prédios, em templos, amplia e reforça a distinção leigo-clero,

“supervalorizando” o segundo sujeito da díade emergindo dai um “paradigma doente onde

existem especialistas que ministram a fregueses”. (PERES & LIMA, ATM1, p.10). A Igreja

das “duas asas”84, como é referida pela Fanuel advém de uma concepção forjada pelo pastor

luterano William Beckham (2007).

O estabelecimento de uma relação amigável com o magistério católico inclusive

com os seus “cultos dominicais” e regidos por “especialistas” é condição sine qua non para a

sobrevivência deste Arranjo dentro do campo católico. Mas, a Fanuel não dispensa uma

crítica do catolicismo convencional. Pelo contrário, o vê regido por princípios diretores

impessoais e não passam segundo este Arranjo, de regras costumeiras e “incompletas” e, por

causa do seu tamanho e de sua liderança burocrática, impedem uma flexibilidade no tocante

aos locais de encontro, a organização de lideres, como o é neste Arranjo. A transição de uma

IPC para uma IC requer tempo e a mudança de ordem estrutural é gradativa conforme o

esquema abaixo:

Figura 28 – Esquema celular das comunidades

Igreja Padrão Convencional Igreja Padrão Convencional Igreja em Células (IPC) com Células – (IPCC) (IC)

Fonte: Fanuel

84 O termo surge da alegoria a “Igreja das duas asas” do pastor Beckham e que se tornou domínio público, mormente dentro do campo evangélico atual. Diz o texto: “um dia o Criador criou uma igreja com duas asas: uma asa era o grupo grande da celebração e a outra asa representava a comunidade do grupo pequeno. Usando as duas asas, a igreja podia voar alto para os céus, entrar na sua presença e fazer a sua vontade em toda a terra. Depois de alguns séculos, a igreja passa a questionar a necessidade da asa do grupo pequeno, e a serpente aplaude essa idéia. Assim, a asa do grupo pequeno se tornou fraca, e a igreja se tornou uma igreja de uma asa só. O Criador da igreja estava triste, e na sua compaixão, estendeu a mão e remodelou a igreja para que ela pudesse usar as duas asas. Assim o Criador possuía uma igreja que podia voar até a sua presença e planar bem alto sobre toda a terra, cumprindo seus propósitos e planos”. (BECKHAM, 2007, p.46)

Estrutura convencional

Estrutura Celular

Valores Celulares

Estrutura convencional

Valores

Convencionais

Valores Convencionais

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150

Na fase de transição, o primeiro módulo sugere três quesitos para uma transição

bem sucedida: a) “Adicionar o que ainda não existe na comunidade” b) “Adaptar o que existe

e funciona para render ainda mais” e c) “Cortar serviços que não frutificam e concorrem com

as células”. Este processo de desmonte de uma IPC corresponde, grosso modo, um rearranjo

da suas estruturas, consideradas inadequadas ao o sistema de células sugerido, que exige das

suas lideranças uma postura dirigida a um ponto de vista mais relacional.

Outra característica desta transição para a IC deriva da adjunção provisória no

intuito de desmantelamento de “grupos” ou “pastorais” que impedem, retardam ou até mesmo

eclipsam esta transição. Por exemplo, um dos objetivos é conduzir o fiel católico, o não

comprometido com pastorais e que busca na ICAR serviços religiosos, uma mudança de

mentalidade: deixar de ser um consumidor, um membro da platéia, um mero observador para

ser um produtor e um colaborador na efetivação de uma célula, um pequeno grupo e,

consequentemente seu desdobramento. O subsídio, neste seu primeiro módulo, sugere que a

paróquia deixou de ser realmente uma comunidade, para especializar-se nas funções de

hospedagem de pastorais e movimentos católicos (Legião de Maria, Vicentinos, grupos de

oração etc.) assimilando-os dentro de uma lógica apenas funcional. Da mesma forma, a

paróquia, tornou-se um organismo centralizador e prestador de certo número de serviços

religiosos que são oferecidos e distribuídos dentro das pastorais e movimentos constituídos

neste ambiente. A organização em células exige para si a posse exclusiva de um espaço, a

“casa” no intuito de tecer entre seus membros um laço de proximidade que se revela na

maneira de agir e numa dada maneira de pensar – obviamente dentro de certos padrões

valorativos estabelecidos pela Fanuel – com certo grau de liberdade diante da monotonia e

homogeneidade impostas por um sistema IPC, mormente ao que se refere ao ritual católico da

missa e a determinados tipos de “comportamentos” considerados inadequados à estrutura

celular. A seguir trataremos brevemente do “segundo módulo” do subsídio “Ano para a

Transição”. A mudança de valores dos neófitos e o exercício dos mesmos são imprescindíveis

na configuração celular. Segundo o texto, há também uma necessidade de desconstrução de

determinados valores que foram cristalizados e inculcados nos sujeitos habituados dentro de

uma lógica comportamental evocada pela IPC. A integração de novos sujeitos ao modo de

vida oferecido pela Fanuel consiste em aceitarem dentro de si as opiniões e sentimentos,

desejos e simpatias do grupo em questão. Este Arranjo considera que os novos sujeitos

estarão plenamente integrados em seu seio quando não somente possuírem um lugar definido

que é o “seu” lugar (assumirem sua liderança interior), mas quando pensarem que aqueles, os

pequenos grupos, são “exatamente” o seu lugar. O texto põe em contraste dois tipos de

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comportamentos morais verificáveis tanto na IPC quanto nas IC. Suas características são

apresentadas a seguir:

Tabela 1 – Quadro sinótico IPC versus IC

Fonte: Fanuel

A Fanuel é simpática aos valores cooperativistas defendendo a união, o auxilio

mútuo e integração pessoal: “Concretamente podemos dizer que nossa fé se origina de valores

cooperativistas que não são praticados com a excelência possível porque se chocam com

estruturas e práticas individualistas” (PERES & LIMA, ATM2, p. 11). A Fanuel adota para si

os princípios cooperativistas85 salvo as adaptações feitas em vistas de atendimento da

realidade das células. Uma vez identificado sua identidade corporativa e envernizando-a com

valores cristãos católicos, o Arranjo entende que tais princípios ajudam-no a aplicar seus

próprios valores e ao mesmo tempo ser um dispositivo crítico à lógica da IPC. Destacamos

aqui apenas o quarto princípio, por nos parecer mais crítico porque o mesmo manifesta a ideia

de “autonomia e independência”. A autonomia pressupõe a possibilidade de liberdade de

consciência, de opinião e até publicação de materiais, mas o uso que a Fanuel faz deste

principio concentra-se no interesse de repensar com liberdade as estruturas de um catolicismo

denominado por ela de, “convencional”. O que o Arranjo reivindica é a vivência de um

catolicismo dissolvido dentro de outra lógica organizacional. Autonomia, neste sentido, é uma

85 Os sete princípios adotados são: 1) adesão livre e voluntária; 2) gestão democrática; 3) participação econômica dos membros; 4) autonomia e independência; 5) educação, formação e informação; 6) Intercooperação e 7) Interesse pela comunidade.

IPC IC

Comportamento Geral Individualista Cooperativista

Posicionamento em rituais

Atos de piedade e de culto de forma intimista

Comprometimento com aquilo que se acredita.

Relação com a crença e com o clero Relação verticalizada Relacionamentos afetivos

Comunidade Cada um cuida de si mesmo e de sua pastoral Gestão democrática

Convenções Acordos de mera convivência institucional Adesão livre e voluntária

Grau de interesse Isolamento Intercooperação

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palavra que foi assimilada e relida, na acepção deste Arranjo, como a capacidade deste de

gestão do seu próprio espaço simbólico a partir de organização em células sem

necessariamente a interferência do clero. Isto significa que, a Fanuel possui suas próprias

políticas internas, regulamentos e decide como devem ser gerenciados os valores por ela

constituídos. Por sua vez, o conceito Independência é utilizado não como obliteração da

tradição católica com seu rol dogmático, ritual e santorial, mas se livrar do “vício” de uma

organização católica regida pela “prática individualista” reorganizando a doutrina católica

dentro do ambiente celular. A crítica manifestada no subsídio alude à estrutura organizacional

da IPC e não ao conteúdo de crenças mesmas desta estrutura. Quais outros elementos da IPC

que são considerados frágeis e deficientes aos olhos deste Arranjo? Este detecta várias

“falhas” de comportamento institucionalizado pela IPC sentindo a necessidade de pôr em

dúvida a oposição de atitude e de valor. Uma das observações e censuras expostas pelo

subsídio refere-se ao uso do “local sagrado” que a IPC faz em suas “celebrações”.

Uma das reivindicações subjacentes ao texto, mas é alvo de críticas diz respeito à

organização do espaço de culto, que distingue as áreas reservadas ao clero, aos fieis e aos

“engajados”. Esta concentração dos sujeitos em um único espaço é entendida como uma

forma desestimuladora de participação comunitária minando o projeto cooperativista. Ao

mesmo tempo, o texto alerta para que as reuniões das células num único espaço celebrativo

não se assemelhem ao que ocorre na IPC. Pode haver aí um espectro das células reproduzirem

ou deslizarem para uma forma “convencional” mesmo no ambiente das casas. O

relacionamento construído pela IPC deixou de ser “íntimo” e constrói, por conseguinte, um

tipo de interação negativa e com “alto índice de isolamento”. Nas IC, ao contrário, o

individuo não é deixado em isolamento, conhecem-se, encontram-se, vivem muito pouco

isolados uns dos outros. Contudo, estes contatos são realizados num primeiro momento, em

círculos pequenos, como já foi mencionado, em guetos. As relações que se constroem aí

também são regulamentadas por regras e sanções – como ocorre também na IPC -, mas

acentuam-se a consideração às “pessoas” e, em segundo plano, as “instalações” (PERES &

LIMA, ATM2, p.12). Além do individualismo, a IPC é acusada de engendrar práticas

consumistas, condicionando seus fieis a serem “expectadores” e não “protagonistas”. O texto

também não está de acordo com o sistema piramidal existente no catolicismo em que pequena

parcela dos leigos assume trabalhos paroquiais corroborando e sustentando um modo de

divisão de tarefas hierarquicamente definidas. A Fanuel detecta – segundo sua ótica – alguns

“desvios” cometidos pela IPC e não deixa de considerá-los patológicos. Outro alvo de crítica

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153

é o fato da IPC tratar os seus fieis como números e reproduzir minimamente o “pragmatismo

contemporâneo”.

Esta mentalidade pode ser detectada também nas posturas de lideranças na IPC

que, ao estarem em sintonia com o “relativismo contemporâneo” acabam por minar um

“ambiente de vida comunitária” objetivando apenas “resultados numéricos, quando não

financeiros” (PERES & LIMA, ATM2, p.18). Ao considerar as várias implicações da

mudança em direção à mentalidade da IC e perceber seus “conteúdos humanos”, os agentes

que desejam “transicionar” para uma IC e, consequentemente tornarem-se líderes de células

são convidados a desenvolver uma habilidade em lidar com estas questões. A IC considera

anacrônica a tríade “rezar, pagar e obedecer”86 designada como “paradigma ultrapassado a

partir do Concilio Vaticano II”. Ao valorizar as premissas cooperativistas, a IC considera

problemáticas as reuniões pastorais da IPC consideradas muito “racionalizadoras” tratando as

discussões emocionais e assuntos interpessoais como irrelevantes. Segundo a Fanuel a

mudança de “paradigma” não é apenas para ser “ouvida”, mas implica também numa

“mudança pessoal”. A participação em células exige uma mudança de mentalidade e de

valores daquele(a) que esteja empenhado em constituir um grupo de células também chamado

de “agente de transição”. Há um padrão comportamental a ser alcançado e o argumento

utilizado para que tal mudança se efetive é o fato de que não basta um “líder eficiente”

visando “produtividade”, mas que o “agente de transição” necessite de um questionamento de

seu próprio caráter, visão de mundo e do seu próprio catolicismo. Esta integração do líder em

potencial e que precisa ser instruído a um novo sistema de plausibilidade se situa no nível das

suas atitudes e, por correlação, ao nível das suas hierarquias de valor. No entanto, o “agente

de transição” precisará repensar sua prática antes de assumir os valores propostos pelo

“programa de treinamento” da Fanuel. São eles: a) Empatia: romper com a “frieza e

indiferença” diante das carências manifestadas pelos neófitos, isto é, estabelecer “relações

com as pessoas afastadas da Igreja, que carecem de salvação”; b) Propósito: atribuir à vida

um “valor e um sentido”; c) Busca de Colaboradores: redefinir suas redes de contatos ou

86 O Conselho Nacional do Laicato do Brasil (CNLB), organismo representativo dos leigos católicos no Brasil articulado desde 1975, abriga em seu site informativo, reflexões e documentos. Em texto redigido por ASR, então secretário Geral do CNLB Sul I e Coordenador do Conselho Diocesano de Pastoral da Diocese de Lins em 2011, intitulado “Cristãos Leigos e Cristãs Leigas: memória, história e perspectivas” desqualifica o chavão mencionado. Apoiando-se nas decisões conciliares reivindica, por sua vez, o “protagonismo do leigo” e seu compromisso com a pastoral “fé e política”, direitos humanos, cidadania e também com a CEB’s. Aqui o Concilio Vaticano é utilizado de forma particular para atender os interesses da CNLB diferenciando-se das propostas das IC católicas cujo interesse centra-se nas redes de amizade e multiplicação das células isento de um conteúdo político mais explícito. Conferir texto no site: http://cnlbsul1.blogspot.com.br/2011/06/cristaos-leigos-e-cristas-leigas.html. Acesso em: 20/04/13.

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“estabelecer relacionamentos com aqueles(as) que lhe permitirão “colaborar” com o “novo

projeto de vida”; d) Pesquisa: reconhecimento das “próprias falhas” e enfrentá-las de modo a

“restaurar as muralhas” da sua intimidade; e) Auto-sacrifício: é necessário que o agente esteja

predisposto a “pagar o preço pelo sacrifício”. A obrigação moral é entendida como “sacrifício

de si” (PERES & LIMA, ATM2, p.24). Em tais condições, certamente admitimos que a

formação de atitudes e dos valores do “agente de transição” no nível da sua inserção religiosa

no grupo é progressiva. E o que se espera deste futuro “líder servidor” (LS) é elencado a

seguir: 1. “Vê no seu dom não um cargo para mandar e sim uma graça para servir”; 2. “É

exigente consigo mesmo antes de ser exigente com os seus colaboradores”; 3. “Comemora o

progresso de cada membro de sua comunidade”; 4. “Vive para desafiar, encorajando as

pessoas”; 5. “Identifica, desenvolve e investe em líderes; 6. “Insiste com sua melhora pessoal

contínua”; 7. “Promove a vida comunitária e familiar”; 8. “Confia nas pessoas e relaciona-se

com elas”; 9. “Começa as grandes mudanças nas pequenas coisas” (PERES & LIMA, ATM2,

p.24). Os nove traços supracitados assemelham-se ao quadro sinótico apresentado a seguir

construído dentro de um conceito de management ou de gestão administração e muito

utilizado em literaturas de “Introdução Geral à Administração”. O quadro faz um comparativo

entre o tipo de gestão tradicional de um gerente que foca em resultados e uma liderança com

perfil afinado com a contemporaneidade e opera cultivando relações de mútua confiança,

capaz de identificar os objetivos e necessidades subjetivas dos “subordinados”, amparando-os

e estimulando-os nesta busca:

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155

Tabela 2 – Gerência versus Liderança.

Fonte: Caravantes, 2008, p.141

Os perfis da Liderança especificamente referenciados nos itens 1, 3 e 5 da figura

3 apresenta similaridades com os traços 8, 7 e 9 do LS, respectivamente. Um dos três

requisitos fundamentais para a “eficácia” da IC é a necessidade de implementar e manter a

cooperação entre os membros cuja responsabilidade maior é depositada nas lideranças de

células. O ponto crucial para a transmissão dos valores creditados pela Fanuel é efetivar

relacionamentos positivos de forma a manter a lealdade entre os membros. O LS é convidado

a motivar as pessoas do seu pequeno gueto religioso empreendendo esforço físico e mental no

intuito de resolução de problemas apresentados em sua célula, daí a ideia do auto-sacrificio,

da abnegação das suas próprias vontades e desejos em favor da satisfação e desejos pessoais

dos neófitos, dos valores aos quais se submete demonstrando ainda o sentido de pertença

católica. Feita estas observações é necessário examinarmos até que ponto o fundador e o líder

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156

geral de Campo Grande da Fanuel, ao confeccionarem o manual de transição, estariam

informados - consciente ou inconscientemente - pelas novas formas de gestão e liderança do

mundo corporativo atual utilizando esta visão, agrupando e adaptando-a a IC. Notamos que há

aqui uma concordância textual entre o líder corporativo e o líder servidor expostos

anteriormente. Tal concordância provavelmente é fruto de intercambio de informações que

estas lideranças majoritárias da Fanuel possuem sobre novas formas de gestão empresarial.

Entendemos que cada Arranjo não é uma ilha, isolada do seu contexto social e religioso.

Portanto, esta interação forneceria tanto um guia direto de crenças, necessidades próprias do

mundo organizacional contemporâneo quanto um guia indireto, ao focalizar determinadas

informações – pelo menos aquelas mais relevantes – para dar significado ao contexto das

células da Fanuel. A partir destes pressupostos, o texto do manual foi ajustado às próprias

percepções peculiares das lideranças supracitadas. O ponto de familiaridade e afinidades entre

as características das duas lideranças, a corporativa e o LS, demonstram um grau de

intertextualidade cujos autores recorreram sem uma fonte explicitada87. Entendemos por

intertextualidade, a presença explicita ou implícita de um texto em outro. Segundo Bakhtin,

(1992) cada “enunciado é um elo de cadeia muito complexa de outros enunciados” (p. 291). A

inserção de pontos e declarações no manual de transição, relacionando suas semelhanças,

traça o perfil de um “líder” contemporâneo próprio do mundo corporativo com o LS. E a

adaptação efetivada constituirá, certamente, a produção de novos significados, por outros.

Esta “nova” leitura da LS proposta pelos autores do manual, além de fazer eco ao texto-fonte

(Tabela 2) em vistas do deslocamento de idéias de um contexto para outro, provoca também

alteração de sentido. Este amálgama entre a liderança religiosa e a coorporativa é o que

possibilitou criar talvez um modelo de liderança ideal para a Fanuel. Ainda no tocante à

intertextualidade, podemos dizer que, os autores do manual reproduzem o “estilo” de uma

liderança corporativa absorvendo parte das suas características e em outros trechos, utilizam a

figura de Neemias como o precursor da liderança em células, motivador dos seus liderados

incentivando-os nas suas dificuldades.

A percepção desta mudança é fundamental ao líder e demais colaboradores da

Fanuel. Mas, a apreensão desta visão não é suficiente. Faz-se necessário uma “reengenharia”

ou uma reestruturação por completo desde as instalações prediais, passando por um “plano 87 Há uma citação solta dentro do segundo módulo do manual extraída de um consultor estadunidense, J. C. Hunter, produtor do livro “O monge e o Executivo”, vendido em livrarias e classificado como literatura “auto-ajuda”. Nele, Hunter desenvolve a ideia do “líder servidor”. Reproduzimos aqui a frase deste autor inserida no manual e que caracteriza um dos muitos traços da liderança servidora da Fanuel: “Autoridade é a habilidade de influenciar pessoas para trabalharem entusiasticamente visando atingir objetivos comuns, inspirando confiança por meio da força do caráter” (PERES, ATM2, p.24).

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157

pastoral” pautado nas células modificando inclusive o calendário anual das atividades

(PERES & LIMA, ATM2, p. 35). O termo “reengenharia” surge pela primeira vez no manual

e é utilizado no sentido crítico. Refere-se à necessidade de modificação dos mecanismos

internos da IPC, dos seus processos e práticas de administração das pastorais já existentes, a

fim de reconstituí-los em um novo formato e com novas funcionalidades. Esse processo de

desmonte de uma estrutura católica constituída de pastorais e movimentos oferecendo

“serviços religiosos” específicos é interpretado como ineficiente e ineficaz. A IPC é tida como

incentivadora de criar nos fieis uma lógica consumista tendendo a reproduzir no seu ambiente,

o modus operandi do mundo secular. Por este motivo a reengenharia significa reformular os

pressupostos e os métodos da IPC, otimizando o processo de criação de “sujeitos produtores”

que tenham consciência do que é “ser católico” na perspectiva celular. Portanto, a

reengenharia é o processo pelo qual a organização que existe hoje (paróquias) é aposentada e

a versão ideal da nova organização (IC) é construída voltada para as pessoas, à sua

multiplicação e não tanto ao pragmatismo característico das pastorais. A participação no

processo de transição da IPC para IC envolve “confiança”, cooperação e “empenho” de todos

os envolvidos e, dependendo do tamanho da comunidade, poderá leva até três anos para a

implantação deste novo design. (PERES & LIMA, ATM2, p. 36). A IC é focada em

resultados, o crescimento e a expansão das células. É ganhar almas e salvá-las dentro dos

parâmetros doutrinários católicos relidos nas células da Fanuel. Uma vez assumida esta nova

postura, exige-se daquele (líder em potencial) ou comunidade católica disposta a

“transicionar” assimilar ou “viver os padrões” propostos da Fanuel. Entretanto, faz-se

necessário ainda, introjetar nas possíveis lideranças um conjunto de valores e uma “declaração

de ideais” ou princípios sem os descaracterizam uma IC.

A declaração dos ideais foram forjados pela liderança majoritária da Fanuel com

o aval do fundador. Ela expressa uma “direção geral, uma imagem e uma filosofia que guia a

comunidade. Além de apontar um caminho para o futuro, faz com que todos queiram chegar

lá. Deve representar as maiores esperanças e sonhos da comunidade” (PERES & LIMA,

ATM2, p. 37). Uma vez identificadas às características da IPC e IC e o processo que aí

decorre quando da transição de uma entidade organizacional para outra, os módulos 1 e 2

discorrem também os objetivos pelos quais a mudança é considerada viável, apropriada e a

importância do papel daquele(a) disposto ao auto-sacrificio. Para nós, o manual “Ano para a

Transição”, segue três fases de transição como segue: Definição – desenvolvimento -

implantação da IC. Dentro ainda do módulo 2, as equipes - dispostas a “transicionar” – são

convidadas a assimilarem a tríade amoldada pela Fanuel e muito utilizada no mundo

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empresarial: missão, visão e valores de uma organização. A parte que a Fanuel descreve

sobre a declaração dos ideais, ela o faz utilizando um mosaico de citações implícitas, de

fontes que o antecederam e lhe deram origem. Numa visão estritamente empresarial, por

exemplo, a declaração é importante para o plano de negócios, os investimentos. A empresa

que possui um importante planejamento das suas estratégias (funcionalidade, marketing)

constituirá para si um diferencial com a chamada concorrência. A chamada fidelização do

cliente aos negócios de uma empresa ocorrerá não só na medida em que esta ofereça um bom

atendimento nos serviços prestados, mas por se identificar com ela. A empresa que constrói

um diferencial no mercado possuirá seu próprio caráter ou personalidade. Isto facilitará,

talvez, com que o cliente a visualize e crie uma identificação com ela. O sujeito principal e

idealizador da declaração é a liderança majoritária e, a partir dai, é elaborada a visão, missão

e valores de maneira que todos os níveis departamentais possam colaborar garantindo seu

reconhecimento e legitimidade.

Com este pressuposto mais uma vez, podemos constatar a intertextualidade

implícita presente na elaboração do manual. A chamada declaração dos ideais construída é

calcada nesta visão das chamadas “organizações empresariais contemporâneas”, com o

propósito de divulgar a proposta Fanuel. Consideramos ainda a instrumentalização que os

produtores do manual operam sobre contexto alheio, com o intuito de produzir determinados

efeitos de sentido. Por exemplo, as corporações contemporâneas (RIBEIRO, 2008) são

pautadas pela visão dos seus acionistas, definindo e comunicando sua missão aos demais

membros. A visão descreve um estado futuro desejado. Sua indicação deve ser clara com

tempo de “validade”. A missão, por sua vez, está conectada com os propósitos, os valores

pelos quais os membros estão unidos, cooperando uns com os outros (PERES & LIMA,

ATM2, p.38). A missão deve garantir com que os membros percebam e interpretem os

acontecimentos da “mesma maneira” senão sob “língua comum”. Por fim, as estratégias

refletem como a organização pretende alcançar sua visão. Na esteira do que foi mencionado

anteriormente, a Fanuel incorpora estes elementos exógenos, ressignificando-os nos padrões

por ela determinados. Definido com segurança a declaração dos ideais, o Arranjo possui sua

própria marca, uma identidade corporativa exprimida em seus valores comunitários através

de alguns elementos. Abaixo colocamos a declaração dos ideais da Fanuel numa tabela

ilustrativa:

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Tabela 3 - Ideais da Comunidade Fanuel

Fonte: Manual Ano para a Transição, p. 40. - Fanuel

Uma vez identificada a declaração dos ideais, a Fanuel acentua a necessidade de

o líder geral ter uma visão geral da comunidade. Deve possui uma capacidade de unir e

mobilizar em torno de questões de ação da comunidade. A Fanuel incentiva sua liderança a

comunicar a visão celular de forma eficaz a todos do “rebanho”. Entende-se que o grupo

precisa de uma visão do quadro geral antes que eles possam compreender o seu pedaço do

quebra-cabeças. As declarações tanto da missão quanto da visão são enxutas, a frase é curta

facilitando a assimilação ou interiorização por parte dos integrantes da célula. A missão, a

visão e os valores expostos são elementos de estratégia organizacional e servem como guias

fundamentais para o estabelecimento dos propósitos/objetivos fixados pela Fanuel. A partir

disso ela desenvolve planos estratégicos e táticos com vistas a “excelência” na atuação.

(PERES & LIMA, ATM2, p. 41).

No Módulo 3 (M3) discute-se o significado do que é evangelizar, assim como,

indica pistas e orientações às ações de evangelismo. O M3 inicia-se com uma pequena revisão

dos módulos anteriores e o faz através da exibição de uma película evangélica intitulada

“Desafiando os gigantes”. Em rápida sinopse, o vídeo relata a vida de um treinador que, em

meio a crises profissionais e pessoais, incentiva seus jogadores a seguinte lição: para ter

sucesso, sua equipe precisa entender que, derrotados ou vencedores, há mais do que um

MISSÃO

Uma comunidade de católicos em células procuram ver e fazer ver a Face de Cristo

PROPÓSITO

Ser uma família de Deus onde cada membro seja um evangelizador, formando uma comunidade que cresça e multiplique

para o bem da Igreja

VISÃO Privilegie a adoração e a escuta da

Palavra de Deus, anunciar Jesus Cristo por meio da estratégia celular

ESTRATÉGIAS

1. Evangelismo pessoal; 2. Reuniões de células; 3. Assembléias de oração; 4. Eventos evangelizadores; 5. Promoção humana

ALVOS - Afastados (pessoas de fé subjetiva);

- Descrentes (pessoas indiferentes à fé)

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simples esporte. Há também o poder da palavra de Deus e tenta convencê-los do “verdadeiro

poder da fé”. O propósito do M3 é convencer os chamados líderes de transição a se

perguntarem sobre seus valores pessoais, sua prática convencional de evangelismo e a

ineficácia em seus métodos. Para transicionar faz-se necessário uma mudança de ideais e

valores e, consequentemente, de métodos para assim alcançar o sucesso pastoral (PERES &

LIMA, ATM3, p.6).

Um dos fatores que podem estimular o crescimento das células e reverter a

situação dada é a forma de anúncio da mensagem religiosa elucidada no manual de

treinamento. Tal anúncio deve ser “atualizado”, isto é, “Deus cura e liberta hoje”. Mais do que

reflexões densas e teológicas sobre Cristo, o mais importante, na ótica das células é apresentá-

lo e tê-lo como “amigo”. O testemunho do “líder” segue uma fácil cartilha do ABC. É

necessário que ele seja A-legre: deve envolver com entusiasmo o interlocutor; B-reve: evita-

se relatos extensos sobre Jesus e C- entrada em Cristo: apresenta-se não tanto um “Jesus

milagreiro”, mas um “amigo” que entende as necessidades subjetivas. Portanto, o “sucesso da

missão eclesial não está nas grandes coisas que fazemos, mas na nossa percepção espiritual

que temos de Cristo... [...] evangelizar não é um trabalho que temos na Igreja, uma função

religiosa ou ocupação, mas o resultado natural na vida de quem vive em Cristo” (PERES &

LIMA, ATM3, p.17). O que se quer construir aqui é um “modelo” de líder prático. Ele auxilia

os demais membros da célula, sem contar os neófitos, desenvolvendo-os em seus potenciais.

Embora existam princípios subjacentes à sua prática, norteando-o no sentido de valores, a sua

preocupação fixa-se muito mais na abordagem dos neófitos e nas sua atitudes. Outra

característica esperada daquele(a) que assumirá uma célula é que seja um “visionário”

(PERES & LIMA, ATM3, p.22).

A visão celular deve ser guiada por este visionário caracterizado ainda por uma

“fé inquebrantável no Senhor, por uma oração perseverante, e por um revestimento poderoso

do Espírito Santo”. Estes líderes promovem a aprendizagem organizada, constroem fortes

relações com sua célula, não eclipsam sua visão organizacional e possui um “espírito

empreendedor” (PERES & LIMA, ATM3, p.22).

Para o arranjo, o “sistema falido”, dito IPC, não se afina mais às mudanças

verificadas na sociedade contemporânea. As chamadas táticas tradicionais de persuadir fieis,

na linguagem da Fanuel, é menos eficaz em um ambiente instável, mas desafiador para uma

IC, que trabalha com um tipo de liderança que se apodera do sagrado em seus próprios

termos, a partir do seu carisma, como dizem. A IC oferece um “modelo de negócios” pró-

ativo desenvolvendo e implementando um processo de desenvolvimento e crescimento

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celular, bem como de treinamento de pessoal. A Fanuel considera-se

comunicadora/retransmissora da tradição da ICAR, não os “costumes antigos”, mas como

“fonte de inventividade” atualizando-a “num lugar preciso, num grupo preciso e num tempo

preciso”, isto é, “aplica-se a Tradição sempre, numa nova perspectiva” (PERES & LIMA,

ATM3, p. 26). O ponto nevrálgico da crítica feita pela Fanuel incide dentro do campo católico

e não do campo evangélico. Há uma luta simbólica interna de desqualificação de práticas de

um tipo de catolicismo que, para o Arranjo, mesmo que existindo, não possui criatividade

metodológica para alcançar seus objetivos. Segundo a Fanuel a IPC, sofre de um desgaste

estrutural de divisão simbólica clero-leigos e divisão dos trabalhos engajados por um lado e,

contribuintes-consumidores, por outro.

O evangelismo missionário da Fanuel possui uma estratégia proselitista de

crescimento territorial e humano. Não basta apenas mapear o bairro identificando nos seus

possíveis alvos, perfis profissionais e religiosos. É necessário “conhecer a necessidade das

pessoas percebendo quais os momentos certos de evangelizá-las”: (PERES & LIMA, ATM3,

p. 29). O manual ajuda os líderes a se posicionarem diante do seu próprio ativismo religioso.

Este, por sua vez, é uma mistura de estratégia para atrair e reter os de fora da IC, ao mesmo

tempo em que reforça a identidade da marca ou do Totem-Fanuel impulsionando o

crescimento. A Fanuel reconhece ainda que o tipo de cristão ideal possui um perfil “simpático

e amigável” e a exigência atual, dos chamados por ela de “incrédulos” é que não mais

necessitam de religião, mas “querem resultados na fé”, dizendo ainda “não ao ‘igrejismo’,

pois estão doentes de Igreja, embora famintas de Deus”. Preocupada com as técnicas de

aquisição de novos membros, estimulada pelo ambiente sócio-religioso brasileiro com sua

heterogeneidade religiosa e, consequentemente, uma exigência maior do fiel, a Fanuel detecta

a “incapacidade” moral e doutrinária da IPC de “envolver” aqueles que estão “de fora” da fé

católica. (PERES & LIMA, ATM3, p.31-39)

Existem duas categorias de pessoas que são alvos do seu “evangelismo”: a) Alvo

A – “afastados” ou cristãos batizados que se afastaram e que “necessitam de uma nova

evangelização”. Segundo o Arranjo, este grupo de pessoas é classificado como “mais fácil” ao

“evangelizador”, pois possui uma “noção” do que é ser cristão católico e b) Alvo D –

“descrentes”, “resistentes” ou também classificados por “sem religião” e imbuído de uma

cultura “materialista” e do “indiferentismo religioso”. Ambos os alvos são identificados

também por personagens bíblicos, Cornélio e Zaqueu, respectivamente. Ambos comportam

um rol de valores dos quais orientam suas atividades diárias e a chamada “conversão” está

estritamente ligada a “mudança do sistema de valores do incrédulo” (PERES, ATM3, p.40).

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O módulo 4 (M4), por fim, orienta os líderes em potencial em 5 vias: a)

Compreender uma reunião celular; b) Compreendendo a liderança de uma célula e qual a sua

característica; c) Compreendendo os membros da célula; d) Como multiplicar a célula e, e)

Iniciando células. A via (a) reúne os cinco propósitos nas reuniões celulares. Todo encontro

segue algumas etapas e possui durabilidade de uma hora e meia.

Na acolhida realiza-se uma pequena ceia de 20 minutos para “quebrar o gelo”

fazendo com que todos “sintam-se em casa”. Na exaltação, de 15 minutos o momento de

orações, salmos e cânticos. Esta etapa é preparada antecipadamente pelo líder e seu auxiliar.

Na edificação, de 40 minutos lê-se uma perícope bíblica seguida de discussões participativas

e contextualizadas. Solicita-se à liderança, in off, permanecer atento às reações das pessoas e

identificar comportamentos negativos (espectador passivo, pessimista, humorista, emburrado)

e os positivos (propõe boas idéias, incentivador de outros, resolve conflitos). No evangelismo,

de 10 minutos é o momento do planejamento estratégico. Trata-se de contatar os alvos A e D

(já mencionados) cujo propósito é tornar cada membro um “missionário”. O associado,

membro da célula é convidado a se dispor a fazer contatos com os “estranhos” e, os católicos

afastados. Na entrega, de 10 minutos acontece a intercessão cuja finalidade é encorajar os

membros para a missão e o “combate espiritual” a ser realizado no cotidiano (PERES &

LIMA, ATM4, p-10-12). Na via (b) o interesse recai na chamada visão de liderança. Para

tratá-la, o manual associa premissas bíblicas com as atuais formas de liderança empresariais.

Se o objetivo das células é sua multiplicação oferecendo um produto (células) que irá resolver

determinados problemas, então o líder precisa ter o alvo claro em sua “cabeça”. Precisa

oferecer um produto que faz com que as pessoas digam por que não pensei nisso antes? Há

também uma exigência moral e técnica. Destacamos algumas: ser fiel à sua família, treinar

seu auxiliar na prática, ganhar, consolidar e treinar membros de células, visitar regularmente

cada membro, relacionar-se com alvos A e D, multiplicar sua célula em no máximo um ano,

prestar contas do seu ministério ao supervisor mensalmente. Sendo assim, o manual sugere

um organograma do sistema de células pautado no chamado modelo de Jetro (Ex 18, 21)

construído sob a máscara de atuais organogramas empresariais. Na via (c) discute-se a ideia

de maturidade da liderança. Separa-se simbolicamente quem são os capacitados, chamados de

Pai, e os em treinamento, referidos à Jovens. Os Pais são identificados como aqueles que

estão aptos a “evangelizar” os alvos A e D. Podem exercer seu ministério enquanto líder de

célula como supervisor. Os Jovens são aqueles(as) que estão em fase de treinamento, portanto

com baixa maturidade para assumir posições estratégicas. Além dos dois há também os

classificados como filhinhos, recém convertidos, carece de muitos cuidados e sua única

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função neste estágio é convidar pessoas. (PERES & LIMA, ATM4, p.21-25). A via (d)

apresenta a visão de multiplicação celular e os fatores adequados para multiplicação: a)

tamanho ideal, isto é doze membros. A justificativa está no fato de que as linhas de

comunicação entre os membros ampliam-se razoavelmente e doze é um número ideal; b)

líderes treinados. As células devem contar com ao menos dois líderes auxiliares treinados. O

líder geral treina quatro pessoas. Após a multiplicação, deixa a liderança da célula e passa a

administrar como supervisor deixando em seu lugar o líder auxiliar na célula mãe; c) A saúde

da célula. Sugere-se que uma célula saudável transcenda as reuniões semanais aproximando

mais os membros de momentos de descontração, informalidade, festas e jantares evitando a

tendência ao isolamento e ao individualismo contemporâneo (PERES & LIMA, ATM4, p. 26-

29). Por fim, a via (e) instrui o líder geral da comunidade em células na sua fase inicial de

implantação do sistema tornando os seus membros co-responsáveis modelando o estilo de

vida dos neófitos para serem futuros líderes (PERES & LIMA, ATM4, p. 30-35).

A organização das chamadas Igrejas Celulares é atribuída ao pastor coreano

David Yonggi Cho criador da Igreja Yodo do Evangelho Pleno em 1958 na Coréia do Sul.

Considerada uma das maiores congregações de fieis no mundo, com uma adesão de 700 mil

membros em finais de 199488 influenciou a prática do mundo pentecostal contemporâneo.

Destacamos os G1289 (governo dos doze) nascido nas três primeiras décadas dos anos oitenta

através de um dos seus discípulos mais diretos de Yonggi Cho, o pastor colombiano César

Castellanos Dominguez. Similar a igreja em células coreana, o pastor de Bogotá adotou

também o mesmo modelo. A paróquia Santo Eustórgio em Milão, no mesmo período que

nascia o G12 colombiano, adotava para si também a experiência de células coreana. Pesquisa

realizada pelo padre católico Michael J. Eivers em 1983 da paróquia St. Edward, na Flórida o

levou a adotar a estrutura e a metodologia do pastor Yonggi adaptando-a na paróquia

americana90. O formador da casa de missão da Fanuel possui conhecimento afinado destas

experiências e não vê pré-conceito em adotar estes sistemas de células mesmo que nascidas

no berço evangélico. Rebatendo as opiniões e críticas que lhes são dirigidas por católicos

avessos ao seu Arranjo, o líder formador diz que a Fanuel não é “crente”, mas possui um

DNA católico, no entanto, considera com louvor que a metodologia é evangélica:

Já, tem... tem um diferencial, né? Nisso, né? Até... muita gente... chega, falando, né? Ah! A Fanuel é crente! Tá fazendo coisas de crente, coisas de evangélico, porque

88 Dados extraídos do site oficial da Igreja Yodo. Conf. www.fgtv.com. Acesso em 02/03/13. 89 Conferir site oficial in g12.me/es. Acesso em 02/0313. 90 Conferir site oficial da paróquia http://stedward.net/Cell_Groups.html. Acesso em -2/03/13.

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tem igrejas em célula pra todo canto e tudo, né? E na verdade, não é bem assim, né? As células, elas... são algo muito católico, é... por exemplo, começou com pastor, né? Lá na Coréia do Sul, chamado Po Yonggi Cho. (homem, solteiro, 27 anos)

Notadamente, há aqui um processo de contato intercultural realizada por estas

lideranças em que o sistema cultural próprio de cada região cruzou suas próprias fronteiras em

busca de experiências e práticas que lhes pareceram estranhas e acabaram por tornarem-se

familiares devido ao contato e, conseqüente envolvimento ulterior. Esta re-territorialização de

práticas religiosas coreanas produziu novas formas de vivência da fé tanto evangélicas quanto

católicas. Segundo Canclini (1990), estas “re-localizações de velhas e novas produções

simbólicas”, alteraram a compreensão do que é ser católico. A Fanuel, neste caso, construiu

tentativas de equalização da doutrina católica sob o influxo da Igreja em células coreana,

conjugando proximidade (metodologia evangélica) e distância (as células possuem uma

“essência” católica) estabelecendo paralelos conflituosos entre ambas. Estas ligações

transnacionais impactaram a estabilidade da doutrina católica intensificada pela mediação de

experiências evangélicas de origem asiática com modelos de gestão modernas resultando, por

assim dizer, na criação deste Arranjo. Esta combinação não é vista como assimétrica e

desigual pelo arranjador líder- fundador e demais lideranças da Fanuel. Ao contrário, esta

junção permite afirmarem-se como católicos estabelecendo fronteiras simbólicas de

identidade de grupo.

2. ARRANJO CATÓLICO CHAGAS DE AMOR

O Arranjo Chagas de Amor, localizada no parque das Nações em Santo André,

no ABC paulista com 8 anos de existência possui atualmente uma “casa de missão Nossa

Senhora do Carmo”91 situada na Vila Francisco Matarazzo, em Santo André onde é

confeccionado os trabalhos de administração, núcleos de formação, criação e divulgação das

atividades realizadas semanalmente e anualmente. Dentre elas, destacamos o encontrão

público de três dias intitulado Embriagai-vos do Espírito Santo, encontro das mulheres de

fogo, homens de fogo, além de mini reuniões públicas semanais realizadas no salão paroquial

Santo Antônio do Arraial, na mesma vila.

91 O arranjo mantinha mais uma casa em aluguel onde se concentrava a sede dos trabalhos missionários intitulada “casa de missão São Pio de Pietrelcina, na Rua França, Parque das Nações, em Santo André.

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Figura 29 - Comunidade Chagas de Amor, Bairro Parque das Nações, Santo André, SP

Fonte: Foto realizada por Vlademir Ramos

O fundador do Chagas, de 32 anos, possui um histórico familiar de pais católicos

paraenses não praticantes, cresceu dentro de um catolicismo tradicional familiar e social.

Admite ter adquirido os valores familiares e os traduz como importantes na formação do seu

“caráter”:

Então, a minha família é toda católica, fui batizado na igreja católica, fiz primeira comunhão, crisma, mas uma família que de professa católica, mas não tive o testemunho dos meus pais. Então eu não via eles freqüentando a igreja, eu não via eles indo à missa, servindo numa paróquia, numa comunidade... mas uma comunidade, uma família que se professava católica, mas não praticante como o que dizem hoje. (homem, leigo, casado, 32)

A descoberta da prática católica e seu posterior engajamento advieram

gradativamente e se iniciam sob um histórico pessoal de difícil resolução que o afetou

emocionalmente:

E normalmente nós dizemos assim que, ou se conhece a Deus pelo amor ou pela dor. Então o meu engajamento, a minha. a minha... vamos dizer assim a minha experiência pessoal com Jesus, para que eu pudesse à partir daí estar a serviço do reino de Deus na igreja, foi em um momento de dor da minha família. Então hoje eu tenho 31 anos, então há 15 anos atrás eu passei por um momento muito é. escuro, por causa das drogas. Durante 4 anos, dos meus 12 aos meus 16 anos eu fui usuário de drogas. É... maconha, álcool, cigarro, cocaína... e isso levou a minha vida de adolescente de 16 anos, uma vida de trevas, sem sentido, uma vida sem perspectiva e também com conseqüências familiares terríveis, né? Brigas, contendas, desrespeito, todo tipo de violência. Ou seja, quando eu me envolvi no mundo de drogas, eu comecei a destruir todos que estavam ao meu redor. (homem, leigo, casado, 32)

O surgimento de uma pequena rede afetiva em sua vida, sua futura esposa,

modificou seus hábitos. À convite de um amigo participou de um encontro de “jovens com

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Cristo” e, segundo o fundador, a partir dele houve uma sincronização e um alinhamento dos

seus valores com os valores cristãos.

