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Matemática 2006
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
LICENCIATURA EM CIÊNCIAS COM HABILITAÇÃO EM
MATEMÁTICA
OS SABERES MATEMÁTICOS DOS TRABALHADORES
RURAIS DO DISTRITO DE QUICÉ
AMANDA MANUELA FREITAS DE OLIVEIRA
SENHOR DO BONFIM
2006
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
OS SABERES MATEMÁTICOS DOS TRABALHADORES
RURAIS DO DISTRITO DE QUICÉ
AMANDA MANUELA FREITAS DE OLIVEIRA
Monografia apresentada ao
Departamento de Educação Campus –
VII da Universidade do Estado da Bahia
– UNEB – como parte das exigências da
disciplina Monografia.
Orientadora Maria Celeste Souza de Castro
Senhor do Bonfim
2006
FICHA CATALOGRÁFICA
Oliveira, Amanda Manuela Freitas de, Os saberes matemáticos dos trabalhadores rurais do distrito de Quicé/ Amanda Manuela Freitas de Oliveira; orientação de Maria Celeste Souza de Castro. Senhor do Bonfim: Universidade do Estado da Bahia, 2006. Monografia do Curso de Licenciatura em ciências com habilitação em matemática, ministrado pela Universidade do Estado da Bahia.
A Deus, aos meus pais por serem pessoas muito especiais, a
meu esposo Jairo e meu filho Pierre Giovane por serem um
pedacinho de mim, e minha irmã Maralyse.
Agradecimentos
A Instituição Campus VII, por ter o curso de matemática.
A professora Maria Celeste Souza de Castro, pelo apoio e colaboração na realização
deste trabalho.
A meu esposo Jairo Verlon pelo apoio constante, carinho, amor e incentivo nessa
conquista tão sonhada.
A meu pai Amândio por sempre disponibilizar seu tempo para me levar nas viagens que
fiz, para coletar dados para realizar esses trabalho, e minha mãe Marinalva (Flor) por
sempre contribuir com suas informações, e dando o incentivo que precisei.
Aos meus avôs paternos Neném e Xandú, que foi através da experiências deles no
campo, que surgiu a idéia desse título, e informações importantes para desenvolver
este trabalho.
"Sempre me pareceu estranho que todos aqueles que estudam seriamente esta ciência acabam tomados de uma espécie de paixão pela mesma. Em verdade, o que proporciona o máximo de prazer não é o conhecimento e sim a aprendizagem, não é a posse mas a aquisição, não é a presença mas o ato de atingir a meta."
Carl Friedrich Gauss
RESUMO
O presente estudo visa retratar, primeiramente, a cultura matemática do
cotidiano, levantando alguns pontos como a alfabetização matemática e um pouco da
história da matemática ao longo do tempo. O estudo foi realizado com trabalhadores
rurais do Distrito de Quicé, tendo como objetivo de estudo, identificar os saberes
matemáticos destes trabalhadores na área das medidas, desenvolver um levantamento
da cultura matemática da população local, observar as formas de medidas utilizadas por
eles, fazendo um paralelo com a etnomatemática. Realizando um percurso pela história
da matemática, desde os primitivos até os dias de hoje, seus conceitos – chaves, como
matemática, álgebra, geometria, etnomatemática e saberes matemáticos, dando ênfase
a realidade a qual estamos inseridos, buscando alternativas para compreender a
diologicidade entre os saberes culturais do povo do Distrito de Quicé e a matemática.
Apresento a abordagem metodológica que subsidiou o estudo do tema. Na análise e
interpretação dos dados fez-se um confronto com os capítulos anteriores, retratando
todos os objetivos apresentados. Concluindo, apresento considerações próprias sobre o
estudo enfatizando a relação dos trabalhadores rurais com a necessidade de uma
alfabetização matemática.