Há um clichê popular religioso muito usado nos grupos de oração e na RCC para

justificar a inserção do sujeito ao grupo: “Ou se conhece Deus pelo amor ou pela dor”. Este

relato feito de maneira retroativa sobre sua “conversão” e a saída do mundo das drogas

justifica o uso que faz do clichê. No relato a “dor” fez sentido. Ele recebe de Deus uma

“restauração” a partir do momento da sua inserção no mundo religioso. A “dor” foi

interpretada como caminho, uma “ponte” de indenização para Deus modificando seus hábitos.

O seu corpo, seu espaço doméstico, seu relacionamento afetivo se redefine a partir destas

escolhas que fez. Descobre ainda que sua vocação não se dirigia para o sacerdócio, mas para o

matrimônio.

Formado pelo SENAI e em Administração de empresas pela UNIA em Santo

André há oito anos, trabalhava em setor operacional numa indústria automobilística no abc

paulista com projeção de crescimento profissional. Paralelamente, militava também em um

grupo de oração na paróquia Santo Antônio e não tinha intenções reais de constituir uma

comunidade onde pudesse se dedicar, como ele mesmo relata, “inteiramente à obra de Deus”.

Havia dúvidas na decisão tanto no sentido de “evolução dentro da empresa traçando um

caminho seguro à promoção” como “se sacrificar em vistas de uma vocação interior abrindo

mão de certa estabilidade financeira”.

Apoiado pelos colegas de trabalho e sendo incompreendido pelo seu superior

imediato por não “entender de coisas espirituais” assume os riscos da sua decisão. Embora,

segundo o depoente, comprometendo-se com os votos de “pobreza, obediência e castidade”,

construiu um Arranjo sob adversidades e afetivas e sem ajuda financeira da diocese de Santo

André:

Interessante que ele não entendeu justamente pelo fato que eu tava traçando um caminho para promoção. Então ele não entendeu que uma hora eu queria tanto evoluir na empresa, mas que de uma hora pra outra eu queria abrir mão. E é claro, o homem natural, ele não entende as coisas espirituais. Então esse meu supervisor, de certo momento ele não entendeu, mas também não questionou a decisão, apenas respeitou. (homem, leigo, casado, 32).

Percebe-se aqui a construção de relações de confiança entre aqueles colegas de

profissão com equivalência base operacional que “entenderam sua decisão”, o que não

ocorreu com seu superior: “não entendeu, mas não questionou”. Não houve aqui por parte do

seu supervisor, uma má interpretação da mensagem, mas uma incompreensão do significado

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da mensagem emitida pelo seu subordinado. Comumente a empresa é vista como um lugar de

produção, eficiência e rentabilidade, assim como, um lugar potencialmente de mudança e

desenvolvimento pessoal dos seus funcionários. O protocolo das relações ali construídas são

determinadas pela impessoalidade e as relações de amizade aparecerão em consequência do

tempo de trabalho. Demissões por motivos pessoais devem ser pautados em causas reais e

“sérias”. Não estaria aí um motivo da fala do entrevistado ao relatar que seu chefe “não

entende de coisas espirituais” no sentido que ele não interpretou seriamente a decisão do seu

subordinado, ou as coisas sagradas estão dentro de outro padrão lógico incompreensível ao

homem comum? O depoente afirma uma possibilidade de vivenciar o sagrado no secular sem,

de fato, desligar-se efetivamente. Percebemos aqui que o motivo do desligamento não era o

fato de ser “sal e luz na empresa”, como relatado, ou em outros termos, não haveria conflitos,

para ele, entre a ascensão pessoal, busca de lucros e religião mesmo porque, a liberdade

religiosa não deve se sobrepor aos interesses da empresa. Outra questão é o fato dos seus

“amigos” não estranharem sua decisão, ao contrário, incentivava-o porque “conheciam” a sua

vida. Provavelmente aqui não se estabelecia uma discriminação pela sua crença e até mesmo o

exercício dela no ambiente de trabalho. Talvez a proximidade criada com seus colegas de

trabalho ajudou-lhe em sua decisão. Esta relação provavelmente não era uma relação de

autoridade, verificável entre subordinado e patrão, mas uma relação emocional com base em

sentimentos de amizade e companheirismo que o motivou na efetivação dos seus objetivos.

Ele observa que o novo contexto situacional exige condições necessárias para a fundação de

uma comunidade. Registrada como Associação Privada de Fieis, o Chagas, possui CNPJ e

um centro de contabilidade onde está registrada a casa alugada, telefones etc. Ainda dentro do chamado “discernimento” no que se refere à fundação da comunidade, ela surge

gradativamente a partir do grupo de oração paroquial já mencionado e atualmente conta com

alguns membros efetivos “dedicados inteiramente à obra”, também chamada de “comunidade

de vida” e outros colaboradores ou sócios benfeitores – “comunidade de aliança”. Os

membros da comunidade de vida pertencem a dois diferentes estados de vida (casal –

fundador/esposa/filhos e três solteiros (duas mulheres de 23 anos e um homem de 21) e a co-

fundadora pertencente à comunidade de aliança:

Os chamados sócios benfeitores colaboram com determinada quantia mensal.

Mesmo que não compartilhem com a mesma visão e missão do Chagas, as pessoas que se

associam podem fornecer apoio financeiro e excepcional (doação, contribuição) permanente

ou não. A comunidade possui uma conta bancária em nome da Associação Fraterna Chagas

de Amor, e os recursos captados por este dispositivo visam manter a “obra”, isto é, seus

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membros incluindo o fundador e sua família e suas atividades de cura e libertação espiritual.

Há também uma série de produtos oferecidos pela comunidade: DVDs de pregações, livros do

fundador, camisetas com a logomarca Chagas, confecção de trufas:

Como que é a captação de recurso da comunidade? Hoje nós temos benfeitores. Sócios que vão manter a obra, não é? Temos também os produtos que nós fazemos que são os livros, DVDs, temos também. nós fazemos trufa, bolo. é... a gente faz isso, e também as doações espontâneas que as pessoas dão. Elas dão roupa... Hoje por exemplo a minha filha estava com um sapato que ela ganhou, bem novo. Eu e minha esposa nos dispomos a vivermos com essa condição, não vemos problema nenhum. Não nos falta nada pra gente viver! E a gente vive, não vivemos no luxo, certo? Não vivemos na pobreza, mas sabemos viver quando temos e quando não temos. É uma maneira de viver com sobriedade. É lógico! Pra eu, pra minha esposa e pros solteiros, existe muito mais austeridade do que pros meus filhos. Para os meus filhos, por exemplo, o que eles precisam né? Escola... embora estudem na rede municipal, o plano deles é o SUS, mas uma roupa, um brinquedo, a gente tem tudo isso com a sobriedade. (homem, leigo, casado, 32).

A opção de vida feita pelo fundador envolveu sua família rearticulando-a sob

uma nova ótica organizacional e moral, no caso, a ética da sobriedade. A sobriedade parece

resumir a percepção do fundador sobre o restabelecimento de atitudes contrárias àquelas

consideradas por ele, excessivas do ponto de vista da sociedade de consumo. O estilo de vida

vivido agora e mantido mediante um regramento comunitário é capaz de transformar sua

situação e da sua membrezia. Há, portanto, uma regulação dos gastos da comunidade exigindo

daí um planejamento estratégico para suprir necessidades de subsistência e marketing dos

serviços oferecidos.

Mantendo uma distância relativa do mundo secular vê a necessidade de um estilo

austero para si, esposa os “solteiros” dedicados às atividades da comunidade e uma

flexibilidade moral favorável aos filhos. A austeridade católica relida pelo fundador priva

voluntariamente alguns prazeres e bens materiais a fim de concentrar na sua vocação

religiosa, mas não a ponto de negar aos filhos um mínimo de acesso à escola e à diversão.

Outro fator subjacente ao relato é o fato de que seus filhos não fiquem muito apartados do

capital simbólico oferecido pela sociedade:

Por exemplo, os meus filhos, por exemplo, no final de ano, ele nunca pede um presente. Mesmo vivendo essa atmosfera de Natal, mas se eu falar filho o papai não pode dar um presente de Natal pra você, ele vai entender. Mas nunca aconteceu isso. Então nesse fim de ano, dento do segmento de sobriedade, ela foi comprou um presente pras crianças, né? Simples... e pega a nota, no CNPJ da comunidade, e tudo vai pra contabilidade... então tudo é em nome da associação. (Idem).

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Ainda dentro das estratégias familiares educativas dos filhos, o fundador, busca

interá-los dentro da moral da sobriedade. Em outras palavras, procura dar sentido e

significado à sua escolha agora dentro um novo sistema de plausibilidade tentando definir

objetivos para os “seus” dobrando os constrangimentos externos “consumistas” adotando

meios práticos para minimizar exigências lúdicas e educacionais dos filhos:

Meu filho tem 9 anos, pra fazer estudar já é difícil! Hoje em dia tem a bagunça, baladas. Lá em casa, por exemplo, eu e minha esposa... acho que já são valores, valores que a religião nos deu. Lá por exemplo nós não temos televisão na nossa casa. Você vai na sala de casa tem uma televisão. Mas é pro DVD, pra assistir em família, as crianças vêem em DVD. E tem uma no nosso quarto. Então as crianças se querem assistir desenho, por exemplo, assistem no máximo 2 horas por dia. Então é um padrão que a gente colocou, porque a gente procura ocupar o tempo com outras coisas. O meu filho, por exemplo, pelo menos 2 livros por semana, livro é de lei, um mais didático pra sua idade, por exemplo, a gente descobriu o valor disso. São livros pequenos, né? (Idem)

Os espaços da casa estão bem delimitados assim como as fronteiras entre o

público (preservação de laços familiares) e o privado (garantia de preservar a intimidade do

casal?), aquilo que pode ser realizado ou evitado. Há um alto controle nos padrões a serem

seguidos pelos filhos de forma a estabelecer limites. Notadamente, a vida em família está

localizada espontaneamente na esfera privada e em constante tensão com a esfera pública que

passa a ser associada a “bagunça”.

A providência divina também ganha espaço nos relatos. Sob uma aparente

“loucura”, o depoente ratifica a governança divina e seu monitoramento sobre o Chagas. O

fundador acredita que o caminho escolhido se enquadra dentro dos projetos “secretos” de

Deus que governa o mundo. O dito popular “Ao deus dará” se encaixa nesta perspectiva. O

compartilhamento desta crença de que há uma direção divina na história ajuda a enfrentar o

cotidiano alimentando assim uma ascese extra-mundo.

O imediatismo vivido não o faz pensar em questões, por exemplo, de regulação

“profissional” dos consagrados. Não há qualquer programa de proteção social que

proporcione um grau de segurança caso seus membros se confrontem com alguma doença,

sobrevivência pessoal ou até mesmo invalidez. Mas, há uma possibilidade de incluir esta

assistência em sua agenda organizacional:

Por exemplo, hoje quando a gente fala de INSS, né? Hoje nós não trabalhamos, nós não contribuímos né? Então nos temos dentro do nosso planejamento esta avaliação que não seria bom, as pessoas que se dedicam inteiramente à obra que através a comunidade fizesse essa contribuição, né? Particular ao INSS. Não existe porque a comunidade ainda não deu passos nesta estabilidade. Por exemplo, hoje nós temos

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duas casas, nós moramos em duas casas que são de aluguel, mas estamos dando um passo, o ano que vem nós queremos comprar um terreno. (Idem)

O Arranjo Chagas possui duas casas alugadas. Uma delas aloja duas meninas

entre faixa etária de 20 a 24 anos consagradas à comunidade de vida onde se “dedicam

exclusivamente” à obra. Há também um jovem de 22 anos da comunidade de vida, mas que

reside na casa do fundador em quarto reservado para ele. Esta casa conta com cinco quartos,

uma sala e cozinha amplas. A área da varanda é constituída de um gramado e uma garagem

ampla com acesso à sala. O ambiente foi ocupado e organizado simbolicamente favorecendo

o intercâmbio com o público em geral e o gerenciamento das atividades: oração, atendimento

de algum usuário procurando atendimento espiritual, escritório onde são confeccionados os

folders de divulgação do Arranjo via email marketing, além de contar com impressoras,

telefones etc. A preocupação com o aluguel e a pouca habilidade no trato de questões

burocráticas e demais gastos são uma constante no depoimento do fundador:

Nosso campo missionário, aqui nossa vida paroquial, aqui é onde Deus nos enraizou, e você sabe que o ramo imobiliário é caro demais... uma casa de 5 cômodos, aqui essa casa, mil e cem nós pagamos aqui. Ela é grande, mas também é caro! Por exemplo, uma ONG consegue extrair benefícios, né? E dentro de uma nova comunidade, envolve a família fraterna, de depender totalmente de Deus, mas também que a providência se manifesta através destes meios, né? Nós nos reunimos em reuniões quinzenais, num conselho. (Homem, casado, 34 anos)

Indicando lugares próximos como Capuava e parque São Rafael (regiões de

periferia urbana de Santo André) para a “construção” de uma sede própria, o entrevistado,

“sonha” com uma doação em massa que lhe permite realizar seus objetivos contando,

obviamente com o poder da Providência que lhe oferece cobertura básica contra os riscos de

investimento em um terreno. Neste espírito empreendedor, combinado com uma forte fé na

Providência, o fundador “crê” que os meios que dispõe – seu conselho administrativo92 – lhe

ajudará a efetivar o projeto. Neste sentido, alugando salões e ginásios escolares no intuito de

realizar a “obra” da comunidade, o depoente deseja “liberdade” de atuação do seu

evangelismo:

E qual é nosso desejo, né? Nós queremos se Deus quiser esse terreno. Nós queremos um lugar pra viver em comunidade como irmãos, queremos um lugar pra acolher as pessoas que precisam um local de oração. Nós sempre alugamos salões paroquiais por aí, então chega uma hora que não cabe, a gente não tem liberdade. Então a gente paga. (Idem)

92 Optamos em utilizar o termo para designar um grupo de pessoas previamente escolhidas pelo fundador de forma a assisti-lo nas orientações e decisões estratégicas.

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Os gastos também são computados e é uma das fontes de preocupação da co-

fundadora. Mulher, negra, 41 anos, solteira e sem filhos, de família católica, com exceção da

tia que, convictamente “segue a igreja evangélica dos mórmons” é ligada ao Arranjo via

comunidade de Aliança. Graduada em administração com ênfase em comércio exterior, pós-

graduada em marketing internacional e administração financeira. Embora possuindo

autonomia profissional e trabalhando na área financeira coloca seus serviços de intercessora

da oração à disposição da comunidade. Enxerga o Arranjo como “uma empresa regida por

uma espiritualidade” possuindo uma estrutura de pessoa jurídica e que necessita de controle

dos custos e despesas referente à missão empreendida pela comunidade:

Todo mês nós temos uma meta a atingir, o que é esta meta? Toda a despesa da comunidade, não é algo, por exemplo, este mês nós queremos comprar um carro novo, e isso mesmo? Comprar este carro numa meta de $15 mil não é neste sentido, e o que? A nossa meta é pagar todas as despesas da comunidade. Nós pedimos uma ajuda pras pessoas, não podemos ter o gasto com a missão, já fomos em uma e em várias outras vezes em missões que as pessoas não podiam, não tinham condição de dar a ajuda ministerial o que pedíamos, então nós não podíamos ir naquele lugar, vocês não vão poder nos ajudar? Eu tenho lá as pessoas que nos ajudam, os sócios amigos, temos ajuda dos chamados para levar a palavra em uma missão, por exemplo, o fundador esta semana está em missão. (Mulher, solteira, 41)

Há aqui uma preocupação com as dificuldades financeiras que o Arranjo enfrenta,

e que é característico da rotinização de uma organização religiosa. A co-fundadora se

preocupa em examinar cuidadosamente as condições da sua organização, mas sem relegar os

valores que a ela estão subjacentes. Por detrás desta aparente mentalidade pragmática é

realçada a intervenção divina. Mais uma vez é ela que dirige as ações dos integrantes do

Arranjo. A oferta de serviços religiosos precisa ser reposta pela comunidade solicitante de

forma a criar um equilíbrio entre receitas e despesas. Um importante aporte ao Arranjo a ser

ampliado e mantido são os chamados “sócios benfeitores” ou carteira de clientes que, mesmo

não possuindo um vínculo direto com a organização, se sensibilizem com a sua evangelização

continuada. Se as dificuldades são lidas como um “teste” de Deus para o Arranjo, assim como

o foi a “experiência da dor” que aproximou o futuro líder do Chagas novamente ao exercício

das práticas católicas, então a recusa do bispo de santo André em emitir qualquer espécie de

ajuda financeira para os Arranjos inclui-se também nesta perspectiva providencial.

Não existe esta ajuda. Eu creio que não existe também, porque nós não pedimos. Não falamos, olha! Dom Nelson, precisamos de ajuda... Mas eu sei que se pedirmos, a ajuda virá como for ajudar um filho qualquer, ele vai no ajudar, com certeza! Mas a própria comunidade ela tem que ter essa noção de sobriedade. Eu jamais eu daria um passo desses, sem saber que o meu trabalho ia gerar a providência! Então,

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espontâneo não tem nenhuma ajuda, né? É claro, que a Diocese, ela abençoa o trabalho, promove os eventos, isto tudo é muito importante. (Homem, casado, 32)

O único apoio que lhes são ofertados é um incentivo moral, uma bênção especial

e, sobretudo uma fiscalização clerical interpretada pelos leigos como um acompanhamento

saudável que visa à um discernimento da sua missão, valores, mas, sobretudo, garantir a

unidade da Igreja:

Diante desta realidade que se tornou muito, muito próxima aqui dentro da diocese, esse nascimento, surgimento das novas comunidades, qual foi a visão do bispo que teve em relação a isto? Se eles estão nascendo, se eles estão crescendo dentro da nossa diocese, a missão da Igreja junto dando suporte, acompanhando, não, de maneira alguma é desconfiança, nós nunca enxergamos desta forma. Mas, do que? Estar acompanhando, ajudando naquilo, que é necessário de, um discernimento, aquilo que é necessário olha de como vocês estão caminhando hoje, como vocês definem o carisma de vocês, como vocês definem a missão de vocês? (Idem).

O chamado controle eclesiástico não é interpretado pelo fundador como um grupo

dominando o outro e nem que sua comunidade é “vigiada” e controlada do ponto de vista

coercitivo. Entende que este “acompanhamento” feito pelo clero católico tem por finalidade

manter o Arranjo numa condição que possa funcionar adequadamente, para que tais

propósitos (os do clero e deles) sejam realizados. O controle exercido pela hierarquia

concerne em prevenir ou impedir a ocorrência de coisas indesejáveis. Dois excertos a seguir

refletem a opinião do clero do ABC na figura do bispo da diocese de Santo André. Duas são

as preocupações e desconfianças do bispo. Um é o fato de que os arranjos podem transparecer

um “excesso de subjetividade” não correspondendo aí uma “inspiração do Espírito Santo” e,

outra, ligada à primeira, é o fato de causar divisão “destruindo a ortodoxia e a unidade da

Igreja” comprometendo e eclipsando assim a identidade católica:

[...] Muitas vezes os próprios grupos não são fieis em tudo e são auto-suficientes e autônomos em algumas coisas. Por tanto, assim em algumas coisas destroem a própria ortodoxia, muitas vezes, né? No rio da essência, mas em alguns aspectos da liturgia, né? Fazem por conta, não obedecem, ouvem apenas, mas não obedecem, acham que é... acham que não é, mas não é... Vive imitando os evangélicos, imitam os evangélicos[...]. No momento que você for participar de novas comunidades ai, eu não vejo nenhuma diferenças dos encontros evangélicos, é as mesma expressões das coisas, os mesmos pensamentos, textos, não tem muita diferença. existe Dentro dos movimentos (Arranjos) existe pessoas isoladas. arredias, estão mesmo contrárias a hierarquia, ou seja, não querem orientação da igreja, pessoas assim, a maioria cai fora da igreja, por que eles acham... que eles são a Igreja, eles não são igreja .. E por isso. funda outro grupo,... eu digo seita.

[...]Sobretudo se não vive em sintonia com a igreja, com padre na paróquia... se não houver sintonia... Se não houver comunhão e entusiasmo, primeiro sinal que não foi inspirado pelo Espírito Santo... Levar uma vida auto-suficiente? É a igreja que é

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mediadora, né? Se a fé é uma fé que não for eclesial, não existe. Não existe fé sem ser eclesial. Na teoria de muitos hoje, que diz assim ‘eu creio em Jesus Cristo, mas na Igreja, não’ pra você ver é um absurdo, uma aberração... Uma aberração, um cristão, alguém falar assim. Não existe um movimento se não fizerem um sintonia, uma comunhão, porque é Igreja que vai reconhecer (o bispo diocesano e todo clero católico). Quem vai reconhecer a legitimidade de um movimento ou não, não é o fulano que fundou. Não é o fulano vai. É a Igreja que vai reconhecer! E isso é evidente quando se usa nosso direito canônico, né?[...] (bispo católico, 73 anos, grifo nosso)

Em poucas palavras, este controle do clero diz respeito ao ajustamento do

desempenho dos Arranjos – em termos litúrgicos e doutrinais – que ainda estão em curso, isto

é, estão sendo avaliados ou como “movimento eclesial em constituição” ou “supostas seitas”,

a fim de que seja alcançado um padrão doutrinário e, acima de tudo, não comprometa a

unidade religiosa.

A comunidade Chagas de Amor oferece serviços religiosos na linha de “cura e

libertação espiritual” para casais, jovens, homens, mulheres. Estes serviços religiosos estão

organizados em quatro linhas de apoio: a) Encontrões mensais dominicais: “casais de fogo”,

“homens de fogo”, “mulheres de fogo”, “jovens de fogo”; b) Cursos de formação e de

consultoria sobre a doutrina da Igreja católica: a figura de Maria, paixão de Jesus, o Espírito

Santo, aos casais - castidade conjugal, casais de 2ª união, educação dos filhos, harmonia

conjugal; c) Grupo de oração às sextas-feiras, no período noturno, na paróquia Santo Antônio

do Arraial; d) Encontros temáticos de “sete semanais de cura e libertação”, comumente

administrados pelo fundador e “consagrados” às terças-feiras também no período noturno e e)

Serviços de assessoria missionária: oferta de produtos e execução de serviços fora das suas

fronteiras missionárias mediante agendamentos antecipados: pregações, evangelizashow’s,

retiros, encontros ou formações. A Chagas como uma empresa de espiritualidade cuja

especialidade se acentua em oferecer “avivamentos”, conta com pessoal qualificado de

pregadores e missionários – não somente o fundador – disponíveis para executar os serviços

solicitados. O capital espiritual construído pelo Arranjo contribui de forma significativa para a

construção de redes entre paróquias e demais arranjos no Brasil que tenham por base esta

espiritualidade carismática. Num dos encontrões também chamados de “retiros de

avivamento” intitulados “mulheres de fogo”, os participantes “somente mulheres” são de

faixas etárias diferentes. A proposta deste encontro, por exemplo, é a chamada “cura e

restauração” dos partícipes:

Tem pontos que a gente não deixa de abordar. Que é o que? Sempre a cura da imagem feminina, né? Exatamente por isso, a mulher é sempre colocada muitas vezes em segundo plano, né? ali tem mulheres que estão indo para aquele encontro,

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mas não caminham na Igreja, né? Às vezes vão à missa mesmo, não vão nem em grupo de oração, estão ali machucadas, feridas, mulheres traídas, então, sempre em nossos primeiros momentos, é esse momento de restauração da imagem feminina, sabe, de fazer a mulher, no meio de mulheres, não precisa ter vergonha, não precisa ter jeito, ter máscaras, olha pra você, se reconhecer mulher, se valorizar mulher saber se valorizar como mulher, como mãe, como esposa, sabe que Deus chamou cada um, e deu a cada uma delas a valorização do corpo, sabe, a figura feminina entendeu? (Mulher, negra, 41 anos, grifo nosso).

O discurso - religioso pronunciado pelo fundador ou um membro de

competência do Arranjo -, as orações que ali são feitas, em meio a murmúrios e cantos, para

se chegar ao objetivo proposto, a “restauração espiritual”, são construídos tendo por base um

estereótipo do feminino bem conhecido: a mulher como “esposa, mãe e trabalhadora”. Isto é,

a mulher como esposa e mãe, mas que se encontra em estado de “desgaste físico e emocional”

e requer uma reconstituição das forças. A indenização ou a satisfação dos danos enfrentados

no cotidiano feminino advém de um fármaco espiritual oferecido nestes avivamentos

coletivos.

Estes encontros tem por intuito ajudar e apoiar as mulheres em sua vida

cotidiana. O conteúdo dos encontros atende aos seguintes requisitos entretenimento,

informação e aconselhamento. Os tópicos ali trabalhados revestidos de muita reza em línguas

e cantorias, discorrem sobre temas considerados, pelo Arranjo, tipicamente do sexo feminino:

fidelidade, amor à prole, à Igreja, cuidado com o corpo. Esta imagem superwoman ou

“mulher perfeita” a destrói porque é através dela que os requisitos por ela veiculados

socialmente tornam-se mais difíceis de cumprir. Segundo o relato, ser uma super mulher não é

o único requisito solicitado a mulher contemporânea, pois outros são fundamentais e que lhe

proporcionam, de fato, “restauração”. Ainda, segundo o relato, “anunciar-se” como “filha de

Deus”, independente do lugar deste anúncio é que faz a mulher completa. Neste sentido, com

a mulher restaurada ou “incendiada” ela conseguirá manter melhor o seu fardo cotidiano. Os

demais encontrões seguem numa linha similar ao que foi exposto, mas dirigida a um público

alvo específico, já os chamados encontros de formação doutrinária e moral desempenham um

papel de esclarecimento de tópicos da fé católica: jejum e abstinência, catecismo da ICAR,

penitência, a pureza da Virgem Maria, penitência. Tais encontros, mais intimistas, são

ministrados na “casa de missão” Nossa Senhora do Carmo.

Outro serviço religioso ofertado são as chamadas “sete semanas de cura e

libertação”. Os encontros agrupam, em estimativa, sessenta pessoas entre jovens, adultos e

crianças de 0 a 12 anos e são realizados no salão da paróquia santo Antônio do Arraial. Neste

ambiente há monitores-consagrados que atendem somente as crianças. Estas, denominadas

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“turminha dos chagas” são locadas em um ambiente separado e ali são introduzidas neste

clima do avivamento. As semanas de cura e libertação são construídas e fundamentadas a

partir de temáticas retiradas das Escrituras. O número simbólico “sete” corresponde a ideia de

perfeição, totalidade. Por isso, convenientemente estes encontros ou estas sete semanas para

um “novo começo” não podem ser abortados durante o processo porque tudo converge para

uma finalidade de cura e restauração completa da alma. Esta restauração acontece pela

oração aplicada a casos como problemas matrimoniais, drogas, saúde:

As pessoas que passam lá, tão buscando a libertação das drogas. Então, são pessoas que tão com problemas na família, é o que a gente tem, a gente percebe, né? Às vezes no casamento, pedidos a serem feitos... Vão também pai e mãe orar pelos seus filhos que estão nas drogas. Tem pessoas que vão lá orarem pelo marido ou filho ou parentes que estão presos no alcoolismo, adultério. Então existe de tudo, saúde com pessoas com enfermidades graves, sabe, doenças terminais que o médico já desenganou, então tem essas metas e não tem como definir... vão porque estão necessitando de uma graça especial, vão atrás de uma graça especial nos mais variados fins, a gente tem concentrado bastante um é... um olhar pra família, um olhar pra família, né? (Idem)

O termo “sete semanas” não é um neologismo da Chagas, mas foi adaptado por

eles e levados para dentro das fronteiras católicas. Estas sete semanas de avivamentos também

são uma prática evangélica93 o que consideramos aqui que existem tênues fronteiras culturais

entre a comunicação destes arranjos com o mundo evangélico. Neste sentido, os temas são

enxertados e adaptados à lógica da comunidade. Em outras palavras, difícil precisar o

nascimento deste diálogo entre sistemas simbólicos que são compartilhados coletivamente

(gestos, discursos, rituais), o que nos interessa aqui é como que o Arranjo, através do seu

fundador, percebe o seu “ambiente social”, extraindo elementos que lhe interessam. Este

diálogo está associado a fenômenos de diferenciação e integração. As sete semanas são

regidas pela Chagas na figura do seu fundador e são oferecidas ao público católico sem

necessariamente conhecê-lo em seu cotidiano. Tomemos, por exemplo, os “sete mergulhos de

Naamã:

[...] Estão os 7 mergulhos de Naamã. Cada mergulho vai ser o que? obediência, a humildade, a fraternidade. Cada mergulho busca, vai ser direcionado pra uma coisa. Então, nós elaboramos todos os temas. Então, na condução de cada um dos encontros [...] vamos pegar pra um dos mergulhos: o mergulho da obediência, quando se fala de obediência. A gente só entende de quem manda, quem faz o que manda e quem obedece, ou a obediência, alguém mandou eu faço, eu sou obediente. Não aquela obediência que degrada a pessoa, mas uma obediência no que? ao

93 Foram detectados alguns sites que utilizam esta terminologia e possuem a mesma lógica de cura e libertação da Chagas – conf. Ministério internacional Torre Forte in http://jovenstorreforte.wordpress.com/ e Igreja Embaixada do reino de Deus in http://www.embaixada.org/historico. Acesso em 02/04/13.

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compromisso que você firmou naquele dia diante do altar, né. Isto é um exemplo, a obediência pode reger o que mais? (Idem)

Mesmo que esta prática dos “sete mergulhos” não seja privilégio de um grupo

religioso apenas, o arranjo o adota anexando-o a certos valores próprios do seu grupo de

referência. Uma das funções destes encontros são assumidamente seu caráter de tratamento

espiritual do fiel e a forma de divulgação fica a critérios dos próprios “consagrados” da

comunidade:

O fundador, mesmo que ele tá lá no sul, mas ele fala lá no nosso curso de direção, nós estamos fazendo a campanha dos 7 mergulhos de Naamã, a “Rita” foi lá no Sacomã pregar junto com os outros irmãos de comunidade, ela divulga lá também, sabe? Naquele papelzinho que a gente entrega tá lá, atividades da comunidade, todo ano, começo do ano, nós entregamos um calendariozinho do que a gente faz e eventos da comunidade, aqueles mais fortes, né?

Aos encontros mencionados anteriormente registramos ainda um grande

encontrão de final de semana, realizado uma vez ao ano, no mês de Abril, o “Embriagai-vos

no Espírito Santo”. Realizado num ginásio no bairro de Camilópolis, em Santo André, o

Embriagai-vos conta com participação de alguns sacerdotes católicos - possuidores de uma

afinidade carismática - da diocese de Santo André e outras dioceses. Além disso, para a

realização dos chamados “testemunhos de vida”, exortações de cura são convidados

pregadores de outras missões, de São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, por exemplo.

Há momentos de entretenimento com o chamado Evangelizashow com grupos musicais

gospel inclusive católicos, quando do “7º Embriagai-vos”, a performance de freiras cantoras e

dançantes foi peculiar94.

Além disso, estes “megaencontros” regionais são registrados em tempo real em

canais de rádio e televisão via internet. Comportando mais de 500 pessoas sem contar os

transeuntes, ajudantes, colaboradores, sócios benfeitores, o evento só pôde ser efetivado

através de meios de captação de recursos: internet, doações, estruturas metálicas cedidas pela

prefeitura, vigilância, apoio de candidatos, sócio-colaboradores e “voluntariados”

principalmente dos paroquianos da Santo Antônio do Arraial. O evento é de tal magnitude que

demonstra um forte senso de organização e responsabilidade para cumprir as tarefas

agendadas. O evento ainda conta com a exposição de um mini feira com artigos religiosos,

94 A freira artista, irmã Kelly Patrícia fundadora do instituto Hesed e seu ministério de música participaram do oitavo Embriagai-vos no evangelizashow. Cantora se destaca pelas suas interpretações e melodias retiradas de poemas dos místicos do século XVI, São João da Cruz e Santa Tereza D’Ávila. Ela mesma anuncia em seu site oficial que se dedica a Jesus através da música. (VER ANEXO E).

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camisetas com o emblema do Arranjo, DVDs, CDs, vários livros (do pregadores leigos da

diocese de Santo André, padres cantores, exorcismo, liturgia carismática etc.) “santinhos”,

cruzes, colares e pingentes. Dentro desta arena religiosa, os membros consagrados de Vida

visibilizam sua filiação com botons, roupas e adesivos, banners. Ao anunciar publicamente

sua afiliação via linguagem visual reivindicam para si um reconhecimento público dos

transeuntes católicos que ali se agrupam. (VERIFICAR ANEXO E).

O fundador, em especial, possui seu próprio espaço vip. Colocam-no em cena,

num lugar de destaque esteticamente diferenciado com sua foto, venda dos seus CDs e DVDs,

livros, panfletos da comunidade. Obviamente, a imagem do fundador e a veiculação do seu

próprio merchandising tem como objetivo promover seu Arranjo, sua vocação e a promessa

religiosa dedicada aos interessados. A assimilação deste evento por parte daqueles que o

usufruem, certamente reforçam não somente a imagem do Arranjo associando-o à imagem do

fundador senão reconhecê-lo como um grupo católico alternativo que oferta bens religiosos

diferenciados dos já usuais ofertados pelo catolicismo tradicional ou paroquial.

Todas as ações, canais de transmissão de conhecimento apropriado do catolicismo

oficial, atividades engendradas por este Arranjo sinalizam que este comportamento anseia, por

um lado, legitimidade ante ao ambiente religioso católico da qual se inscrevem as orientações

do clero e, por outro legitimidade ante ao ambiente cultural próprio da sociedade

contemporânea. Talvez, estando na vanguarda da oferta de vários serviços religiosos

aumentando consequentemente sua visibilidade organizacional, revela que o fundador possui

seu lado criativo envolvendo seu Arranjo na busca de melhor desempenho para o público que

o procura.

O Conselho Administrativo

O arranjo Chagas de Amor possui uma divisão interna bem definida. O

funcionamento deste arranjo é largamente dependente de um controle hierárquico centralizado

nas mãos do fundador, auxiliado pelo co-fundador. É uma comunidade que não possui muitos

membros. Em média o número varia entre vinte e vinte e três pessoas entre “consagrados”

(Vida) e “consagrados” (Aliança). O fundador conta com uma assessoria interna e menor de

no máximo cinco integrantes e as tarefas ou operações que as pessoas desempenham estão sob

seu controle. Os objetivos, a missão, ou como nos fora colocado pelo co-fundador, o

“alimento espiritual” são orientados de modo que o fundador tenha total controle das ações.

Quando se fala, porém da estrutura da comunidade, isto é, a “prestação de contas”, a

operacionalização das atividades (produção e venda de trufas, DVDs, livros do fundador,

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arrecadação da contribuição mensal dos sócios benfeitores, organização de um culto:

acomodação das cadeiras, som, afixação de banners com o logotipo das Chagas, realização de

orações particulares, imposição das mãos em momentos específicos do culto religioso de cura

e libertação, cantar e tocar violão, teclado, bateria, marcação de viagens de missão, retiro,

formação feitos pelos pregadores Chagas) fica à critério dos “consagrados” ou os de Vida.

Um vez definido a maneira como são repartidos os papéis dos sujeitos, seu lugar e função na

comunidade, as suas relações com outros níveis da hierarquia, os membros do “escalão

inferior” possuem dentro do Conselho uma participação adjacente reconhecida:

No momento da tomada da decisão entre o conselho, todos são ouvidos, todos são ouvidos, a palavra final é sempre do fundador entre o conselho, mas todas as decisões são partilhadas, ele (Fundador) sempre coloca o parecer dele. ... ele vai por expor a situação, vamos discernir, vamos decidir e diante de alguma controvérsia de às vezes de opinião ou achamos que deve fazer isso, a gente coloca tudo na mesa, tudo aquilo que são as possibilidades de resolver uma situação ou tomada de decisão, mas se houver, por exemplo, uma divergência que dois ou três concordam com o fundador e outros dois tem, de repente, uma opinião diferente, a opinião final vai ser do fundador, mas nós sempre nos colocamos na escuta, mas na decisão final acaba sendo dele, acaba sendo dele, mas tudo é partilhado. (Mulher, negra, 41 anos, grifo nosso)

Depois de “ruminar” e “discernir” a pauta discutida no Conselho, a decisão final

fica a critério do fundador. Em se tratando do parecer do bispo diocesano, não há discussão:

O fundador esteve em várias audiências com o Bispo, ele foi na audiência com o Bispo e ele ficou com algumas ideias e aquilo que o Bispo disse a ele naquele momento, foi aquilo que eu falei, porque para nós o Bispo é a voz da Igreja. Quando o bispo traz algo para ser colocado seja direcionado para a comunidade, seja direcionado para outra qualquer realidade da Igreja é aquilo e ponto e ponto. (Idem)

Há uma tentativa de regularizar os métodos – programas, especificações e normas

do Arranjo – tendo em conta os recursos disponíveis, tanto de pessoas quanto de materiais

para a consecução dos objetivos. O conjunto de atividades e tarefas é controlado por um

protocolo que foi elaborada antecipadamente e sob a “inspiração” do Fundador. Os papéis

desempenhados pelos seus membros procuram assegurar que o Chagas cumpra seus objetivos

com eficácia e que atendam os interesses do seu público alvo, famílias, jovens e crianças.

Cabe lembrar ainda que aqueles que estão à margem da cúpula estratégica, os consagrados

(Vida e Aliança), devem ser multifuncionais e que saiba, por exemplo, limpar os banheiros

nos encontros e, quando solicitado, atue na chamada “imposição das mãos” ou na “intercessão

espiritual” dos usuários destes serviços:

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Se hoje eu faço parte de uma intercessão, amém? Mas aquele outro dia eu tenho que ir para a cozinha ajudar, eu tenho que ir para cozinha cozinhar, eu tenho que estar na equipe que vai fazer a limpeza, eu não vou só sentar, ajoelhar e rezar. [...]E hoje eu sou intercessora, amém? Se amanhã precisar ser aquela que vai tomar conta das crianças, aquela que vai animar o grupo das crianças, aquela que vai estar cuidando da livraria, eu posso. (Idem)

Cabe à cúpula estratégica criar boas relações ou com os padres e o bispo,

monitoramento e análise da sua membrezia mais direta emitindo opiniões sobre suas condutas

podendo levar até o afastamento da comunidade por meio de afirmações do tipo: “será que

realmente é isso que você quer?”, “você precisa amadurecer mais”.

Cabe ainda à cúpula da Chagas oferecer saídas diante de circunstâncias – conflito

de interesses, por exemplo, em que não existam regras para tais procedimentos, estabelecer

relações pessoais com outros membros de outros Arranjos não só situados no ABC, mas no

Brasil, representar sua comunidade em eventos importantes,, mormente aqueles que se

referem ao planejado pela hierarquia católica local etc. O organograma da Chagas é

desenhado da seguinte forma:

Figura 30 – Organograma simplificado da comunidade Chagas de Amor

FUNDADOR

CONSAGRADA VIDA

DOIS PRÉ-DISCIPULADOS

CO-FUNDADOR

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3. ARRANJO CATÓLICO ÁRVORE DA CRUZ

Situada em um bairro da periferia urbana de São Bernardo do Campo em vila

Nova Devinéia a casa de missão e vida “Santa Teresinha do Menino Jesus” é o locus central

das atividades do Arranjo Árvore da Cruz. Entre pequenas vielas asfaltadas e entrecortadas, o

bairro residencial consolidado de média vulnerabilidade social é notadamente pobre e

formado por habitações com alvenaria à mostra:

Figura 31 – Fachada da Comunidade Árvore da Cruz

Fonte: foto realizada por Vlademir Ramos

Figuras 32 e 33 – Rua da Comunidade Arvore da Cruz – travessa Vista Alegre, Bairro dos Casa, São Bernardo do Campo

Fonte: fotos realizadas por Vlademir Ramos

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Na Vila, nota-se a presença de pequenos mercados caseiros que dinamizam o

comércio local e uma população que não só lida com sua própria pobreza ficando refém da

política de algumas milícias e do tráfico de drogas atuantes neste território, mas também com

o isolamento social que lhes foram impostos pelo crescimento urbano desigual. O bairro

parece imune à intervenção de políticas públicas ou iniciativas privadas ou, na linguagem de

Milton Santos (2008) tornam-se “espaços opacos” que se iluminam apenas em momentos de

campanha política grampeados pelo oportunismo de candidatos da região. É dentro deste

espaço que uma das vertentes deste catolicismo alternativo constrói seu network e viabiliza

sua “missão”. O fundador, de personalidade forte, possui algumas características que marcam

sua moral rígida: discorda da posição de alguns padres de tendência liberal apoiando outros

que não “denigrem” a imagem do catolicismo, por exemplo, o padre midiático de Cuiabá,

Paulo Ricardo, assume contrariamente a relativização da doutrina católica vendo-a como uma

verdade senão um sacramento e exerce, segundo os seus próprios relatos, o método de

ovulação Billings. Fundador deste Arranjo, de 34 anos, pai de três filhos, casado cuja esposa é

a co-fundadora, ensino médio completo e com “sonho” de estudar “teologia católica” atuou

por vinte anos na área de usinagem em empresas situada no grande ABC - Wheaton Plásticos,

Proem-engenharia, mas abdicou não sem conflitos à mudança de vida em decorrência da sua

decisão:

Assim, a gente trabalhava normal, com a mesma responsabilidade, que tem que ter no trabalho só que, querendo ou não, eu identifiquei quem me atrapalhava por que? porque você não tava se dedicando ali ao chamado, aquilo que deus moveu, então, aquilo sempre dentro de mim..., as vezes, eu falo, eu fiquei os quatro anos me questionando, ‘eu devo ou não devo abandonar o emprego’? A minha esposa sempre, concordou com esse abandono, essa saída do emprego, e eu, não! Eu não queria desistir porque eu fui educado, na família, que meu pai aposentou, trabalhou vinte e seis anos dentro de só uma empresa, então, pra mim ali é uma cultura muito forte onde, eu precisava me confrontar com essa ideia de viver com o que Deus dá através de benfeitores, os amigos, né? Realmente, esperar em Deus, eu fiz um retiro de nova comunidades, né? O retiro da comunidade Oásis, que são seis módulos, da escola. Aí, participando de alguns módulos, não tinha como. Foi uma coisa que eu tinha que ficar perguntando – ‘Senhor, só que eu me sinto sem coragem de tomar essa decisão’, e lá, eu senti forte esta decisão, mas o tempo que eu trabalhei foi muito difícil, até mesmo, muitas coisas, não caminharam na comunidade devido a isso. (Idem- grifo nosso)

Duas coisas aqui chamam a atenção, a primeira é o fato da sua angústia em

desistir daquilo que considera a “normalidade” da vida: estudar, trabalhar, ter sucesso, casar,

aposentar, assim como foi com seu “pai”. E o outro fato, a influência recebida da esposa e a

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experiência advinda da sua participação de outro Arranjo, chamado Oásis95 consolidado e

criado há 25 anos por uma mulher catarinense. Enquanto algumas decisões parecem óbvias,

“crescer na empresa e tornar-se líder de sessão”, o fundador, à custa de grande ansiedade, sua

indecisão cresceu vertiginosamente na medida em que ele teve a “oportunidade” de realização

profissional.

O primeiro indício de que a escolha seria importante não adveio de uma

consequente insatisfação suficiente para superar a resistência à mudança. Ao contrário, não

foi a sua consciência que o provocou, mas Deus mesmo. Este o “testou” mesmo sendo um

“funcionário padrão”:

[...] Porque eu sempre me dediquei. Nessa, última atuação, nesta parte de logística, eu me encontrei enquanto profissional, por que eu sei, sempre trabalhei na área de usinagem, fiz três Senai’s, mas não era aquilo, aquilo que me agradava. Quando eu entrei na parte de logística, eu me encontrei, então eu creio que até o Senhor permitiu, que eu fosse para essa área, pra eu realmente sentir falta. (Idem, grifo nosso)

Desligado da empresa, o fundador passou por um processo decisório

correspondente a três fases. Primeiro, houve por sua parte, uma análise exploratória de

conhecer as “experiências” já efetivadas de outras “novas comunidades”. Em seguida, a fase

de incubação ou avaliação racional pesando os “prós e contras” e, finalmente, efetuar sua

decisão, mesmo que residisse um paradoxo entre sua vontade e a de Deus. Retirando-se da sua

zona de conforto profissional, atualmente dedica-se “totalmente à obra” vivendo sob a lógica

da Providência. Ainda dentro de uma atuação paroquial teve um insigth divino para

aprofundar melhor a sua fé.

Auxiliado pelo pároco à discernir sua experiência mística e sob influência de

caminhos propostos por outros Arranjos, o fundador oficialmente constitui a comunidade em

2003 e, atualmente se encontra vinculado à paróquia em stand by, mas a dedicação exclusiva

concentra-se na organização que criou. Devido ao respaldo positivo emitido pela ICAR

incentivando a criação de “novas comunidades eclesiais”, o fundador da Árvore organizou-a

livremente mediante suas necessidades e carisma. Residindo com sua família em outra casa

no mesmo bairro, ele relata que até chegar a “casa de missão” atual fez algumas experiências

em 2003 em locais diferentes desenvolvendo atividades oferecendo cursos de inglês, espanhol

e artesanato. Opinião equivalente é emitida também por um membro da comunidade de Vida

da Árvore: [...] “Antigamente a gente tinha este trabalho social, tinha curso de violão, Rh, de

95 Conferir http://comunidadeoasis.org.br/site/, Acesso em 02/03/13.

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desenho de crochê de ginástica as pessoas faziam, hoje a gente não mantém mais esses

trabalho, né? Até por questão de espaço, né, a gente acabou não continuando, né?” [...]

As atividades supracitadas eram oferecidas gratuitamente ao “povo” intercalando

com atividades religiosas de oração e aconselhamento. Desta experiência, surgia a

“comunidade de Aliança”, mas desejando “um dia ter a comunidade de vida”. Os efeitos

destas atividades se fizeram notar e, em 2005 somaram-se à comunidade mais cinco membros

que se dispuseram a “fazer esta experiência”, restando atualmente três garotas em estado de

“dedicação exclusiva”. Mas, estas ações não lhe satisfizeram levando-o a morar em uma

chácara alugada num período de três anos e meio foi então que lhe surgiu um insight de criar

a atual “casa de missão” na vila Nova Divineia, antiga moradia do seu pai e cedida por ele ao

filho, onde residem apenas as três garotas celibatárias mencionadas com faixa etária entre

vinte e quatro e trinta anos.

Fato importante é que o Arranjo Árvore da Cruz apresenta um mínimo de

rotatividade do seu pessoal tanto da Aliança quanto a de Vida o que indica a fidelidade às

regras e ao carisma do Arranjo. A pergunta que dirigimos a este tópico é: quais são os

critérios pelos quais os participantes são recrutados? Este Arranjo é uma organização

tipicamente normativa, uma comunidade moral. Confiam na comunicação e socialização entre

seus membros e a partir deste pressuposto é que elaboram seus meios de recrutamento de

novos membros. Há regras que são vividas pelos membros veteranos e a aposta recai nesta

normatividade porque não força os membros a “aderir” a ela. Ao contrário, o acento recai no

aspecto moral o que amplia a possibilidade dos seus membros permanecerem envolvidos na

comunidade. A participação inicial de alguém que deseje ingressar no Arranjo concentra-se

num “encontro vocacional” realizado todo final de ano:

Então hoje, a gente ainda tá definindo porque isso ainda tá acontecendo, mas hoje o é encontro vocacional, né? Depois deste encontro geralmente em novembro, ele fica (o neófito) o outro ano no vocacionado. Ele, aceitando isso, ele faz uma carta de ingresso, ele seja de, deseja, então ele começa a participar de encontros ocasionais é um encontro por mês, e nesses encontros o que acontece ele vai conhecendo o carisma, uma hora vai ser dito pra ele como vive a oração, a Palavra, o conhecimento da fé. (homem, casado, 34 anos).

A socialização feita posteriormente, no “vocacionado” é gradativa e a experiência

agregada pelo neófito podem mudá-lo acentuadamente. Após intensa socialização na chamada

inserção na “comunidade Aliança” identifica-se no interessado a sua disposição mínima de

aceitação normativa da comunidade. Obviamente, este recrutamento moral não está isento de

um mínimo de coação, pois exige do voluntário a renúncia dos seus desejos, interesses e se

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subordine aos interesses do Arranjo. Mesmo que, após um estágio demorado de inserção

comunitária, o neófito desista da sua opção de “celibatário”, por exemplo, não poderá agir

indiscriminadamente, mas é convidado a preservar os ensinamentos para manter-se uma

pessoa “correta”. O fundador elucida com um caso emblemático de uma pessoa que começou

num “estado de vida” e migrou para outro, mas sem perder a ética:

[...] Se no meio do caminho existir algum desejo, olha teve uma menina, com o desejo de ser celibatária. Foi até umas das primeiras, e depois ela viu que não era ai ela partilhou, a gente conversou muito, ela saiu dessa situação de celibato.[...] Ela poderia ser Vida, ela ficou um pouco, mas ela depois discerniu que tinha que ser Aliança, hoje ela namora com uma pessoa que não é da comunidade, é orientado por uma vivencia, mas a pessoa é da igreja, porque tem que ser, né? (Idem,)

O Arranjo Árvore da Cruz – não muito diferente dos demais arranjos – se envolve

em algum tipo de atividade de angariação de fundos gerando renda para sustentar os

programas e atividades da organização. Há modestos projetos de captação de recursos, como

por exemplo, a confecção de cruzes de madeira de tamanhos e formas variadas elaboradas em

uma das salas da “casa de missão” (um ateliê peculiar), reservadas somente para este intuito e

a confecção de trufas vendidas também no grupo de louvor ministrado às sextas-feiras pelo

fundador. Por sua vez, os usuários são convidados ou incentivados a dar ofertas regulares de

apoio ao “trabalho missionário” incluindo a forma como a contribuição é solicitada e as

consequências da doação, tanto para o doador e a organização beneficiária. Segundo o relato,

a doação feita à Árvore não diminui necessariamente o dízimo paroquial porque a propaganda

é no sentido de sensibilizar os usuários do fato de que os proventos acumulados serão

administrados para “amparar” a comunidade, criando um fundo de reserva que ajude inclusive

na “aposentadoria” do fundador:

[...] Não era o que ganhava, no trabalho, com certeza, bem menos, mais no futuro a gente tem pensado, nos amparos da vida pública vida civil normal, no INSS então até novembro (2012) eu vou recebendo o seguro até setembro agora, e em novembro no mais eu vou começar a depositar, eu vou ver também,... um dia pra se aposentar. (homem, casado, 34 anos)

A comunidade é sustentada por doações e estas são vistas como um “dom

gratuito” sendo que os membros da “comunidade de Aliança”, as pessoas que são

“evangelizadas”, a capela de São Francisco – próximo à casa de missão da comunidade -,

grupo de oração da paróquia, doam regularmente ou em dinheiro ou espécie para manter a

comunidade. Desde a formação da Árvore da Cruz e com recursos mínimos realizam-se

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algumas atividades distribuídas em cada dia da semana. Às sextas-feiras acontece o “grupo de

louvor” localizado numa sede de bairro “cedida” ao grupo:

Hoje é assim, a gente tem o trabalho com o grupo de oração, todas as sextas-feiras sete e meia tem o grupo de oração, é onde a gente reuni o povo. É uma capela próxima daqui, a gente tem as visitas nas famílias, que é missão famílias restauradas, é uma missão aonde a gente vai, leva a palavra do evangelho do dia, procura ouvir a famílias. As famílias vai partilhar ali suas lutas seus sofrimentos, e a gente faz um grande clamor pedindo ao Senhor que, derrame seu Espírito que cure que aja naquela família, naquela estrutura, né? (Homem, casado, 34 anos)

Nestes momentos de “louvor, oração em línguas” criam-se laços com as famílias

que visitam e participam do culto carismático. Os cultos oferecidos pelo Arranjo são

momentos oportunos de propagar suas atividades e um espaço propício para a captação de

novos membros ou futuros benfeitores. Ao final do culto é “sorteado” uma “capelinha de

Nossa senhora” para as famílias que estavam presentes e, na semana seguinte, a equipe

missionária da Árvore irá à casa desta família. No entanto, é igualmente importante considerar

que a captação e a retenção de novos membros é inseparável dos esforços de recrutamento, de

educação espiritual oferecida às famílias. Através deste “plano de marketing”, o Arranjo tenta

ativar novos membros utilizando uma combinação de adoração e atendimento mediante uma

atividade estruturada e organizada estabelecendo uma relação informal entre os membros já

existentes e os novos. A seguir descreveremos as demais atividades e networks estruturados

pelo Arranjo, que em nosso entendimento, são construídos e mantidos estrategicamente por

estes cultos realizados pelo grupo de louvor às sextas-feiras.

A “casa de missão”, além de servir de alojamento para as três mulheres

“consagradas” oferece assistência e apoio familiar do tipo “orientação matrimonial”, sobre

drogas, no sentido de atendimento espiritual: aconselhamentos e orações. Um casal, por

exemplo, é acompanhado pelos “consagrados” no que diz respeito aos seus interesses e

necessidades específicas a fim de responder de forma eficaz quanto possível essas

necessidades. Aconselhamentos e visitações fazem parte da rotina empreendida por este

Arranjo, sinalizam as formas de resolução de problemas, indicando um senso de direção e

propósito para o público – geralmente católico - que ali se aproxima. A seguir, verificaremos

o perfil de um agente missionário, mulher, “consagrada” há seis anos no Arranjo. Atualmente

está sob dedicação exclusiva vivendo de “doações” e que nos indicou as principais atividades

realizadas.

Pernambucana e caçula de seis irmãos, com ensino médio completo e

“sonhando” cursar Enfermagem, mas que pratica violão porque “gosta”, a “consagrada” de 25

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anos que nunca pensou em ser freira migrou à São Paulo com dezoito. Em São Bernardo do

Campo residiu na casa de familiares em uma região próxima à comunidade Árvore, a fim de

“passar férias” sofrendo a influência de sua tia – devota e praticante do catolicismo –

apresentando à sobrinha as atividades do Arranjo deixando-a, como a “consagrada” mesma

relata, “fascinada”. Volta à Pernambuco, “pede” autorização aos pais e regressa a fim de

efetivar o seu desejo:

Ai ela me convidou, né? Pra participar, conhecer o trabalho, né? Eu assim, de inicio não fiquei com medo, a gente não tinha costume lá onde a gente morava. A gente era católico, mas não praticava né? De maneira alguma, né? Pra conhecer, que não conhecia, minha tia conhecia, aí ela me levou né? E na hora que vi assim, a comunidade, né? Eu lembro como se fosse hoje a acolhida que a comunidade me deu, me fascinou! (mulher, solteira, 25 anos)

Atualmente, este processo de identificação com o Arranjo, a fez internalizar as

regras, os objetivos e a missão da comunidade, assim como, identificar-se com o seu papel e

com suas funções compartilhando valores estabelecidos pelo fundador. O grau de dedicação

da “consagrada” às atividades da casa requer dela uma medida de controle dos seus desejos,

vontades, isto é, de uma mudança de mentalidade e isso se faz não sem conflitos:

Se eu disser que não existe dificuldade eu vou mentir, né? A dificuldade que eu vejo assim é a renuncia de si mesmo, eu renunciar aqui pra viver a vontade de Deus. [...] eu vejo que crescer, que eu preciso melhorar, até a cultura de tudo que a gente aprende é Deus, né? Deus, ele tem uma forma de agir com a gente, eu tenho muito respeito... e tenho que me dobrar diante da vontade de é difícil, porque você tem que morrer pra si mesmo e morrer pra si mesmo, deixar suas vontades dói, né? (Idem)

Há de se considerar aqui que o relato expõe que a “carga emocional” a qual ela

se submete devido à necessidade de controlar a expressão de suas emoções para satisfazer as

exigências da opção que fez é compensada pelo ritmo de atividades e horários presentes na

agenda da comunidade. A dedicação à comunidade não faz pensar sobre o futuro, o

importante é a intensidade do momento. Nota-se que a consagrada, nestes seis anos de

convivência comunitária foi absorvida pelo entusiasmo do trabalho realizado enquanto

liderança ativa, o que demonstra minimamente o seu envolvimento afetivo fazendo da

organização seu projeto de vida. Embora as posições de controle majoritário estejam nas

mãos do fundador, as atividades instrumentais ou operacionais realizadas, a coloca numa

posição de controle das suas ações. Por outro lado, a sua participação no conselho geral, em

se apoderar de algumas atividades intracomunitárias (aconselhamento e artesanato), sem

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contar os treinamentos sistemáticos realizados pelo fundador colaboraram na sua integração

dentro do quadro estruturante da comunidade.

Os serviços religiosos de consultoria e assessoria planejados semanalmente e

oferecidos aos usuários garantem também a participação, a colaboração e a manutenção das

“consagradas” no Arranjo. As residentes estão submetidas não somente ao regramento moral

assim como os horários de reza foram estipulados previamente pelo fundador:

[...] Terminou o café a gente vai pra capela fazer a nossa oração pessoal, porque oração comunitária é outra coisa, a gente vai orar por você pela sua dificuldade, pela sua limitações dentro da comunidade, pela comunidade se você precisa crescer, então tem essa momento, depois a gente faz a leitura da palavra, né, Ler um livro, né?, é indicado um livro pra tá lendo, né? sobre igreja sobre depressão, né? cada um fica lendo um livro, e começa a ler, dá as dez horas, ai a gente começa a arrumação da casa deixa tudo organizado. [...] (Idem).

O ajuste de horários da oração do Arranjo é muito similar ao das ordens religiosas

– franciscanos, dominicanos, beneditinos, apenas como exemplo. No entanto, o Arranjo

carrega características comuns que são a marca registrada da vida religiosa: oração

comunitária, pequena refeição matinal (café) somente entre os membros, oração privada,

estudo e, obviamente, os votos de pobreza, castidade e obediência. A prática da oração96–

fixada pelo fundador - se repete durante toda a semana mesclando momentos de contemplação

e militância. Todos(as) da comunidade dividem um componente fundamental que é a

dedicação a uma vida de auto-conversão e renúncia para a santificação da religião e dos

próprios consagrados. Nessa troca rítmica de oração, trabalho e descanso, o fundador, embora

residindo com sua esposa em outra casa, participa alternadamente das orações feitas pelas

consagradas na “casa de missão” e o mesmo relata os momentos de reza conjunta, com certo

grau de conhecimento do teor das orações e dos horários:

O nosso cotidiano é oracional, a comunidade toda, principalmente. A Vida Aliança não tem esta obrigação. Acordam cinco e meia vão pro oratório às seis, dentro da casa, não é todo dia que venho aqui é em dias alternados, a gente vem rezar com elas, a gente faz as laudes, que é das orações das horas, que é diferente da liturgia das horas. É como um resumo, mais simplificado, mas contém toda essa unidade da igreja, que é a oração universal, né? É a gente faz às seis horas essa oração das horas. Depois da oração das horas, tem o café da manhã, que é por volta das sete e meia. A oração das horas vai das seis até seis e meia, seis e quarenta. Sete e meia, o café, né? Aí, oito horas termina o café. Das oito as nove é feita a Lectio Divina, que é a meditação da palavra e depois, a outra meia hora é uma oração pessoal, onde

96 A liturgia das horas é a oração oficial da ICAR. É composta de cantos, salmos, hinos com adição de ração e leituras das Escrituras judaico-cristãs. As orações são ajustadas em diferentes períodos do dia, também chamadas horas canônicas. O arranjo Árvore da cruz faz uso de parte desta liturgia oracional, isto é, a Laudes, oração da manhã, mais enxuta e as completas, antes de dormir. A liturgia das horas é obrigatória aos bispos, sacerdotes e diáconos e indicada, recomendada, aos leigos.

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você fica no oratóri, aqui na casa de vida, fica ali, juntos em silêncio, falando com o Senhor por oração, aí tem o almoço, ao meio dia. Três horas tem o terço da misericórdia e seis horas, o terço mariano,... aí, vinte uma horas, vinte e um e trinta na verdade, é as completas que é oração das horas, ai finalizou o dia, né? Durante o ano a gente faz a quaresma de São Miguel, né? O tríduo de São Pio que é o nosso patrono, o terço de Santa Terezinha, que é nossa patrona,... então a vida de oração da comunidade é assim, né? A gente usa sempre a motivação. (Homem, casado, 34 – grifo nosso)

Nota-se ainda, dentro do relato do fundador, que há a inclusão de mais três

momentos de reza comunitária, a Lectio divina, o terço da misericórdia, o terço mariano. A

primeira, reativada por Bento XVI em 2005, em comemoração ao quadragésimo aniversário

do Concílio vaticano II no intuito de trazer para os ambientes católicos uma nova primavera

espiritual97. Corresponde a um método de leitura das Escrituras e que remonta uma prática

medieval do século XII de examinar cuidadosamente as Escrituras tentando encontrar a escuta

divina. A segunda, corresponde a uma oração substituta mais enxuta, do tradicional terço

católico e é atribuída à santa Faustina. E, por último, o terço mariano correspondendo ao terço

tradicional. Soma-se a estas orações a quaresma de São Miguel ou uma oração de combate ao

inimigo, o tríduo do padre Pio de Pietrelcina e o terço de santa Terezinha do Menino Jesus. A

inserção destas orações, quaresmas, tríduos diários enxertados de forma criativa e que

correspondem a intenções e momentos históricos diferentes que a geraram, formam um

mosaico, um construto que, segundo a lógica do fundador, permite por um lado estabelecer

certo regramento do seu Arranjo. Por outro, indica um esforço da sua parte de firmar ou fixar

uma tradição - ainda em processo de consolidação - da sua comunidade. Em outras palavras,

o uso que faz de orações próprias do catolicismo – seja ele mais tradicional, seja mais

carismático – mantém a sucessão do continuum católico adequando e reformulando algumas

de suas características típicas advindas das ordens religiosas, dos santos católicos e de todo

arcabouço simbólico permeado pelos anjos. Aqui temos uma amostragem da capacidade

criativa do fundador de salvaguardar uma memória católica apostando seletivamente na

manutenção de alguns de seus caracteres combinados com uma prática burocraticamente

dividida de forma a potencializar o atendimento espiritual dos seus usuários sejam eles

“consagrados”, seja o “público” em geral.

A cada dia da semana há um cronograma a ser cumprido e as saídas missionárias

realizadas externamente são previamente planejadas. Às segundas-feiras, não há atividades

religiosas na “casa”. As “consagradas” têm a liberdade para organizar o seu tempo segundo

97 Conferir www. vatican.va. Acesso em 03/04/13.

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sua conveniência, organizam e limpam o ambiente, saem juntas e à noite acontece a formação

doutrinária ministrada pelo fundador:

No terceiro domingo de cada mês acontece o “dia fraterno” que reúne as

“consagradas” e a família do fundador. Dia de diversão com direito a filme e pizza. Praticada

de forma espontânea e por mútuo acordo, o fundador criou estes momentos de descontração

de modo a promover uma proximidade afetiva entre seus membros. Há uma preocupação de

preservar estes “momentos” para evitar qualquer tipo de “desgaste” ulteriores das

“consagradas”. Longe de ser uma mera distração ou dia de descanso, o fundador entende que

a “vivência” do carisma não pode ser apenas planejar e desempenhar algumas tarefas – aqui o

fundador vale-se de uma crítica feita às estruturas paroquiais – mas a necessidade de que os

seus membros se empenham diretamente e conjuntamente para que o exteriorizem em suas

ações:

A gente tem os momentos fraternos, então na segunda feria é um dia fraterno,... Então a meninas aqui na casa tem os momentos dela, e eu fico com a minha família... Aí, no terceiro domingo, a gente tem o momento fraterno ou a gente vai pra algum lugar, ou a gente assiste um filme, come um pizza, prepara alguma coisa. Na nossa comunidade pelo menos, é bem claro essa orientação geral, né? Claro, tem que ter lazer, tem que ter brincadeira, tem que ter esses momentos porque se não isso desgasta (HOMEM, CASADO, 35 ANOS)

As “missões” realizam-se às terças-feiras à noite junto às famílias previamente

“sorteadas” no grupo de louvor e famílias que já fazem parte do círculo de ação do Arranjo.

Segundo a escala de visitações, a cada terça-feira visitam-se três famílias diferentes. Estas

recebem as missionárias consagradas da Árvore prestando ajuda – às vezes emergencial – sob

a forma de aconselhamento religioso em casos principalmente de relacionamento

matrimonial, conflito de pais e filhos e, drogas. As famílias já cadastradas ou “fichadas”

permitem que o Arranjo as conheça. Questões como “casamento regular religião”,

“divorciados”, “quantidade de filhos”, “doenças na família” são registrados forjando assim

um histórico de características das famílias atendidas. Algumas delas são contatadas através

de vários dispositivos: a) grupo de oração da paróquia; b) grupo de louvor criado e conduzido

pelo Arranjo na figura do seu fundador; c) Indicado por um “amigo” e até mesmo pelo

pároco, que acompanha as atividades do Arranjo. Abaixo, a entrevistada explicita sua

descrição de tarefas com base na realidade do seu próprio ambiente

[...] A gente tem um cadastro de varias pessoas, né? Das famílias que a gente acompanha, mas também a gente não fica preso só nessa. A gente tem as pessoas que não tão cadastradas, que vem nos procurar, é ai aonde a gente começa, né,

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colocar neste cadastro a gente pega amizade, com esta família e se torna mais uma família pra gente acompanhar, então tem as pessoas que costuma nos visitar e que aparece por indicação dessas que a gente acompanha, por indicação do grupo de oração, por indicação da paróquia, o padre diz: - ‘olha eu queria que vocês visitem tal pessoa, tal família, tá acontecendo isso, vocês podem ir lá?’. A gente vai, a gente cria esse elo, então, não vê essas pessoas na igreja pessoas contam, mudam de lugar. [...] A situação do nosso padre, né? Ele tá sozinho, né? que é muita coisa, né? (mulher, solteira, 25)

Estes serviços espirituais de apoio domiciliar promovem cuidados paliativos. Na

visão geral das missionárias consagradas, o exercício deste cuidado espiritual junto às famílias

apresenta um caráter preventivo de “cura” tanto individual quanto coletivo. Sua missão é

realizada – quando solicitada – em estreita colaboração com o padre local e desempenha um

importante papel na consolidação de relações mais próximas entre o Arranjo e a paróquia. A

depressão que acomete a vida das famílias em decorrência de “falta de carinho, melancolia,

tristeza”, é interpretada como “vazio espiritual” necessitando de uma consolação espiritual:

Segundo a entrevistada, conflitos matrimoniais, drogas e depressão são os três

problemas mais comuns nas famílias e o fato de ter “alguém para escutá-las” acaba

criando/recriando um vínculo social importante para o Arranjo. A introdução destes

elementos de “escuta” e “orientação” característicos destas visitas missionárias são

considerados favoráveis ou propícios para a criação e manutenção dos contatos efetivados. Há

um esforço, por parte das missionárias da Árvore, que estes contatos tornem-se afetivos,

transformem-se em “lugares amigáveis”, um espaço onde as pessoas visitadas se sintam bem

preservando a privacidade dos envolvidos. Estes pontos de escuta criados nas casas e o

monitoramento das famílias cadastradas, além de promover um vínculo com o Arranjo,

intentam “prevenir” – a seu modo - o consumo de drogas, as relações matrimoniais críticas

restaurando, ao mesmo tempo, a ligação dos sujeitos com a religião católica:

Os dois maiores problemas que a gente percebe é o casamento, né? A questão do casamento... muita dificuldade no casamento, né? Porque as pessoas casam, mas não conhecem um ao outro e vão conhecer e depois do casamento, é lógico que a gente não vai conhecer plenamente, mas o que acontece casa e acaba sofrendo, muitos já tiveram envolvimento acaba tendo filho com o vicio e é muita dificuldade neste sentido, né? E a questão da droga, né? As droga, a depressão, né? . Que tem aqui tanta, gente também, pois a maioria pensa assim, a depressão é só ficar em cima de uma cama, mas o que é isso né... tem muitas pessoas, que estão depressivas, por que, não tem ninguém para conversar fica morando sozinha, passa o dia sozinha, a maioria não tem, a família quando chega o filho ou marido não quer saber da esposa ou visse e versa, então essas situação vão levando a família destruição é que essa pessoa vive, e depois que a gente houve a pessoa a falar tudo o q eu que ela tá vivendo tudo o que ela viu (idem – grifo nosso)

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Outros serviços são oferecidos na “casa de missão”, que por sua vez, são

divulgados no grupo de louvor. Os serviços em curso já mencionados, reza de terço,

aconselhamento e grupo de oração, para uma clientela móvel, não incluem apoio financeiro,

alimentação – somente em extrema necessidade -, e muito menos luta política:

Tem mais uma questão da missão na quinta-feira, nós temos atendimento de oração aqui, então, o atendimento vai do aconselhamento. Então, o aconselhamento, a pessoa vem e traz uma luta familiar, dificuldades do matrimonio, então baseado na doutrina, a gente vai fazer orientação, os passos que a pessoas poderia tá dando, prá pessoa tá melhorando, junto com os a vida de, também, e também hora pessoas que estão precisando de oração, por esta inspiração carismática. ~

Na quarta feira, realizam-se atividades de escritório: agendamento de visitas,

elaboração de trufas, confecção de cruzes de madeira, agendamentos das palestras do

fundador, preparação do grupo de louvor realizado às sextas. A consagrada relata que cuida

do artesanato num pequeno quarto transformado em ateliê e posta fotos, vídeos de eventos nas

redes sociais. Às quintas feiras, pela manhã após a reza da laudes, as consagradas vão à missa

e à tarde aguardam as pessoas evangelizadas nas casas e nas capelas que as procuram ou para

aconselhamento ou pedindo uma oração particular. Há, no entanto, um revezamento entre elas

no trato deste atendimento.

O exercício do controle no atendimento ao público é dividido entre os

“consagrados” incluindo o fundador. A divisão tarefas ou atividades é construída sob uma

divisão funcional do trabalho. O aconselhamento, por exemplo, é ministrado por todos(as)

aqueles engajados na militância do Arranjo, comunidade de Vida e Aliança. Neste caso não

há uma nítida divisão dos papéis e funções de ambos os sexos. A casa de missão possui vários

espaços. Um deles, numa sala no subsolo é realizado estes aconselhamentos e, no oratório há

outro grupo que reza pelos aconselhados. Subordinados as mesmas normas que regem o

Arranjo, as lideranças acabam por executar, ao menos neste dia, funções semelhantes.

Descrevemos abaixo um caso típico de aconselhamento relatado por uma das integrantes da

comunidade de Vida e aconselhadora no trato de problemas matrimoniais:

Vou citar um caso, veja um exemplo, vem aqui e alguém fala assim eu tó precisando separar do meu marido, eu não agüento mais, não sei o que fazer não dá certo, não sei o que ai eu pergunto o que está acontecendo, né? O que é que houve? é culpa só culpa dele no momento você vê que só ele que tá errando o que você tá fazendo pra ajudar nesta situação você. e ai a gente vai vendo que as pessoas vai falando situações que a gente vê que o marido tá errado,... a gente vê você realmente quer largar essa pessoa você tem certeza disto, você tá é ciente das responsabilidades que você vai assumir né? (Idem)

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No relato acima, o matrimônio precisa ser consertado. Este se dá restituindo

alguns valores que são veiculados neste aconselhamento: reconhecimento do próprio erro,

renúncia, compartilhamento, escuta etc. A crise matrimonial é interpretada como uma crise

espiritual. Falta ao casal ou em uma de suas partes a percepção do seu próprio erro. Em

nenhum momento a informante usou explicitamente uma doutrina religiosa apropriada, nem

asserções bíblicas como dispositivo-força para seus argumentos. Estes conselhos trabalham

com seus usuários em uma base de médio prazo, geralmente mais de duas sessões. Nesta

freqüência semanal oferecida pela clientela – que pode ser do bairro e não freqüentador de

paróquia ou paroquiano - o conselheiro pode ter ocasiões de observar e interagir

proporcionando maior consistência e apoio. Como o usuário informa sua história, o

conselheiro determina – a seu modo - a origem e a intensidade da dor espiritual e emocional

daquele. Ao final do aconselhamento faz-se um pedido de intervenção divina no fornecimento

de força e cura e não necessariamente esta oração é recitada em línguas.

O aconselhamento, na versão desta militante, tem a função de fazer com que o

usuário saiba quem é encontrando maneira de reduzir seu sofrimento, conviver com os outros

levando a paz interior, mesmo que paliativa. O aconselhamento, como foi citado, é

constituído de uma equipe que não passou pelo crivo de um treinamento técnico de

seminários e workshops devidamente registrado em algum órgão da religião católica. Ele se

institucionalizou informalmente seguindo as experiências, estudos de caso já construídos

anteriormente e que acabam por garantir o nível de competência do conselheiro(a) assim

como ampliando sua credibilidade tanto ao Arranjo quanto ao pároco local. Há casos em que

o aconselhamento dirige-se à homossexuais, em sua maioria mulheres, que procuram o

Arranjo expondo sua situação veladamente.

Não há uma recusa em aconselhar o usuário ou indícios de relutância em atendê-

lo por se chocar com suas crenças religiosas. Ao contrário, a consagrada escuta-o

identificando no comportamento homossexual do seu interlocutor não somente uma

orientação consciente, mas em decorrência de uma coação externa que a “machucou” –

provavelmente violência doméstica - influindo em suas ideias, emoções e sentimentos e que

“não é culpa dela ser o que é” e “ela escolheu por causa do sofrimento”. Neste

aconselhamento, por exemplo, recomenda-se, em nome das normas católicas, a vivência de

uma “vida casta”. A orientação a qual a consagrada se pauta é fruto de um duplo

conhecimento: o que vem da experiência da sua comunidade permitindo-lhe exercer um

jeitinho no trato de determinados aconselhamentos e, de uma doutrinação religiosa externa e

formal garantindo-lhe também legitimidade. Ambas lhe servem de parâmetro para suas ações

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193

que, por sua vez são amalgamadas nos casos particulares que ali afloram. O fundador, ao falar

sobre a homossexualidade, dirige-se com uma linguagem pautada mais nos critérios da

doutrina religiosa e o aconselhamento, segundo o relato a seguir possui um objetivo de

“libertar” a pessoa das “tentações” que a acometem na busca de satisfação:

E sempre partir do principio acolher a pessoa. você tem escutar a pessoa é dizer pra ela com carinho que o ato não é correto certo que isso,... que é muitas vezes gente ninguém entende que a igreja é contra o homossexual, não é isso a igreja é contra o ato, o ato não é correto então assim a gente fala diz pra pessoa que, não tá correto, né? (Homem, casado, 34)

Não interessa, nestes dois exemplos anteriores, querer ser completo na

interpretação dos casos, mas simplesmente fazer perceber de que modo o aconselhamento, se

situa num quadro determinado, sancionado pelo Arranjo e pela doutrina religiosa, mas ainda

por costumes criados pela prática da liderança deste Arranjo.

Aos fins de semana, as consagradas realizam oração em conjunto com a reza do

rosário e, a tarde e noite disponibilizam-se para pregações em grupos de oração em paróquias

situadas em bairros próximo à casa de missão. Aos domingos, após a oração matinal o

Arranjo colabora com as atividades litúrgicas da paróquia São Francisco e à tarde ficam no

aguardo de uma eventual inscrição de famílias que solicitam missão em suas casas. Um

domingo por mês, as consagradas visitam seus familiares.

O Conselho Administrativo

Para garantir a colaboração ativa de seus membros, o fundador – mesmo que

inconscientemente – desenvolve o que nós chamamos de cooptação dos seus colaboradores

mais diretos (os de Vida, as consagradas) e os indiretos (os de Aliança, também consagrados,

porém sem dedicação exclusiva). A estrutura de ligações entre o fundador da Árvore e demais

membros é pautado por uma colaboração amigável, mas significa também um contrato

espiritual dos consagrados ao seu líder, considerado exemplo modelar de pessoa santificada

dotada de um carisma peculiar escolhido por Deus. Adotando um estilo de gestão

participativa onde a grande ênfase é colocada no trabalho em equipe - que também não difere

muito em comparação aos demais arranjos elencados neste capítulo -, o fundador recruta

participantes de níveis inferiores que possuam capacidade de liderança. Cargos especiais e

tarefas são desenvolvidos de maneira que tornam possível sua contribuição para os objetivos

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da sua comunidade. Embora tais atividades direta ou indiretamente estejam controladas por

ele, o conselho propicia posições para este liderança subalterna manifestar-se, opinar sobre as

atividades realizadas. Provavelmente, o intuito é equilibrar o poder preservando a coesão

interna.

Sendo o Arranjo uma comunidade moral, estabelecem-se regras de convivência,

horários de reza e atendimento ao público, obrigações e responsabilidades cultivadas nas

atividades empreendidas mesmo que o estatuto ainda esteja em estágio embrionário. A Árvore

da Cruz pode ser entendida também como uma organização formal visto que não deixa de

transparecer uma expressão estrutural de ações racionais:

Vamos falar assim na parte, pra você e entender. No caso tem a menina que cuida das administrações e das missões, que é o agendamento de missões, pregações minhas, de retiro, pregações de ida na casa das pessoas. é essa pessoa que cuida, né? [...] Por exemplo, vai ter um seminário no grupo, sendo os temas e mediação, a gente monta um quadro de pregações eu convido os membros, ela convida os membros, é ela quem convida que liga pros pregadores, que necessariamente não são da comunidade. Tem pessoas que vem de fora - grupos de pastorais, comunidades. Tem os benfeitores. Essa menina cuida da partilha de arrecadação, como é, tá entrando, como foi, foram buscar a doação, tem pessoas que traz a comunidade. A gente faz uma carta também mensal simples, pro benfeitor saber o que tá acontecendo, o que vai acontecer, se vai ter algum encontro. Então o benfeitor vai saber. (Homem, casado, 35 anos)

A mobilização de competências técnicas – como no caso do artesanato e do

aconselhamento – requer um padrão de coordenação, uma ordenação das funções e a alta dose

de consenso entre os participantes do conselho no que diz respeito aos valores, hábitos e

normas que dirigem o Arranjo favorecendo a cooperação dos envolvidos garantindo, por

assim dizer, a sustentação do carisma do fundador.

Atualmente o Arranjo Árvore da Cruz estrutura-se da seguinte forma: cinco

membros da comunidade de Vida (incluindo o fundador e sua esposa, co-fundadora) e três de

Aliança. Há em processo cinco pessoas pré-vocacionadas cuja condição é a participação direta

nas atividades da comunidade “vivendo” o carisma. A mudança de “hábitos” também é

fundamental para participar da comunidade mantendo uma “vida de abnegação”. Isto é, em se

tratando de assuntos particulares, por exemplo, aquisição de um carro, o membro precisa

antes consultar o Conselho e pautar pelo seu parecer. O organograma do Arranjo é indicado

abaixo:

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Figura 34 – Organograma simplificado da comunidade Árvore da Cruz

4. ARRANJO CATÓLICO CORAÇÃO SAGRADO

O Arranjo Coração Sagrado situa-se no Jardim Alvorada98, Ribeirão Pires,

região do grande ABC.

Figura 35 – Fachada da Comunidade coração Sagrado, Ribeirão Pires, São Paulo.

Fonte: foto de Vlademir Ramos

98 . Na mesma rua onde se encontra a sua “casa de missão” há também, em suas proximidades, dois grandes centros religiosos, um núcleo da seicho-no-ie do Brasil e um centro espírita “Recanto da Luz Irmã Scheilla. (VER ANEXO F). Este último conta com um pronto-socorro de cura espiritual gratuito em que as “pessoas doentes” preenchem ficha, passam por uma triagem e são avaliadas pelo “médico espiritual”. Havendo possibilidades, o paciente é operado no mesmo dia. O médico espiritual é coordenado pelo “Dr. Stefani Oswald” que atende pelo espírito de Dr. Xavier e também é responsável pelos passes, águas fluidificadas, consultas espirituais locais e à distância. Conf. Site www.irmascheilla.org.br. Acesso em 02/04/13.

FUNDADOR

VIDA

CONSAGRADO VIDA

CONSAGRADO ALIANÇA

CO-FUNDADOR

VIDA

CONSAGRADO ALIANÇA

CONSAGRADO ALIANÇA

CONSAGRADO VIDA

CONSAGRADO VIDA

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O Arranjo foi fundado em 2009, por um pernambucano de nascimento de 34 anos e conta

atualmente com aproximadamente trinta integrantes formando uma Comunidade de Aliança,

apenas. O Arranjo foi precedido por um grupo – também erigido pelo fundador - denominado

projeto Sabaoth ou em hebraico, Deus dos Exércitos, cujo objetivo era “formar um exército

de Deus na luta pela evangelização dos jovens”99 através de encontrões em finais de semana,

cristotecas, palestras oferecidas em paróquias da região, mas se concentrava principalmente

na cidade de Ribeirão. O sabaoth é fruto de uma experiência mística do fundador logo após

deixar o seminário100 há doze anos, ainda como diácono católico, da Canção Nova. Tal

assertiva é ratificada por dois dos membros do Arranjo. O primeiro relato advém de uma

jovem mulher, que não participava ativamente do Sabaoth, mas veio conhecer sua história

após a inserção no Arranjo. O outro relato advém do próprio co-fundador que conviveu desde

a fundação do projeto referindo ainda que as “pessoas” o ridicularizavam sem entender seu

objetivo:

Por ter um berço católico, ele foi pro seminário canção nova, inclusive até uns que estudaram com ele hoje são padres mesmo de lá. O que acontece depois de sair do seminário, ele sentiu um chamado a mais, ai ele criou o projeto Sabaoth, que o projeto Sabaoth era o intuito de trabalhar com os jovens. Eu participava da capela do Belém Valentina, então eu nunca participei a fundo, eu nunca praticava. Eu ia no evento que eles promoviam, mas eu não fazia parte da comunidade. (Mulher, casada, 25 anos – grifo nosso).

[...] Acho que Deus nos uniu, cada vez mais, e tem nos unido cada vez mais nessa obra, nessa palavra, e de lá pra cá, Deus só tem mostrado e acrescentado aquilo que faço. O primeiro projeto que Deus deu no coração do fundador, é o projeto Sabaoth, todo mundo tirava o sarro: “- Porque projeto sabaoth?” “- Sabão, não sei o que?”, e Sabaoth quer dizer, Deus dos exércitos, né? Em grego. (Homem, casado, 47 anos)

O projeto sabaoth, além de divulgar seus produtos evangelizadores promoveu

também suas lideranças - o fundador e co-fundador - construindo assim, interações estáveis e

continuadas entre os jovens que participaram deste projeto. O resultado desta empreitada de

oito anos foi a aproximação de alguns jovens que se tornaram fieis ao fundador e às suas

premissas. Este, por sua vez, obteve deles, razoável lealdade capacitando-o a criar uma “nova

comunidade” mantendo a mesma proposta, mas com outro nome e Logotipo.

Um dos sujeitos entrevistados e componente importante desde a fundação do

Arranjo e que mantém fidelidade ao fundador é o co-fundador. Permitiu-nos, através dos seus

relatos, analisar os contratempos que obteve em sua vida até “descobrir Deus” novamente no 99 Conferir site: www.coracaosagrado.com.br. Acesso em 02/04/13. 100 O próprio fundador assume esta decisão por descobrir “verdadeiramente sua vocação” de continuar sua missão agora como leigo casado e pai de família.

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catolicismo carismático por meio de um grupo de oração anterior ao Sabaoth, denominado

ministério Jovem de Luz, liderado pelo fundador do Arranjo no ano de 2001.

O co-fundador, cearense de origem, chegou em São Paulo com cinco anos,

fixando-se em Ribeirão Pires. Possui dois filhos do primeiro casamento. Após o divorcio,

casou-se pela segunda vez. Atualmente com 47 anos de idade, reside com a esposa e dois

filhos na “casa de missão Coração Sagrado”. Colabora com algumas despesas da casa, como

parte do aluguel, contas de telefone, água, luz e internet. Exerce a atividade de motorista

numa empresa na mesma cidade. Em sua militância afirma ter recusado salários convidativos

que o forçariam a trabalhar nos finais de semana, pois “não troca a folga de Deus por nada”.