SUMÁRIO
RESUMO...........................................................................................................................v INTRODUÇÃO................................................................................................................08 CAPÍTULO 1 – PROBLEMATIZAÇÃO...........................................................................10
1.1 A cultura matemática do cotidiano...................................................................10 1.2 Um pouco de História: o desenvolvimento do pensamento matemático ao
longo do tempo................................................................................................12 CAPÍTULO 2 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.............................................................18
2.1 Matemática: algumas definições.....................................................................18 2.2 Etnomatemática e saberes culturais: imbricamento........................................25
CAPÍTULO 3 – METODOLOGIA....................................................................................30 CAPÍTULO 4 – ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DE DADOS........................................33
4.1 O contexto.......................................................................................................33 4.2 Os sujeitos.......................................................................................................33 4.3 Os saberes matemáticos dos trabalhadores rurais de Quicé – a cultura
matemática do cotidiano..................................................................................34 4.4 A relação com a escola...................................................................................42
CONCLUSÃO.................................................................................................................45 REFRERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................48
INTRODUÇÃO
A matemática vive em constante mudanças, está ocorrendo uma reformulação
na maneira de se educar, buscando o aprendizado partindo da realidade do aluno e a
convivência social onde ele se encontra. São diretrizes que norteiam a prática daqueles
que se preocupam com a qualidade do ensino nesta área do conhecimento.
Dentre abordagens metodológicas destacadas temos a etnomatemática que
resgata os saberes culturais de um povo.
Partindo da necessidade de repensar o ensino de matemática e buscando
caminhos para atender às novas exigências educacionais. Fez-se um estudo sobre os
saberes matemáticos dos trabalhadores rurais.
Assim, no capítulo 1 o tema é problematizado trazendo reflexões sobre a
importância da valorização dos saberes diários com os objetivos pretendidos, fazendo
uma viagem pela cultura matemática do cotidiano e também um pouco da história da
matemática.
No capítulo 2 fala-se sobre algumas definições na matemática, priorizando a
álgebra e a geometria, também constatam-se alguns aprofundamentos nas etapas da
história da matemática. Outro ponto salientado é a importância da etnomatemática
interligado com os saberes culturais.
No 3° capítulo discorremos sobre a metodologia utilizada nesta proposta de
trabalho, relatando como foi a coleta de dados para a continuidade desta pesquisa e
que meios foram utilizados para almejar resultados.
No capítulo 4 fazemos uma análise dos dados coletados, em paralelo com os
capítulos anteriores, buscando subsídios teóricos que forneçam base científica para o
estudo.
Para finalizar tem-se um contexto onde revidenciou o resgate do tema, o
interesse em realizar esse trabalho, alguns caminhos que a etnomatemática pode ser
utilizada como abordagem metodológica e por último apresento proposta para
realização de um estudo posterior .
CAPÍTULO 1
1.1 A cultura matemática do cotidiano
A matemática está presente no nosso cotidiano, tudo que fazemos depende dela.
A educação matemática se preocupa, principalmente, em buscar novas formas de
proporcionar aos alunos um bom aprendizado, através de história, informática,
etnomatemática e até mesmo a partir do cotidiano do aluno conhecendo a sua forma de
pensar, sabendo o que atrai sua atenção principalmente fora da escola.
Por isso e outros motivos o mundo está em plena transformação e precisamos
nos adequar a elas, pois as necessidades tecnológicas surgem. E o homem com seus
conhecimentos tenta acompanhar essa tecnologia, para isso, se faz necessário romper
os desafios apresentados por uma sociedade dentro de sua cultura valorizando de uma
forma ou de outra as ferramentas matemáticas para resolver os problemas que
aparecem constantemente, sabendo que o respeito com a cultura é de suma
preocupação para que ela não seja perdida e se torne mais uma lenda.
O conhecimento cultural na matemática é tão belo que quando nos deparamos
com pessoas aparentemente inibidas de utilizar a linguagem e a simbologia matemática
no contexto, chegamos a descobrir que estas possuem saberes matemáticos ricos,
porém não sistematizados e nem reconhecidos pela comunidade científica.
Quando Machado apud Orey e Rosa (1994) aborda a relação entre matemática e
a língua materna, ele está apontando para o fato de que o ser humano vive imerso
numa cultura que tem vários aspectos de interação. Observa - se que usa elementos
constituintes dos dois principais sistemas de representação da realidade, o alfabeto e
os números que são aprendidos conjuntamente pelas pessoas em geral, mesmo antes
de chegarem às escolas, sem distinções rígidas de fronteiras entre estas duas
disciplinas.
Esta constatação de Machado apud Orey e Rosa leva-nos a concluir que
podemos interagir a cultura própria com a cultura matemática sem perder nenhuma das
identidades.
Quando a história da matemática foi contada teve uma necessidade de mostrar
que o conhecimento matemático não foi nem é construído só por matemáticos mais
principalmente por culturas de diversos grupos sociais.