Foi membro da Assembléia de Deus próximo à Vila Prudente em São Paulo,

onde residiu por cinco anos. Entretanto, se desencantou com a comunidade religiosa por

motivos pessoais relacionados ao divórcio, como também por não ter sido respeitado em seu

jeito de ser:

[...] E nessa trajetória de vida, eu... devido não ter dado certo o primeiro casamento, eu me afastei das igreja, da caminhada eu... eu...eu.... Praticamente falei para mim mesmo, mas Deus houve tudo o que a gente fala que eu não queria saber mais de religião nenhuma, né? Devido tantas coisas que aconteceu, e as decepções da igreja evangélica que eu via né? ... uma coisa que mais me chateava lá é... que hoje mudou muito, né? A personalidades das pessoas hoje numa igreja, o modo de vestir, né? Naquele tempo que eu servia lá na Assembléia de Deus você não podia usar bermuda... você tinha que andar de calça social camisa, né? (Homem, casado, 47 anos, grifo nosso)

O entrevistado não resiste à dupla imposição moral assembleiana, uma a que diz

respeito ao divórcio e outro, ao comportamento moral dos seus membros, mormente no que se

refere à modéstia física. Por um lado, a posição religiosa da Assembléia desencoraja o

divórcio acentuando uma forte doutrina sobre a santidade e a permanência do matrimônio, por

outro, enfatiza o cuidado apropriado com o corpo, de forma a estabelecer um padrão visual

que não chama a atenção para si por meio de exposição inadequada do físico. Não

encontrando mais plausibilidade neste sistema religioso, se distancia criticando-o. Sob pressão

psicológica volta para Ribeirão, conhece sua atual esposa e firma um primeiro contato com o

futuro fundador do Coração Sagrado. Embora afastado do circuito religioso, já dentro do seu

segundo casamento, sua sogra convence-o a participar de um encontro de oração de “um

rapaz que veio do Paraná”. Duvidando se adaptar novamente, foi ao encontro estabelecendo

uma competição com Deus:

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[...] E minha sogra, muito católica ficou sabendo que eu era evangélico e tal, e a minha mulher não pois obstáculo nenhum, não! ‘eu tô afastado, não tô a procura de igreja nenhuma’, essa era a minha conversa... só que minha sogra falou assim: ‘há tem um rapaz ai, ele veio do Paraná e vai fazer um momento de oração ai no salão daqui do bairro e, se você quiser ir lá’, eu falei: - ‘não tem problema nenhum, posso ir acompanhar vocês’... Só que eu desafiei Deus naquele dia... foi eu tava de bermuda, de regata, falei comigo mesmo no meu coração, comigo mesmo: - ‘se deus me visitar do jeito que eu to, vou seguir essa e Deus veio e renovou muito forte e... me renovou, me renovou mesmo, e. foi quando eu comecei a abraçar e comecei a conhecer a renovação carismática, aqui mesmo em Ribeirão, comecei a conhecer um outro lado da religião, um outro lado da igreja católica que eu não conhecia, né? (Idem)

Podemos notar claramente o uso que faz da sua autonomia. A primeira questão a

ser considerada é que Deus não pode coagi-lo. Ao contrário, a coação advém do co-fundador:

é ele que quer barganhar contanto que satisfaça suas necessidades. Entende que Deus não

pode discriminá-lo, pois tal condenação reforçaria e agravaria seus sentimentos de suspeita da

religião. Isto é particularmente verdadeiro para ele, que se encontra em um estado de

fragilidade e reorganização simbólica na vida. Atribuindo a Deus o fato de se tornar

novamente “renovado” constrói a sua própria hermenêutica do texto bíblico. Por sua vez, este

é utilizado para ordenar e justificar sua vida de acordo com a moral que ele mesmo acredita,

exceto coações que lhe impedem o exercício da sua liberdade. Sua autonomia foi preservada

através da interpretação do texto bíblico explicitamente reformado adaptando-o aos seus

próprios interesses. Percebe-se aqui que o catolicismo, tipo carismático, lhe dá possibilidades

de exercê-la e tranqüilizá-lo em relação sua prática religiosa e sua vida privativa. Neste novo

ambiente de plausibilidade, o co-fundador afasta-se provisoriamente do fundador dado que o

mesmo ingressara no seminário da Canção Nova. No entanto, conhece outra “nova

comunidade” em Ribeirão intitulada Rosa de Saron, comunidade de Vida, mas que não teve

muita durabilidade histórica (1993-96) devido a certos burburinhos criados por seus

membros. Diante da nova decepção, tem uma recaída e volta a beber – prática que já possuía

antes mesmo do vínculo com o catolicismo – ao mesmo tempo em que “tem uma queda pelo

time do Corinthians”. Por um breve período de tempo, o entrevistado se afastou da religião,

mas não da sua rede de amizades incluindo o atual fundador do Arranjo, que lhe incentivava a

“voltar para a Igreja”. Ao assistir “um jogo” no estádio do Morumbi percebeu que ali não era

o seu lugar. Recebe uma “revelação” do Espírito Santo por três vezes num momento tenso do

jogo em que a “polícia” tentou controlar um “reboliço” no meio da torcida onde ele se

encontrava. Esta ocorrência influiu sobre sua percepção incitando-o à estagnação

momentânea:

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[...] Tava todo mundo sentado, assim, eu não sei o que aconteceu no meio daquele povo ali, começou aquele reboliço ali, e os PM começaram a subir, né? Tipo, na nossa direção, na minha direção e eu fiquei meio assim, nossa agora vai sobrar pra todo mundo e, no mesmo instante que eu vi todo aquele reboliço o Senhor veio tocar no meu coração, por três vez, o Espírito Santo veio falar no meu coração: ‘o que eu tava fazendo ali, se ali não era o meu lugar? nas mesma hora eu fiquei estagnado, eu devia tá ouvindo vozes alguma coisa, né? (Idem)

A sua reação se fez sentir entre os colegas, mormente do irmão - que

posteriormente “passado um tempo” deixou de ir a estádios ou em suas palavras “largou essa

loucura” para ir a cultos evangélicos. Utilizando inconscientemente seu grupo de referência

religioso anterior externou sua vontade: “aqui não é o meu lugar” e “eu só tô esperando

acabar, eu quero ir embora pra casa”. Tal grupo lhe serviu de função normativa que o fez ser

representado pelo Espírito Santo usando-o como referência para avaliar a si mesmo. Ao

chegar em casa manifestou sua experiência mística à esposa dizendo que descobrira qual, de

fato era seu objetivo: “voltar para Jesus” por meio da participação do grupo de oração

Ministério Jovem de Luz em Ribeirão Pires. Ao voltar para o grupo, o co-fundador discorre

que realiza um “pacto definitivo com Deus”.

Foram nestes encontros de grupo de oração que “nasceu” a ideia de formar uma

comunidade estreitando laços cujo trabalho focasse a evangelização da juventude e não em

trabalhos sociais. A primeira casa alugada para a realização desta empreitada na cidade de

Ribeirão Pires foi próximo à paróquia São José: [...] “Deus deu as casas pra, nós, a primeira

casa que Deus deu foi atrás do ENAU tem a matriz são José, o ENAU, é aquele colégio lá, na

rua de traz Deus nos deu a primeira casa, se pode deixar assim por que as casas,... a casa toda

comunidade precisa ter uma casa um local”[...]. Devido ao aumento de membros, a

necessidade de mudança foi sentida como necessária. Em novas buscas, o fundador encontra

em um bairro próximo a ETEC de Ribeirão uma casa na rua Áustria em bairro residencial.

Diferenciada pela sua estrutura de estilo muito similar a arquitetura colonial alemã possui dois

andares e um subsolo onde o co-fundador reside com sua família. Construída com o intuito de

ser um bar noturno ficou embargada por cinco anos antes da chegada deste Arranjo devido à

reclamação da vizinhança em relação ao “barulho” emanado deste local. O relato abaixo,

revestido pela crença da divina providência indica que a atual casa de missão é reconhecida

pela direção de uma Providência que exerce controle supremo sobre assuntos inclusive, os de

contrato de aluguel:

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200

[...] Deus falou assim que a gente precisava sair de lá e vir pra um ligar melhor... e dentro dessa palavra, dentro dessa profecia, o fundador, incomodado começou a procurar outra casa. Foi quando ela passou aqui em frente e viu essa casa fechada, Nem placa não tinha. Porque ela ficou fechada cinco anos e o atual dono, não queira alugar mais porque teve algumas decepções, né? [...] O fundador passou aqui uma vez e viu essa casa fechada, é de um senhor que mora no centro de Ribeirão. Quando o fundador ligou marcamos uma reunião. Foi eu e o fundador que conversamos com ele, foi providência irmão, providência porque o homem é católico, é da caminhada também, de Deus também sabe né? (Idem – grifo nosso)

Expondo suas necessidades de ser uma comunidade católica sem fins lucrativos,

o fundador e sua testemunha ocular, o co-fundador, firmaram contrato informal com o

proprietário, mas o processo exigiu dos locatários o cumprimento de alguns passos menos

rigorosos no tocante ao que se referia ao valor do aluguel e o seu pagamento flexível. Este

acordo foi entendido pela liderança do Arranjo não como um negócio, mas um apoio caridoso

do proprietário devido ao fato de ser da família católica.

Segundo ainda o co-fundador, mesmo que findando o contrato, não deixa de

sonhar com um jeitinho de comprar o atual estabelecimento101 – aproveitando a bondade do

proprietário católico – com o dinheiro do aluguel. Outra possibilidade acenada por ele em

uma das reuniões semanais com o conselho da comunidade foi o da compra de um terreno

dotado de um galpão amplo com espaço suficiente para um eventual crescimento da demanda

de fieis.

O Arranjo desenvolve um trabalho de recuperação espiritual dos jovens com um

acento forte na transformação da conduta moral deles. Neste sentido, utilizam-se alguns

dispositivos de atração como, por exemplo: 1) Cristotecas, que nada mais são encontros

públicos de música eletrônica ao vivo ou playback com estilos que vão desde o rock até

samba, mas retrabalhadas a partir de repertórios religiosos/gospel. Em outras palavras,

preserva-se a ideia de entretenimento, porém acrescentado o revestimento religioso; 2)

Projeto Sabaoth: aulas de violão com preços acessíveis para todas as idades; 3) Aulas de

dança country e inglês: ministrados pelo fundador; 4) Noite da pizza: a casa de missão possui

uma cozinha apropriada para a confecção de pizzas elaboradas pela própria liderança do

Arranjo cujo objetivo é arrecadação de fundos para os trabalhos de evangelização. Outro

dispositivo atrativo é 5) Dia da feijoada: confecção de marmitex com o mesmo intuito do

item anterior, mas com acréscimo de um detalhe. Parte da renda adquirida é voltada para o

retiro; 6) Retiros de jovens: também chamado de “Decida-se”. Isolando-se por três dias

101 O valor de mercado estimado é de seiscentos mil reais.

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consecutivos comumente realizado na “casa do cursilho” no parque das nações, em Santo

André, os jovens partícipes são submetidos a um encontro intensivo de impacto emocional de

louvores e pregações organizados pela própria comunidade Coração Sagrado. Existem alguns

mecanismos de atração juvenil utilizados pelo Arranjo. Um deles é a evangelização por

celulares e as chamadas redes sociais e também do “boca a boca”:

A gente também tem evangelização por celular. Então os que não tem Facebook, os que não têm e-mail, a gente manda sms, agente liga, pergunta como tá. Então não que a gente fica em cima, mas... se a gente voltar e não tiver presente com o jovem... “- A gente tá aqui. Com problemas que você tiver, pra conversar, pra chorar, pra louvar juntos”. Então a primeira coisa que o mundo lá fora vai oferecer é: vamos pra balada sexta-feira à noite encher a cara de beber e afogar as mágoas... afogar as magoas, ou então vamo fumar um beck... (Mulher, casada, 24 anos)

Outra forma de divulgação da comunidade é o fato dos consagrados se unirem

pra participarem de algum show com a camisa personalizada do Coração. Outra estratégia é

visitar lugares públicos, o shopping, por exemplo, com a camisa da comunidade:

Show católico, show gospel, por exemplo, eu vou no shopping com a minha camiseta passeando, o pessoal dá uma olhada, a turma vai perguntar. A gente explica que é da igreja, do movimento, explica o que é mais ou menos. – Onde é que fica? - Tal em Ribeirão. - Tem grupo? - Começa seis e meia. A pessoa vem, vem até nós e ai começa a descobrir o que é a comunidade. (Idem)

A outra é o “Decida-se” que segue um padrão de encontros previamente

elaborados pelo Arranjo e que envolve uma quantidade de voluntários consagrados solicitados

para este evento. A 10ª edição cujo tema versou sobre Por suas Chagas fomos curados, foi

realizada em março de 2013 e contou com 132 jovens de 20 a 25 anos inscritos e oitenta

consagrados ou “servos” que colaboraram desde a organização administrativa: cozinha,

banheiros, palestras.

Tem todo um preparo. A gente se prepara, tem ensaios, né? Quem vai pregar então tem passado o nome de oração de escuta a Deus, daquilo que Deus quer, por que tudo é direção de Deus, né? Porque assim, levar cem jovens lá, imagina! Levar cem jovens numa casa, passar três dias com esses jovens, porque o primeiro dia, irmão, é terrível quando eu chego lá no primeiro dia, eles vêm de qualquer jeito, né? Eles vêm com a cabeça bagunçada, com a cabeça daquele jeito, os vícios na flor da pele, tudo ali daquele jeito, quando é no sábado, você já não conhece mais ninguém. (Idem)

São realizados dois encontros de jovens anuais e é praticamente deles que

alimenta, mesmo que de forma incipiente, a demanda do Arranjo. Consciente de que uma das

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armas para atrair jovens reside na música ou “rock católico”, o co-fundador entende que estes

encontros são importantes para reintegrar o jovem na religião, mas ter a possibilidade deles

pensarem em sua vida moral de forma a deixarem de lado “sua cabeça bagunçada”. O jovem

compreendido desta forma, isto é, desorientado e irreverente precisa ser “moldado” até se

tornar, na linguagem de Foucault, um “corpo dócil” e disciplinado:

Porque é assim, a pessoa chega lá como se fosse descontrolada. Aí ela começa a entrar na vida espiritual, no momento de oração, mas no sábado é o momento mais forte de oração que têm pregadores fortes, que levam pregações forte mesmo, entendeu? Só pra você ter uma idéia, no sábado nós fomos dormir quase duas hora da manhã, na oração do Santíssimo e fusão do Espírito. Então você que vê que no sábado ninguém é mais o mesmo... Vem pregações fortes que mexe com a parte emotiva, que traz à tona o que a pessoa é, seus erros, seus pecados, né? Seu pai, sua mãe, né? Aquilo que eles tão vivendo, então tudo aquilo acaba borbulhante, e acaba todo mundo vomitando, né? (Homem, casado, 47 anos)

O contato com os possíveis jovens encontristas se dá via e-mail “agradando-os”,

cativando-os para o retiro. A maioria dos jovens encontristas são da cidade de Ribeirão,

porém devido a propaganda nas redes sociais, celulares e missas atingem também regiões de

Suzano, Ouro Fino e alguns bairros de São Paulo, por exemplo, Ipiranga.

O retiro segue um cronograma de orações, músicas, palestras, teatros tentando

permitir que os encontristas se fixem no ritmo daquilo que lhe é proposto. Apresentaremos a

seguir brevemente o cronograma de um dos cujo objetivo principal é a maximização do

marketing da comunidade: sua estrutura organizacional (valores, visão e missão) e sua

maneira de pensar a juventude. Segundo a liderança entrevistada, o primeiro dia de encontro é

pautado por encenações, palestras e músicas eletrônicas. O primeiro dia é dividido em quatro

momentos:

[...] eles já chegam num momento todo diferente. Esse último retiro ele passaram por um corredor cheio de soldados romanos, né? Num ambiente escuro, eles passaram pra entrar numa sala de palestra, o ambiente todo de soldado romano, ai eles sentaram [...] Gente fantasiada de soldados romanos, nossos... nossos (integrantes da comunidade) mesmo, fantasiados de soldados romanos, e fizeram um corredor e os jovens passavam por esse meio de corredor, entravam na sala, sentavam nos lugares e tudo em silêncio absoluto, ai começou... ai a bateria começou a fazer um barulho... pá! pá! pá! como um coração batendo, sabe? Entrou! Ai depois... é... os soldados gritando e todo mundo gritando crucifica! crucifica! Enfim a gente começou o retiro com uma mini encenação da crucificação, e a partir dali depois que o retiro acabou a gente já teve testemunho de que falou: “- Gente na entrada do retiro eu já senti uma coisa diferente, ambiente, só pela batida da bateria.”Então a gente começa dali, a partir dali. (Idem – grifo nosso)

No segundo momento o Arranjo apresenta sua “bagunça santa” dando ênfase

visual às suas músicas e coreografias. No terceiro momento, o fundador da comunidade faz

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uma intervenção com uma pequena palestra explicando o objetivo do encontro e das

dinâmicas ocorridas. No quarto e último momento do primeiro dia de retiro os jovens são

submetidos a uma balada com música eletrônica.

No sábado há um bombardeamento de palestras mescladas com dinâmicas de

grupo e encenações. A militante destaca a palestra de um pregador de Santo André, Ademir

Minhoca102, ex-drogado que motiva e faz chorar a platéia.

Estes encontros procuram modificar a consciência juvenil por vezes até de forma

traumática. Há neles formas estratégicas de atingir os jovens pela música, diversão, momentos

de toque físico, os abraços, por exemplo. O pós-encontro, uma semana após o retiro, acontece

na casa de missão Sabaoth em Ribeirão e não conta com muitos jovens, em média de cinco a

dez103, segundo o relato do co-fundador. Opinião controversa advém da militante que

secretaria as reuniões do Conselho relatando que, no último encontro de 2013, o retorno foi

“além do esperado” preocupando as lideranças por não possuírem espaço suficiente para

comportá-los:

[...] Esse último retiro o retorno foi fantástico. De cento e dez jovens é o que a gente tá sabendo assim... Os jovens definitivamente quiseram mudar de vida. E desses cento e dez jovens do retiro, cinquenta e cinco estão querendo entrar na comunidade e vieram aqui querendo ajudar e mandaram e-mail e querendo fazer o cadastro pra entrar na comunidade, né? (Idem)

Neste “reencontro”, a intenção é manter a “chama acesa, trabalhar o coração”,

relatou um militante. O recrutamento de novos membros preenche um papel fundamental no

funcionamento do Arranjo. Os neófitos – caso queiram estreitar vínculos – passam, nos dois

primeiros anos, por um período de adaptação maximizando as suas habilidades, expandindo

seus serviços para a comunidade, mas não isento de regramento. Para inserir-se na

comunidade, o neófito atravessa um processo de “enamoramento” da comunidade. Participa

de cursos e atividades sugeridas pela liderança do Arranjo a fim de construir em sujeito que

internalize o chamado carisma da organização e efetue visivelmente no cotidiano.

102 Pregador católico itinerante de Santo André e ex-dependente químico. O mesmo possui uma página no facebook. 103 Nestas circunstâncias, não seria o caso de pensar que a religião atualmente desempenha um papel secundário na medida em que outras esferas da vida, tais como família, amigos são importantes para eles, o que talvez justificasse um dos motivos de pouca adesão. Mas, estas formações ou arranjos católicos alternativos ainda contribuem na construção de uma identidade de jovens cristãos se comparados em ambientes tradicionais veiculados pelas paróquias.

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204

Há um plano de carreira espiritual104 conforme o que se segue: a) Vocacionado:

nestes estágio é avaliado se o neófito identificou-se com o trabalho e o carisma do Arranjo; b)

Pré-discipulado105: formação bíblico-doutrinária, carismática, isto é, descobrir os dons do

Espírito Santo e, por fim, humano-psicológico; c) Discípulo: exercício do carisma e e) Votos

perpétuos: dedicação exclusiva. Em seguida apresentamos o esquema do vocacionado:

[...] Então esse período do ano, um ano espiritual, vamos namorar o irmão e o irmão vai namorar nós. O irmão vai ter regra de vida, tem regras de vida, né? Um ano? Então, vamos começar a observar o irmão. Como é o irmão fora daqui? Entendeu? Aqui é uma coisa e lá fora, então tem tudo isso. (Homem, casado, 47 anos)

Passemos a relatar brevemente a história, apenas como ilustração, de um

membro que se tornou recentemente consagrado (dezembro de 2012) do Arranjo. De família

tradicional católica, a mãe rezava o terço e orientava os filhos nas “questões de fé”, mas sem

ter uma prática efetiva em paróquia. De origem cearense, de Campos Sales, o consagrado

reforça a ideia de que o seu sobrenome é conhecido na região nordestina. O seu sobrenome

fornece indícios significativos sobre a história da sua família, mormente dos seus avós

paternos, o que lhe permite traçar minimamente um viés da sua árvore genealógica. Segundo

o relato seus avós fizeram parte da família Arrais, de temperamento forte. O consagrado diz

que é um nome “forte” influenciando inclusive a política da região. São três os nomes por ele

mencionados: Arrais, Andrade e Alencar. Migrando para Santo André, no parque das Nações,

seus avós e seus pais se instalaram nesta região. Dizendo-se um “católico trivial” de

frequentar missas e datas religiosas comemorativas até os seus trinta e cinco anos quando

“acordou para a fé” ao se aproximar da sua futura esposa. Esta, católica praticante e dedicada

ao grupo de oração na Vila Suíça, em Ribeirão, aproximou-o da renovação carismática após o

casamento em 2002. Dentro deste circuito do catolicismo carismático, o consagrado conheceu

o grupo sabático que evangelizava através de orações e de shows gospel. Paralelamente a isto,

entra em contato com a Canção Nova por meio das palestras de um dos seus principais

representantes, o falecido padre Leo. Motivado pela curiosidade, conhece também a literatura

do chamado professor Felipe Aquino, do padre Léo e do padre Jonas que o fizeram “conhecer

a fé católica”. Participando com a esposa, em 2009 em um dos rebanhões promovidos pelas

lideranças da RCC em Ribeirão pires tiveram contato com o co-fundador do Arranjo que lhes

fez uma “oração bonita e emotiva” motivando-os posteriormente a participarem do grupo na 104 Ex-seminarista da Canção Nova, o fundador do Coração Sagrado provavelmente influenciado pela estrutura daquela instituição, migra para sua comunidade o programa de formação de discípulos cançãonovista. 105 Nesta etapa, o neófito é considerado consagrado da comunidade e faz uso de um anel de consagrado representando neste caso seu compromisso com a estrutura e valores daquela.

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casa de missão Sabaoth. No final de 2012, com quarenta anos, ele fez juntamente com sua

esposa, os votos de consagrados Aliança da comunidade. Enfrentado dificuldades no

manuseio do conhecimento da oração e da doutrina religiosa adquiridos aponta que é

“testado” na fé constantemente no “mundo do trabalho” com seus colegas evangélicos. Agora,

como membro ativo da comunidade, construiu uma rede de amizades aproximando-se do co-

fundador por afinidade expor que se “consagrou a Jesus”. Para manter certa ordem moral, os

censores – representados pelo Conselho da comunidade e demais consagrados – policiam

relativamente o comportamento dos seus membros no cotidiano, mesmo que fazendo apenas

uma “visita” amigável. Por um lado, o resultado de tal exercício de policiamento representa

que o Conselho possui minimamente um consenso sobre os valores que os membros devem

adquirir. Por outro, isto significa preservar a imagem de uma comunidade moral diante da

opinião pública e, principalmente diante do bispo local.

Os membros possuem uma autonomia relativa enquanto “aprendem” as regras

da vida comunitária. Os treinamentos são ministrados por consagrados há mais tempo na

comunidade e não necessariamente feitos pelo fundador. Passam por um processo de

aprendizagem do catecismo da ICAR, noções de direito canônico, Bíblia, isto é, assimilam um

conjunto de valores e que atendem ao menos duas finalidades: a) Que os seus membros

transpareçam as expectativas do Arranjo; b) Servem de base para “lapidar” os neófitos dentro

dos parâmetros normativos da comunidade. As primeiras experiências de recrutamento não

tiveram sucesso devido ao curto tempo de treinamento sendo necessário, neste caso, uma

reformulação do “prazo de formação”:

Você chega pra mim hoje e diz: - ‘Fulano eu quero entrar na comunidade’. Eu falo: “- Irmão, gloria a Deus, tem que caminhar um ano aqui com a gente e, nós vamos ver, a gente vai ficar te avaliando pelo mesmo um ano.” A pessoa vem, assim... tem um monte de irmão que quer entrar por causa do retiro que nós fizemos... tem um monte de jovens. Nós já fizemos uma reunião, nós já falamos: “-vocês querem entrar, né?” Os primeiros que entraram, esses deram muita dor de cabeça, né? Saíram, quiseram aprontar alguma coisa, não sei mais o que então, foi um período que nós paramos e falamos, “-vamos fazer formações, vamos estudar, vamos parar tudo”. Foi quando nós viramos tudo e vamos sentar e vamos estudar. (Homem, casado, 47 anos)

Para que a assimilação dos valores seja cumprida, a liderança deve garantir que

haja um sistema para facilitar a comunicação eficaz dos valores. Isso inclui reconhecer e usar

uma estrutura informal da comunidade. A informalidade é expressa em algumas atividades

realizadas pelo Arranjo com duplo objetivo: a) Atrair jovens por meio de dispositivos do tipo

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206

Baile dos anos 6; b) Acamp106, isto é, comunidade aluga uma chácara com piscinas, campos,

salão de jogos, lago, jet lona, passeios a cavalo, escalada, lual e lugar para o assentamento de

barracas de camping no intuito de mesclar diversão e evangelização; c) Estação 12107, grupo

musical gospel católico que oferece serviços de shows e pregações. Tal grupo foi contatado

pelo Arranjo para a realização de um show em 2012 na cidade de Ribeirão a frente da

paróquia São José; d) Lual na praça: similar ao item anterior e no mesmo local contou com

os membros da comunidade. Vê-se também, como exemplo, a criação de um círculo de

amizades “fora” das atividades oficiais da comunidade. Isto é importante porque, para além da

estrutura formal, os valores também são transmitidos através de um processo informal dando

abertura para a liberação de uma autonomia não tão policiada assim:

Muito! assim no sentindo de ter amigos que não são da comunidade a gente acaba meio que... aquilo vira nossa família, então se a gente têm que sair pra outro lugar, eles vão por que eles são nossos amigos, ontem nos estávamos na casa da Fulana em muitos, então automaticamente acontece da gente criar é... intimidade, ou criar um elo maior com certa pessoa, como todos nosso amigos. Semana passada a gente teve o grupo de jovens, semana retrasada, depois que acabou o grupo de jovens é... a gente convidou todo mundo, mas acho que dez de nós fomos pra Praia Grande direto do grupo, e fomos lá andar na praia comer alguma coisa e depois voltamos pra casa, então a gente se encontra muito, ai semana passada... retrasada a gente tava na praia, semana passada na casa do fundador comendo pizza, a gente tava brincando lá no jogo do palitinho, então a gente convive muito entre si, a gente convive bastante (Mulher, casada, 24 anos)

Adepta ao lema “consumir com moderação”, a jovem de 24 anos, liderança e

membro ativo do Conselho da comunidade Coração é radical consigo mesma, se

autocensurando quando o assunto é bebida, mas não vê problemas em relação aos familiares e

colegas da comunidade que fazem uso dela. Segundo a depoente, a modéstia e a moderação

do uso do álcool são aceitáveis na família e no Arranjo:

O que acontece, eu sou muito radical. Eu não coloco uma gota de álcool dentro da boca, eu não coloco, não porque eu to na comunidade, eu não coloco porque eu cresci assim, e meu pai bebe cerveja, meu. É católico, ministro da igreja, meu pai adora uma cerveja, sabe, ele adora uma cerveja e ele têm Cambuci no quintal e, às vezes, ele coloca cambuci na pinga, e de vez em quando dá uns golinhos e tal. (Idem)

106 O lema do Acamp é “Sua nova opção de ser santo sem deixar de ser jovem”. Conferir o logotipo no blog do Coração Sagrado: http://comucoracaosagrado.blogspot.com.br. Acesso: 02/03/13. 107 O grupo possui página no facebook.

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207

Caso similar ao depoimento anterior é o que foi relatado por um membro

consagrado do Arranjo que, mesmo não apreciando bebida alcoólica é contra o uso excessivo

dela:

Eu não bebo, bem antes de entrar na comunidade, eu nunca gostei de bebida alcoólica então assim, por exemplo, eu tenho um amigo, você é meu irmão da comunidade e tem um amigo, de fora, eu sei que ele gosta de uma cerveja, o que peca é o excesso, o excesso é você ficar bêbado, tomou uma legal satisfez, isso eu não vejo que é pecado, por exemplo, o Fulano foi e almoçou na casa dos meu avos tomou um cálice de vinho, não é pecado nenhum, o excesso que é o pecado! (homem, casado, 32 anos)

O fato de pertencer a uma comunidade religiosa não lhe impede o exercício da

sua autonomia. A oportunidade de decidir sobre a admissibilidade ou não de um

comportamento adequado, de escutar ou não determinadas músicas fica ao critério da sua

liberdade de consciência. O Arranjo cria obviamente laços de pertença, mas não limita

totalmente a prática dos seus partícipes. A afirmação de pertença pode reforçar, sustentar a

construção de uma identidade religiosa influenciada por códigos de comportamento,

obrigações e práticas religiosas. No caso de duas lideranças entrevistadas pertencer ao

Arranjo não os fazem desprezar sua relação com o cotidiano, pelo contrário tornam-se mais

seletivos:

A gente não têm essa restrição. Eu sou uma pessoa extremamente eclética, eu ouço tudo. Se você for no meu carro, têm até o cd de música sertaneja tocando, né? Não têm nada a ver o [..] como é que fala? a gente modera. Por exemplo, no meu casamento, eu falei pro DJ o que eu não quero.Tocou de tudo: anos 60, anos 70, a Chair... tocou de tudo. Só não quero que toque essa música, essa música, essa música. Uma surgiu, ai eu falei: “- para de tocar essa música, eu não quero”. Eu adoro Ana Carolina, por exemplo. A gente ouve, não têm problema nenhum, nenhuma, nenhum. A gente não estipula: “- pare de ouvir!” Porque, assim, Deus dá a liberdade, o intuito da comunidade é ser um membro consagrado e fazer as coisas que Deus quer, e isso não significa que não pode ser livre pra ouvir o que você quer. (Mulher, casada, 25 anos)

Assim, seleciono as musica, entendeu? Assim o musico tal, musica secular falando sobre baixaria... palavrão, então assim isto não é Deus. Então eu seleciono, você vai escutar, eu seleciono, eu tenho um bom assim: Elvis Presley, que eu gosto, sei selecionar. Gosto do Jota Quest dependendo da musica que ele tá falando, depende da apologia... que ele tá falando. De repente, ele tá falando e muita gente não entende do aborto, isso ai não é de Deus não. (Homem, casado, 32 anos)

Os eventos construídos, no intuito de atração do jovem, anteriormente citados

fazem parte da tradição do Arranjo. Existem outros, que é fruto da criatividade da

comunidade. Citamos alguns deles: 1) Encontro de solteiros: realizado em junho de 2013 na

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208

vila Suíça em Ribeirão Pires na associação carismática católica Nova Jerusalém e contou com

setenta participantes. Foi um momento, um nicho de encontro de mulheres e homens solteiros

católicos aumentando as chances de encontrar uma conexão compartilhando dos mesmos

valores e crença religiosa. Este projeto não é uma novidade no mundo católico, o mesmo

também é exercido nas igrejas evangélicas; 2) Baruc Pub: realizada na casa de missão

Sabaoth apenas uma vez, em 2011, o barzinho foi dirigido à comunidade católica presente em

Ribeirão com baladas cristãs e com opções Fast Food de salgadinhos e drinks sem álccol.

A venda de ingressos a dois reais teve como objetivo angariar fundos para a

comunidade. Esta experiência, em particular, foi entendida como um risco em potencial

porque o público jovem poderia interpretar como um “simples passatempo” sem firmar

interesse pela comunidade. A comunidade, em se tratando de obtenção de renda, mantém o

aluguel da casa através de doações voluntárias, venda de salgados, camisas personalizadas,

cds e dvds de pregadores da comunidade, doações feitas nos cultos noturnos dominicais na

casa de missão, rodízio de pizzas e venda de marmitex de feijoada, ambas realizadas uma vez

ao ano. A diocese não lhes fornece nenhuma ajuda financeira. As únicas fontes de “capital” da

comunidade restringe-se aos eventos supracitados e a ajuda dos amigos, consagrados da

comunidade.

Conselho Administrativo

A função administrativa do Arranjo diz respeito à facilitação do sistema de

trabalho e é composta de nove membros: fundador e co-fundador mais sete consagrados

(coordenadores da intercessão, formação, música). O Conselho reunindo-se uma vez por

semana possui um estilo centralizador, muito similar ao verificado nos outros Arranjos. As

decisões, ou pelo menos as mais importantes, por exemplo: avaliação do perfil religioso dos

consagrados, saúde financeira da comunidade, novas formas de divulgação física e virtual e

visibilização do Arranjo, formulação do estatuto, divulgação de um novo insight espiritual do

fundador estão entre as mais discutidas.

As determinações ali estabelecidas são empreendidas por um corpo de assessores

que a executarão. Os treinamentos dos novos membros são realizados por membros avaliados

com certo grau de competência espiritual e escolhidos por serem dotados de certos carismas e

que estão sob controle do Conselho. Este controle começa com a seleção cuidadosa dos

candidatos (novatos e já consagrados), principiando desde a escola vocacional que perdura

dois anos e continuada através das fases sucessivas das etapas da vocação estabelecidas pelo

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209

Arranjo. Esta seleção é levada a cabo principalmente com o fim de recrutar novos jovens que

tenham competência carismática potencial. Em nosso entendimento, duas são as competências

que os futuros membros precisam adquirir: a competência instrumental no tocante ao

exercício das suas funções e valores carismáticos que une conhecimento da doutrina religiosa

com infusão do Espírito Santo e que reconheça o lugar de cada um dentro da organização,

mormente aquele que obteve inspiração divina para fundar uma comunidade. Há outros

mecanismos de prevenção/controle dos membros: julgamento, período de prática e

observação. O período de treinamento é seguido pela prática e teste de atribuições. Estas

funções delegadas aos novos membros são levadas a cabo sob supervisão dos membros mais

antigos e servem de sabatina para examinar tanto o carisma aprendido como a devoção às

crenças da comunidade. O Arranjo requer dos seus membros um grau elevado de participação

moral. Os sujeitos que, mesmo após o vocacionado não se ajustam aos interesses morais do

Arranjo são convidados a se retirarem. Portanto, a necessidade de coerência entre valores da

comunidade e o cotidiano dos seus membros pode ser prejudicial para a imagem do Arranjo

forçando o Conselho a tomada de atitudes.

A condição é mesma pra todos, todos são observados, a parte... a parte de você colocar uma aliança no dedo, essa aliança pra muitos significa muito, pra alguns talvez, lá pra frente, vai dizer que não e nóis somos bem claros pra todos. “– Oh irmão, no dia que você não quiser ser mais comunidade, você entrega sua aliança e glória a Deus”. Não quiser ser comunidade pode entregar a sua aliança e ir embora, você vai ser amado do mesmo jeito por nós, mas por favor, se você for ficar aqui, aguenta, sustenta, mas não fica falando mal. Não fica por ai, aqui, cutucando, ali, entendeu? (Idem)

Um desvio moral explícito de um dos membros fragiliza a educação religiosa

realizada pela comunidade manifestando, por assim dizer, uma fraqueza do seu esforço

integrador. Quando o desviado afasta-se da hierarquia de Valores corretamente aceite pelo

Conselho e que acaba por estragar o negócio, a solução apropriada deliberada pelos censores

da comunidade é o de desencorajá-lo e incentivá-lo a “entregar a aliança”. Considerando os

cinco anos de existência deste arranjo não seria esta atitude, de repreensão dos detratores, uma

característica de grupos precoces que não toleram e se opõem à ambigüidade? Os que não

“pensam” como o grupo, saem, criando assim um clima mais homogêneo para aqueles que

permanecem.

Como o fizemos notar anteriormente através de alguns relatos a propósito de

certas atitudes que permanecem na margem habitualmente tolerada (beber com moderação e

fazer uma audição seletiva de músicas seculares), a hierarquia de valores forjada e legitimada

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210

pelo Conselho admite certa flexibilidade dos seus membros o que corresponde a certa margem

de liberdade. Nos relatos das lideranças foi observada a justificativa para a criação do

Conselho: “Deus é que determinou”. Neste sentido, podemos dizer que os chamados

elementos não-racionais estão concentrados no topo subordinando os elementos racionais,

operacionais da comunidade. Neste caso, justifica-se a existência de um Conselho dirigente,

pois a origem do seu poder é sobrenatural, assim como o é também o sistema de valores

criados. Quando a decisão do Conselho é tomada devido a uma infração não tolerável de um

dos membros, mormente aqueles(as) que estão em fase de treinamento, ela se configura

unilateral porque, além de ser considerada revelação divina protege as posições estratégicas

da cúpula do Arranjo. Atualmente o Arranjo é constituído por setenta membros: quarenta e

dois vocacionados, vinte e oito pessoas consagradas e dentre elas, nove que participam

ativamente do conselho administrativo conforme o organograma abaixo:

Figura 36 – Organograma simplificado da comunidade Coração Sagrado

Neste capítulo, examinamos amplamente a estrutura administrativa das

atividades de trabalho dos arranjos católicos leigos. Interessamo-nos por dois pontos básicos:

1. A anatomia destes arranjos: a constituição histórica destas comunidades através dos relatos

das lideranças, a inserção dos membros, estabelecimento de normas - que são acordos

relativamente ao que constitui comportamento aceitável -, aplicação de treinamento e

fiscalização de novos membros, internalização das normas, distribuição das tarefas e a forma

como elas são executadas, as atividades desenvolvidas o papel que cada membro cumpre, a

coesão moral existente e os conselhos administrativos. 2. As variações e os objetivos de cada

arranjo em relação ao público alvo que atingem.

FUNDADOR

SECRETARIA RELAÇÕES PÚBLICAS E-MAILS

ATUALIZAÇÃO SITE

CO-FUNDADOR

CONSAGRADO CONSAGRADO CONSAGRADO MINISTÉRIO: CANTO E TEATRO

LIDERANÇA

DE TREINAMENTO

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211

Um elemento importante registrado foi a descrição da natureza piramidal ou

organograma de cada arranjo. Cada membro possui autoridade e responsabilidades, porém

numa área menor de autonomia quando se refere a decisões dentro do conselho administrativo

cabendo a elas ao fundador devido ao seu “carisma”. O fundador e o seu grupo imediato de

subordinados constituem um grupo de comando, isto é, a antiguidade no grupo é o que

determina os próprios conselhos administrativos. Como foi exposto neste capítulo, estes

arranjos são validados, aceitos pela hierarquia clerical local na figura do bispo diocesano que

os acompanha, apoiado por um grupo de padres especialistas no trato desse “catolicismo

renovado”. Distanciando-se de compromissos sociais mais efetivos, reforçando práticas mais

espiritualizadoras de emoção e intimidade com Deus, os arranjos alternativos católicos se

inscrevem em um tipo de catolicismo mais intimista preocupado em atender os “clientes

católicos” através de orações, cursos temáticos e de pouca duração e rituais de cura e

libertação.

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212

CCAAPPÍÍTTUULLOO VV

OO PPOODDEERR SSIIMMBBÓÓLLIICCOO DDOOSS AARRRRAANNJJOOSS CCAATTÓÓLLIICCOOSS

Este capítulo se dedicará ao estudo dos símbolos utilizados pelos arranjos

católicos, tais como sites, emblemas ou totens108 e os santos, servindo-lhes de suporte para

sua militância. Estes símbolos, por sua vez, induzem e influenciam as lideranças em seguir as

diretrizes e normas do seu arranjo. Os símbolos mencionados são dotados de um poder de

camuflagem, isto é, isentos de qualquer crítica ou dúvida por parte de seus membros,

preservam e asseguram a coesão, a continuidade e o bem-estar dos arranjos. Estas

comunidades, por um lado, ordenam-se de acordo com uma estrutura de poder concentrado a

partir dos seus fundadores e, por outro, os símbolos – que lhes são subjacentes -, ganham

importante força simbólica, garantindo aos arranjos, não somente uma conexão de sentido

com o cotidiano, mas são reconhecidos como dotados de um poder simbólico (BOURDIEU,

2000). Tornaram-se referenciais importantes utilizados para direcionar os objetivos presentes

e futuros destas comunidades. Os símbolos veiculados pelos arranjos explicam suas rotinas e

atividades, interpretam eventos do passado direcionando o presente, diminuem a instabilidade

emocional dos seus membros e, por fim, criam uma identidade de grupo. O capítulo se propõe

abordar essa eficácia simbólica. Dois aportes conceituais serão utilizados para análise das

representações simbólicas dos arranjos, da sua coesão enquanto comunidades morais e das

interações destas comunidades leigas dentro do campo católico. A primeira contribuição

deriva de Durkheim, mormente aquelas que fazem alusão à religião como aglutinadora de

uma mentalidade unificada através de um aparato de crenças e ritos. Num segundo momento,

108 O termo Totem será utilizado para analisar as representações dos arranjos. Portanto, será discutido no tópico quatro deste capítulo.

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213

discute as contribuições de Bourdieu relacionadas aos conceitos de campo, capital simbólico e

habitus para análise dos arranjos católicos e suas relações ad-intra e ad-extra. Por fim,

analisaremos as principais representações simbólicas utilizadas por este catolicismo

alternativo. As ferramentas conceituais a discutir nos servirão de apoio para interpretar

aspectos representativos dos arranjos católicos no ABC paulista. No entanto, o

desenvolvimento de um trabalho desta natureza envolve riscos e cabe fazê-lo com desvelo

evitando armadilhas próprias de um mecanismo anacrônico. Para evitá-lo propomos uma

revisão de conceitos-chave tanto em Durkheim como em Bourdieu capazes de agregar valor e

aventar possibilidades de interpretação alternativas do objeto abordado.

1. A FORÇA DOS ESTADOS COLETIVOS NOS ARRANJOS

CATÓLICOS

O principal impulso da sociologia de Durkheim foi o de que os fenômenos

sociais precisam ser estudados em seu conjunto. Fenômenos sociais são “fatos sociais”.

Possuem características sociais distintas e determinantes. São externos aos indivíduos

particulares constrangendo-os através da imposição de leis ou costumes. Esta coerção só é

perceptível quando as demandas sociais estão sendo violadas. Definindo os fatos sociais por

sua exterioridade e constrangimento elucida que as regras morais desempenham papel

fundamental na coesão de qualquer sociedade ou grupo social.

Por sua vez, as regras morais tornam-se guias e controles eficazes de conduta na

medida em que se tornam internalizadas na consciência dos sujeitos, enquanto continuam a

existir independentemente dos indivíduos. A moral social dita de que forma os sujeitos devem

se comportar de forma que a obrigatoriedade do cumprimento dos preceitos torna-se desejada

pelos agentes sociais. Neste sentido, entende Durkheim (1990), que a sociedade é algo além

de nós e algo em nós mesmos:

[...] É evidente que nas crenças e práticas que nos são transmitidas inteiramente prontas pelas gerações anteriores; recebemo-las e adotamo-las porque, sendo ao mesmo tempo uma obra coletiva e uma obra secular, elas estão investidas de uma particular autoridade que a educação nos ensinou a reconhecer e a respeitar[...]” (p.7-8).

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214

A preocupação de Durkheim centra-se mais nas características de grupos e

estruturas do que em atributos individuais. Concentra-se em problemas como a “coesão” ou a

falta dela em grupos específicos, por exemplo, religiosos, e não com as características

individuais dos crentes religiosos. As propriedades dos grupos, segundo ele, são

independentes das características individuais: “o sentimento coletivo que explode numa

reunião, não exprime simplesmente o que há de comum em todos os sentimenos individuais”

(p.8). Qualquer formação social, embora não necessariamente superior às suas partes

individuais, é diferente delas e exige uma explicação sobre o nível que lhe é peculiar. Os

dados relativos à taxa de suicídio são outro exemplo emblemático de que o coletivo se

sobrepõe ao indivíduo. Por exemplo, em sua obra O Suicídio (2000) Durkheim demonstra que

o aumento significativo das taxas de suicídio um grupo particular indica que a coesão social

deste grupo enfraqueceu, de modo que seus membros ficaram mais vulneráveis e já não

estavam suficientemente protegidos contra as crises existenciais. Durkheim pouco se

importava com os traços psicológicos ou motivações subjetivas que levavam determinados

sujeitos a cometerem certos atos. Pelo contrário, ele investigava os modos caracteristicos dos

grupos, da sua coesão e da solidariedade entre os seus membros, daí sua preocupação com a

chamada “moral social”.

Os arranjos católicos, por exemplo, possuem cada qual com seu estilo e

objetivos comunitários, diferentes graus de integração. Nota-se que cada arranjo está

razoavelmente coeso, mantendo assim sua membresia sob nível desejado de controle.

Podemos dizer que, dentro do raciocínio durkheimiano, as pessoas que fazem parte dos

arranjos católicos e que possuem um grau de liderança em seus ambientes, estão de tal forma

integradas ao grupo que amortecem os impactos de frustração e decepções a que elas mesmas

estão vulneráveis. Mas, são menos propensas a recorrer a um comportamento externo ao

grupo. A participação nos encontros e rituais efetivados por estes arranjos maximiza a

integração entre elas.

Outro fator importante é que, embora hajam hierarquias de obediência e atuação

ou, na mentalidade weberiana, uma “burocracia organizacional”, as tarefas são diferentes, mas

complementares porque há um compartilhamento, por parte dos membros, de valores e

crenças. Se há um alto grau de consenso partilhado pela membresia então existe menos

desvios comportamentais do que nos grupos em que o consenso é atenuado devido a conflitos

político-partidários, por exemplo. Quanto mais forte ou mais unificado é o credo de um grupo

religioso, a coerção deixa de ser ‘sentida’ dando lugar a “hábitos, a tendências internas que a

tornam inútil, mas que não a substituem porque dela derivam” (DURKHEIM, 1990, p.5). O

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215

próprio Durkheim ressalta que há casos especiais em que o consenso grupal ou a coesão que

os une ficam comprometidos. É o caso da taxa de suicídios entre católicos e protestantes

históricos. Estes possuem maior liberdade de pensamento o que acentua o caráter

individualista da crença, comprometendo a coesão do grupo. Já os católicos contam com mais

crenças e práticas comuns: “uma assembléia religiosa não existe sem um credo coletivo e é

tanto mais una e tanto mais forte quanto mais extenso é esse credo” (DURKHEIM, 2000,

p.186-87). No mundo católico, há um corpo de doutrinas e uma hierarquia eclesiástica bem

estabelecida historicamente o que lhe permite maior coesão e integração entre os diversos

grupos que o compõem. Embora os arranjos católicos possuam seu “estilo de vida religiosa”

tendendo para uma possível sectarização, o acento que dão à integridade e coesão grupal é

visível tanto no nível das suas práticas internas como no seu relacionamento com a hierarquia

católica local.

Esta integração não é sempre a mesma, mas está sempre presente e o que os

caracteriza é a intensidade com que os membros destes arranjos interagem entre si. A

participação nos rituais, por exemplo, no chamado “Embriagai-vos do Espírito Santo”

promovido no mês de maio pelo arranjo católico Chagas de Amor, mobiliza seiscentas

pessoas em um fim de semana ocasionando assim não só o crescimento do grupo,

revitalizando-o mas tendendo para a crescente integração dos seus membros mais ativos. Os

indivíduos que ali participam não percebem que existe uma coação sendo ministrada

ascendendo sobre eles:

[...] Assim, numa assembleia, os grandes movimentos de entusiasmo ou de devoção que se produzem não têm por lugar de origem nenhuma consciência particular. Eles nos vêm, a cada um de nós, de fora e são capazes de nos arrebatar contra a nossa vontade. Certamente pode ocorrer que, entregando-me a eles sem reserva, eu não sinta a pressão que exercem sobre mim (DURKHEIM, 1990, p.4).

Uma sociedade ou um grupo social somente funciona se os valores, crenças e

normas constrangem os comportamentos individuais acionando assim uma solidariedade

elementar que orienta suas ações. Para Durkheim, a educação, a religião, as regras jurídicas,

os sistemas financeiros são mecanismos que mantêm na ativa a integração da consciência

coletiva. Durkheim (1999) define a consciência coletiva ou a consciência moral da sociedade

como:

O conjunto das crenças e dos sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade forma um sistema determinado que tem vida própria; podemos chamá-lo de consciência coletiva ou comum. Sem dúvida, ela não tem por substrato

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216

um orgão único; ela é, por definição, difusa em toda a extensão da sociedade, mas tem, ainda assim, características específicas que fazem dela uma realidade distinta” (p.50)

Durkheim já acena para este conceito em As Regras expondo que “a consciência

moral da sociedade se manifestaria por inteiro em todos os indivíduos e com uma vitalidade

suficiente para impedir todo ato que a ofendesse, tanto as faltas puramente morais como os

crimes” (1990, p. 60). Talvez, o problema recorrente em toda a obra de Durkheim seja a

“questão da ordem social”. O que une as pessoas no mundo moderno e industrial de modo que

não se fragmentem os laços de solidariedade social? Quais os agentes ou quais são as

instâncias institucionais que garantem o equilíbrio social e que representem a chamada

“consciência coletiva”? se, nas chamadas sociedades tradicionais, a família e a religião

assumiam a primazia do equilíbrio social, em sociedades industrializadas ou com a crescente

divisão social do trabalho, tais instituições garantiriam ainda a ordem social? Em sociedades

pré-industriais, as pessoas se uniam em solidariedade mecânica ou “por semelhança”. Nestas

sociedades, o desejo e a vontade dos sujeitos se confundem com os desejos e as vontades da

coletividade ou do grupo ao qual pertencem, impedindo o desenvolvimento da

individualidade. As personalidades não se diferenciam e nem se mostram em destaque. A

unidade social provinha dos costumes e da tradição. Onde a solidariedade mecânica

prevalece, as diferenças sociais são minimizadas e os membros da sociedade são mais

parecidos em sua devoção ao bem comum: “[...] nas sociedades inferiores, os delitos mais

numerosos são os que lesam a coisa pública: delitos contra a religião, contra os costumes,

contra a autoridade etc [...]”(1999, p.64). As sociedades pré-capitalistas se pautam em uma

forte consciência coletiva que constitui a base do comunitarismo. Para Durkheim, há no ser

humano, dois tipos de consciência, a particular, subjetiva e a coletiva. Quando a solidariedade

que advém da semelhança sobressai, a consciência coletiva acaba por envolver a subjetiva:

“[...] quando é um dos elementos desta última que determina nossa conduta, não agimos tendo

em vista o nosso interesse pessoal, mas perseguimos finalidades coletivas [...]”(1999, p.79).

Frases colhidas em nosso estudo de campo reforçam esta premissa durkheimiana: “eu sou

Shalom”; “quero morrer Fanuel”; “venha para a turminha das chagas” (referindo-se ao

encontro de crianças para a formação da vida cristã). Nestes arranjos, na medida em que as

pessoas os procuram pode ocorrer aí uma identificação com a proposta veiculada e,

gradativamente, na medida do seu engajamento, “tornam-se semelhantes ou constituem-se à

imagem e semelhança do grupo”.

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217

A solidariedade orgânica, ao contrário, se desenvolve a partir das diferenças em

vez de semelhanças entre os indivíduos. Com a crescente diferenciação das funções –

acionadas pela crescente divisão social do trabalho - a consciência coletiva que integrava as

chamadas “sociedades inferiores”, se desfaz, pulveriza-se, torna-se difusa, maximizando-se as

diferenças entre os seus membros. A crescente divisão do trabalho surge no bojo destas

sociedades de modo que a individuação torna-se mais densa. A solidariedade orgânica é o

resultado da cooperação de indivíduos especializados. É típica do mundo contemporâneo.

Baseia-se no reconhecimento da individualidade o que acaba comprometendo a coesão social.

Dentro de uma sociedade industrializada constantemente diferenciada pelas

funções individuais há um enfraquecimento das rotinas coletivas ou se quisermos colocar, das

tradições e costumes. Segundo Durkheim, dentro do sistema de solidariedade orgânica os

membros que compõem esta sociedade, grosso modo, embora tenham pouco em comum em

relação às suas crenças particulares, estão num estado de maior interdependência do que sob a

solidariedade mecânica. Precisamente agora se engajam em formas diferenciadas de vida e

atividades específicas. Criam-se também redes de dependência, de amizade e de afinidades

múltiplas, mas agora com certo grau de liberdade de controles externos.

Segundo Durkheim, a passagem da solidariedade mecânica para a orgânica

corresponde senão a um processo de individualização. Os indivíduos passam a escolher

formas coletivas ou estilos de vida comunitária ou não, superando assim, gradualmente, laços

tradicionais de cooperação. Nas sociedades modernas o foco concentra-se na razão

instrumental, calculista e utilitarista, na liberdade de consciência, emancipando-se – não

totalmente - dos ditames da tradição. O indivíduo afirma seu direito à livre investigação, à

reflexividade, ao questionamento de ideias aceitas sobre os argumentos da autoridade. Em

exemplo, como foi observado por Weber (1987), a Reforma Protestante teve um papel

importante no processo de modernização. O próprio Lutero enfatizava a importância da fé

subjetiva com relação à autoridade do magistério católico romano. O papel do protestantismo

quando da sua gestação enfatizava a relação pessoal do indivíduo com Deus. Certamente, do

protestantismo originaram-se, por vezes, formas restritivas de agrupamentos religiosos (o

puritanismo, o anabatista etc), mas a importância que atribuiu ao livre arbítrio, à leitura

pessoal da Bíblia, à relativização do ritual e ao acento nas emoções religiosas contribuiu

inegavelmente para a ascensão do individualismo. Pautando-se na análise do desenvolvimento

das corporações medievais até as suas configurações modernas, Durkheim as visualiza como

necessárias e cumpridoras de necessidades sociais. A pergunta que faz é a seguinte: “qual o

papel que as organizações corporativas desempenham?” e a conclusiva aponta para a função

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218

moral que desempenha e não para a “prestação de serviços econômicos”. O “grupo

profissional” tem por característica principal inibir as euforias egoístas individuais e “[...]

manter no coração dos trabalhadores um sentimento mais vivo de sua solidariedade comum,

de que a lei do mais forte se aplique de maneira tão brutal nas relações comerciais e

industriais [...]” (1999, p.XVI). O utilitarismo dito “individualista” é questionado e descartado

por Durkheim, pois persegue seus próprios interesses. Por outro lado, faz apologia de uma

individualismo saudável, aquele em que os sujeitos fazem bom uso da sua liberdade: o

individualismo moral. Para ele, há necessidade de uma agência reguladora, uma

regulamentação moral geral que garanta a liberdade dos sujeitos sem que com isso deslizem

para a anarquia social.

O próprio Durkheim alerta para a necessidade de que a “coerção é necessária

para levar o homem a se superar, a acrescentar em sua natureza física outra natureza” (1999,

p.XXII). Mesmo que o imperativo social dado pela consciência coletiva tenha se enfraquecido

numa sociedade de solidariedade orgânica, é necessário que se faça sempre presente para

garantir minimamente o vínculo entre as pessoas. Durkheim parece corresponder às

preocupações do secularismo contemporâneo. A desagregação da família, a instabilidade da

coesão social, a perda de autoridade das instituições tradicionais estão entre as preocupações

de sua análise. Nas sociedades modernas, ocorre a expansão das liberdades individuais

aflorando a questão da autonomia, o que não ocorria nas chamadas sociedades constituídas

pela solidariedade mecânica.

Nos arranjos católicos há uma integração das lideranças. Acabam

“desaparecendo” em nome do grupo o que implica, neste caso, o reforço da existência de uma

estado coletivo; por outro lado, o grupo ajuda-os em sua identidade mesmo que mitigando,

constrangendo e moderando seus comportamentos. A estrutura de cada arranjo católico é

dividida em camadas, em especializações, cada elemento é responsável por cumprir

determinadas funções e, dentro delas, exerce-se a autonomia (criar, sugerir, modificar)

circunscrita, obviamente, nos ditames impostos.

Nos arranjos católicos não foram observados conflitos do tipo: individuos

desafiando as regras da “vida em comum” ou levantando dúvidas sobre a legitimidade das

hierarquias (do magistério católico e do fundador da comunidade) ou sobre os valores que

regem os estatutos (ainda em formação) da comunidade etc. Se mantivermos a hipótese de

que na modernidade contemporânea há algumas crises de integração ou coesão social, na

terminologia durkheimiana, podemos citar três: crise política ou uma crise de participação

democrática; crise religiosa ou tendência geral de não relevar a influência de valores

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219

religiosos e uma crise familiar ou crescimento de divórcios, implosão da chamada família

nuclear, novas tendências de união conjugal. Nos arranjos católicos, pelo contrário, há um

esforço de integração moral da família, do exercício dos valores religiosos católicos e da

participação consultiva entre a membresia de cada grupo e destes com a hierarquia católica

local.

Durkheim percebeu, em seu tempo, que o avanço do secularismo fragilizou a

chamada integração ou coesão social, mas não impediu que os sujeitos reiventassem novas

formas de sociabilidade - mesmo que estas ‘formas’ não se enquadrassem no designe

moderno de sociabilidade - e de um número de ideias e sentimentos comuns que

assegurassem a unidade e a continuidade da vida social. Ao contrário dos seus

“contemporâneos”, Durkheim não tinha dificuldade em compreender que o momento

histórico que ele experienciava era acompanhado por certa vitalidade de sentimentos

religiosos e uma continuidade das tradições religiosas. Diferentemente de Weber que percebia

que a modernidade proporcionava o desencantamento do mundo a partir da burocratização e

da racionalização dos sistemas sociais, Durkheim descreve-a como um momento histórico que

substitui a religião tradicional por formas mais científicas de compreender o mundo. Para ele,

isto significa que o sepultamento da religiões em suas formas tradicionais estava em curso,

mas novas formas do sagrado estavam emergindo incluindo aí a possibilidade do surgimento

de religiões individuais em que os sujeitos construiriam livremente seu self religioso (1989,

p.78).

Podemos entender, em termos durkheimianos, que vivemos em uma sociedade

secular, mas não sem o impacto de religiões nos estados de efervescência coletiva. Ele

imputa à religião uma visão que contrasta com os chamados filósofos da suspeita, Feurbach,

Marx, Nietzsche e Freud que viam-na como suporte da ignorância, intolerância, superstição e

ilusão. Este contraste está sublinhado em As Formas Elementares da Vida Religiosa (1989).

Nesta obra, Durkheim elabora uma reflexão sistemática de compreensão da religião

respeitando as regras do espírito científico. Não questiona a existência do sagrado, do

sobrenatural, mas percebe que as definições - por exemplo, a que Taylor atribui ao fenômeno

religioso - são insuficientes. Recusa-se a aceitar que a religião é um conjunto de fenômenos

sobrenaturais ou que ela é compreendida a partir da existência de uma “divindade”. Caso

emblemático encontra-se no budismo, que possui doutrina e ritos, mas é uma religião sem

deus. Possui uma prática religiosa, um “exercício espiritual” de controle dos desejos e

supressão da dor e não vê Buda como um ser divino, mas um exemplo a ser seguido. O

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220

mesmo não ocorre no terreno cristão em que o Cristo é rememorado diurtunicamente como

divino (1989, p. 60-65).

1.1. O SAGRADO E O PROFANO

Durkheim quer encontrar elementos comuns que dão suporte às principais

religiões que ele mesmo conheceu. Daí seu interesse em se debruçar sobre o que ele chamou

de religiões pimitivas ou elementares e encontrar elementos comuns e universais de

entendimento da prática religiosa. Percebe que o fenômeno religioso, embora sendo um fato

social, originou as representações do mundo e, eventualmente, fazia as vezes de ciência e

filosofia (1989, p. 37).109 Aportado pelos estudos etnográficos sobre as sociedades primitivas

australianas no que se refere ao totemismo entre os aborígenes australianos, Durkheim quer

entender quais os elementos básicos, as características gerais que dão sustentabilidade ao

fenômeno religioso. Este é classificado em duas categorias fundamentais: “[...] as crenças e

os ritos. As primeiras são estados de opinião, consistem em representações; os segundos são

modos de ação determinados [...]” (1989, p.67). O grupo religioso expõe, verbalmente ou por

escrito, sua forma de compreensão de uma doutrina ou de santos, revitalizando-os assim à sua

maneira, nos ritos por ele elaborados. Desta forma, as crenças religiosas são de “[...] dois

gêneros opostos. Designados geralmente por dois termos distintos traduzidos, relativamente

bem, pela palavras ‘profano e sagrado’ [...]” (1989, p.68). Durkheim considera que a

dicotomia sagrado/profano é central para a compreensão do fenômeno religioso. O que o

caracteriza é esta dicotomia. O sujeito ou o grupo religioso identifica que o sagrado é algo

especial. Este sentimento pode ser conectado a vários objetos: “[...] por coisas sagradas, não

se devem entender simplesmente esses seres pessoais que chamamos deuses ou espíritos; um

rochedo, uma árvore, uma fonte, uma pedra, uma peça de madeira, uma casa, enfim, qualquer

coisa pode ser sagrada [...]” (1989, p.68). O agente religioso identifica como tal o sentido do

sagrado e aceita a realidade da distinção entre o sagrado e o profano110. Esta é uma distinção

109 Mesmo que o mundo moderno tenha eclipsado a religião da primazia social, há elementos básicos que sustentam a vida ordinária: “[...] a ordem social é regida por um pacto que transcende a singular vontade individual, por uma aposta eticamente forte que os indivíduos fazem no social [...]” (PACE, 2012, p.27-33). Ainda segundo Pace, o sagrado gera o ordenamento social. Portanto ele é o sinal da descoberta ética do estar juntos. 110 Em 2000, fui convidado por um amigo para “tocar violão” em seu casamento na região de Três Corações, em Minas Gerais. No momento que antecedeu a celebração matrimonial, o padre nos chamou perguntando sobre as músicas que seriam executadas. Mostramo-nas, e apresentarmos suas letras, ele surpreendentemente me impediu

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221

que pode ser lida também como uma distinção entre bem e o mal. Segundo Durkheim,

sagrado e profano se refere a dois mundos concebidos como separados. Segundo ele, isso é

comum em todas as religiões. Há determinadas coisas que são consideradas sagradas,

interditas separadas do profano. No sagrado estão os tabus, os mitos e os ritos. Os elementos

que o compõe podem ser lidos sob duas perspectivas: a) Sincrônicas ou sistemas coerentes de

pensamentos, gestos e emoções. Para quem é católico, ou budista, ou muçulmano, ou judeu,

por exemplo, há uma padronização “esperada” dos agentes envolvidos tanto no que se refere à

normas doutrinais como nos rituais e b) diacrônicas, isto é, os sistemas religiosos sofrem

mudanças alterando assim aquilo que consideram sagrado ou profano em cada momento

histórico, mas costumam preservar elementos sem os quais não se sustentariam

historicamente e garantiriam-lhes credibilidade: uma pedra é uma pedra, mas a Caaba, em

Meca, do mundo islâmico não é qualquer pedra, mas é “a” casa de Abraão destituida e

“purificada” do seu viés sincrético. O sacrário católico não é apenas um armarinho que

“guarda objetos”, mas é “o” local que abriga o “corpo de Cristo”.

Durkheim entende que os agrupamentos religiosos distinguem formas de

convivência, de simbolismo evidenciado pelas inúmeras representações do sagrado, das mais

simples às mais sofisticadas. O sagrado não se manifesta ou irrompe nas experiências

humanas ordinárias e escapa das condições das experiências seculares ou, nas palavras de

Durkheim: “[...] é possível indicar certo número de sinais exteriores facilmente perceptíveis

que permitam reconhecer os fenômenos religiosos por toda a parte onde se encontrem e que

impeçam que sejam confundidos com outros [...]”(1989, p. 53). Embora Durkheim entenda o

contraste sagrado-profano como variável e universal e que essas duas categorias são

rigidamente definidas e separadas, elas acabam por interagir. Há um diálogo mútuo e delicado

destas categorias. Caso não ocorresse a comunicação e o relacionamento entre ambas, a “coisa

sagrada” deixaria de sê-la:

(...) A coisa sagrada é, por excelência, aquela que o profano não deve, não pode impunemente tocar. Certamente, esta interdição não poderia desenvolver-se a ponto de tornar impossível toda a comunicação entre os dois mundos; porque se o profano não pudesse de nenhuma forma entrar em relação com o sagrado, este não serviria para nada (1989, p.72).

de tocá-las chamando-as de “profanas”. Disse ele: “são músicas profanas, é melhor tocar padre Zezinho”. Uma das músicas que tínhamos preparado para cantar referia-se a “Todo azul do mar” (canção romântica comumente executada em casamentos) de um cantor chamado Flávio Venturini da safra da música popular brasileira mineira, conhecido também por participar do chamado “clube da esquina”, grupo que ficou conhecido na década de 70 e 80 no Brasil. O tecladista que nos acompanhava, por sorte, conhecia algumas canções do padre Zezinho, mas ironicamente, ao final da celebração, executamos, em respeito ao que nos foi pedido, apenas o instrumental da referida canção e, ironicamente, “toda” a assembleia presente, cantou.

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222

Nos arranjos católicos observou-se que as chamadas “coisas sagradas”

durkheimianas são selecionadas dentre um rol de bens simbólicos católicos. Os santos, os

anjos, os discursos de Bento XVI, as imagens do papa e do bispo católico diocesano são

isolados dos seus respectivos contextos, sacralizando-se. Os valores, crenças, objetos

católicos sobrevivem nestes ambientes, mas sofrem uma reinterpretação conforme o interesse

destes arranjos. Constroem-se representações coletivas destes bens religiosos misturados com

os bens religiosos fornecidos pelos próprios arranjos.

Exemplificando, o estatuto da comunidade Shalom que obteve o reconhecimento

pontificial em 2011, ainda dentro da gestão de Bento XVI, não é veiculado pela internet, redes

sociais, nem comercializado nos ambientes e locais onde a Shalom se instala. Ele é fornecido

somente aos membros efetivos, aos bispos diocesanos e aos sacerdotes católicos que a

acompanham, o que implica duas breves conclusões: a) Há um interdito manifesto do uso

suspeito e indiscriminado do estatuto, inclusive para fins de pesquisa social e b) Para obtê-lo

faz-se necessário uma iniciação moral, ritual e doutrinária do sujeito interessado em ingressar

na comunidade. O estatuto é rigidamente controlado pela governança da membresia deste

arranjo. Não notamos este interdito, por exemplo, na comunidade Fanuel. Embora não tenham

estatuto, não tivemos nenhum restrição no que diz ao acesso à documentação que a estrutura e

lhe dá os fundamentos organizacionais. Por outro lado, a Fanuel exige dos seus membros uma

fidelidade aos seus componentes organizacionais – ritos, objetos de reverência, conduta moral

exemplar – considerados especiais e sagrados para ela. Assim, o mundo sagrado é o correlato

objetivo de um sentimento que o sujeito identifica como muito especial.

O sagrado não se limita ao campo religioso. Os simbolos sociais, times de

futebol, detentores de poderes políticos podem ascender a um caráter de “sagrado”. Diz

Durkheim:

[...] Aliás, a simples deerência que inspiram os homens investidos de altas funções sociais não é de natureza diferente daquela do respeito religioso. Ela se traduz pelos mesmos movimentos: mantemo-nos a distância de uma alta personagem; só nos aproximamos com precauções; para falar-lhe empregamos linguagens e gestos diferentes dos que nos servimos com o comum dos mortais. O sentimento que experimentamos nestas circunstâncias é tão próximo do sentimento religioso que muitos povos os confundiram[...] (1989, p.268).

Em outro momento, Durkheim cita que:

[...] Essa aptidão da sociedade para erigir um deus ou para criar deuses em nenhum momento foi mais visível do que nos primeiros anos da Revolução. Nesse momento, com efeito, sob influência do entusiasmo geral, coisas puramente leigas por natureza

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223

foram transformadas, pela opinião pública, em coisas sagradas: a Pátria, a Liberdade, a Razão [...] (1989, p.268).

Para Durkheim, o mundo sagrado não pode sobreviver sem o profano e vice-

versa. Embora de naturezas diferentes, precisam estar conectados para que se configure o

fenômeno religioso. Em geral, aos aspectos da vida social (político, econômico), podem lhes

ser atribuída superioridade moral ou reverência tornando-os “especiais”. O sagrado, portanto

pertence ao domínio do separado, interdito, inviolável. O chamado “mito do progresso”, o

cientificismo, podem tomar feições sagradas configurando-se portanto tabus sociais.

Podemos examinar também a noção “sagrado” a partir da ideia de território,

espaços que são transformados em ambientes especiais onde se reza, canta, instrui-se

doutrinariamente, mas também engendra convivência social alternativa, afastada da lógica do

mundo ordinário. Os sujeitos, nestes ambientes, sentem-se renascidos sob forma nova ou são

convocados para tal fim. Nos arranjos católicos foi notado um traço comum em suas divisões

estruturais: o tipo de engajamento que o sujeito alocado e inserido nestes arranjos fará. São

dois os caminhos, o que chamam de comunidade de Vida e de Aliança. O primeiro

caracteriza-se por um engajamento total do sujeito ou “dedicação exclusiva”: a sua prática é

voltada exclusivamente para a “obra”, vive-se a partir da “providência divina”. O segundo,

empenha-se também dentro da proposta do Arranjo, mas mantém vínculos empregatícios ou

“dedicação flexibilizada”. Dedica-se à obra em finais de semana ou alternando semana e

finais de semana. Em ambos os casos, aquele que se filia ao arranjo é convidado a levar uma

vida regrada pautada na renúncia da lógica do mundo e revestida pelo ideal moral da

comunidade.

Na Igreja Católica, o respeito ao crucifixo, aos comportamentos e as ações

esperadas realizadas durante a missa, são considerados sagrados. A chamada “missa

carismática” possui alguns elementos que a diferem da chamada missa dominical tradicional.

Naquela, há alguns comportamentos pouco usuais como a evocação do Espírito Santo, o falar

em línguas, “cura e libertação” das chamadas doenças psíquicas, aplausos, cânticos etc. A

espontaneidade e a chamada intimidade com o Espírito Santo despontam como uma das

marcas fundamentais desse rito católico. Há uma linguagem específica usada nas missas de

cura carismáticas: a doença psíquica, por exemplo, é considerada um obstáculo para o

desenvolvimento espiritual do fiel. O mundo “profano” o faz recair constantemente

necessitando assim de uma intervenção sagrada, seja ela realizada nas missas ou nas

manifestações dos chamados “intercessores”, que “oram” pelos usuários que carregam uma

“doença espiritual”. Nestes rituais carismáticos específicos, o “sagrado” durkheimiano é

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224

manifestado no “falar em línguas” – uma série de sílabas sem sentido pronunciadas sob

improvisação e espontaneidade, sem fórmulas prontas – e nas manifestações corporais

características deste ambiente ritual. Para Durkheim, um objeto não é necessariamente nem

sagrado, nem profano. Torna-se um ou outro, fica dependente da opção dos sujeitos. Pode-se

atribuir-lhe certo valor intrínseco e não considerá-lo simplesmente como um valor de uso.

Este mesmo raciocínio impõe-se também para as atividades empreendidas pelos sujeitos

crentes. Não as veem como meios para cumprir determinados fins, mas porque fazem parte da

adoração da comunidade religiosa. Distinções entre as esferas do sagrado e profano são feitas

por grupos – religiosos ou não – que se unem em um culto através dos símbolos que lhe são

comuns.

Neste sentido, chegamos a um ponto em que Durkheim considera a religião

como algo constituído coletivamente: “[...] uma religião é um sistema solidário de crenças

seguintes e de práticas relativas a coisas sagradas, ou seja, separadas, proibidas; crenças e

práticas que unem na mesma comunidade moral, chamada igreja, todos os que a ela aderem

[...]” (1989, p.79). Durkheim entende a religião como um sistema. Embora a noção sistema,

seja uma definição abrangente e utilizada em múltiplos contextos, ele percebe que a religião é

composta de partes inter-relacionadas e interdependentes e que mantêm entre si certo grau de

solidariedade. Esta interação ocorre sob certos princípios ou regras.

Durkheim não faz uma discussão sobre a noção de sistema, apenas o menciona

no enunciado supracitado. Este insight durkheimiano antecedeu a discussão pormenorizada do

conceito de sistema que surgirá posteriormente, em meados da década de trinta do século XX,

mormente no campo da biologia. Bertalanffy (1975) reconhece que o conceito de sistema

possuiu um histórico filosófico e social, mas teve um tratamento vago, permanecendo refém

da mentalidade mecanicista, desprezando da realidade a inter-relação dos fenômenos sociais

(p. 27-35). Identificando a ocorrência de fragmentação da ciência moderna, dividida ainda por

inúmeras disciplinas, Bertalanffy afirma que [...] o físico, o biologista, o psicólogo e o

cientista social estão, por assim dizer, encapsulados em seus universos privados, sendo difícil

conseguir que uma palavra passe de um casulo para outro [...] (1975, p. 52). Bertalanffy

argumenta que os chamados organismos vivos são complexos e interativos. Numa descrição

concisa podemos dizer que a “teoria dos sistemas” centra-se nas disposições das relações

entre as partes que as conectam a um todo. A natureza de um sistema é marcada pela sua

dinamicidade: ajustes e conflitos. Suas formas não são estruturas rígidas e as partes que o

compõem são flexíveis e se ajustam ao meio. A perspectiva sistêmica permite verificar que a

mudança de um dos componentes do sistema afeta os demais.

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225

Segundo Durkheim, a religião atua como um sistema que se ajusta, reage ao

ambiente sócio-cultural. Os arranjos católicos, como subsistemas se inscrevem em um sistema

maior e mais complexo intitulado ICAR. Os primeiros possuem certa autonomia para a gestão

das suas atividades, possuem seu rol de crenças: santos, anjos, ritos são permitidos,

autorizados sob a hierarquia eclesiástica. A ICAR tornou-se um sistema complexo e

burocrático e dará uma resposta uniforme a qualquer perturbação que ocorra dentro do seu

campo religioso. Para proteger a chamada “comunhão dos santos” diante das manifestações e

reivindicações dos leigos católicos e também dos chamados “ataques” da mídia secular, ela

produzirá uma nova regulamentação doutrinária ou justificará suas ações a partir de um

arcabouço doutrinário já existente. A inserção dos arranjos católicos do ABC paulista, ao

menos os que estão elencados neste texto, tiveram seus pedidos de fundação deferidos pelo

bispo local. Na perspectiva sistêmica, tais arranjos acionaram na Instituição eclesiástica local

a criação de um novo tipo de regulamentação para atendê-los melhor, um departamento

específico para tal fim: criou-se um serviço especial encabeçado por alguns padres diocesanos

que possuem afinidades simbólicas com os arranjos a fim de atenuar possíveis problemas e

reclamações, mas acima de tudo, exercer controle sobre estes grupos para que os mesmos não

excedam em suas práticas religiosas. Garantiu-se desta forma, momentaneamente, a eficácia e

a unidade do sistema religioso católico como um todo. Para Durkheim o sistema “religião”

caracteriza-se da seguinte forma:

Trata-se de um todo formado de partes distintas e relativamente individualizadas. Cada grupo homogêneo de coisas sagradas ou mesmo cada coisa sagrada de alguma importância constitui um centro de organização à volta do qual gravita um grupo de crenças e de ritos, um culto particular; e não existe religião por mais unitária que possa ser que não reconheça pluralidade de coisas sagradas. Inclusive o cristianismo, pelo menos na sua forma católica, admite, além da personalidade divina, aliás, tríplice ao mesmo tempo que una, a virgem, os anjos, os santos, as almas dos mortos etc. Também uma religião não se reduz geralmente a culto único, mas consiste em sistema de cultos dotados de certa autonomia. Essa autonomia é, aliás, variável. Às vezes, eles são hierarquizados e subordinados a algum culto predominante no qual acabam sendo absorvidos. (1989, p.73)

O rosto deste catolicismo, que é plural, diferencia-se, complexificando sua

estrutura religiosa para que as conexões entre as partes deste sistema não comprometam a

chamada “comunhão dos santos”. Qualquer intervenção externa promovida pelo bispo, por

intermédio dos seus informantes padres, nada pode mudar além de manter o equilíbrio dos

grupos presentes circunscritos ao catolicismo. Tais arranjos filtram a seu modo esta

intervenção para preservar ou manter relações de boa vizinhança duradoura com a

mantenedora principal na figura do bispo diocesano. Tal sistema religioso católico é

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226

unificado, no sentido da promoção da solidariedade, isto é, permite estabelecer certo grau de

laços sociais. No sistema religioso católico, os sujeitos apresentam, em grande parte, os

imperativos do grupo. Os subsistemas arranjos católicos organizam-se em torno de um

conjunto de crenças e sentimentos comuns de forma que a ênfase na autonomia individual é

baixa e não nula. Isso significa que há funções especializadas – uma solidariedade orgânica

ativa - de forma que os sujeitos exteriorizem livremente suas intenções, cumprindo

determinadas funções, mas não a ponto de comprometer o estado coletivo do grupo. Pensamos

aqui que o tipo de solidariedade que se aproxima e que impera nos arranjos é mais próxima a

do tipo mecânica. Há regras morais a serem seguidas pelos sujeitos controlando seus

possíveis impulsos egoístas. Há uma coerção simbólica sendo exercida, mas não a ponto de

extirpar a liberdade dos sujeitos. Os arranjos criam laços sociais e lutam contra aquilo que

tende a desestabilizar o grupo: crises conjugais, álcool, drogas, apenas para citar alguns casos.

Assemelham-se a “instituições de prevenção” na tentativa de tratamento e redução de danos

causados por algum tipo de vício. As restrições criadas nestes ambientes religiosos são formas

de regulação das atitudes, de conter a liberdade dentro de certos limites.

A ordem e a coesão grupal se mantêm sob sanções positivas (reconhecimento da

capacidade de alguns sujeitos em administrar suas funções e papéis corretamente), como por

exemplo, o testemunho público de alguém que superou determinada deficiência ou vício e é

ovacionado por isso; ou sob sanções negativas, isto é, reprovação de determinada atitude e

um possível convite para se retirar do grupo por demonstrar incapacidade de controle diante

de um vício e fragilizar consequentemente a “imagem” da comunidade. Durkheim, em sua

definição de religião acena para o conceito de igreja, tratado por ele como uma comunidade

moral ou:

[...] uma sociedade cujos membros estão unidos pelo fato de conceber, da mesma maneira, o mundo sagrado e suas relações com o mundo profano, e de traduzir essa concepção comum em práticas idênticas é o que se chama de igreja. Ora, não encontramos na história, religiões sem igreja (1989, p. 76).

Mais adiante, diz ele: “Uma igreja não é simplesmente uma confraria sacerdotal;

é uma comunidade moral formada por todos os crentes da mesma fé, fiéis e sacerdotes”.

(1989, p.77). Além das religiões ditas “abraâmicas” (judaísmo, cristianismo e islamismo),

tanto a definição de religião como a de igreja, não é restritiva ao mundo ocidental, mas

permite pensá-la também nas chamadas religiões não-ocidentais, no caso o budismo. Usamo-

la também como uma ferramenta útil para a compreensão do nosso objeto de estudo.

Referimo-nos um pouco antes aos arranjos que se estruturam como subsistemas ou uma parte

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coerente e integrada que gravita ao redor do grande e complexo sistema chamado catolicismo

romano. Poderíamos pensá-los também como reduzidas “comunidades morais” que, sob a

influência de um mentor – o fundador – constroem um conjunto de crenças particulares,

possuem, cada qual, um rol de santos baluartes, anjos, ritos próprios, estatutos, estrutura

organizacional definida ou em definição, regras de convivência etc. Este conjunto de crenças

e ritos reunidos nestas comunidades morais foi retirado da ortodoxia oficial da ICAR e possue

o seu aval para atuar na sociedade. Estas comunidades sustentam seus laços internos não pela

via contratual, mas por convenções, amizades criadas, por afinidades, por emoções que

emergem, por regras de comportamento etc. Estes elementos permitem aos membros destes

arranjos minimizar as disparidades evitando qualquer tipo de polarização.

O fundador possui um papel importante para a coesão do grupo. Ele mesmo

representa o estado coletivo durkheimiano. Isto é, a forma de pensar do fundador é partilhada

por uma pluralidade de pessoas. É considerá-lo como sendo uma ideia, uma tendência de “ser

católico” compartilhada pela sua membresia. Cada fundador apresenta sua crença, suas regras

de convivência, sua maneira de interpretar a ortodoxia católica oficial respeitando

minimamente suas linhas gerais: respeito em relação aos dogmas da religião, à moral que a

subjaz e à hierarquia eclesiástica constituída. As consciências particulares dos partícipes

destes arranjos submetem-se livremente aos dispositivos morais e rituais constrangendo-os

nas suas atitudes. O mesmo conjunto de normas estabelecidas nestas comunidades morais

aplica-se a todos os indivíduos que dela participam. O estado coletivo representado pelo

fundador, “cabeça pensante” do arranjo, controla a parte inferior (as consciências particulares)

através de uma série de mediações institucionais, sejam elas materializadas ou não em crenças

ou em ritos. A mentalidade do fundador espalha-se quase que automaticamente pelas

lideranças das comunidades através das redes sociais, sites das comunidades, e também de

forma presencial junto aos colaboradores e usuários diversos que dali se aproximam. A rigor,

os arranjos não são sistemas fechados em que as relações intersubjetivas ficam sufocadas pelo

regramento imposto produzindo uma saída invariável. Pelo contrário, sobrevivem pelo fato de

saberem se adaptar às circunstâncias históricas, não vivem isolados como eremitas, mas

procuram manter-se num paradoxo contínuo entre “estar no mundo “ e “não ser do mundo”.

Central na análise que Durkheim faz do fenômeno religioso é, como foi visto, a

sua distinção em duas categorias de coisas: o sagrado e o profano. Esta dualidade, segundo

ele, é característica de todas as crenças religiosas e é facilmente observável tanto nas religiões

autodenominadas por ele de grosseiras e elementares como nas religiões mais modernas. A

função das crenças religiosas é representar esta dualidade, assim como, defini-la. Por sua vez,

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os ritos religiosos prescrevem e reforçam em seus usuários prescrições e modos adequados de

conduta na presença de coisas sagradas. Durkheim discorda da ideia de que a origem daquela

dicotomia surgisse de fenômenos naturais ou que a natureza tenha sido inspiração para a

religião. Para ele o ponto de origem, o germe da distinção sagrado-profano advém das

religiões totêmicas, dos clãs das sociedades australianas. No totemismo, as tribos se dividem

em clãs cuja solidariedade não decorre pela consanguinidade, mas através de uma natureza

muito especial de parentesco: por possuírem igualmente um nome. Durkheim entende que esta

relação é pautada numa associação sagrada entre o clã e uma entidade sagrada:

[...] a espécie de coisas que serve para designar coletivamente o clã chama-se ‘totem’. O totem do clã é também o de cada um dos seus membros. Cada clã tem o seu totem que lhe pertence exclusivamente; dois clãs diferentes da mesma tribo não poderiam ter o mesmo totem (1989, p.140).

O objeto representado no totem é geralmente uma planta ou um animal, mas

poderia ser um ancestral, um grupo de ancestrais, um ser mítico ou até mesmo objetos como a

lua e o sol. Durkheim também identifica a ocorrência de anomalias totêmicas (1989, p.142).

Independentemente do objeto, o totem representa o sagrado e a fonte de vida moral do clã. O

totem é um ponto de encontro, um símbolo da coesão do grupo. Torna-se um símbolo de

status e um lugar de culto. Não é apenas um emblema ou brasão que permite identificar os

sujeitos e os objetos que o usam. Ele é um rótulo coletivo e apresenta um caráter religioso que

permite classificar a qual grupo pertence. Além disso, ele é exteriorizado e gravado nos

objetos e seres humanos. O símbolo totêmico é marcado nos objetos, paredes das casas,

armas, instrumentos e na própria carne (1989, p. 155). Durkheim amplia sua discussão

quando indica que o totem é muito mais que seu nome ou emblema. Ganha força e amplitude

sagrada em cerimônias religiosas e as coisas acabam por serem classificadas em sagradas e

profanas. Durkheim toma como exemplo a tribo dos Arunta que utilizam determinados

instrumentos - os churinga – que são marcados com o emblema totêmico da tribo. Os Arunta

entendiam que tais instrumentos eram sagrados e tinham que ser mantidos separados do

profano, isto é, pelos não iniciados na vida religiosa. Quando não estão em uso, são

depositados em lugar privado e reservados somente àqueles que possuem qualificação para

tocá-los e vê-los. Além disso, tal lugar é considerado santuário do grupo totêmico e

verdadeiro lugar de refúgio. Por outro lado, atribuem-se aos churinga determinados poderes

extraordinários de cura, que fortalecem virtudes humanas e enfraquecem os inimigos da tribo

(p.159-63).

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Durkheim ainda faz um adendo no sentido de que o objeto em si – o totem - não

é coisa sagrada. O totem é, antes de tudo, expressão material de alguma outra coisa (1989,

p.259-60). O totem guarda, abriga o que Durkheim denomina de princípio totêmico ou mana.

O mana é uma força impessoal e anônima que é encontrada nas coisas e nos demais seres

vivos sem ser confundida com eles. O mana não é uma metáfora, é uma força real que aciona

um sentimento de obrigação moral nos sujeitos e os condiciona imprimindo-lhes respeito e

dever. O mana se espalha em todos os lugares, nas palavras, nos gestos e nas substâncias. Cria

o divino e contém em si o princípio da eficácia. Portanto, o totem é dotado de um duplo

aspecto: ele simboliza, por um lado, o deus totêmico, o mana e por outro, manifesta o clã. A

convergência destes dois elementos cria nos sujeitos uma sensação de dependência total. Eles

seriam como dois princípios constrangedores exercendo sua autoridade moral no grupo. Uma

religião, o papa, um partido político, um sistema econômico não precisam de força física para

fazerem valer sua vontade. A autoridade que lhes é atribuída advém da força moral de que

estão investidos. A renúncia do papa Bento XVI, por exemplo, em fevereiro de 2013, causou

surpresa, apreensões por parte de teólogos e padres, choques emocionais por parte do povo,

mas a “figura do papa”, independentemente das circunstâncias e especulações midiáticas

desta renúncia, faz alusão a esta força moral durkheimiana ou como o próprio Durkheim

discorre:

Diz-se de um sujeito, individual ou coletivo, que inspira respeito, quando a representação que o exprime nas consciências é dotada de tal força que, automaticamente, suscita ou inibe atos, ‘abstraindo de toda consideração relativa aos efeitos úteis ou nocivos de uns e de outros’. Quando obedecemos a uma pessoa por força da autoridade moral que reconhecemos nela, seguimos os seus conselhos não porque nos pareçam prudentes, mas porque uma energia física de determinado tipo é imanente à ideia que temos dessa pessoa, a qual dobra a nossa vontade e a inclina no sentido indicado. O respeito é a emoção que experimentamos quando sentimos essa pressão interior e espiritual produzir-se em nós (1989, p. 261).