Diferentes saberes se completam, numa relação mútua. Porém sabemos que
todos os indivíduos necessitam ser alfabetizados, tanto na leitura e escrita como na
matemática, mas a realidade em especial do Brasil é bem definida porque as diferenças
sociais são grandes e o ensino não está acessível a todos. Uma grande maioria não
pode desfrutar do processo educacional e fica limitada apenas a sua cultura, e esta
cultura, estes saberes são desconsiderados e marginalizados.
A alfabetização matemática é necessária, pois estabelece vínculos estreitos entre a educação matemática e a cultura destes grupos sociais, possibilitando que eles tenham dignidade e garantindo o direito do exercício pleno da cidadania. (OREY e ROSA, 2004 .).
É uma visão da matemática como ciência do cotidiano.
Temos consciência que todos os indivíduos devem ter acesso aos
conhecimentos e instrumentos matemáticos para que possam ser compreendidos,
valorizados e respeitados diante do mundo que os cercam, no entanto, deve ser
considerado e lembrado que a cultura e a tradição dessa sociedade seja sempre
reconhecida.
Fatos comprovados mostram que sabedoria, cálculos feitos por eles na maioria
das vezes nós não conhecemos e marginalizamos achando que são apenas pessoas
matutas¹ e analfabetas, sem propósito e determinação para resolver os problemas que
ao longo da vida surgem. Sendo relevante ressaltar que o “saber matemático” é uma
construção social dividida de opiniões.
Conhecer a matemática dos trabalhadores rurais é necessária para que se tenha
conhecimento da cultura e da tradição desses grupos. Os métodos populares que
estes grupos sociais marginalizados possuem para realizar cálculos matemáticos
devem ser discutidos, refletidos, analisados e comparados aos métodos matemáticos
“oficiais e tradicionais”, pois não podem ser levados em consideração, nem como
estudos oficiais se não tiverem um embasamento teórico, porque todos os
conhecimentos adquiridos precisam ser baseados em dados científicos.
Esta constatação nos leva a questionamentos sobre os saberes culturais que
estão ao nosso redor: Quais os saberes matemáticos dos trabalhadores rurais?
Nesse contexto a matemática é resgatada enquanto ciência presente no
cotidiano de trabalhadores rurais e nos leva a compreender suas práticas matemáticas.
_____________
¹ Que vive na roça, tímida, desconfiada, sujeito ignorante e ingênuo. (AURELIO, p. 1105 )
1. 2. Um pouco de História: o desenvolvimento do pensamento matemático
ao longo do tempo
Ao longo da História das diversas culturas, a matemática está presente como
marco inicial, dando a sua contribuição, quando o homem sentiu a necessidade de
contar e desenvolver suas atividades diárias permanecendo assim até hoje nos mais
variados cálculos.
Para expressar a evolução da matemática, é preciso fazer uma viagem no tempo
e buscar o início de tudo com os homens primitivos onde gestos importantes parecem
tão insignificantes, mais que teve ótimas contribuições.
Eles utilizavam os dedos para contar, e não sendo suficiente, buscavam auxílio
nas pedras, as quais eram representadas em forma de conjunto formando grupos de
cinco.
Essa relação de conjunto, os homens primitivos associaram ao fato de que as
mãos e os pés tinham cinco dedos cada, e para registrar as contas eles utilizavam
bastões de madeira ou ossos. Diante desta atitude nos leva a perceber que o homem
diferencia-se dos outros animais por ter uma linguagem onde desenvolve o pensamento
matemático abstrato.
Para compreender a História da Matemática e a evolução do conhecimento
matemático é preciso saber alguns fatos importantes que aconteceram no Egito, onde
os povos tinham a necessidade de realizar medidas nas terras após as inundações
anuais que ocorriam no vale do rio Nilo e no crescente fértil dos rios Tigre e Eufrates,
para saber os locais mais adequados à plantação.
É importante salientar que a descoberta mais antiga em relação aos números foi
encontrada no Egito com a Pedra de Rosetta², que teve papel fundamental para decifrar
os hieróglifos e também os papiros onde o mais conhecido é o de Ahmes³ que
resistiram ao tempo, então por essas evidências vimos que os egípcios saíram na frente
porque eles eram precisos no contar e medir.