Esta inclinação ao respeito acionada pela força moral interiorizada nos sujeitos é

manifestada de várias formas. Por exemplo, as manifestações de apoio popular dos fiéis na

praça de São Pedro, no Vaticano, ocorridas no domingo, dia 17 de fevereiro de 2013, dias

após a renúncia declarada de Bento XVI e nas missas dominicais que ocorreram na catedral

da Sé, em São Paulo, reforçam esta inclinação de obediência provocada pela força de

autoridade moral evocada pelo papa. Em Roma, frases como “nós sentiremos sua falta”, “te

queremos bem” e em São Paulo, na celebração dirigida pelo cardeal Dom Odílo Scherer,

comunicou ao povo “acreditar na palavra do papa, e não em especulações que saem na

imprensa”. Padres da zona oeste de São Paulo afirmaram em suas falas: “se até o diabo tentou

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Jesus, pode tentar a mim, você e até ao papa”; “conflito há em todo lugar, mostra que somos

humanos. A Igreja permanecerá. Vamos rezar por Bento XVI e pelo próximo papa” e, “A

barca de Pedro não vai afundar”111. Tais enunciados, proferidos em lugares diferentes,

possuem um denominador comum: o reconhecimento de uma autoridade moral incorporada

num sujeito. As concepções de Weber sobre a noção de autoridade ganham tônica importante

neste contexto. A estrutura eclesiástica da ICAR traduz uma rede de posições ocupadas pelos

seus representantes e, cada qual vinculada a certo grau de poder. Faz-se necessário ainda

distinguir entre a autoridade sob função hierárquica e a autoridade pessoal que se impõem ao

julgamento dos outros, positiva ou negativamente. Porém, a autoridade passa a ser inflexível

e durável caso a posição que um sujeito ocupa dentro de uma estrutura seja considerada

legítima pelos outros. Caso haja inclinação para a obediência, então estamos diante daquilo

que Weber intitula de relações de dominação. O que transpareceu nos excertos discursivos do

cardeal de São Paulo expostos anteriormente foi a ideia de zelar pela legitimidade da tradição

católica e, consequentemente, do próximo papa, independentemente das circunstâncias

históricas.

Durkheim enfatiza decididamente uma importante função da religião: a função

de integração social e de atestar a ordem social. Observando esta premissa sob a ótica do

mundo católico, o papa representa então esta força moral de unidade na diversidade de

subsistemas, cultos, posturas ideológicas polarizadas, presentes no catolicismo

contemporâneo. Por sua vez, sua autoridade é estendida a um corpo de especialistas cardeais,

arcebispos, bispos distribuídos pelo mundo a fim de ratificar uma inclinação de respeito ao

espírito de centralização e controle da qual se vale o mesmo catolicismo, com selo de garantia

de que a “barca de Pedro não afunda”.

Consoante ao exposto, é mister aludir, em breves palavras, que Durkheim

acentua a força coletiva como aquela que exerce sobre as consciências individuais não

somente respeito e admiração, mas provoca e atinge as ações dos sujeitos. Ela é introjetada

particularmente em momentos onde os atores sociais juntam-se coletivamente, seja em

assembleias religiosas, partidárias. E esta provoca em seus simpatizantes reações várias,

reforça sua identidade de grupo revivificando sua fé comum, mas que não se manifestaria,

provavelmente, na vida comum (1989, p.264). Segundo Durkheim, há momentos em que as

interações intersubjetivas tornam-se mais intensas. A religião é criada nestes momentos que

ele intitula de efervescência coletiva. Os adeptos que ali se associam manifestam mudanças de

111 Conferir Folha de S. Paulo, na seção “mundo” sobre a renúncia do papa Bento XVI, em 18/02/13.

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comportamento, agitam seus braços, pulam, choram, falam em línguas, acreditam “sentir a

divindade”, sentem a presença do arcanjo Gabriel ou o “perfume” das flores da Virgem

Maria. Estes dois últimos relatos foram coletados de rituais católico-carismáticos leigos

realizados em lugares, horários, dias e em grupos diferentes. Durkheim retira da etnografia da

época a palavra corrobbori, um conceito que identificava cerimônias religiosas australianas

mais abrangentes onde se celebravam a intensidade da vida religiosa, proporcionando uma

profunda transformação psicológica dos sujeitos:

Ora, só o fato da aglomeração já age como excitante excepcionalmente poderoso. Uma vez que os indivíduos estão reunidos, emana da sua aproximação uma espécie de eletricidade que os conduz rapidamente a grau extraordinário de exaltação. Cada sentimento expresso vem ecoar, sem resistência, em todas essas consciências largamente abertas às impressões exteriores: cada uma delas serve de eco às outras (1989, p.270, grifo nosso).

O argumento de Durkheim centra-se no seguinte. Supomos que os adeptos de

partidos políticos, religião, tomados aqui apenas como exemplos, são suscetíveis à autoridade

moral exercida por outras pessoas respeitadas e grupos sociais. Tal autoridade quando

experimentada em situações peculiares, no caso de reuniões partidárias ou em rituais

religiosos, são capazes de elevar os adeptos além de si mesmos: uma intensidade de

sentimentos e tipos de comportamentos que eles próprios não alcançariam sozinhos. Quando

isto ocorre, os sujeitos não identificam facilmente a origem do estímulo que estão

experimentando. Eles só podem supor que é algo completamente fora do mundo de seu

entendimento pessoal. Elas identificam o sagrado como um mana que as invadiu

identificando-o com algum anjo, um perfume, uma voz intensa, uma língua estranha. O mana

também se faz presente e é experimentado diferentemente nos estádios de futebol, em

reuniões partidárias, em conglomerados junto à praça de São Pedro ovacionando uma pessoa

considerada sagrada. Por conseguinte, projeta-se esta força em algo, exterioriza-se em um

objeto, um animal, uma pessoa, em um conceito ou princípio moral. Neste frenesi coletivo, ou

no tumulto organizado, Durkheim identifica a passagem daquilo que é ordinário, das coisas

cotidianas, para o mundo concebido como sagrado. A força religiosa, impessoal e anônima, é

representada pelo totem. Isso assegura, uma vez mais, o papel exercido pelo emblema como

suporte e fonte do sagrado. Estes momentos de efervescência religiosa mantêm assegurada a

coesão da membresia. Isto porque há determinados tipos de culto ou rituais que reforçam a

coesão. Durkheim distingue dois tipos de cultos: um negativo e outro positivo. (1989, p. 374-

402). Os primeiros referiam-se a um sistema de proibições e os segundos a sistemas de

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obrigações. Nestes cultos há tabus a serem respeitados: não há possibilidade de coexistência

no mesmo espaço de elementos da vida secular e os da vida consagrada. O culto realizado em

torno do totem, segundo Durkheim, promove no adepto uma conexão com o sagrado, com

suas crenças e renova sua lealdade ao grupo:

O rito, portanto, não serve e não pode servir senão para manter a vitalidade dessas crenças para impedir que elas se apaguem das memórias, ou seja, em suma, para revivificar os elementos mais essenciais da consciência coletiva. Através dele o grupo reanima periodicamente o sentimento que tem de si mesmo e de sua unidade. (1989, p.448)

Nos arranjos católicos, tanto os adeptos da comunidade de Vida como os de

Aliança, são convidados a realizarem exercícios espirituais fundamentados na lógica e nas

intenções do fundador de modo a se afastarem do chamado mundo secular pelo menos no que

se restringe a aspectos comportamentais e sexuais. Por outro lado, adquirem algumas

obrigações (culto positivo) e, proibições (culto negativo), isto é, não beber, não fumar, não

vestir-se com extravagância, afastar-se de músicas que incitem às drogas que, necessitam ser

realizadas pessoalmente e outras realizadas em grupo (participar dos eventos da comunidade:

trabalho em encontro de jovens, participação ativa no culto dominical realizado pelo arranjo

etc.).

Os ritos construídos pelos arranjos são esperados por serem eficazes por si

mesmos e não são dirigidos a um santo específico, mas a uma força abstrata. Tanto os que

dirigem o rito quanto os que participam dele, aguardam regenerar-se e receber o mana

invocado nas celebrações. O rito praticado nos arranjos constrói uma mentalidade religiosa

que atua como reguladora, avaliadora de outros grupos religiosos, sejam eles espíritas,

evangélicos ou de religiões afro. A mentalidade de que “a minha religião é a verdadeira” atua

com veemência nos arranjos. Os demais grupos presentes no mesmo espaço regional ou são

ignorados ou colocados como “coisa do mal”, mormente aqueles grupos religiosos do mundo

afro (Umbanda, Candomblé). Os espaços e os lugares que abrigam os arranjos são

transformados simbolicamente mediante as necessidades do grupo: a sala transforma-se em

recepção dos visitantes e membresia e lugar de divulgação da “obra”; os quartos são relidos

como lugares de cultos com baixa demanda ou como capelas; o quintal, caso exista, é

transformado em uma arena de convivência social, ensaios de apresentações teatrais, lugar de

confissão pública, de reza personalizada para os que visitam a “obra” e lugar onde se realiza a

missa. A casa transforma-se num grande espaço concebido como sagrado. Os membros em

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233

sua grande maioria possuem facebook, mas entendem que podem utilizá-lo como um canal de

“evangelização”, “divulgação de mensagens de paz”, “eventos cristãos”, “sem palavrões” etc.

Na perspectiva durkheimiana, é necessário purificá-lo, santificá-lo, elevá-lo ao

patamar do sagrado. A princípio podemos colocar que, em um nível muito geral, cada arranjo

possui um sistema de valores em comum especialmente se analisados em contraste com

outros subsistemas católicos. Como exemplo, citamos a sociedade Vicente de Paula, os

Vicentinos católicos, que possuem uma prática de ajuda aos pobres com distribuição de cestas

básicas.

2. OS ARRANJOS CATÓLICOS NO JOGO DE PODERES DO

CAMPO CATÓLICO

Ainda dentro do contexto da nossa abordagem conceitual, Bourdieu oferece

noções, conceitos que nos permitem compreender não somente os arranjos católicos, como

também as relações destes com a ICAR da região do grande ABC. Até aqui apresentamos

argumentos durkheimianos que nos possibilitaram verificar que a religião é um fato social,

propulsora de coesão, integração para todos os seus membros. No caso do catolicismo

romano, aventamos que a integração é um fato, porém com algumas particularidades. Tal

coesão permite a união dos contrários112, entre os adeptos de um catolicismo mais

tradicionalista, um catolicismo midiático, aeróbico, emocional e um catolicismo sócio-

estrutural (CEBs) em declive no Brasil. Mesmo esta divisão clássica e tripartida do

catolicismo também está em processo de revisão teórica. Poderíamos pensar em católicos

messalisants (que vão à missa todos os domingos) satisfazendo-se com a obrigação cumprida

ou os “engajados” em pastorais, nas diversas possibilidades que a vida paroquial proporciona:

grupo de jovens, grupos de oração, Legião de Maria, Vicentinos, ministérios etc. Também há,

como apontou Le Bras (apud in CIPRIANI, 2007) além dos messalisants e dos engajados

(piedosos ou devotos), outros dois tipos de comportamento religioso frequentes: a) os não-

112 O Concílio Vaticano II, por exemplo, foi um caso típico de união dos contrários. Entre reformistas e conservadores que forjaram o evento, os textos resultaram e refletiram estas ambiguidades eclesiásticas. Segundo Comblin, o sínodo católico de 1985 provocado pelo então papa João Paulo II, avaliando os vinte anos de prática conciliar, resultou na ideia de que o Concílio foi “mal interpretado” necessitando “corrigir” com a reta doutrina as novidades que emanavam dos textos, mormente dos decretos da Lúmen Gentium e Gaudium et Spes, que promoviam um novo conceito de igreja enquanto “povo de Deus” e diálogo com a modernidade contemporânea. Ainda, segundo Comblin, os padres sagrados sob este novo formato eclesiástico não se interessam pelas decisões conciliares, pelo contrário, há uma tendência à veneração de todo arcabouço católico pré-conciliar e medieval, que por sua vez, traz segurança litúrgica e doutrinária para lidar as vicissitudes modernas. Conferir: http://www.unisinos.br/eventos/congresso-de-teologia. Acesso em: 03 mar. 2013.

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praticantes, como a designação sugere, são os que não estão envolvidos em qualquer ato de

adoração e ignoram sua filiação a uma paróquia em particular ou limitam-se apenas aos ritos

de passagem: nascimento, casamento, morte; b) os sazonais ou de passagem: ligam-se à

paróquia pelos ritos de passagem e não possuem qualquer tipo de vínculo litúrgico. Além

desta “tipologia dos comportamentos” poderíamos pensar aqui num alargamento destas

tipologias do campo católico a partir dos arranjos aqui estudados, que talvez transcenda a

maneira costumeira de averiguar o catolicismo no Brasil atual. Esta manifestação fenomênica

das chamadas novas comunidades católicas provoca um novo olhar interpretativo sobre a

relação destas com a ICAR no Brasil. Pontuaremos aqui o campo religioso, tratado por

Bourdieu como uma esfera de conflitos, de ajustes entre os sujeitos que dele participam, bem

como as categorias de habitus e capital simbólico que servirão de ferramentas de análise do

objeto em estudo.

Bourdieu percebe a sociedade como um espaço onde estão posicionados os

diferentes atores. Estes, ocupam diferentes posições, muitas vezes antagônicas e interpretadas

como “naturais”. O mundo social, principalmente nas chamadas sociedades complexas, é

dividido em campos: econômico, artístico, jurídico, educacional, religioso etc. O campo,

portanto é um espaço estruturado hierarquicamente, de posições ou cargos cujas

características são relativamente independentes daqueles que os ocupam. Cada campo é

definido por problemas e interesses específicos irredutíveis com as de outro campo. Este é

uma esfera da vida social que se autonomizou dentro do percurso histórico principalmente em

sociedades contemporâneas. Podemos dizer que há o campo jornalístico, econômico, político,

religioso etc e cada um deles é caracterizado por um equilíbrio de poder entre agentes sociais

dominantes e dominados que, ao configurar as sua relações, mantêm ou transformam o

equilíbrio de poder que possuem. Tomando como exemplo o campo científico, discorre

Bourdieu:

O campo científico, enquanto sistema de relações objetivas entre posições adquiridas (em lutas anteriores), é o lugar, o espaço do jogo de uma luta concorrencial. O que está em jogo especificamente nessas luta é o monopólio da autoridade científica, compreendida enquanto capacidade de falar e de agir legitimamente (isto é, de maneira autorizada e com autoridade), que é socialmente outorgada a um agente determinado (1976, p. 88).

Cada campo se caracteriza por mecanismos específicos de capitalização de

recursos que lhes são próprios, isto é, envolvem a criação ou a posse de um capital para ele.

Em seu artigo “As formas de capital” (1986), Bourdieu amplia a definição de capital,

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235

suprimindo dela o espectro que a prendia ao campo marxista e a afunilava ao seu aspecto

econômico. O que difere – se comparado ao entendimento de Marx – é que cada campo

possui sua própria estrutura e seus próprios desafios particulares. Em Bourdieu, o capital é

[...] trabalho acumulado em sua forma material ou em sua forma interiorizada, incorporada

[...]113, isto é, as posições dos agentes dentro dos espaço social, e consequentemente, do seu

campo de pertença, estruturam-se mediante o volume global de capital que possuem, recursos

que não se reduzem a bens econômicos. Por exemplo, desde tenra idade, um indivíduo

incorpora capitais em diversas modalidades: linguagem, habilidades intelectuais e técnicas,

maneiras de convivência, rendas, padrões sociais ou pode acontecer que estes elementos lhe

sejam negados, movimentando-se no espaço social, alimentando-se de capitais sobrantes.

Grosso modo, tais capitais permitem a um agente circular dentro do espaço social conferindo-

lhe ou não algum tipo de prestígio.

Levando a análise marxista a novas leituras, Bourdieu compreende que há uma

pluralidade de capitais. Distingue o capital econômico constituído pelos meios de produção

(trabalho, fábricas) dos demais bens econômicos. O capital cultura, ou todas as habilidades

intelectuais produzidas pelo sistema de ensino e da família, o capital social que indica o

conjunto de relações sociais construídas pelo sujeito, seu network e, por fim o capital

simbólico ou capital de reconhecimento, onde os sujeitos envolvidos em um determinado

campo lutam por “reputação”, prestígio:

“[...] os agentes investem o capital simbólico que adquiriram nas lutas anteriores e que pode ser juridicamente garantido. Assim, os títulos de nobreza, bem como os títulos escolares, representam autênticos títulos de propriedade simbólica que dão direito às vantagens de reconhecimento” (BOURDIEU, 2004, p.163).

O campo é também um espaço dinâmico em que os jogadores, os agentes estão

em inter-relação constante para manter ou subverter relações de poder. Ora ocupam posições

dominantes, ora as situações invertem-se. Há uma luta simbólica frequente para ocupar

posições vantajosas no espaço social. Para explicar o “funcionamento” do campo, Bourdieu

(2008, p. 64) utiliza o conceito de jogo. A razão para isto é que esta noção exprime o fato de

que os sujeitos estão conectados uns aos outros pelas regras que regem o campo. Os jogadores

ou os “detentores de capital” jogam o jogo sem necessariamente estarem cientes das regras e

pressupostos. A dinâmica do jogo consiste em que cada agente aumente ou mantenha seu

capital, suas cartas, conforme as regras implícitas no jogo. As regras podem mudar e os

113 Tradução nossa.

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jogadores podem também lutar por uma mudança das regras a fim de melhorar sua posição.

Os agentes possuem a inclinação de lutarem por si mesmos e não pelos seus clientes (campo

econômico), eleitores (campo político), fiéis (campo religioso, por exemplo). Em cada campo

específico, os agentes envolvidos possuem interesses que lhes são comuns e lutam por valer

seus próprios direitos.

O campo religioso, por sua vez, é um espaço pequeno se comparado ao espaço

social global retratado por Bourdieu. É definido em relação a este espaço, de acordo com sua

maior ou menor autonomia, e é confeccionado em torno de um direito próprio mais ou menos

independente da lógica externa. O mundo católico, com seus grupos, movimentos,

congregações religiosas, seus cânones, santos, templos, sua arte sacra e burocracias, possui

algumas feições que dependem de certos indivíduos específicos. Os cardeais e bispos que hoje

dirigem a ICAR não são os mesmos que a dirigiam há quinze anos. João Paulo II, por

exemplo, esteve à frente desta instituição religiosa por vinte e sete anos. Bento XVI, dando

sequência à “lourde continuité”114 (herança pesada) do seu antecessor, além de redigir textos

inflexionados contra o relativismo moderno, presidiu a prefeitura da Congregação para a

Doutrina da Fé nos anos oitenta - departamento cravado no Vaticano e que postula

observações doutrinárias a serem seguidas em todo o campo católico com focos e manchas

espalhadas em todo o planeta – permaneceu no cargo de sumo-pontífice durante oito anos até

sua renúncia, dirigida publicamente em fevereiro de 2013. Em todos estes casos, examinando

o que neles acontece quando um sujeito sai e outro ingressa em seu lugar, vemos que, em

geral, o novo membro faz as mesmas coisas feitas pelo seu predecessor.

No campo do catolicismo atual, em particular, devido ao seu peso histórico de

instituição influente na cultura dos povos, transparece um continuum ou um depositum fidei a

ser preservado pelos novos membros. O procedimento destes depende muito da sua posição

particular no campo, o quesito básico é manter o legado supracitado. De forma mais ampla,

114 Expressão utilizada por Phillipe Portier em entrevista concedida ao jornal eletrônico Le nouvel Observateur, em 12/02/13. Entre os pontos principais da entrevista Portier avalia que Bento XVI se empenhou contra a pedofilia tentando empreender correção e disciplina moral no clero, desempenhou com opacidade a administração da cúria, mormente no chamado caso Vatileaks – documentos que tornaram público esquemas de corrupção, nepotismo, lavagem de dinheiro, subornos no Vaticano – que fragilizou ainda mais seu pontificado. Em favor da união dos contrários, Bento XVI revogou a sanção feita aos tradicionalistas seguidores do bispo Lefebvre, revisou o missal romano (regras liturgicaslitúrgicas) abrindo possibilidades de ativar o latim, frequentemente usado no período medieval. Pouco fez em relação à renovação doutrinária, o importante era achar uma síntese em articular a novidade com acento muito forte na tradição. Na direção do novo, Portier destaca o esforço de Bento XVI em relação à direção do diálogo inter-religioso com judeus e protestantes, com a liberdade religiosa, a ecologia etc. No aspecto doutrinário, Bento XVI enfatizou a importância da família e a emancipação do ser humano dentro de um regime econômico mais humanitário. Por fim, houve uma dificuldade do pontificado que, ao lidar com uma sociedade simultaneamente pluralista e subjetivista, perdeu terreno na Europa e na América. Conferir site: http://tempsreel.nouvelobs.com/monde acesso em 27/02/13. Tradução nossa.

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237

diremos que a ICAR é constituída de pessoas que têm séries de atividades bastante estáveis e

regulares, e inter-relações de acordo com o que é determinado por aqueles que dominam o

campo. A ICAR opera, ainda, de acordo com uma repetição de tradições e mesmo a renúncia

de um papa está prescrita canonicamente. Um dos objetivos do campo católico na atualidade é

não perder o seu capital simbólico no campo macrossocial e, simultaneamente, não pode

romper com o quesito depositum fidei que é uma das premissas fundamentais da sua prática.

Neste paradoxo, ter aliados e parceiros dentro do campo pode ser fundamental para a

sobrevivência de uma instituição. Frequentemente é difícil determinar as fronteiras de uma

organização (em particular, o catolicismo) para que se saiba nitidamente onde um aparelho

institucional termina e outro tem início, ou descobrir quem é seu membro e quem não o é.

Em nosso caso, os arranjos católicos leigos participam do modus operandi da

ICAR, isto é, realizam suas atividades mediante o reconhecimento e aval da alta cúpula do

Vaticano115. Embora membros ativos, têm pouco a dizer sobre objetivos, políticas e coisas

semelhantes quando se trata da cúpula do Vaticano. Tomando os arranjos como ilustração,

reconhecemos a importância dos fundadores em determinar, cada qual, os objetivos da sua

comunidade moral e, muitas vezes, tomar decisões sobre como sua “organização” deverá

funcionar. Os arranjos não retratam suas estruturas exclusivamente baseados em seus

colaboradores subalternos, consagrados da comunidade, mas incluem os fundadores e um

conselho diretor composto de padres que acompanham estas comunidades laicas. Mesmo

possuindo uma quantidade de bens religiosos católicos que são ofertados para os seus

respectivos públicos, os arranjos não dominam o campo, pelo contrário, estão em posição de

dominados e exercerem a partir daí, esforços para conseguir seu grau de reconhecimento ou

de bens simbólicos dentro deste campo. Vamos entender aqui que existe uma parceria sendo

estabelecida entre dominantes e dominados, entre os arranjos e o clero católico para assegurar

a realização de algumas metas, mormente aquelas que dizem respeito à “evangelização “ de

jovens, de casais e dos chamados batizados, mas que se encontram afastados da ICAR. Esta

percebeu que parcela do seu desempenho depende de seus distribuidores ou concessionários,

isto é, toda a chamada massa católica atuante dentro das paróquias e de grupos, movimentos e

associações que gravitam ao redor da hierarquia católica. Então, estes agentes ou

distribuidores possuem um determinado tipo de capital religioso, possuem uma relativa

autonomia e trabalham na operacionalização da ICAR ao redor do globo.

115 Abordamos este aspecto com mais detalhe no capítulo 2.

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238

Os arranjos católicos possuem legitimidade institucional no serviço de

distribuição de bens religiosos católicos – portanto são concessionárias autorizadas - e o

fazem com uma relativa autonomia pautada sob uma ordem determinada pelos agentes

dominantes do campo, o clero católico. Segundo Bourdieu (1999), o campo religioso é

estruturado de forma a desapropriar o capital religioso dos leigos em favor de um corpo de

especialistas ou peritos religiosos que produzem e reproduzem um corpus organizado de

conhecimentos secretos. Para Bourdieu há claramente uma divisão do trabalho religioso entre

especialistas pertencentes a uma instituição que possuem o ‘domínio erudito’ de um ‘corpus’

de normas e conhecimentos explícitos e sistematizados por um lado e, por outro o domínio

prático de um conjunto de esquemas de pensamento entre os praticantes e a membresia em

geral. (1999, p. 39-40). Podemos entender que os arranjos católicos estão em uma posição ou

alocam-se numa graduação específica dentro do campo religioso católico.

Nos círculos internos onde acontece a prática religiosa destes arranjos o seu

capital simbólico ganha intensidade, é visto como louvável ao colocar a sociabilidade que ali

se constitui à parte, como um diferencial organizacional a ser respeitado. Em outro círculos,

por exemplo, a do clero católico, estes arranjos poderiam ser considerados com desconfiança

o que reduziria, consequentemente, o seu capital simbólico. Os fundadores dos arranjos, assim

como a membresia mais próxima, isto é, as lideranças, possuem um domínio não erudito da

tradição católica e a expressam a partir de seus próprios moldes interpretativos. Cada arranjo

constrói sua própria tradição, seu modus operandi, suas crenças, ritos, mas o fazem segundo o

aval daqueles que, segundo Bourdieu, dominam o campo religioso.

Os arranjos ora analisados conseguiram sua posição dentro do campo, por um

lado, em consequência de abdicar parcela de sua autonomia em respeito aos

“aconselhamentos” do clero local, mormente do bispo diocesano. Por outro, adquiriram certas

propriedades ou características provenientes da tradição católica: a veiculação de santos, de

ritos carismáticos de “cura e libertação”, da imagem do papa, do bispo diocesano, fazendo-os

serem reconhecidos como grupo ou associação de fiéis católicos por parte do alto clero. Este

reconhecimento atribuído aos arranjos por aqueles que detêm o monopólio do campo religioso

não é tranquilo.

O fundador, que se encontra no topo do organograma da sua organização, tende

a ser visto pela sua membresia como dotado de um valor importante, reconhecendo seu

carisma e suas responsabilidades. Mesmo tendo reconhecimento canônico, mas ocupando

uma posição subalterna no campo, os fundadores e demais membros são relidos pelo clero

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239

católico com desconfiança, o que, por sua vez, pode causar considerável dificuldade de

aceitabilidade:

[...] Toda prática ou crença dominada está fadada a aparecer como ‘profanadora’ na medida em que, por sua própria existência e na ausência de qualquer intenção de profanação, constitui uma contestação objetiva do monopólio da gestão do sagrado e, portanto, da ‘legitimidade’ dos detentores desse monopólio. Na verdade, a sobrevivência constitui sempre uma resistência, isto é, expressão da recusa em deixar-se desapropriar dos instrumentos de produção religiosos [...] (BOURDIEU, 1999, p.45)

A gestão de controle exercido pela hierarquia católica sobre estes arranjos tem

por finalidade evitar desvios e facilitar a integração deles ao grupo majoritário ou dominante

dentro do campo. As reuniões anuais solicitadas pelo bispo diocesano de Santo André, Nelson

Westrupp, junto aos fundadores dos arranjos têm por objetivo não somente conhecer a prática

e a rotina destes grupos, mas adequá-las à obediência e aos interesses da ICAR regional. Na

reunião realizada no início de novembro de 2012, o bispo discorreu sobre a importância de

um trabalho integrado das “novas comunidades” junto à paróquia e aos interesses da Diocese:

“Vocês têm grande responsabilidade, de participar da missão da Igreja de levar as pessoas até

Jesus. Temos que matar a sede de Deus que o ser humano tem”, frisou o bispo diocesano.

“Tem que participar da vida da paróquia e da vida da Diocese”116.

Há nesta curta fala elementos que denotam a típica dominação tradicional

elencada por Weber. Os usos e os costumes (integração à paróquia e à Diocese) são a fonte

última do poder. É um tipo de dominação conservadora e a mudança social implica em

rompimento com a tradição e, portanto, deve ser combatida. Ela não é exercida com uma

preocupação de eficiência como o é a dominação racional. Pelo contrario, a dominação

tradicional é destituída de qualquer base racional. Aquele que exerce a dominação tradicional

se sente senhor e os seus subordinados são vistos como “servidores” da Igreja Católica. Um

dos padres que acompanham as chamadas “novas comunidades”, VR, pronunciou: “A

importância deste encontro foi se encontrar com o Bispo, ouvir suas palavras e orientações”.

Na abordagem bourdieusiana, a ICAR, visando preservar seu “capital de graça

institucional ou sacramental” (1999, p.58), não prescinde de um aparato burocrático que

possibilite a veiculação dos bens de salvação oferecidos por ela. Ao contrário, os chamados

116 Participaram desta reunião representantes de doze comunidades novas do ABC paulista: Shalom; Fanuel; Fidelidade; Árvore da Cruz, Chagas de Amor, Coração Sagrado; Fraternidade Divino Mestre, Peregrinos do Amor, Voz do Pastor, Aliança da Cruz, Divina Misericórdia e Coração Chagado. Entre as que foram citadas, quatro4 fazem parte da análise desta tese. Conferir site http://www.diocesesantoandre.org.br. Acessado em 5/2/2013.

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240

padres ou especialistas do sagrado asseguram que a distribuição e o controle de tais bens

sejam garantidos. Não se exerce o monopólio do campo se as relações entre dominantes-

dominados estiverem deterioradas. Por outro lado, exercendo seus papéis, os representantes

dos arranjos devem se pautar pelos valores, padrões, modelos, que integram a linha de

comando dos dominantes. Caso contrário, não poderiam exercer qualquer tipo de dominação

em seu próprio terreno, pois aí lhes faltaria legitimidade institucional. As atitudes

confirmatórias são um bom exemplo de reforçar a estabilidade da tradição, mantendo

eunômica a relação desigual entre dominantes e dominados. Exemplo disto é a fala de um dos

fundadores “Eu senti como o pai que acolhe seus filhos. Me senti acolhido por dom NW, a

quem devemos obediência”, frisou o fundador da comunidade Árvore da Cruz, de São

Bernardo.

Nesta reunião, portanto, apresentaram-se alguns atores sociais que desempenham

funções diferentes dentro do campo religioso católico. O bispo diocesano possui um papel de

moderação e conservação, o padre, seu auxiliar e mediador, ratifica a ideia subscrita de que a

hierarquia é a guardiã e intérprete oficial da tradição e, portanto, os leigos são convidados a

seguir. Tanto o bispo quanto seu auxiliar estão envoltos ou mergulhados na chamada

hermenêutica da continuidade117 ou continuísmo do poder religioso católico frente às novas

demandas e instâncias religiosas católicas que emergem no cenário do grande ABC paulista,

em nosso caso, os arranjos católicos.

O que o bispo solicitava para os fundadores, além do apelo que fez em

preservarem os elementos característicos da tradição religiosa – a instituição, o papa, o rito

católico, as fórmulas dogmáticas – era que os mesmos não se afastassem não da circunscrição

paroquial, mas da sua influência, dos seus comandos porque ali seria um dos ambientes que,

segundo ele, são considerados legítimos da prática religiosa.

É uma forma de controle mais direto. Os fundadores foram estimulados não

tanto a um comportamento inovador porque isto os faria percorrer um caminho que tenderia

para a sectarização, mas à segurança e ao conforto oferecidos pela obediência cega aos

regulamentos. O que se pede deles são duas coisas: a) confiar na chamada hermenêutica da

117 Quando assumiu seu pontificado em 2005, Bento XVI pronunciou o seu primeiro discurso oficial enquanto papa. Nele, faz alusão ao Concílio Vaticano II com um alerta de que é necessário entendê-lo mediante uma hermenêutica da continuidade e não de ruptura ou uma hermenêutica da descontinuidade com o passado. Segundo ele, a tradição da Igreja Católica não se rompeu com o evento conciliar, mas é um desenvolvimento legítimo dela. Independentemente das suas intenções e das ideias que o concilio Vaticano II sintetizou, a hermenêutica da continuidade impactou no mundo católico de forma a abrigar em seu seio um anacronismo composto de regras litúrgicas novas e antigas (a missa tridentina), de grupos que estavam “excluídos” da comunhão eclesial (pe.Pe. Lefevbre e cia.) ou em processo de enfraquecimento (no caso da teologia da libertação) com os chamados “novos movimentos eclesiais”.

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241

continuidade que garanta o funcionamento satisfatório do campo religioso e b) disciplina

religiosa, que só se efetiva se os padrões de comportamento e o organograma dos arranjos se

sustentem por um habitus, que garanta a dedicação da membresia aos deveres que um católico

médio precisa cumprir. Aos arranjos cabe, portanto, adaptação de pensamentos, sentimentos e

ações, limitadas às perspectivas oferecidas por aqueles que detêm o monopólio do capital

religioso. Os sujeitos destes grupos foram convidados a internalizar disposições que tendem

ao conformismo e ao conservadorismo das regras do jogo.

A burocracia presente na ICAR persegue constantemente integrar os objetivos de

subgrupos à doutrina oficial. Nela há o reino do conflito, o reino da tentativa de legitimação

de interesses. Cada arranjo procura, a seu modo, manter-se no jogo e luta para que seus

interesses sejam validados oficialmente. Em termos simples, a hierarquia católica

representada neste caso pelo bispo e padre diocesanos, delega autoridade a estes subgrupos:

“participar da missão da igreja, levando as pessoas até Jesus”. O que isto significa? Servindo-

se de parcela do capital religioso católico cedido pelo bispo, os fundadores, agora dotados de

legitimidade institucional, ganham poder de atuação em seus próprios domínios concentrando

sua atenção não somente na gestão dos bens de salvação dali veiculados, mas exercendo um

poder capaz de alterar ação e pensamentos nos seus stakeholders mais próximos e de usuários

flutuantes que ali se aproximam (jovens, casais) para usufruir das ofertas religiosas

disponíveis, insuflando-lhes portanto um habitus religioso peculiar àquele arranjo. Bourdieu

define o habitus como:

[...] Sistema de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionarem como estruturas estruturantes, isto é, como princípio que gera e estrutura as práticas e as representações que podem ser objetivamente “reguladas” e “regulares” sem que por isso sejam o produto de obediência a regras, objetivamente adaptadas a um fim, sem que se tenha a necessidade de projeção consciente deste fim ou do domínio das operações para atingi-lo, mas sendo, ao mesmo tempo, coletivamente orquestradas sem serem o produto da ação organizadora de um regente. (ORTIZ, 1983, p. 61).

Em última análise, é no habitus que um determinado tipo de capital religioso é

reconhecido como importante. É no habitus dos participantes dos arranjos que os fundadores

exercem seu domínio. As lideranças dos arranjos, incluindo seus fundadores, incorporam

regras de comportamento ao longo de sua socialização na comunidade. Não há muitos

princípios a serem seguidos – veja a comunidade Fanuel cujos valores restringem-se à vida

em oração, comunhão fraterna, bom relacionamento interpessoal - mas serão suficientes para

gerarem em suas consciências maneiras de conceber ou interpretar os significantes mais

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242

relevantes da comunidade (santos baluartes, anjos, Virgem Maria, Jesus etc.) e suscitarem

maneiras de ação como, por exemplo, criar e manter pequenos grupos de bairro intitulados

como células. Em cada arranjo, em cada espaço estruturador, produz-se um habitus

correspondente, que permite também a combinação de componentes mais ou menos

semelhantes, mas o conteúdo aí gerado diferencia-se de acordo com cada membro. Os sujeitos

destes arranjos sofrem um constrangimento normativo, mas nada os impede de reinterpretá-lo

utilizando seus próprios mecanismos mentais gerando assim a possibilidade de

comportamentos diferenciados.

Evocando a dinamicidade da noção de habitus, Bourdieu refere-se a ele também

como “princípios geradores de práticas distintas e distintivas” (2008, p.22). Cada arranjo

difere entre si pelos chamados “carismas” possuindo, portanto, habitus distintos, tanto os

arranjos consolidados há mais tempo, como os que permitem certa diferenciação enquanto

estrutura interna, divisão das tarefas, organogramas, propostas etc. Tanto as membresias mais

antigas como as novas possuem um sistema de produção, apreciação e percepção das suas

práticas de modo a se diferenciarem entre si. Na medida em que atuam produzem uma

expressão do seu arranjo, externalizando-o em gestos, palavras e símbolos. Veiculam o seu

totem (emblema da comunidade) e o diferenciam de outros totens demonstrando assim, seu

habitus, isto é, a maneira que eles incorporam e percebem o seu próprio grupo na interação

com outros dentro da mesma estirpe católica. Exemplo disto se deu em um encontro conjunto

entre os arranjos católicos em maio de 2012 na casa de cultura de Portugal, em Santo André.

Este evento aconteceu no chamado “dia de pentecostes”, correspondente ao ano litúrgico

católico reunindo várias comunidades novas em um único domingo às 7h30 as 18h00 (vide

cartaz de divulgação Anexo G). Neste encontro totêmico entre jovens na faixa etária de

quatorze a trinta anos, além de famílias, em meio a um mix de palestras e louvores, fechou a

participação de oito novas comunidades consolidadas e outras em processo de constituição.

Ocuparam o espaço local oportunizando a exposição dos seus trabalhos em estandes –

divulgados em folders, vídeos e banners – assim como, apresentaram seus “carismas”

acentuando aí seus habitus. Os elementos simbólicos – manifestados em palavras, gestos e

objetos – compartilhados neste dia indicaram maneiras de ações distintas a respeito daquilo

que consideram importante e válido para seu próprio arranjo.

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243

3. OS FUNDADORES

O papel dos fundadores118 e seu impacto na formação desses arranjos devem ser

levados em conta. Todas estas lideranças, ao decidirem fundar uma organização religiosa,

tiveram, cada qual experiências místicas, revelações divinas específicas. Elas impõem aos

seus membros um conjunto de valores, pressupostos, artefatos e perspectivas. Os fundadores

vão buscar em outras experiências do chamado catolicismo renovado maneiras, formas de

organização das finanças, treinamento dos membros, rituais, símbolos e aplicam-nas a sua

própria comunidade. A fundação é um processo que envolve uma série de etapas: iniciação,

mobilização de recursos financeiros e humanos. Tal processo pode levar alguns meses ou até

anos. Estamos diante de comunidades com um mínimo de estruturação administrativa e que

não possuem efetivamente um estatuto redigido e oficializado pela diocese de Santo André. A

Fanuel, por exemplo, possui um estatuto oficioso e não tem reconhecimento diocesano. São

arranjos que ainda se encontram muito afetados pelas características pessoais dos seus

fundadores e mesmo que não cresçam significativamente, mantendo estável um certo número

de seguidores, não há a introdução de novas premissas porque obviamente continua indefinida

como será a primeira geração de seguidores. Inevitavelmente, os seus seguidores, caso o

Arranjo não se desfaça, adotarão novos elementos aprendidos com a experiência enquanto

consagrados.

Uma das características verificadas é que os fundadores tomaram a iniciativa e

organizaram ao redor de si pessoas que compartilham objetivos e visão em comum valendo a

pena correr o risco mesmo que isso comprometa a vida social dos sujeitos. As rotinas

estabelecidas pelo fundador aos seus seguidores manifestam procedimentos e outras tarefas

recorrentes que têm de ser executadas. A existência de tais procedimentos – também

visualizados nos outros arranjos – fornece estrutura e previsibilidade para esta associação de

fiéis e tornam a vida deste arranjo previsível, reduzindo assim a ambiguidade e a ansiedade 118 Os fundadores identificados e entrevistados nesta pesquisa possuíram, em seu histórico pessoal, participação no movimento de Renovação Carismática Católica (RCC). Neste sentido, esta influência é notadamente verificada nos cultos de cura e libertação veiculados nos ambientes dos arranjos católicos. Há, porém um detalhe. Não possuem mais vínculos ativos com a RCC e também não se identificam mais como “mais um” movimento carismático institucionalizado como, por exemplo, o da Canção Nova. Os arranjos são uma tendência cristã católica com uma forma peculiar de operar mais livremente os símbolos religiosos e de construírem para si uma gestão administrativa com “rosto próprio”, sem com isso comprometer o vínculo com a ICAR. Segundo a co-fundadora da comunidade Chagas de Amor, as novas comunidades possuem uma “espiritualidade mais profunda”. E acrescenta: [...] não é mérito de achar que nós, o grupo de oração de uma nova comunidade não é melhor do que o grupo de oração da renovação (referindo-se aos movimentos de oração paroquiais), mas é diferente, é diferente, por quê? Pela espiritualidade que é mais profunda”.

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tanto daqueles que veiculam o capital religioso como dos que o recebem. Tais procedimentos

ainda garantem e reforçam – na mentalidade dos seguidores - a mensagem de que o fundador

realmente se preocupa com as coisas certas. O carisma do fundador e o banco de rotinas

estabelecidas por ele junto e “auxiliado” pelo conselho permite evitar inconsistências de modo

a não enfraquecer a sua mensagem enquanto líder carismático.

Os fundadores são sujeitos auto-orientados, mais dispostos a assumir riscos e

buscar objetivos de evangelização espiritual do seu público com o respaldo do bispo local e da

Providência. Embora regrados, são mais intuitivos e possuem um ponto de vista de longo

alcance porque constroem sua identidade através do seu próprio arranjo e lidam com o

ambiente externo que está em constante mutação social e religiosa. Em virtude de sua posição

e personalidade, eles se veem mais seguros e confiantes contendo a absorção de ansiedade e

de risco por parte dos seus membros. A tranquilidade em manter uma comunidade advém

muito do fato de crer que ela é dirigida pela Providência.

Os novos seguidores adotam para si os reflexos da maneira de pensar do seu

líder espiritual ou pré-conceitos pessoais dos seus fundadores e estes tendem a escolher

parceiros que compartilhem premissas semelhantes às suas. Há critérios e procedimentos de

seleção de novos membros. Tais critérios são usados posteriormente para avaliação de

desempenho moral dos subordinados e servem como termômetro para determinar quem se

encaixa ou não. Este mecanismo de aprendizagem do corpus doutrinário católico e do carisma

da comunidade reflete na prática das lideranças. Neste sentido, é uma forma de identificar em

suas ações o que eles consideram as coisas certas e adequadas a fazer ou evitar e qual modelo

de conduta devem adotar.

O grupo fundador procurou criar condições de captação de recursos localizando

espaços para fixarem seus trabalhos de missão. O grupo que se formou ao redor do fundador

permaneceu bastante estável sofrendo experiências significativas de aprendizagem

compartilhada. Neste caso, desenvolvem gradualmente uma identidade própria incluindo aí

seus próprios emblemas ou totens de identificação. O arranjo Fanuel, por exemplo, já possui

uma estrutura de células consolidada na região do ABC paulista propiciando ao fundador e

sua família instalar-se em outra cidade de São Paulo, no caso em Botucatu, e dedicar-se

exclusivamente à “obra”. Como foi verificado, a Fanuel está instalada em três cidades – Santo

André, Campo Grande e Botucatu -, sendo uma delas o epicentro de todo o projeto, a chácara

Mãe da Misericórdia em Santo André. Em cada cidade mencionada há um líder local que

mantém contato com o fundador, mas já possui um status de dirigente exercendo sua atividade

evangelizadora com certo grau de autonomia. Houve aqui o desenvolvimento de uma tradição

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245

– que ainda continua em processo – com um estilo celular. Nos seu estágio inicial, no final da

década de noventa, o arranjo que ali se formara foi muito dependente do seu fundador ou

idealizador, mas que agora se encontra num momento histórico em que é dado um grande

destaque à seleção de novos membros e à sua socialização por meio de palestras e cursos

apostilados. Eventualmente, um processo de sucessão poderá considerar a tendência de

possíveis sucessores preservarem este estilo organizacional. Neste último item, o co-fundador

do arranjo Coração Sagrado não negligencia a ideia da necessidade de continuidade da

“obra”, caso ele e fundador se ausentem por algum motivo. A Fanuel, que oferece um

trabalho de consultoria a paróquias e a outras comunidades católicas que queiram transitar

para o sistema de células, marcou presença em fevereiro de 2013 em duas paróquias: 1)

Paróquia São Nicolau de Flüe, em São Carlos e 2) Paróquia Cristo Redentor, em Várzea

Paulista, cujo formador é o próprio fundador que realizou um trabalho em conjunto com o

párocos daquelas cidades. O fruto desta parceria foi a criação de sete células ativas. Um

arranjo católico situado em São Bernardo do Campo chamado Fidelidade - que não foi objeto

de investigação deste trabalho -, também solicitou à Fanuel de Santo André uma assessoria

em junho de 2013 para transitar para uma IC. Em São Paulo, na paróquia Santo Antônio de

Pádua, houve também uma multiplicação de células no início de junho de 2013, de três para

seis células. A Fanuel também marcou presença em maio de 2013 na paróquia Nossa Senhora

de Lourdes, em Formiga – MG, assessorado pelo líder local de Campo Grande e realizou a

jornada “católica em células” que contou com a participação de cento e oitenta pessoas.119

Todos estes casos exemplificam que o fundador ainda é uma figura importante, fonte de uma

identidade e uma cola que mantém o arranjo unido, mas agora assessorado por outras

lideranças igualmente importantes e comprometidas com o sistema celular.

Outro aspecto importante é o fato de que os fundadores envolvem-se em tarefas

que são tangíveis (organização e administração do seu arranjo) e intangíveis (simbólicos) de

modo a suprir as necessidades espirituais de uma demanda de fiéis que lhes procuram,

mantendo um padrão de atendimento que garanta ao arranjo sua sobrevivência temporal. Os

fundadores procuram realizar tarefas que são importantes, marcando presença física e

simbólica junto aos membros mais próximos e confiáveis. Na Árvore da Cruz, a relação entre

o fundador e suas consagradas é comparado a de um pai e suas filhas. Tanto ele quanto elas

se apresentam e agem desta forma. A natureza das relações encontradas neste arranjo entre

fundador-seguidores se configura como paternalista. Embora todos os arranjos sejam

119 Conferir no site da Fanuel: www.comuniaddefanuel.com. Acesso em 02/03/13.

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notadamente organizados hierarquicamente, na Árvore, em particular, o fundador, embora

subsidiado por um Conselho, detém todo o poder e autoridade, ficando a seu critério as

decisões chave em relação à administração da casa e do treinamento dos seus membros,

celebração dos rituais feitos na capela próxima à casa de missão e a decisão inclusive, sobre o

estilo de vestimenta usado pelas consagradas. Sendo uma figura altamente carismática, tende

a haver um alto grau de comprometimento por parte dos seus seguidores para realizar a sua

visão e legitimá-lo enquanto agente recebedor de revelações divinas.

Neste arranjo caracterizado por um estilo paternalista, a Árvore alcançou, nos

seus onze anos de existência, certa estabilidade e fidelidade da sua membresia, com taxa de

crescimento pequena e ambiente acentuadamente estável. No Coração Sagrado, o alto escalão

representado pelo Conselho, beneficia-se de um tratamento preferencial recebendo algumas

funções de direção, e os jovens – embora haja inegavelmente uma ação de modificar seus

comportamentos – são esperados para atingir as metas do arranjo. Neste, as atividades

realizadas pelos seus membros de confiança garantem-lhe autonomia para agir, usam sua

iniciativa e seu carisma peculiar, a fim de atender às demandas mantendo-se razoavelmente

dentro dos valores e premissas creditados pela comunidade. Em todos os arranjos, os

consagrados (Vida ou Aliança) são vistos como sendo de confiança e recebem

responsabilidades para tomar decisões operacionais: confecção de trufas, pizzas, feijoadas,

folders, marcação de atendimentos espirituais, agendamento de consultorias a serem

realizadas pelos seus fundadores no próprio estado de São Paulo ou não, realização de

intercessões individuais e públicas, aconselhamentos individuais, treinamentos de novos

membros, animação dos rituais, proselitismo via e-mail, facebook e celulares etc.

Os fundadores, sem exceção, tiveram uma vida paroquial intensa em grupos de

oração anteriores à nova situação, o que lhes fez sustentar uma visão de mundo, de religião.

São gratos à paróquia e aos seus padres e bispo por confiarem em seus trabalhos agora sob

outra lógica não mais pastoral, limitada apenas a um espaço de oferta de serviços religiosos.

Ao contrário, as casas de missão são territórios fluidos que proporcionam instabilidade no

tocante à fixação de atividades religiosas. Com o novo grupo as lideranças começaram a

experimentar seus próprios problemas de sobrevivência porque precisam garantir uma posição

de proeminência nos campos social e religioso, em três frentes: a) atendendo a uma demanda

de interesses tanto de católicos ativos quanto de público que ainda necessita de um

treinamento doutrinário; b) garantindo sustentabilidade simbólica diante de seus avaliadores

que os acompanham na orientação doutrinária à distância: padres e o bispo diocesano e c)

Preservando a fidelização dos seus seguidores, motivando-os à militância para que não haja

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247

nenhuma deserção indevida. Em poucas palavras, os fundadores precisaram – e ainda

necessitam -, de uma aprendizagem em lidar com o ambiente externo adaptando-se às suas

vicissitudes, assim como, lidar com problemas de integração internas ao seu arranjo.

Nesta mesma linha, o fundador, ao desenvolver o seu arranjo, consequentemente

desenvolve também sua própria história e, junto a ela, uma tradição, ainda maleável porque

necessita ser revista e alterada constantemente frente aos desafios colocados pelo meio sócio-

religioso. Além disso, emerge uma linguagem religiosa, simbólica e uma estrutura

administrativa toda peculiar ao seu grupo que o diferencia de outro arranjo. O que os

assemelha é o fato de fazerem uso de uma linguagem comum de viés carismático: muita

dança, o falar em línguas, realizar profecias em rituais públicos, revelações pessoais, esforço

na direção da vivência de uma moral rígida, crença em alguns símbolos religiosos que lhe dão

sustentabilidade existencial: anjos, santos, papas, demônio e os seus próprios totens ou

emblemas que os identificam enquanto tal.

Outra característica dos fundadores é sua preocupação com a auto-imagem.

Usando estratégias de gerenciamento de impressão via folders para divulgação da

comunidade, a foto é exposta em lugar apropriado nos eventos que agrupam grandes massas -

como é o caso do Embriagai-vos, evento promovido anualmente pelo arranjo Chagas de

Amor -, imagem e vídeos são postados nos sites das comunidades A presença real em rituais e

palestras, os fundadores usam-na – consciente ou inconscientemente - para aumentar a

capacidade de atração social do seu Arranjo e logotipo (totem), mas também de si mesmo.

Estas táticas desempenham papel importante não só no que se refere aos aspectos da sua

autoestima - a necessidade que ele tem de desempenhar bem seu carisma diante dos seus

seguidores e do público em geral -, mas um meio de divulgação da marca de um catolicismo

alternativo sugerido. Expressões do tipo “ele é uma boa pessoa” ou “ele faz um trabalho

bonito” são resultados de impressões de sujeitos que apreciam os serviços religiosos deste

catolicismo. A associação identificadora entre fundador-arranjo é importante para aumentar o

capital simbólico da comunidade diante do público atendido. Este caminho, além de ser uma

tentativada tentativa de aumentar o prestígio do fundador e identificá-lo com sua comunidade,

favorece por parte daqueles(as) que o julgam aquecer sua importância. Tais recursos usados

pelos fundadores geram certamente uma cadeia de associações na mente do público –

geralmente positivas -, ao mesmo tempo em que cumprem uma função legitimadora

reivindicando status de um católico praticante da reta doutrina, sorridente, empreendedor e

cuja reputação moral possui reconhecimento do clero local.

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248

Os fundadores, sem dúvida, possuem uma liderança carismática e ganham

lealdade pessoal e piedade do seu círculo de seguidores. Sua autoridade se fundamenta em sua

personalidade, mas nada garante a durabilidade histórica do seu carisma porque é efêmera e

transitória. A transição para formas mais estáveis de organização comunitária pautada na

tradição e racionalidade é inevitável. Weber descreve isso como o processo de rotinização do

carisma. Todos os fundadores observados neste trabalho tiveram, por assim dizer, seu insight

místico antes da fundação, isto é, Deus revelou-lhe algo. A partir desta, ele se sente revestido

por uma força do alto que o conduz a criar uma organização segundo a revelação concedida

por Deus. Todas, sem exceção, possuem ao menos rascunhos dos seus estatutos, alguns mais

elaborados que outros. Há também uma coação moral advindo do bispo diocesano em

acelerar este processo para evitar, segundo o bispo, “mero oba-oba”. Weber já notara que o

“carisma autêntico” não se acomoda aos estatutos e a nenhum “modo formal de adjudicação”

(apud in CARDOSO, 1982, p. 289) Frente a este paradoxo, o líder da comunidade Árvore se

diz “preocupado” com estas questões porque sabe que, uma vez redigido em definitivo seu

estatuto, ele poderá perder o “fundamento” da missão. Comenta, “não quero parecer uma

instituição, não tenho pressa”. Outro relato indica a preocupação do fundador com o

“carisma”, mas sem deixar explícito este incômodo trazido pela rotinização: “Então não há

uma pressa das comunidades em escrever isso, porque sabemos que é o tempo, é a experiência

de Deus, é a escuta ao fundador que vai dando essa oportunidade de redigir as regras, o direito

canônico, e é lógico, quando se inicia isto é que já está bem amadurecido aquilo que vive,

aquilo que é o carisma”. Isso denota que as suas comunidades sejam interpretadas como um

sistema de rotinas pautadas e fundamentadas na tradição católica, apenas. Talvez o que seja

trágico para alguns fundadores não é o fato de morrerem e sua comunidade se extinguir ou ser

rotinizada, mas que esta ameaça aconteça ainda em vida e o seu “carisma” passe por um

inevitável declínio. Para sobreviver ou ter a identidade canônica, necessitam se rotinizar.

Os fundadores criaram suas respectivas comunidades com menos de trinta anos

de idade e estão disponíveis às atividades da comunidade quase que em tempo integral, com

exceção do fundador do Coração Sagrado que exerce atividade secular como docente de

violão e línguas. Notou-se também que estão mais dispostos a assumir riscos e ter maior

percepção das suas atividades religiosas e fora delas e são incentivados por suas respectivas

esposas, algumas também como co-fundadoras, a preservar sua condição de liderança

religiosa. Um dos motivos prováveis da incursão que fizeram para a vida religiosa foi a soma

de capital social que obtiveram de outras “novas comunidades” ajudando-os a discernirem e

tomarem posição. Por outro lado, nota-se um capital cultural mediano suficiente para não

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249

necessitarem de redefinição dos seus próprios sistemas de significação, o que ocasionaria,

para estes sujeitos, possíveis traumas na fé. Os fundadores das comunidades Árvore da Cruz e

Chagas de Amor, por exemplo, “sonham” efetivar um curso sistemático de teologia, mas têm

“medo” de se sentirem desconfortáveis com reflexões relativistas que desfaçam sua ideia da

“verdadeira fé católica”. Para eles, no momento, é suficiente entender minimamente o

catecismo de Igreja católica, as regras de vida dos santos, a prática das novas comunidades

mais antigas participando inclusive de cursos promovidos por elas, criando e firmando aí um

network duradouro. Para os fundadores é também relevante ter noções da função de cada anjo

dentro da chamada hierarquia dos anjos, dos aspectos das forças malignas criadas pelo

demônio e como combatê-las, como maximizar experiência do coração em detrimento da

razão, conhecer os caminhos misteriosos que Deus lhes têm revelado através do Espírito

Santo e, por fim “respeitar com certo grau de crítica” os seus superiores eclesiásticos a fim de

continuarem sua missão na terra.

Por fim, os fundadores e demais lideranças do arranjo apresentam um

catolicismo dotado de peculiaridades e que aderem os seus respectivos públicos: jovens,

casais, solteiros, crianças. Entendemos que estas lideranças ofertam um tipo de catolicismo de

consultoria, isto é, são consultores de aconselhamento, de palestras, de ritos, de treinamento

de células. Em seu cotidiano religioso incluem o seguinte: a) reunião interna com os seus

seguidores e atendimento aberto ao público; b) reunião com o bispo local – quando solicitada;

c) angariação de fundos; d) chamadas em palestras e em confecção de rituais de cura e

libertação fora do seu âmbito local. Com todo o exposto, o intuito é chegar aos seus

interlocutores, impactando-os. Providos de um quantum de capital cultural e religioso

suficiente e capaz de dar respostas momentâneas, senão paliativas, e obtidas do Espírito

Santo, as lideranças acreditam fornecer aos seus fiéis aquilo que ainda não sabem, mas

necessitam saber para adquirir a libertação das amarras do pecado e das ciladas do demônio,

modificando inclusive seu cotidiano mediante as alterações sugeridas pelos seus consultores

católicos espirituais. A ICAR, a partir da gestão de João Paulo II e seu incentivo transparente

às “novas comunidades católicas” deu vazão para este tipo de catolicismo. Se a modernidade

contemporânea trouxe certos desconfortos para o alto clero católico minando sua tradição e

questionando seus pressupostos, a ICAR necessitou de agentes familiarizados e influenciados

em parte pela secularização, e em parte pela religião, isto é, os leigos e dentre eles, os líderes

consagrados. Paradoxalmente, fornecem à ICAR sem o saber, as melhores práticas que devem

ser seguidas, o que esperar dos fiéis, católicos ou não. Este catolicismo de consultoria acaba

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250

por auxiliar também a gestão do clero garantindo os seus objetivos de sustentação do capital

simbólico católico e auxiliando-o no conhecimento do perfil do público captado.

4. OS CIBERARRANJOS

Em nossa pesquisa utilizamos também a netnografia120 para detectar

minimamente de que maneira os arranjos veiculam suas informações ou o que de fato é

postado em seus sites. Estes sites serviram como um repositório para a coleta de dados.

Mapearam-se, portanto, os “perfis” das suas práticas comunicacionais centradas em duas

questões: a) O que comunicam? e b) Como se comunicam? Os sítios dos quatro arranjos –

Fanuel, Chagas de Amor, Coração Sagrado, Árvore da Cruz– foram aqui apropriados apenas

para o entendimento inicial da “cibercultura” destas comunidades ou ciberarranjos. Referimo-

nos a eles como ciberarranjos porque também são repositórios de significados produzidos e

compartilhados por uma comunidade moral concreta no mundo virtual.

Estes ambientes constituem não só um meio de comunicação, de divulgação das

suas propostas, valores e serviços oferecidos senão, um artefato simbólico que fornece pistas

de interpretação dos seus catolicismos, das imagens (emblemas e totens) que identificam “sua

marca” e o uso que fazem das chamadas redes sociais. Obviamente a pesquisa na internet não

substitui o clássico campo de investigação destes grupos religiosos, dos lugares geográficos

em que se localizam onde há estabilidade das relações ali construídas. Os arranjos utilizam a

internet e suas redes de relacionamentos como uma importante ferramenta de comunicação. A

própria ICAR incentiva seu uso criterioso, sobretudo aos jovens no sentido de “evangelizar os

povos”121.

120 O termo é descrito como uma nova metodologia para o estudo de comunidades on-line. Utilizamo-nos para observar como os Arranjos divulgam suas atividades e expõem sua identidade visual. 121 Bento XVI, em sua mensagem redigida em janeiro de 2013 antecipando ao quadragésimo sétimo dia das comunicações sociais para maio de 2013 coloca como “desafio” a divulgação da “mensagem de Jesus e da sua doutrina” no ambiente digital com o risco permanente de cair no ostracismo. Reconhece também que a “evangelização dos povos” se dá por meio das “imagens e sons” inferindo que “uma comunicação eficaz” necessita de “envolvimento da imaginação e sensibilidade afetiva”. Bento XVI interpreta que as “redes sociais”, além da possibilidade de levar pessoas ao contato com o sagrado, favorecem e incentivam o encontro delas no “mundo real”, em “igrejas e capelas”. No CELAM, em Aparecida, Bento XVI faz um adendo na mensagem para a vigésima oitava JMJ em 2013 convocando os jovens a comprometerem-se na evangelização:“senti-vos

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251

Todas as comunidades estudadas aqui possuem seu “sítio”, visibilizando seu

rosto e seus projetos de evangelismo. Os sites das comunidades que agora serão referidos

permitem o fluxo livre de informações dos seus interesses, seus objetivos, seus simbolismos.

Neste sentido, os sites criados permitem-lhes informar e comunicar aos navegantes e aos

usuários mais fiéis, suas atividades. Um dos objetivos é postar as informações on-line

necessárias para os usuários, que por sua vez, acessam as páginas em vista de entender melhor

as crenças e atividades destes arranjos. Obviamente, estes locais criados nos ciberarranjos são

dirigidos a um público mais amplo e sem restrições para o acesso a informações mais gerais

das comunidades122 e, outras dedicadas somente aos membros com direito a login e senha. Os

fundadores são os principais moderadores e possuem acesso irrestrito a qualquer momento

para intervir com novas mensagens em áudio e vídeo, retificar ou excluir textos já postados

anteriormente, atualizar seu perfil etc. São encontrados nos sites muitos artigos informativos

sobre: a) a atuação dos papas, sobretudo a de Bento XVI e atualmente, a do papa Francisco; b)

consagração ou inserção de novos membros da comunidade; c) situação dos cristãos no

mundo; d) contexto sócio-religioso atual. Também há um nicho dedicado às reflexões dos

moderadores/fundadores e demais lideranças, sobre a formação religiosa dirigida aos

membros destes arranjos. As informações postadas e as que aludem à notícias do catolicismo

no mundo são extraídas dos site Zenit123 (o Mundo visto de Roma), dos serviços de notícias

multilíngue ACI digital124 (agencia católica de informações) e de redes sociais criadas por

estas comunidades com outras de mesmo estilo, localizadas em São Paulo ou em outra região

do Brasil.

Por fim, obviamente, os sites aludem à organização da comunidade (Quem

somos, Fundador, Finalidade, Histórico, Missão, Propósitos, Valores, Visão), lugares onde

estão realizando missão, eventos da comunidade. Além disso, os sites possuem links com as

clássicas redes sociais virtuais Twitter, Linkedin, Facebook, Youtube. Os arranjos possuem,

além da sua atividade religiosa na realidade física, formas de divulgação de atividades

religiosas em seus sítios. Informam-nas através de postagem do seu histórico, arquivos de

comprometidos a introduzir na cultura deste novo ambiente comunicador e informativo os valores sobre os quais assenta a vossa vida! [...] A vós, jovens, que vos encontrais quase espontaneamente em sintonia com estes novos meios de comunicação, compete de modo particular a tarefa da evangelização deste “continente digital”». Aprendei, portanto, a usar com sabedoria este meio, levando em conta também os perigos que ele traz consigo, particularmente o risco da dependência, de confundir o mundo real com o virtual, de substituir o encontro e o diálogo direto com as pessoas por contatos na rede”. Conf. Site www. vatican.va. Acesso em 02/03/13. 13 Destacam-se relatórios e artigos de jornais, fotografias, textos diversos, documentos, filmes, gravações de áudio e vídeo de rituais etc. 123 Conferir www.zenit.org. Agência de noticias especializada na cobertura da atuação do papa, da Santa Sé, eventos da igreja católica. Acesso em 02/03/13. 124 Conferir www.acidigital.com. Acesso em 02/03/13.

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252

mensagens, pregações/podcast, atividades ou eventos realizados e futuros e um espaço

chamado “seja um benfeitor da comunidade”. Citamos apenas um exemplo da comunidade

Fanuel (e esta lógica repete-se para os outros arranjos, exceto a comunidade Coração Sagrado

que faz a divulgação nos rituais dominicais) que possui um espaço de divulgação das suas

obras, seus projetos e instalações e sugere ao internauta – caso deseje - um contributo como

“voluntário da missão”, seja efetivando um cadastro on-line informando o tipo de

contribuição - em dinheiro, via boleto bancário, ou através do chamado pagseguro (o

destinatário recebe a contribuição através de uma conta aberta via este sistema on-line de

doação - ou ainda, oferecendo seus dotes profissionais, caso tenha habilidade com o setor da

saúde ou educação. Este último também é efetivado mediante o preenchimento de cadastro do

“termo de voluntariado”. Católicos ao seu modo, os arranjos utilizam seus “sítios” como um

espaço de autonomia de divulgação dos seus interesses fornecendo informações sobre seu

grupo, seu símbolos e sua apologia da fé católica. Na seção seguinte iremos de forma

interpretativa ao que se refere ao uso de símbolos que estabelecem coesão organizacional e

identitária: 1) Emblemas, logotipos ou Totens; 2) Santos Baluartes.

5. OS TOTENS

Os arranjos, na medida em que divulgam suas atividades nos seus próprios sites,

são identificados pelos seus emblemas ou totens virtuais. Os ciberarranjos veiculam suas

marcas, construindo e mantendo uma imagem “forte”. Estes totens procuram entrar em

sintonia com o carisma do grupo assim como lançar para o público uma identidade visual.

Esta é pautada por uma marca gráfica oficial ou um emblema para ajudar o público ou usuário

a identificar facilmente a comunidade católica. Os totens são os alicerces sobre os quais todos

os outros aspectos da identidade dos arranjos são colocados. É o elemento unificador da

identidade visual dessas comunidades. Entendemos que estes emblemas são as marcas

registradas e assinaturas visuais dos arranjos que refletem e apóiam sua missão, visão e

objetivos. Esta identidade faz parte da comunicação desses arranjos identificados em folders,

cartões, banners. Estes totens, quando visibilizados em espaços públicos (rituais, eventos,

afixados em lugares estratégicos nas casas de missão) estabelecem-se firmemente,

interiorizando-se na “mente” do público-alvo e evocando nele também certos sentimentos e

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253

crenças. Fundamentalmente, os totens virtuais são símbolos do arranjo em específico. Eles

transmitem informações adicionais, que muitas vezes não estão disponíveis no campo de

pesquisa empírica e estão associados ao carisma do fundador e são relativamente simples. Os

totens dos arranjos marcam bem a ligação entre os comportamentos e as atitudes da

membresia. Pode tratar-se de um gesto, de um sinal exteriorizado ou uma ação observável. O

comportamento das lideranças exteriorizado nas entrevistas parece não emanar delas, mas

originados no exterior e, no entanto, profundamente internalizados ao seu caráter. Tais

comportamentos representam, com uma pequena margem de liberdade pessoal e

originalidade, certa conformidade a modelos e ao estilo do arranjo ao qual se vincula. O uso

que fazem de camisetas, botons permite verificar que possuem a mesma atitude e um acordo

razoável sobre os valores, normas da comunidade. Os totens veiculados permitem uma

comunicação identificadora entre os que os empregam. O emblema exprime a unidade moral

do ponto de vista “visual” do grupo. Os emblemas adotados pelos arranjos adquirem, como

símbolo do grupo ou dos ideais desse grupo, um valor sagrado. Daí o identificarmos enquanto

totens do grupo. Os emblemas compreendem também uma linguagem de preceitos de toda a

natureza, provérbios e mesmo slogans. Ao projetarem uma marca distintiva e um logotipo

personalizado em seus sites, os arranjos criam seus próprios slogans, alguns retirados da

liturgia católica, da Bíblia e outros, fruto da criatividade dos seus fundadores. Os slogans

fixados ali são frases memoráveis ou lemas usados para reforçar uma mensagem estratégica

de atração do público e acabam definindo a missão do arranjo. Um slogan adiciona “potência”

ao “pacote religioso ofertado” apoiando o logotipo ou Totem. Um outro detalhe observado

nas imagens identificadoras das comunidades é o uso que fazem das cores. Entendemos que a

cor é um elemento disparador na identidade visual destas comunidades, reforçando-a. Enfim,

tais símbolos são importantes para aqueles que a veiculam, por duas razões relacionadas. Em

primeiro lugar, uma pessoa pode dizer em que ponto as outras se situam e onde se enquadram

em relação a si próprias. Em segundo lugar, os “outros”, por seu turno, saberão qual a posição

identitária daquele membro. Então, qual a compreensão que podemos inferir destas imagens,

emblemas ou totens?

Segundo Berger (1972), as imagens “corporizam um modo de ver”, as fotos, por

exemplo, não são simples registros mecânicos de um fato ou paisagem. O “modo de ver do

fotógrafo reflete-se na escolha do tema”. As imagens fixadas nos sites destes arranjos, assim

como o próprio Totem ali presente são “modos de ver” dos seus criadores, os fundadores. O

aparecimento da máquina fotográfica, prossegue Berger, “modificou o modo de ver dos

quadros pintados antes da sua invenção”, consequentemente, o significado daquela imagem se

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254

modifica, “se multiplica e fragmenta em muitos significados” (BERGER, 1972, p.23). Outra

questão importante aventada por ele é o fato de estarmos vivendo em uma “era das

reproduções de arte”. Em outras palavras, o significado de uma obra de arte, por exemplo,

tornou-se “transmissível” perdendo seu significado original transformando-se numa

“informação” que pode ser “ignorada ou utilizada” sob qualquer outra autoridade e em

circunstâncias culturais diferentes. Quando uma pintura é utilizada neste sentido “o seu

significado modifica-se parcial ou totalmente” (p.29). Na medida em que se reproduz uma

imagem, torna-se possível que ela seja utilizada para “muitas finalidades diferentes isolando

um pormenor dela do seu conjunto”. Examinemos a seguir alguns modos como os Totens

destes arranjos reproduzidos se prestam a essa finalidade.

5.1. TOTEM CHAGAS DE AMOR

Figura 37 – Imagem da página inicial do site Chagas de Amor

Fonte: www.chagasdeamor.com.br

O arranjo Chagas de Amor possui um totem que reproduz imageticamente a

chamada “incredulidade de Tomé” e na mesma imagem estendida há a representação do

Gólgota simbolizado por três cruzes identificando o lugar da crucifixão. Junto a esta imagem

segue, na parte superior a rádio “Chagas de Amor” e, abaixo, o seu slogan acompanhado por

uma propaganda das redes sociais.

A imagem à esquerda corresponde a uma pintura do artista plástico italiano

Caravaggio (1571-1610). Suas pinturas estão carregadas de anseio espiritual e suas

representações de santos e da chamada “Sagrada Família” possuem flash de erotismo. Pintor

controverso, para confeccionar quadros religiosos tomava como modelos personagens do

mundo real, principalmente proscritos sociais. Segundo Marcos Rizolli (2010): a pintura de

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255

Caravaggio “copiava os corpos tais como eles apareciam ao olhar, sem nenhuma escolha”.

Recebendo encomendas de instituições religiosas católicas, boa parte dos seus quadros foi

rejeitada senão refeita observando uma versão mais pudica. Caravaggio propõe, então, a

“predominância do materialismo em detrimento dos elementos espirituais” (RIZOLLI, 2010,

p.601).

Outros dois elementos que também se encontram ancorados na imagem

principal, no caso a “incredulidade”, no site do arranjo e que foram introduzidos com base em

algum tipo de associação são, as fotos e ícones, também retirados da internet, das “três

cruzes” aludindo ao lugar da crucifixão, e as redes sociais. Independentemente de realizarmos

uma pluralidade de leituras e de sentido em relação à imagem como um “todo”, as três juntas

criam um bloco imagético híbrido ativando um tipo de interpretação polissêmica do

observador sem, com isso, encobrir aquilo que foi implicitamente sugerido pelo seu produtor,

o fundador das Chagas, auxiliado pelo web designer e supervisor local da Fanuel. Podemos

dizer que, a “incredulidade” e as “três cruzes” referem-se a um mesmo tema religioso. Já os

ícones das “redes sociais” possuem um viés de marketing do arranjo: suas atividades, seus

rituais, suas propagandas anunciando seus serviços religiosos etc. O bloco imagético cria sua

própria abordagem. Estabelecem conexões entre o mundo da cultura religiosa do passado com

o mundo da cultura visual contemporânea.

O tema religioso faz menção ao chamado “carisma” do arranjo: as “chagas” de

Jesus. A morte de Jesus na cruz acionou uma diversidade de devoções dentro do catolicismo

que se referiam ou à “cruz” ou às “chagas” de Jesus. Historicamente, a devoção às “chagas”

antecede à do “coração de Jesus” (SILVA, 1996, p. 175). O Coração de Jesus, uma devoção

medieval datada entre os séculos XII e XVII, procede das “suas chagas” que é mais antiga.

(SILVA, 1996, p.176). As “chagas” se unem ao “Cristo crucificado” e agonizante no Gólgota.

A narrativa sobre o descrença de Tomé - elucidada na Bíblia e construída plasticamente por

Caravaggio -, discorre que ele duvida da ressurreição de Jesus, em vez de acreditar, ele

“toca”. Ele é um religioso que duvida e “deve” acreditar sem esperar qualquer possibilidade

de tato ou visão. Tomé não acredita no que ele vê e aloca seu dedo ao lado do “tórax” (ferida)

de Jesus. O desfecho narrativo encerra-se com a pronúncia de Tomé: “meu Senhor e meu

Deus” (João 20,28). Tomé reconhece Jesus como Deus em suas chagas. Tal como a descrição

do relato, o arranjo Chagas de Amor também reconhece Jesus nas suas chagas.

Talvez esta ideia seja mais explícita no livro do fundador intitulado “Restaurados

pelo Amor” (ALEXANDRE, 2007). Preocupado em “descobrir” qual é a identidade do ser

humano e sua “razão de existir”, o fundador entende que a verdadeira felicidade está

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256

depositada no amor de Jesus. Deus é aquele que eleva a auto-estima daquele(a) que vive na

“angústia”, na “depressão” porque não se “sente amado”. O mundo é rechaçado pois “quer

ditar as regras” porque é considerado patológico: “não nos corrompamos com o lixo deste

mundo” e, continua: [...] fomos libertos pelo sangue do cordeiro na cruz [...] somos grandes

vitoriosos graças às chagas do crucificado” (ALEXANDRE, 2007, p. 15-27). O amor divino é

o fármaco para a “cura de toda a carência afetiva”.

O maior ato de amor divino é associado à sua “loucura” pela humanidade. Este

ato de loucura divina faz do sujeito alguém incapaz de integrar na sociedade, de se adaptar em

conformidade a uma regra comum, padronizada. Este encarceramento e a pressão psicológica

dada pelas regras sociais aos sujeitos é estancada se estes reconhecerem a trágica loucura cujo

sentido só pode ser compreendido a partir do ponto de vista religioso: “ele se humilhou por

amor a mim e a você. Ele sofreu por nós. Pagou nossa dívida e carregou nossos pecados. Nos

curou e nos salvou da morte com suas chagas” (ALEXANDRE, 2007, p.32). O texto enfatiza

que o amor divino pelo ser humano só pode ser conhecido com o "derramamento” completo

de sangue feito por Jesus. Uma vez compreendido o “sacrifício da cruz” feito unicamente por

amor à humanidade, as “chagas de Jesus” são os sinais visíveis deixados por ele para

“abrasar” e “entusiasmar” os “corações”: “[...] Ao olharmos para Cruz podemos ouvir as

chagas de Jesus nos convidando a encher o crucificado de beijos. Cercá-lo com todo o nosso

afeto, com todo o nosso amor e com todo o nosso coração” (ALEXANDRE, p. 36). Através

de suas “chagas”, Jesus torna-se um curandeiro que permite ao sujeito que vive nas “trevas

interiores da sua vida” receber a cura, “restaurando” e consolando a sua “alma”. Identificado e

“reconhecido” o amor do crucificado através das suas “chagas”, estas impulsionam uma

prática ascética de “suportar com mais paciência” as vicissitudes do cotidiano “desprezando-

o” sem sucumbir às suas “tentações” (ALEXANDRE, 2007, p.57). Há uma tendência de fuga

do mundo e de controle de si.

Para o arranjo Chagas de Amor, o mundo da crença religiosa é um mundo à parte,

separado da vida real. Esta precisa ser “suportável” porque incita ao “pecado”. O arranjo

aciona uma prática moral - tendo como epicentro as “chagas de Jesus na cruz” – intimista, de

penitência, de jejum e abstinência. A prática moral incentivada e observada nos rituais deste

arranjo – o que vale também para os demais arranjos -, citada nos livros do fundador é o

esforço deles em atingir a perfeição, a “santidade” na forma de pensar e agir. A escolha entre

viver sob um regramento moral religioso ou não remonta a uma discussão muito similar senão

uma herança cultural do chamado paradoxo de Pelágio, isto é, como alcançar a perfeição

humana? Escritor e exegeta leigo do século IV, Pelágio tinha por objetivo questionar uma

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“religião superficial, exteriorizada” no catolicismo de massa que aflorava naquele momento

histórico. O foco principal da pregação de Pelágio foi uma moral pragmática. Para ele, o

sujeito precisa exercer energicamente sobre sua vontade aceitando os comandos, as regras das

Escrituras. Acrescente a isto, a importância que ele atribuía à oração, ao jejum e o incentivo a

uma vida asceta. São estes basicamente os atributos pelagianos de uma moral cristã que leva à

perfeição: “[...] pregava o desprendimento das riquezas, a prática dos conselhos evangélicos

de pobreza e castidade em todo o seu rigor. Pelágio combate energicamente qualquer

relaxamento (CRISTIANI, 1962, p. 31).

O lema do arranjo Chagas de Amor, portanto, é ficar embriagado ou intoxicado

do Espírito Santo – lema que se encontra em outro livro do fundador “Embriagai-vos do

Espírito Santo” - em detrimento do excesso desregrado da vida secular: “ao invés de seguir o

exemplo daqueles que se embriagam nos bares, nos botecos, nas padarias etc., devemos

preencher os nossos corações com o Fogo de Pentecostes, procurarmos a sóbria embriaguez

do Espírito Santo” (ALEXANDRE, 2006, p.18). Esta intoxicação do Espírito Santo é similar

a uma intoxicação alcoólica: ambos levam o afastamento dos problemas e tristezas do

cotidiano. Se as pessoas embriagadas pelo álcool estão sujeitas a todos os tipos de

alucinações, a intoxicação sóbria do Espírito Santo, torna o sujeito insensível às

concupiscência, às paixões “pecaminosas” experimentando a “alegria em Deus” modificando

assim, seu estado espiritual. Esta percepção alterada da realidade é fruto então de uma pessoa

embriagada: “Esta embriaguez é a ação da glória de Deus que vivifica a alma, destruindo a

morte e o pecado em nossas vidas” (ALEXANDRE, 2006, p.19).

Para o arranjo, Tomé alude a uma pessoa com “sede de Deus” e necessitada da

“cura espiritual” – diferente talvez, daquele Tomé imaginado por Caravaggio - proporcionada

pelas “chagas de Jesus”. O que se espera de Tomé é que adquira uma atitude semelhante ao

bêbado seco ou alcoólatra sóbrio que faz a experiência do sagrado. Isto é, todos os sinais da

intoxicação estão lá, mas ele o faz em estado sóbrio. As “chagas”, portanto, o mana do totem

do arranjo católico, representa esta força impessoal e anônima que, segundo creem,

proporciona “cura” e estabilidade emocional.

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5.2. TOTEM CORAÇÃO SAGRADO

Figura 38 - Imagem da página inicial do site Coração Sagrado.

Fonte: www.coracaosagrado.com.br

O totem do arranjo católico Coração Sagrado agrupa numa mesma imagem três

informações: a) Do lado esquerdo, a indicação da tradicional imagem de Jesus “apontando”

para o seu coração; b) No centro, a imagem de um coração sangrando, circunscrito por

espinhos e no topo inflamado, uma cruz esfaqueando-o e c) A representação de um símbolo

tradicional do catolicismo, o “ostensório”. O ostensório é um vaso cerimonial utilizado

durante a missa católica que “ostenta” a “hóstia”, o “corpo de Cristo”. Por fim, a imagem

indica também o slogan do arranjo: “Por Cristo, com Cristo e em Cristo”. As imagens

agrupadas estão suspensas no ar amalgamadas no céu, indicando a perfeição espiritual.

Uma das mais populares devoções do catolicismo encontra seu centro geográfico

e histórico na mística francesa e alemã. Mas suas raízes são mais antigas e remontam a São

Bernardo de Claraval, no século XII e São Boaventura, no século XIII. Neles encontramos as

primeiras devoções do “coração ferido”, simbolizando a ferida de amor. João Eudes e a freira

francesa e religiosa contemplativa Margarida Maria Alacoque, ambos no século XVII,

contribuíram na divulgação desta devoção. Mas, cabe a esta última a divulgação efetiva que,

segundo a tradição dos “santos” da ICAR, ela recebera em uma “revelação divina” em que

Jesus mostra-lhe um “coração humano incendiado pelo amor” e “transpassado sob a cruz do

qual jorram água e sangue”. Tal símbolo foi interpretado pela oficialidade da ICAR como “o

desejo de conhecer intimamente o Senhor e fazer um colóquio com ele” (PIO XII, 2006).

Mas, somente com o papa Pio IX, em 1856, a festa desta devoção foi reconhecida e estendida

ao mundo católico (BOROBIO, 2000). Esta tendência gradativa da interiorização devocional

da fé no “coração de Jesus” ocorre, como foi exposto acima, no século XVII, entendido como

o “século da razão” e a afirmação do Iluminismo. O filósofo Descartes, por exemplo, é a

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259

figura emblemática deste período com sua conhecida proposição Ergo, Cogito Sun,

sustentando o pensamento como a alma do corpo e não o coração. Consequências disso foi a

crítica da religião e o progressivo processo de desencantamento do mundo. Queremos dizer

que a devoção ao “coração de Jesus” se acentua neste período. A religião passou a ser uma

questão de fé pessoal principalmente quando se falava em Reforma Protestante e Contra-

Reforma. A imagem do “sagrado coração de Jesus” é parte da piedade visual, estética e não-

escrita do catolicismo medieval influenciando várias ordens religiosas e a piedade popular.

Esta imagem serviu de símbolo importante da piedade católica e por ela foi apreendida desde

cedo. A popularidade da imagem do “coração de Jesus” está baseada na forma como ela

responde às necessidades dos devotos. Necessidades de elevação ao sagrado, de se assemelhar

a ele.

Numa perspectiva bíblico-teológica, o coração, na terminologia bíblica Leb

significa algo físico e não espiritual. Corresponde ao “interior do homem”, quer dizer, ao

terreno da inteligência e das decisões morais (BAUER, 2000). Na perspectiva do carisma da

comunidade em questão, e, diferentemente do simbolismo bíblico, o objetivo é “levar o amor

do Coração Sagrado de Jesus através do olhar do Cristo. Este amor é revelado pelo olhar de

Jesus que vem do seu coração, podemos transmitir aquilo que está dentro do coração. Mas

este amor não é um amor qualquer, é um amor Santo, Sagrado, que vem do Santos dos

Santos, um amor puro sem interesse nem vaidade, que não impõe condições, que sempre está

pronto para perdoar”125. O arranjo tem por objetivo “transmitir” o que está “dentro” do

coração de Jesus para os jovens. Os usuários deste carisma devem perceber as suas atitudes

pecaminosas e se arrepender disso. O coração de Jesus só habitará o coração do fiel caso seu

coração esteja contrito. O conhecimento do “coração de Jesus” só é alcançado através da

introspecção do sujeito, isto é, aquele que avalia a si mesmo, fecha-se em seu mundo. O

coração é o órgão religioso do homem, e não o cérebro. É o terreno onde se articulam as

emoções humanas. O que importa é que o fiel faça uma peregrinação ao o céu através das

vicissitudes do cotidiano. Como o coração, representando um dispositivo interno do ser

humano, o fiel é convidado a realizar o caminho para a conversão, levando uma vida virtuosa.

O coração resume os sentimentos, fonte da vida espiritual. Cada um vê a sua própria fé como

uma questão de estabelecer um relacionamento pessoal com Jesus. Uma vez aceito o “coração

de Jesus”, é necessário agora que o fiel “inflame” constantemente o seu, assim como o é o de

Jesus. A imagem do totem coloca mais um detalhe, o ostensório, símbolo importante do

125 Conferir site: www.coracaosagrado.com.br/carisma. Acesso em 02/07/13.

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260

catolicismo romano. A piedade devocional centrada na fé individual ao coração de Jesus

estabelecendo uma relação de amor com ele não pode estar dissociada do amor à ICAR.

Embora o arranjo Coração Sagrado não possua a intenção de contestação da legitimidade do

catolicismo oficial, os estados coletivos da fé proporcionados pelo arranjo, em seus rituais e

encontros de jovens, trazem consigo uma tensão entre as regras religiosas oficiais e o

individualismo espiritual muito característico do chamado “encontro pessoal com Jesus”. Em

outras palavras, a fé no “coração de Jesus” é um fenômeno prático, dogmático e institucional

ou é um assunto do coração do fiel? Esta imagem está adaptada à experiência religiosa do

arranjo católico Coração Sagrado. Estas imagens e as emoções que elas geram são um

componente importante da piedade popular. A imagem de Jesus, apresentada neste arranjo

salienta características como “ternura”, “simpatia”, acessibilidade oferecendo aos usuários

deste serviço religioso uma relação pessoal com o sagrado. Para o arranjo, o totem marca um

“estilo católico” de culto ao “coração sagrado de Jesus”, mas também disciplina sua liderança

e neófitos dentro das regras internas da comunidade.

5.3. TOTEM FANUEL

Figura 39 - Imagem da página inicial do site Fanuel

Fonte: www.comunidadefanuel.com.

O totem identificador da Fanuel é um mosaico de imagens conectadas. Todas

estas informações estão interligadas e se sobrepõem, mas é possível estabelecer distinções

suficientes entre elas, de tal modo que possam ser analisadas separadamente. O material

imagético da Fanuel extrai sua inspiração de três fontes distintas. A primeira fonte é

influenciada pelo “visão da face de Cristo”. O rosto – representando Jesus –faz alusão à

pintura bizantina do século XII intitulada a Sagrada Face.