Segundo o historiador grego Heródoto citado por Boyer (1974), o apagamento
das demarcações pelas inundações do Nilo tornou necessários os mensuradores, ou
seja, os “estiradores de corda”.
Não era apenas o Egito que se desenvolvia, a Mesopotâmia também tinha uma
civilização que construía casas e templos decorados com cerâmicas e mosaicos
artísticos em desenhos geométricos e suas escritas eram atestadas em várias tabletas
de barro datada a cerca de cinco mil anos atrás.
Boyer (1974 p.19) nos diz que: “O sistema decimal, comum à maioria das
civilizações tanto antigas quanto modernas, tinham sido submerso da Mesopotâmia sob
uma notação que dava a base sessenta como fundamental”. A qual influenciou na
metrologia e até hoje é usada nas unidades de tempo e medida.
_____________
²Um bloco de granito, gravado em 196 a.C. , descoberta em 1799 pela expedição de Napoleão, era uma peça achada em Rosetta, antigo porto de Alexandria, continha uma mensagem em três escritas: grega, demótica (escrita cursiva, simplificada, usada em cartas, registros e documentos) e hieroglífica ( escrita antiga dos egípcios de natureza pictográfica que significa inscrição sagrada, isto é a representação de objetos e acontecimentos).
³Texto matemático na forma de manual prático que contém 85 problemas em escrita hierática (escrita cursiva, usada pelos sacerdotes em textos sagrados, gravada em papiro, madeira ou couro) pelo escriba Almes de um trabalho mais antigo.
Indo, especificamente para a unidade de medida, retornamos a cerca de quatro
mil anos, onde os homens primitivos, inicialmente, além de contar, usavam o corpo para
servir de medidas como: pé, jarda, polegada, palma, braçada e passo, sendo que
algumas medidas são utilizadas até hoje.
Têm-se registros de que no Antigo Testamento da Bíblia, em Gênesis, a arca de
Noé foi feita em côvados que era uma medida – padrão da região onde ele morava, que
equivale a três palmos. É bom salientar que essas medidas caso fossem utilizadas,
baseada na parte do corpo de cada pessoa, teria muita variação. Então para que os
povos tivessem uma maior precisão nas suas medidas, era necessário se basear pelas
medidas do corpo do rei e tinha que ser respeitado por todos.
Já para os egípcios, também há cerca de quatro mil anos atrás, tinha como
padrão de medida de comprimento o cúbito que era uma medida entre a distância do
cotovelo à parte do dedo médio assim como em qualquer outra medida essa também
não era certa, pois havia variação no tamanho das pessoas. Para que essa medida
fosse verdadeira precisava ter o padrão para todos. Então diante dessas preocupações
os egípcios criaram uma medida padrão para que não ocorresse diferença nos
resultados, com isso utilizaram medições em barras de pedra de comprimentos iguais,
surgindo assim o cúbito padrão.
Mais tarde a barra de pedra foi substituída por barras de madeira para facilitar o
transporte da mesma, porém esta se desgastava com o manuseio e para solucionar o
novo impasse, foi gravado o comprimento equivalente a um cúbito padrão nas paredes
dos principais templos e as pessoas sempre iam medir suas barras para saber se
estavam exatas.
No século XV e XVI os padrões usados na Inglaterra eram a polegada, o pé, a
jarda e a milha. Já na França houve muitos avanços nas unidades de medidas. A
Toesa que era uma medida linear foi padronizada em uma barra de ferro com
dois pinos nas extremidades e chumbada na parede de fora do Grand Chatelet4 perto
de Paris. Assim todos poderiam conferir seus instrumentos, mas com o tempo esse
instrumento teve que ser refeito porque se desgastou por diversos fatores. É bom
salientar que uma toesa mede seis pés.
Diante desse problema de desgaste, a toesa teve que ser refeita algumas vezes
e por isso foi pensado e criado para facilitar a vida de todos a unidade natural que
poderia ser encontrada na natureza, podendo ser copiada e formando um padrão de
medida para todos, havendo apenas uma exigência que essa unidade deveria ter
submúltiplos segundo o sistema decimal, que já tinha sido criado na Índia.
Depois de muitas discussões e tentativas surgiu a unidade padrão que seria uma
unidade usada por todos, o chamado “metro” que inclusive é utilizado até hoje por todos
nós, teve muita importância para padronizar as medidas e deu uma grande contribuição
no melhoramento do estudo da matemática e suas aplicações nas medidas de
comprimento.