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261

Figura 40 – Ícone bizantino do século XII

Fonte: www.iconografiabrasil.com. Acesso 02/07/13

A representação acima identifica um rosto severo, uma expressão sem emoção e

olhos dilatados. A sua face é isenta de sangue e possui elementos “próximos à realidade

humana” (TREVISAN, 2003, p. 50). O ícone de Jesus apresentado no site da Fanuel é uma

espécie de reconstrução cultural aos moldes deste arranjo. Abstraído da cor original, o rosto

de Jesus é reproduzido em preto e branco respeitando os elementos principais e a fisionomia

da pintura original. Na imagem, o “rosto de Jesus” está acima de dois elementos também

significativos para o arranjo. O segundo elemento inserido no mosaico imagético da Fanuel e

que contrasta em seu design com o “rosto de Jesus, mas que possui também uma aparência

simples, uniforme e unida entre si: a representação das “colméias”. A imagem da colméia

oferece uma primeira metáfora. Tratam-se de grupos pequenos ou células familiares que

interagem oferecendo bens e serviços religiosos - tendo como material as apostilas e diretrizes

pré-elaboradas pelo fundador e seus auxiliares - aos seus usuários. Os supervisores de rede

observam e intervêm quando necessário, seja numa célula (colméia) local ou até mesmo em

uma família em particular. A segunda metáfora diz respeito a que cada líder possui sua

função: estabelece um “clima” de amizade em sua célula, divulga seu evangelismo e recolhe

as informações necessárias e as leva para o supervisor de rede. Esta estrutura celular forma

uma aparência de uma colméia inteligente. Cada líder de célula (assim como cada abelha)

leva em conta a função final do seu trabalho, o desdobramento celular e o faz

inteligentemente integrado à colméia (Fanuel). A Fanuel nada mais é do que uma construção

colaborativa cujos membros estão regrados moralmente e empenhados em multiplicar

qualitativamente os seus membros. Na descrição do supervisor local em Santo André, este

objetivo é mencionado:

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262

Que são as células? As células, na linguagem bíblica, elas têm origem na colmeia, no mel, não é? Naquilo que as abelhas produzem, porque são minúsculas, pequenas, mas conseguem uma expansão, uma produção grande. Então a colméia, o símbolo da colméia, sextavado, ele simboliza isso, a amplitude, né? O trabalho e o alcance... por todos os lados, é unilateral. Então, a colmeia ela tem essa expressão, na linguagem, na nossa linguagem bíblica, ela tem essa expressão, então, isso nós trouxemos pra logomarca da comunidade, porque as células também têm esse poder, não é? (homem, casado, 40, supervisor local)

Podemos dizer então, que o mana ou a força impessoal concentra-se no sistema

celular. O terceiro elemento presente na imagem ou logotipo do arranjo, mas com certa

margem de dificuldade é a representação do “peixe” ou “parcela dele”. A imagem da colméia

possui uma identidade cristã e esta é representada por um contorno sugestivo que alude ao

peixe. Há, na imagem, um processo de abstração, de redução de elementos mais densos e

múltiplos aos traços mais essenciais daquilo que está sendo representado, no caso, o peixe. A

informação visual do contorno do peixe - amalgamada com o “rosto de Jesus” e a colméia – é

suficiente para que um observador possa identificá-lo no esboço. A ideia é que este composto

imagético não deve ser apenas visto e reconhecido, deve ser lembrado e reproduzido. A forma

de um peixe acrescida e sustentada pela face de Jesus, transforma-se num símbolo facilmente

identificável do mundo cristão:

O peixe, no centro da logomarca, ele representa o centro da nossa vida, que é Cristo, então, tirado da antiga tradição, da igreja primitiva que, pra simbolizar aquele que reunia os cristãos o símbolo do peixe, não é? Então isso foi representado no centro da nossa logomarca. Na base está o nosso nome e aquilo que nós professamos ser, ver e fazer ver a face de Cristo, não é? Apoiado em Cristo, nós exercemos o nosso ministério e, sob Cristo, abaixo de Cristo nós temos a nossa identidade própria, né?

Por fim, o totem Fanuel possui seu slogan: “Ver e fazer ver a face de Cristo”.

Um Cristo com um referencial católico que é divulgado nas células e que as identifica

enquanto suporte fundamental daquele. É fundamental assinalar que o totem da Fanuel é

produto da inspiração do fundador e os seus elementos visuais foram confeccionados pelo

designer da comunidade e que atualmente é o supervisor local em Santo André.

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263

5.4. TOTEM ÁRVORE DA CRUZ

Figura 41 - Imagem da página inicial do site Árvore da Cruz

Fonte: www.comunidadefanuel.com

Neste Totem há duas referências simbólicas presentes. O primeiro símbolo

imagético refere-se à árvore ou o madeiro da crucifixão. O segundo, a figura do crucificado.

Ambas as imagens – similar ao apresentado no arranjo Coração Sagrado – estão fixadas num

céu imaginário. O slogan, criado pelo seu fundador, diz: “Ser sinal do amor do Crucificado,

levando o homem a reconhecer na sua fragilidade humana a Divindade de Deus”.

A árvore é considerada como o símbolo de relações entre céu e terra, e

representa a “vida em perpétua evolução e ascensão rumo aos céus” (EVARISTO, 2000), ela

indica também o caminho gradativo de elevação espiritual até Deus, mas inexoravelmente,

mantem uma ligação com o mundo material. Símbolo de renascimento da vida, suas folhas

reciclam-se anualmente. Além disso, as partes que a compõem, como o tronco, as folhas,

frutos, assim como sua funcionalidade fazem analogias com o mundo feminino e masculino.

A tradição cristã juntamente a sua iconografia associou simbolicamente a “árvore da vida” do

Édem com a “árvore da cruz de Jesus” devolvendo a condição paradisíaca ao ser humano

(LEXIKON, 1978, p. 25-26)

A árvore é um dispositivo paradoxal. Por um lado passou através da tradição

cristã como um instrumento de “queda” e de “pecado”, por outro, é sinal de redenção

regenerada pela crucifixão e morte de Jesus. Existe um elemento em comum que unifica essas

imagens: ela está a cargo do “poder sagrado” (ELIADE, 1979). É nesta simbologia da cruz

como “árvore redentora e purificadora dos pecados” que o arranjo católico Árvore da Cruz

apóia seu “carisma”.

A Árvore da Cruz idealizada pelo fundador faz uma analogia com a Árvore da

Vida de John Hagerty, pregador metodista do século XVIII e que publicou estampas da

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crucifixão. A gravura delimita os espaços entre sagrado e profano. A porta estreita é o que

marca a entrada no paraíso em contraposição ao inferno que permanece sempre aberto.

(NEUENFELDT, 2008). Nota-se que na gravura abaixo, a Árvore da Vida menciona os raios

redentores de Deus, o Espírito e Jesus crucificado. Sob os mesmos raios se encontram os doze

frutos da salvação para aqueles que desejam a “nova Jerusalém” (ao fundo da gravura).

Citamos apenas algumas: eterna redenção, herança perfeita, boa vontade, paz, santificação,

segurança, eleição, perdão, refúgio, amor eterno etc. Há uma multidão reunida ao lado de

fora da parede e, à direita a porta do inferno está aberta. Pregadores com faixas “Behold the

Lamb”, “Believe on the Lord Jesus Christ”, tentam convencer homens e mulheres que se

põem bem vestidos, enquanto outros bebem. Os “pecadores” são estigmatizados com

pequenas etiquetas indicando: “orgulho”, “usura”, “libertinagem” etc.: Figura 42 - Gravura “estampa da crucifixão” de John Hagerty

Fonte: http://jcb.lunaimaging.com/luna/servlet.

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265

A imagem de Jesus na cruz, com a coroa de espinhos e, posteriormente sua

morte indicada por um “coração sangrando” é sinal do “necessário sofrimento para a

purificação dos fiéis”, disse-nos uma liderança. Mas, a via de acesso para alcançá-la passa por

sucessivos sacrifícios. Sacrifícios estes como castidade, obediência, pobreza, abnegação

expressam o tipo de prática religiosa exercida na casa de missão deste arranjo. A simbologia

da árvore sofre uma ressignificação para os consagrados do arranjo. Há uma combinação

entre cruz e árvore. Nos atendimentos de aconselhamento feitos na casa de missão, a

consagrada diz que faz o papel da árvore porque as pessoas sofredoras encontram nela um

“descanso”. Ao mesmo tempo em que cumpre esta função também se coloca no lugar da cruz

porque diz “sofrer junto com os que sofrem” e “para mostrar às pessoas os olhos de Deus”:

Esse é meu olhar. Aqui tem um símbolo, a raiz, né? Significa enraizado no mundo. A gente procura se enraizar no domingo pra levar as pessoas a reconhecer este Cristo que quer nos salvar, o coração, o amor que a gente procura ter pela cruz, por Cristo e por tudo aquilo que a gente assumiu. A gente, assina a nossa consagração e a gente quer ver as pessoas buscando, se iniciando na vida de fé, de castidade. Caio chorando, mas sempre de olho na cruz, então pra mim Arvore da Cruz é um símbolo de renúncia, caminhar com amor, tudo com amor. (Mulher, solteira, 25 anos)

6. SANTOS BALUARTES

Todos os arranjos, sem exceção, possuem seu rol de santos católicos que os

identificam enquanto sujeitos religiosos. A pergunta levantada é: quais são as razões básicas e

subjacentes para a escolha e manutenção dos santos baluartes destes arranjos? O principal

fator de motivação da escolha é a resposta a uma necessidade. Necessidade que tem a ver com

questões do cotidiano destas comunidades, principalmente das lideranças. Os santos que

compõem o sistema simbólico destes arranjos atendem também às necessidades mais elevadas

de um estado de espírito religioso. Visualizados em pinturas e imagens de cerâmica e

distribuídos em áreas significativas das casas de missão (oratórios, salas de atendimento e de

rituais, sites) não só inspiram a decoração destes ambientes, mas são escolhidos

cuidadosamente como modelos de santidade. Destinam-se também a glorificar e a preservar a

memória religiosa dos arranjos reforçando também a identidade das suas lideranças. Estas

aspiram tornarem-se santos (as), isto é, pessoas do “céu” por meio da imitação da caridade e

virtudes heróicas dos santos baluartes. Os arranjos canonizaram, isto é, incluíram em sua

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266

lista, gravando seus nomes em seu sites e folders de divulgação, os seus padroeiros. Os santos

católicos saem dos seus pedestais fixos nas paróquias e entram no fluxo informativo destas

comunidades e são assimilados por elas. Servindo-lhes como modelos exemplares de

santidade e obediência, os arranjos divulgam sua fé – cada qual com seus carismas e Totens -

ao público em geral e ao clero da região do grande ABC, em particular.

Tabela 4 – Relação dos santos baluartes por comunidade

FANUEL CHAGAS DE AMOR ÁRVORE DA CRUZ CORAÇÃO SAGRADO

SANTOS BALUARTES

SANTA TEREZINHA DE LISIEUX

SÃO PIO DE PIETRELCINA

SÃO PIO DE PIETRELCINA

SANTA TEREZINHA DE LISIEUX

SÃO BENTO

SÃO FRANCISCO DE ASSIS

SÃO JOSÉ

DOM BOSCO

SÃO PIO DE PIETRELCINA

Os santos possuem uma função educativa para aqueles que os veneram. São

norteadores. Reduzem o caos, inserem significados, mantendo a coesão grupal. É o caso, por

exemplo, da consagrada solteira da comunidade Árvore da Cruz que fez votos de castidade.

Faz uso de vestimentas sugeridas pelo fundador, que obteve “inspiração” em Santa Terezinha

de Lisieux e padre Pio de Pietrelcina. Este item, a “veste”, considerado sagrado e diretamente

associado aos santos referidos é particularmente reverenciado pela consagrada da Árvore da

Cruz. O uso que se faz das vestes neste arranjo é cercado por um grande respeito. Vivendo de

acordo com sua subjetividade e respeitando as regras da comunidade, aceita vestir-se de “saia

preta e blusa marrom” assumindo o estado de vida que escolheu. Ela mesma relatando sua

interpretação das cores da vestimenta, diz que o preto – cor utilizada por Terezinha de Lisieux

- significa “morte para as coisas do mundo e os interesses pessoais” para melhor efetivar, diz

ela, a “vontade de Deus”. O marrom – cor sugestiva de padre Pio -, por sua vez, simboliza a

“pobreza”. Para a consagrada, ser pobre não é sinônimo de “não ter nada”, mas “ter sem se

apegar”. O entrelaçamento santorial manifestado nas vestes da consagrada é um caso típico de

hibridização. Neste caso, houve mais do que uma mistura de cores, uma possibilidade de

negociação desestabilizando uma forma única de se pensar a espiritualidade de um santo(a). O

designer das vestes nasceu da “inspiração” do fundador e cada peça do vestuário adquire um

sentido simbólico que atende aos interesses do carisma do arranjo.

No decorrer destas discussões sobre a influência dos santos nestes ambientes do

catolicismo alternativo tornou-se cada vez mais explicitamente mais um importante fator que

lhe dá coesão simbólica: a experiência mística dos santos. Por exemplo, Terezinha de Lisieux,

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267

que viveu na clausura, descobriu sua missão através do amor de Jesus: “Não tenho grandes

desejos senão aquele de amar até morrer de amor” (COTTA, 1997, p. 25). Já Pio de

Pietrelcina, proclamado santo em 2002, comumente chamado de frade “operador de

milagres”, visionário e dedicado à oração contínua é a característica mais próxima do seu

perfil: “[...] Pelo amor de Deus, venha em meu auxílio! O sangue cai como chuva em todo o

meu interior” (CANTALAMESSA, 2000). A oração manifestada nos cultos dos arranjos

possui um estilo livre, aberta e criativa e são feitas com o apoio do “falar em línguas”.

Embora respeitando e divulgando a doutrina católica, acreditam que buscar a Deus, a cura

interior, a vida regrada em busca da santidade do “eu” é mais importante do que encontrar

Deus pela mediação tradicional ou pelo dogma. Para eles, a mensagem de Cristo é mais

espiritual do que religiosa. O lugar do encontro com a divindade está “dentro da alma”. De

outro modo, maximiza-se o relacionamento emocional com o sagrado em detrimento do

entendimento intelectual e lógico dele.

Neste capítulo examinamos os principais símbolos religiosos dos arranjos

católicos que lhes proporcionam coesão comunitária. Cada arranjo, oferece à sua membresia,

uma estrutura de valores e normas, uma maneira de pensar e um modo de apreensão do

mundo que orienta suas condutas. Se distinguem dos outros primeiro pelo seu Totem e,

segundo pela forma de praticar suas crenças Estabelecem, por assim dizer, certa armadura

estrutural cristalizando um modus operandi que atribui lugares, papéis e condutas dos seus

membros mais ou menos estabilizadas e que facilitam o trabalho em comum.

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268

CCOONNCCLLUUSSÃÃOO

Esta tese investigou comunidades católicas leigas presentes no ABC Paulista,

que denominamos arranjos comunitários alternativos católicos. A análise destas comunidades

se valeu de abordagem antropológica e sociológica, caracterizando as relações - de poder,

diálogo e controle existentes - entre os agentes religiosos católicos destes arranjos e a ICAR

regional do ABC Paulista. Estas novas formas organizacionais leigas do catolicismo

emergiram de contextos sócio-econômicos particulares, se adaptando ao entorno social. Seus

ritos e crenças veiculadas ajudaram a perceber como são construídas as cosmovisões destes

agentes ou qual(is) são os sistemas de pressupostos que usam para organizar e interpretar as

suas experiências religiosas. Ao buscar traçar um quadro geral destes arranjos alternativos

católicos no ABC Paulista, consideramos que nenhum retrato será completo o suficiente para

registrar a variedade dos catolicismos existentes. Além disso, seria demasiado arriscado

determinar quais os conceitos e teorias que apreendem adequadamente estas novas

configurações do catolicismo contemporâneo, uma vez que nenhum deles – teorias e

conceitos – se constituiriam sem um referencial anterior que inclui métodos e instrumentos de

pesquisa e análise. Um tema novo nunca é totalmente novo, ele sempre possui um passado

mesmo que discreto e modesto. Embora o quadro sócio-econômico e religioso do ABC

passou por mutações importantes, de maneira a impactar na vida religiosa da região, as

questões de luta social e opção pelos pobres, que foram importantes para atuação da ICAR no

chamado período das greves operárias (1978-80), hoje se pulverizaram, “desmancharam-se no

ar” e este vazio preencheu-se em parte com formas diferenciadas de atuação do catolicismo na

região, utilizando outra linguagem de convencimento e arrebanhamento de fiéis.

Os arranjos católicos são formas organizacionais que não rompem

definitivamente com o passado, mas criam maneiras híbridas de relacionamento entre passado

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- tradição religiosa - e presente - modernidade contemporânea - traduzidas através de

comportamentos, gestos, ritos, crenças e literaturas produzidas pelos seus fundadores.

Estes novos formatos organizacionais surgem criativamente como resposta às

mudanças ambientais - sociais e econômicas - e institucionais - catolicismo eclesiástico

oficial: Roma, CNBB, bispados diocesanos e regionais, e todo o clero que daí se estrutura.

Este tipo de burocracia religiosa representada pela ICAR estaria em fase de superação ou

flexibilização se comparado a esta variedade de novas formas de organização religiosa

católica com arquiteturas e desenhos organizacionais significativamente diferentes. Estes

novos formatos organizacionais católicos surgem dentro do contexto da modernidade

contemporânea. Podemos pensar qual a relação que este “tipo” de catolicismo possui com o

ambiente moderno. São organizações mais flexíveis a ele se comparadas às relações do

catolicismo eclesiástico. As mudanças socioeconômicas empreendidas pela modernidade

contemporânea manifestaram desconfortos entre o clero católico, acionando muitas vezes

dispositivos de retaliação, resistências ou até de diálogo suspeito com a modernidade.

Parece-nos que estes espaços em ambientes latino-americanos alargaram-se

através de um catolicismo sem paróquia, visibilizados pela atuação dos arranjos católicos. São

formas organizacionais surgidos em decorrência da crescente destradicionalização do

catolicismo institucional em vistas do processo de secularização. Tais arranjos católicos se

adaptam melhor ao ambiente de uma modernidade reflexiva (GUIDDENS, 1997) de modo a

“radicalizar” ou estabelecer um “recriar contínuo” daquilo que foi constituido pela tradição

católica: seus dogmas e símbolos religiosos.

Os arranjos católicos convivem com formas tradicionais de “ser católico”: o

católico nominal, o militante católico que atua somente dentro dos ambientes paroquiais, o

católico com dupla ou tripla identidade religiosa, o católico que transita sem se adaptar em

abraçar algo seguro, o catolicismo santorial que persiste em ambientes paroquiais, etc. Estas

matizes possuem seu status dentro da ICAR, sem sofrer demasiado controle por parte da

instituição católica. A ICAR apoia moralmente os arranjos reconhecendo sua posição que

ocupam dentro do seu próprio campo religioso. Esta tolerância para com o pluralismo católico

foi incentivada principalmente no pontificado de João Paulo II. Isto significa que a ICAR

percebeu que estes movimentos – pelo menos aparentemente – além de não ferirem aspectos

como o respeito clerical, os sacramentos e o culto aos santos e à Virgem Maria proporcionam

maior extensão do catolicismo em ambientes em que a paróquia não chega.

Procurando dialogar com a cultura hodierna, mesmo que de forma tensionada,

João Paulo II e seu sucessor Bento XVI, inspiraram determinados grupos religiosos católicos,

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270

no qual se inscrevem os “novos movimentos eclesiais” (NME) e “novas comunidades”, a

continuarem esta inserção. Provavelmente estes NME não sejam tão ortodoxos, se pensados

do ponto de vista dos documentos católicos oficiais, porque cada qual recria a tradição dentro

da sua própria organização, sustentando e divulgando os signos católicos pelo mundo. A

conjuntura histórica foi favorável ao desenvolvimento de muitos grupos e movimentos

religiosos e portadores de diferentes carismas. O próprio João Paulo II compreendeu isto sob

seu pontificado governou a ICAR a partir de um centro, Roma, mas o fez nesse meio sócio-

cultural altamente diferenciado tentando legitimá-lo. É neste quadro social que emergem os

arranjos católicos que, embora a autoridade eclesiástica se esforce para enquadrá-los

oficialmente, no final, foram reconhecidos como a expressão de um despertar religioso

tolerando suas capacidades relativamente autônomas de organização comunitária. Portanto, os

arranjos católicos são um dos braços estratégicos da ICAR para reduzir suas sérias

dificuldades para entrar na modernidade contemporânea.

O catolicismo leigo investigado aqui é composto por pessoas que “acharam seu

carisma” investindo seu tempo e dedicação nas atividades comunitárias criadas. Isto não

significa que não possuam mais nenhum vínculo com a estrutura paroquial. Esta nasceu

dentro do orbe rural e as mudanças ocorridas a partir da modernidade criaram um desconforto

por parte do clero católico, imprimindo-lhes uma forma diferenciada de atuação no meio

urbano. O descompasso existente entre o sistema paroquial e a urbanização social é evidente.

Os espaços e as fronteiras de atuação da ICAR via paróquias, se encontram na modernidade

contemporânea, diluídos. Os arranjos católicos parecem se adaptar melhor a este ambiente

fluido, mas surgem não em decorrência da crise – dissolução e ruptura - do sistema paroquial.

Pelo contrário, os seus membros continuam “linkados” com suas respectivas paróquias e as

usam como espaço complementar de atuação mantendo o vínculo institucional. Garantem e

mantém boas relações com o clero local para assim preservar o seu status quo. Os arranjos

católicos prestam serviços religiosos específicos guardando diferenças se comparados à

estrutura paroquial. Enquanto a paróquia é fixa do ponto de vista territorial, eles possuem

mobilidade e se ajustam a novos territórios. A paróquia oferece uma diversidade de serviços

locais: venda de artigos religiosos, missas dominicais, rifas em pról de ações beneficentes,

serviços burocráticos da secretaria paroquial, enquanto os arranjos também possuem seus

próprios esquemas de “oferta de serviços”: venda de livros, CDs e DVDs dos seus

fundadores, ofertas de cursos rápidos de evangelização, cultos variados e aconselhamentos

semanais acomodados aos perfis do seu público-alvo. Há aqui certa flexibilidade burocrática

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271

na oferta de serviços religiosos enquanto na paróquia estas ofertas são bem mais

centralizadoras e departamentalizadas.

Distanciando-se de compromissos sociais e políticos mais efetivos, reforçando

práticas mais espiritualizadoras, de emoção e intimidade com Deus, os arranjos alternativos

católicos se inscrevem em um tipo de catolicismo mais espiritualista, preocupado em atender

os “clientes católicos” através de orações, cursos temáticos e de pouca duração, rituais de

“cura e libertação”, encontro de jovens, células. O “atendimento ao cliente” é um grande

diferencial na prática destes grupos e o atendimento adequado à esta clientela é importante

para o crescimento e permanência destes grupos na atual conjuntura religiosa e social do

Brasil.

Os arranjos católicos são espaços que permitem, a seus fieis externar com maior

autonomia sua catolicidade. São espaços que agregam a tradição católica atual - renovada - e

a antiga - tradicional, dos santos, anjos, reza do terço, espaços estes afinados com a

modernidade, eclodindo em carismas pessoais e garantindo liberdade de interpretação da sua

própria experiência religiosa. Espaços de rituais de “cura e libertação interior” sem a

preocupação com controles institucionais da ICAR. Os arranjos administram seus próprios

bens simbólicos sem interferência do clero. A obediência ao bispo local, mesmo que indireta,

e a lealdade ao papa são garantias de sobrevivência destas comunidades. Estas possuem perfil

“carismático”, de “católicos renovados” e são lideradas por um fundador, leigo, casado.

Reconhecido pelos seus subordinados como um “pai espiritual” dotado de “dons especiais”, o

fundador reforça a coesão, a identidade e a linha religiosa da organização.

Os arranjos auxiliam, a seu modo, o que chamam de “pessoas prejudicadas e

machucadas espiritualmente”. Em outras palavras, constroem uma prática de “cura e

libertação” seja através de rituais herméticos - rituais, orações, cristotecas, noites da pizza -

realizados durante a semana, em finais de semana ou por atendimentos personalizados. Estas

formas extra-paroquiais de gestão dos bens religiosos católicos dialogam com pertinência com

as chamadas realidades virtuais ou mídias virtuais - twitter, orkut, blogs, facebook; cada qual

com seu sítio ou com sua página na internet divulgam seus perfis identitários. Possuem ainda

variações relacionadas ao estilo de vida adotada leigos(as) consagradas dedicação exclusiva

ou não, celibatários, casais consagrados. A presença de membros casados pode ser fator

atraente para o público em geral. E este modo de vida parece ser viável e mais acessível para

jovens homens que não querem uma vida celibatária clerical. Fazem clara opção por uma vida

comunitária intensa, estabelecendo regras de convivência a partir dos seus estatutos e

realizando em seu conjunto um compromisso compartilhado de valores. As trocas

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272

interpessoais construídas nestas comunidades emocionais/morais afetam qualitativamente a

maneira de pensar e agir dos sujeitos incorporando um habitus particular daquele grupo. As

chamadas “novas comunidades” oferecem um ambiente de descoberta das potencialidades

subjetivas e emocionais. O intercâmbio e as redes sociais que ali se formam também são

importantes. Há uma valorização das relações pessoais ao invés de relações apenas funcionais

emergindo, por assim dizer, espaços de trocas afetivas.

Os arranjos católicos são geralmente atraentes e credíveis ao público que os

procuram, porque dão prioridade à “cura e libertação interior”. Sua prática religiosa se afina

com a contemporaneidade, isto é, incorporam valores modernos nos rituais, na linguagem, na

divulgação de websites conjugados com elementos da tradição católica: a reza do terço, o falar

em línguas, a cruz, o coração e o sangue de Jesus, a figura dos santos baluartes que dão

sustentabilidade e identidade às comunidades até aqui observadas.

Estas associações leigas se proliferam no ABC paulista, cada uma com suas

funções especializadas e com normas organizacionais que são próprias do seu “carisma”. Tais

comunidades construíram um sistema especializado nos aspectos das suas estratégias/métodos

de convencimento religioso ao seu público alvo como as suas inserçoes na mídia virtual

possibilitou maior abrangência de divulgação do catolicismo específico não-clerical.

Os arranjos estabelecem uma tensão entre dissidência e conformismo das regras

religiosas do catolicismo oficial. Eles não se afastam dos modelos e normas em uso da ICAR,

mas possuem atitudes e sistemas de valor criados por eles cuja fonte de autoridade não

provém da tradição católica, mas de uma inspiração ou “revelação divina” que se fez conhecer

pelo fundador. A tradição religiosa, por sua vez, foi e é utilizada para justificar tal

“revelação”. Suas lideranças conscientemente deliberam um sistema de valores morais e

simbólicos que julgam mais elevados e que não se chocam necessariamente com o

catolicismo oficial: a cura interior através da invocação do Espírito Santo e do falar em

línguas, o reconhecimento do exercício de uma vida de santidade pautada em modelos de

santos(as), vida celibatária, sacrifícios pessoais, por um lado, acomodam a doutrina religiosa

oficial dentro de sua estrutura e arquitetura organizacional e, por outro, acrescentam práticas

religiosas que refletem sua identidade de grupo: pregadores itinerantes, cultos de avivamentos

específicos, interpretação “livre e subjetivada” das Escrituras etc. Os arranjos se vêem como

tendo uma identidade católica compartilhando seu rol de símbolos, seus ensinamentos sobre

questões doutrinárias e morais. Mas são simultaneamente membros de uma comunidade

emocional/moral específica, comprometidos afetivamente com sua missão, visão e valores,

criando assim uma identidade emocional com seu emblema ou totem. Esta tensão entre

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instituição e carisma manifestada nos comportamentos das lideranças dos arranjos, incita a

preocupação do clero católico em estabelecer “um aparato corretivo e fiscalizador que evite

desvios doutrinários comprometendo a lealdade ao lema “una, santa, católica e apostólica”.

Exerce um controle à distância e sem interferência direta, de modo que os leigos destas

comunidades sejam autônomos no tocante à administração dos cultos, websites, finanças, e de

serviços especializados de bens religiosos católicos, assim como estratégias de evangelização.

Tanto a Renovação Carismática Católica quanto os arranjos católicos permanecem leais à

hierarquia porque dependem dela para o reconhecimento institucional. Por outro lado, a

hierarquia eclesiástica considera-os aliados pelo fato de divulgarem ao seu público alvo, a fé

no catolicismo romano.

A rápida difusão destas comunidades, pelo menos no ABC paulista, rasurou as

fronteiras territoriais e simbólicas. Quer dizer, assim como os pentecostais, os arranjos

admitem receber também os dons do Espírito Santo - cura, profetismo e “falar em línguas”,

esconjuram as forças malignas que impedem a restauração do indivíduo em Cristo,

implicando em dizer que estes elementos não sejam de exclusividade do mundo pentecostal.

As casas de missão dos arranjos onde são praticados os ritos carismáticos, caso não houvesse

qualquer significante - estátuas de santos, da Virgem Maria, ícones de João Paulo II e Bento

XVI - lembrando a fronteira católica, pensaríamos serem grupos pentecostais. Seus rituais não

seguem uma forma litúrgica convencional à maneira do rito católico oficial, veiculado nas

missas dominicais; são dirigidas por leigos(as) formados no próprio ambiente comunitário do

arranjo. Todas as comunidades observadas estão sob controle eclesiástico indireto, assim,

possuem certificados assinados pelo bispo local, legitimando e “abençoando” as suas

atividades. Todos os fenômenos supracitados podem ser encontrados em graus diversos nas

igrejas pentecostais, com óbvia exceção à lealdade a uma hierarquia eclesiástica.

Estes arranjos se mostram diferentes também se comparados aos “grupos de

oração carismáticos”, que se expandiram em grande parte das paroquiais do ABC paulista. Os

grupos de oração possuem conselhos paroquiais e regionais, mas continuam entrincheirados

nos território paroquial e não obedecem necessariamente a um ritual fixo. Caracterizam-se por

estabelecerem um momento de adoração, seguido por invocações ao Espírito Santo.

É um equívoco acreditar que os arranjos veiculam mensagens que enfatizam a

luta contra o “pecado estrutural”, contra a violência social institucionalizada e muito menos a

opção pelos pobres, características das CEBs na década de oitenta do século XX. Pelo

contrário, tais discursos não exercem nenhum atrativo para o público que atingem.

Influenciam os católicos que não possuam um maior engajamento religioso.

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A emancipação das tecnologias de informação e comunicação, principalmente a

internet, contribuiram para a ocorrência de um acelerado processo de mudança nas relações

sociais, mas a incorporação e o uso de determinadas tecnologias possibilitou a reinterpretação

do contexto cultural da contemporaneidade. Ao utilizarem os recursos virtuais, estas

comunidades, elaboram sua própria linguagem visual, divulgando suas atividades e

desenvolvendo uma estratégia de atração de possíveis usuários dos seus serviços religiosos.

Nos sites das comunidades, além dos totens que as identificam, o acesso a links

de blogs, facebook, twitter, orkut, chats, terço, velas virtuais, envio de suas intenções e

pedidos a Deus, inscrição em eventos e cursos, etc. Estas comunidades possibilitam não

somente uma interação real, mas uma interação que prescinda da face a face. Sendo assim,

tais comunidades compartilham interesses e identidades por meio do ciberespaço

independente de fronteiras e demarcações territoriais fixas (LEVY, 1999).

Os arranjos católicos são um tipo de catolicismo de consultoria. Exercem uma

função de aconselhamento espiritual do público que os procuram. Seus objetivos pautam-se

no alcance de maximização de resultados – a Fanuel, por exemplo, mantém um índice de

serviços religiosos necessários ao seu crescimento que garanta sua “fatia” de participação do

seu produto religioso. Em outras palavras, tais comunidades lutam dentro do campo religioso

tentando garantir seu capital simbólico, em reconhecê-lo como legítimo, de forma que seus

serviços religiosos participem ativamente e permanentemente dentro da estrutura católica.

Obviamente o alcance de metas traduz-se por uma melhor visualização da imagem do seu

totem, internamente - entre lideranças e subordinados- e externamente - sua relação com a

hierarquia eclesiástica. Podemos pensar que os arranjos católicos, inconscientemente, são

serviços de apoio ao clero da ICAR no auxílio da tomada de decisões estratégicas.

O foco desta consultoria religiosa veiculado pelas comunidades laicas é o de

definir a melhor ação num ambiente sócio-cultural repleto de incertezas, riscos e competições

religiosas. Todas as comunidades possuem um planejamento mensal de oferta dos seus

serviços religiosos, assessorado por lideranças-consultoras qualificadas para tais ações. Este

tipo de catolicismo de consultoria não seria em ocorrência da mudança e do quadro social e

econômico ocorrido na região do ABC nos últimos 30 anos? O setor de serviços é o que

predomina hoje em termos de indicadores econômicos no ABC paulista. A ICAR regional

também mudou seu foco: já não se fala mais em CEBs ou do engajamento social em

ambientes operários, utilizando outras estratégias de evangelização, de modo a ampliar seu

campo de atuação e a participação ativa dos fieis nos sacramentos, nas missas, por fim, nas

paróquias. Neste caso, é imprescindível que a ICAR apóie as associações religiosas laicas,

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porque as mesmas situam-se no cerne dos interesses do catolicismo romano, realizando

atividades de consultoria que a própria ICAR não consegue administrar.

Por fim, poderíamos nos perguntar, de fato, qual a novidade traduzida nas

chamadas “Nova Comunidades Católicas”. Cada comunidade analisada inclui valores, crenças

e um estilo operacional que as diferencia das atividades paroquiais distribuídas em pastoral. O

rótulo “novas” poderia ser aplicado com segurança se tais comunidades laicas anulassem o

catolicismo tradicional - rigidez moral, culto aos santos e anjos, Cristo sofredor - em suas

estruturas organizacionais. A palavra converteu-se não só num slogan dos militantes destas

comunidades, mas também é utilizada indiscriminadamente pelos representantes do clero

católico, classificando-as e integrando-as aos chamados “novos movimentos eclesiais”. Para

uma organização ser identificada como “nova” é necessário o aparecimento de novos

esquemas e desenhos tanto nos rituais quanto nos símbolos religiosos utilizados. A novidade

põe em evidência aspectos que não eram anteriormente percebidos nem vistos, ou até mesmo

suprimidos no catolicismo tradicional. As comunidades laicas no ABC paulista não foram

criadas sob uma constelação de rupturas e tensões com o catolicismo romano, susceptíveis de

alterar o modelo da estrutura dominante da ICAR. Ao contrário, pautado em negociações com

a hierarquia local, os fundadores das comunidades operam em diálogo com o clero e o bispo

da diocese de santo André, considerando-os como seus potenciais defensores. Os fundadores

sabem operar em tais limites na tentativa de construir credibilidade com a hierarquia e

encontrar um terreno de interesses comuns.

Talvez o referencial mais indicativo e apropriado nas comunidades laicas seja o

seu hibridismo típico, sua combinação entre um catolicismo mais intimista - da “santificação

e cura da alma machucada”, da devoção santorial de “imitação” e não necessariamente de

“proteção”, da doutrina católica de cunho moralista: confessar, comungar, respeitar as

regras e ir aos domingos na “santa missa”, da crença nos anjos como entidades de proteção

contra o mal e da separação entre sagrado e profano –, com questões mais modernas

principalmente ao que se refere à utilização de recursos midiáticos e de internet, de

metodologias advindas do mundo evangélico e empresarial - tipos de gestão, networks, perfis

de liderança e consultorias. À estes conjuntos de características que denominamos “arranjos

católicos” que, produzindo seus próprios esquemas simbólicos, combinam o pré e o moderno

dentro de ambientes alternativos de autonomização religiosa católica.

A modernidade contemporânea é uma variável de difícil interpretação. As

instituições e organizações religiosas buscam, por sua vez, respostas pragmáticas a problemas

levantados pelo cotidiano das pessoas. Cada arranjo católico por meio do seu design religioso,

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dos seus processos explícitos e implícitos prescreve atividades especificas para aumentar a

eficácia e visibilidade social. Sendo assim, mantém um mínimo de coesão interna e se

acomodam às configurações do momento histórico.

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COMPÊNDIO DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA. São Paulo: Paulinas, 2005.

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Sites Católicos 1. http://www.comunidadefanuel.com. 2. http://www.chagasdeamor.com.br. 3. http://www.coracaosagrado.com.br. 4. http://www.arvoredacruz.com.br/ 5. http://www.comshalom.org. 6. http://www.amigosdoshalom-sa.blogspot.com. 7. http://comunidadeoasis.org.br/site 8. http://www.cancaonova.com. 9. http://www. vatican.va 10. http://stedward.net/Cell_Groups.html. 11. http://www.catholicfraternity.net/ 12. http://cnlbsul1.blogspot.com.br/2011/06/cristaos-leigos-e-cristas-leigas.html 13. http://www.diocesesantoandre.org.br 14. http://www.zenit.org 15. http://www.acidigital.com 16. http://www.deuslovult.org. 17. http://multimedios.org/ 18. http://cnbbsul1.com.br. Revistas Eletrônicas 1. http://www.pucsp.br/rever. 2. http://www.scielo.br/ 3. http://www.pucsp.br/nures/normas.htm. 4. http://www.veja.com.br/acervodigital/home.aspx.

Evangélicos e espíritas

1. http://g12.me/ 2. http://g12.me/es 3. http://www.comnovaalianca.com.br 4. www.fgtv.com 5. http://jovenstorreforte.wordpress.com 6. http://www.embaixada.org/historico 7. www.irmascheilla.org.br Prefeituras

1. Santo André. São Paulo. http://www2.santoandre.sp.gov.br. 2. Ribeirão Pires. São Paulo. http://ribeiraopires.sp.gov.br.

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290

Jornais, institutos de pesquisa, bibliotecas e revistas digitais

1. http://tempsreel.nouvelobs.com/monde 2. www.folha.uol.com.br. 3. http://g1.globo.com 4. http://elpais.com/elpais/portada_america.html 5. http://www.ibge.gov.br. 6. http://www.brasildefato.com.br 7. http://www2.santoandre.sp.gov.br. 8. http://memoria.bn.br. 9. http://www.unisinos.br.

Empresas eletrônicas

1. www.abstratodesign.com.br.

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291

ANEXO A CASAS DE MISSÃO DOS ARRANJOS COMUNITÁRIOS CATÓLICOS

E MAPA DA REGIÃO ABC PAULISTA Figura 1 – Chagas de Amor Figura 2 – Fanuel Figura 5 – Mapa da região ABC paulista Fonte: http://www.donizetegeografo.com.br. Figura 3 – Árvore da Cruz Figura 4 – Coração Sagrado

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292

ANEXO B

ROTEIRO DE ENTREVISTAS

IDENTIFICAÇÃO Nome ____________________________________________________________

Nascimento___________Cidade____________________Estado______________

Ocupação__________________________________________________________

BLOCO DE PERGUNTAS SOBRE ANTECEDENTES SÓCIO-RELIGIOSOS

1. Quantos anos você possui?

2. Qual sua escolaridade? Superior completo? Quais cursos?

3. Qual era sua ocupação profissional antes de formar a comunidade ou participar dela? Do que você gostava no seu emprego? Por que saiu? O emprego que você tinha ajudou em idéias para criar a comunidade?

4. Qual sua renda média mensal familiar atual? Até R$ 1000,00; entre 1000,00 e 2000,00. entre 2000,00 e 4000,00; acima de 4000,00;

5. Você vem de família católica?

6. Há quanto tempo você deixou de ser evangélico?(caso houver necessidade);

7. Alguma vez você já pensou em ser padre (freira) diocesano ou da canção nova?

BLOCO DE PERGUNTAS SOBRE A CRIAÇÃO DA COMUNIDADE, RELAÇÕES COM A PARÓQUIA E O CLERO (BISPO)

1. O que levou a criação da comunidade? Qual a influência da Canção Nova em sua vida?

2. Qual a maior dificuldade particular que você encontra atualmente?

3. Você sofre pré-conceito?

4. Como é a convivência fora da comunidade, exemplo, relações de amizade?

5. Como que a comunidade se sustenta financeiramente? A Igreja Católica da região os ajuda financeiramente? Por que?

6. Olhando para trás, o que você vê de mais positivo na decisão de criar uma comunidade religiosa? E quais os pontos negativos?

7. Quais as diferenças principais entre uma comunidade religiosa leiga e uma paróquia?

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293

BLOCO DE PERGUNTAS SOBRE AS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS PELOS ARRANJOS CATÓLICOS

1. O que as pessoas buscam na comunidade?

2. Qual a forma de evangelização do jovem? (pergunta dirigida ao arranjo Coração Sagrado)

3. A ação evangelizadora da comunidade é voltada mais para o coletivo ou individual?

4. Como a comunidade lida com as novas tecnologias, por exemplo, a internet?

5. Como é feita a divulgação da comunidade?

6. Você acha que as “novas comunidades” vêm de encontro às necessidades das pessoas? É diferente nas paróquias?

BLOCO DE PERGUNTAS SOBRE A ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DOS

ARRANJOS CATÓLICOS

1. A comunidade possui estatuto? Manuais?

2. Existe conselho administrativo, quem participa e quantidade de pessoas

3. Todos possuem direito de opinião, voto no conselho?

BLOCO DE PERGUNTAS SOBRE A ESTRUTURA SIMBÓLICA DOS ARRANJOS CATÓLICOS

1. Qual o significado do nome da comunidade? Por que foi escolhido este símbolo?

2. Quem são os santos baluartes? Por que da escolha?

3. Quem são os inimigos da ICAR?

4. Qual a função dos anjos na comunidade?

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ANEXO C BAIRRO CLUBE DE CAMPO – SANTO ANDRÉ

FONTE: FOTOS REALIZADAS POR VLADEMIR RAMOS EM MAIO 2011

Figura 6 – Entrada do bairro Clube de Campo

Figura 7 – Vista panorâmica próximo à Fanuel

Figura 8 – Casas do Bairro Clube de Campo Figura 9 – Casas do Bairro Clube de Campo Figura 10 – Casas do Bairro Clube de Campo

Figura 11 – Casas do Bairro Clube de Campo Figura 12 - Vista panorâmica próximo á Fanuel

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ANEXO D IGREJAS EVANGÉLICAS REGISTRADAS

NO BAIRRO CLUBE DE CAMPO – SANTO ANDRÉ FONTE: FOTOS REALIZADAS POR VLADEMIR RAMOS EM MAIO 2011

Figura 13 – Igreja evangélica “Apascentar” Figura 14 – Igreja Evangélica Avivamento da Fé Figura 15 – Igreja pentecostal Cristo Vivo Figura 16– Assembléia de Deus

Figura 17 – Assembléia de Deus Figura 18 – Igreja Pentecostal Missões da última Hora

Figura 19 – Igreja Deus é Amor Figura 20 – Igreja Batista Adonai Figura 21 – Internacional da graça de Deus Figura 22 – Assembléia de Deus

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ANEXO E EVENTO: EMBRIAGAI-VOS DO ESPÍRITO SANTO- 2011 – SANTO ANDRÉ FONTE: FOTOS REALIZADAS POR VLADEMIR RAMOS EM ABRIL 2011

Figura 43 – Ginásio onde se realizou o Embriagai-vos 2011 Figura 44 – Momentos da celebração Figura 45 – Momentos da celebração Figura 46 – Momentos da celebração Figura 47 – momentos da celebração

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Figura 48 – Evangelizashow com irmã Kelly Figura 49 – Evangelizashow com irmã Kelly Figura 50 – Espaço vip do Fundador Figura 51 – Feira de artigos religiosos

Figura 52– Santos Baluartes Figura 53– Venda de CD’s do Fundador e de pregadores católicos

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ANEXO F CENTROS RELIGIOSOS REGISTRADOS NO BAIRRO JARDIM ALVORADA –

RIBEIRÃO PIRES FONTE: FOTOS REALIZADAS POR VLADEMIR RAMOS EM MARÇO 2012

Figura: 54 – Centro SEICHO-NO-IE do Brasil Figura 55 – Centro Espírita “Recanto da Luz Irmã Scheilla Figura 56 – Centro “Recanto da Luz Irmã Scheilla” Figura 57 -Centro “Recanto da Luz Irmã Scheilla”

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ANEXO G

RETIRO DE PENTECOSTES COM AS NOVAS COMUNIDADES DA DIOCESE DE SANTO ANDRÉ

Figura 58 - Retiro de Pentecostes das Novas Comunidades do ABC Fonte: Folder de divulgação pública.