Diante da história do desenvolvimento da matemática vimos que sempre o
homem procurou satisfazer as necessidades sociais que iam surgindo e ainda hoje
essa história se repete, pois estamos sempre buscando a socialização para entender o
sentido do conhecimento matemático.
_____________
4 Uma antiga prisão de Paris em que ocorreu um massacre sangrento, foi demolida ente 1802 e 1810. E deu lugar ao atual teatro Chatelet em Paris.
O estudo da História da matemática nos oferece uma oportunidade única de entender a existência de diferentes culturas matemáticas e, portanto, nos oferece a chance de apreciar melhor os aspectos sociológicos da educação matemática, tão importante no dia-a-dia da sala de aula. (OREY e ROSA, 2004.).
Diante dessa exposição de idéias pretende-se nesse trabalho fazer um
levantamento dos saberes matemáticos utilizados pelos trabalhadores rurais em
específico do distrito de Quicé que não fizeram o ensino básico, porque dentro do
contexto destes ruralistas tem saberes matemática ricos, presentes na matemática
desde o tempo dos primitivos.
Tendo como objetivo de estudo a intenção de identificar os saberes matemáticos
dos trabalhadores rurais de Quicé na área das medidas, desenvolver um levantamento
da cultura matemática que a população local tem.
Observar as formas de medidas utilizadas pelos trabalhadores rurais, buscando
enfatizar os conhecimentos culturais, com várias etapas da matemática fazendo um
paralelo com a etnomatemática que justamente trata da diversidade cultural de cada
povo e que D' Ambrosio (1993) define: A Etnomatemática é a arte ou técnica (techné),
de explicar, de entender, de se desempenhar na realidade (matema), dentro de um
contexto cultural próprio (etno). E assim fazer um reconhecimento da cultura dos
trabalhadores rurais.
Tendo como base todo esse histórico, tem-se como pergunta diretriz: Quais são
os saberes matemáticos utilizados pelos trabalhadores rurais que não fizeram o ensino
básico do distrito de Quicé e como esses saberes estão associados aos saberes
científicos da matemática?
Dentro desse contexto o trabalho tem uma pertinência social voltada para a
valorização dos saberes matemáticos dos trabalhadores rurais que é um resgate de
saberes que mostra a estes trabalhadores que seus conhecimentos têm significado,
contribuindo assim para o aumento de sua auto-estima.
No âmbito científico serão apresentados dados sobre as formas de medidas
utilizadas pelos trabalhadores rurais, constituindo, assim, um material para posteriores
estudos e definição de propostas educacionais que valorizem os saberes culturais
daqueles povos.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Para desenvolver este estudo serão apresentados três conceitos que poderão
contribuir com o entendimento da pesquisa: matemática, etnomatemática e saberes
matemáticos, utilizando os autores: Courant (2000), Lungarzo (1990), D’ Ambrosio
(1990), Knijnik (1996), Eves (2004).
2.1 Matemática: algumas definições
Segundo alguns autores é complicado definir o que é matemática, pois é algo de
uma natureza muito ampla e abstrata, mas Courant tenta desvendar essa ciência,
apresentando uma definição que envolve elementos subjetivos.
A matemática, como expressão de mente humana, reflete a vontade ativa, a razão contemplativa, e o desejo da perfeição estética. Seus elementos básicos são a lógica e a intuição, a análise e a construção, a generalidade e a individualidade. (COURANT 2000. )
Os elementos que constituem esta ciência apontam para a importância na vida
cotidiana, pois para qualquer atividade estamos utilizando e desenvolvendo a
matemática seja no aspecto objetivo ou subjetivo das relações cotidianas.
Courant fala da matemática como algo pronto, aprendido e que deve sempre ser
aperfeiçoado. Já D'Ambrosio não utiliza a matemática dessa forma. O teórico evidencia
a cultura individual de uma sociedade, constatadas em suas obras referentes a
etnomatemática que valoriza as raízes culturais de uma sociedade.
As raízes culturais que compõem a sociedade são as mais variadas. O que chamamos matemática é uma forma cultural muito diferente que tem suas origens num modo de trabalhar quantidades, medidas, formas e operações, características de um modo de pensar... . (D’ AMBROSIO 1990 p.17)
Para compreender melhor a definição: a matemática do ponto de vista histórico
foi dividida em duas: a aritmética e a geometria e que Eves (2004) explica porque essa
divisão ocorreu:
... a ênfase inicial da matemática ocorreu na aritmética e na mensuração prática. Uma arte especial começou a tomar corpo para o cultivo, aplicação e ensino dessa ciência prática. Nesse contexto, todavia, desenvolvem-se tendências no sentido da abstração e, até certo ponto, passou-se então a estudar a ciência por si mesma. Foi dessa maneira que a álgebra evolveu ao fim da aritmética e a geometria teórica originou-se da mensuração. (EVES 2004, p.57)
Lungarzo (1990 p.17) nos revela que: “a aritmética é a parte da matemática que
estuda os números”.
A Enciclopédia Barsa também define a aritmética: “Parte da matemática que
estuda os sistemas de numeração, as operações elementares, a divisibilidade
numérica, os números primos e compostos, alguns aspectos da teoria da medida e os
métodos de cálculo e computação numérica”.
Todos nós sentimos a necessidade de contar e se organizar. Dentro desse
contexto surge outra pergunta o que é contar? E mais uma vez Lungarzo (1990 p.18)
explica: “contar é fazer corresponder aos elementos de um conjunto certas entidades
que chamamos “números”: um, dois, três etc”.
Na aritmética os hábitos de contar são atos abstratos porque não descrevem
nenhum objeto específico. Temos que admitir que estamos cercados por números.
Sempre temos a necessidade de quantificar, em qualquer ato que realizamos estamos
até de maneira inconsciente utilizando os números.
Retornando a parte histórica da matemática, onde foi dividida em aritmética e
geometria. Lungarzo (1990 p.31) neste segundo momento explica a geometria: “que
para entender os nossos raciocínios nos apoiamos em figuras, desenhos”.
Enciclopédia Barsa também define geometria: “Parte da matemática que estuda
as propriedades relativas a pontos, retas, planos e superfícies. Conforme o método
aplicado a seu estudo, divide-se em plana, projetiva, descritiva, analítica e diferencial”.
Diante desse percurso para resgatar o conceito de matemática. Fizemos um
estudo do Antigo Egito até os dias de hoje e como breve resumo o quadro apresentado
por Lunganzo (1990) nos faz entender de uma maneira mais rápida todas as mudanças
qualitativas na história da matemática.
Tabela 01
Grandes mudanças qualitativas na história da matemática
Etapas Época Tipo de matemática
Geometria
egípcia
Antigo
Egito
A geometria como técnica de medição da terra.
Matemática
como
“ciência”
Grécia
Clássica
Geometria de Euclides e aritmética pitagórica
Uso de
símbolos e
maior
abstração
Século
XII, XV,
em diante
Álgebra árabe. Teorias algébricas de franceses e italianos.
Resolução de equações.
Síntese de
álgebra e
geometria
Século
XVII
Geometria cartesiana.
Cálculo Século
XVII
Leibniz
Newton
Cálculo que permite operar com funções (cálculo diferencial
e integral). Aplicação posterior à física matemática. Sínteses
cada vez mais aprimoradas.
Fundamentos
e métodos
Século
XIX
Preocupação pela fundamentação teórica da geometria e
aritmética. O conceito de números. Definições precisas.
Matemática
estruturada
Século
XX
A matemática introduz estruturas abstratas que abrangem
simultaneamente muitas classes de objetos (números,
figuras, funções). Matemática “moderna”.
Fonte: Livro : O que é matemática, Autor Carlos Lungarzo, editora brasileira, São Paulo, 1990
Baseado na tabela a matemática passou por fases importantes que serão
abordadas: Primeiro foi no Antigo Egito que a sociedade local utilizou a geometria de
maneira prática, para fazer medidas e repartições exatas nas terras.
Eves relata esse momento:
Assim, pode-se dizer que a matemática primitiva originou-se em certas áreas do Oriente Antigo primordialmente como uma ciência prática para assistir a atividades ligadas à agricultura e à engenharia. Essas atividades requeriam o cálculo de um calendário utilizável, o desenvolvimento de um sistema de pesos e medidas para ser empregado na colheita. ( EVES 2004, p.57)
Já na Grécia Clássica quando a matemática é tratada como ciência, ocorre uma
aprimoração nos assuntos como linhas, ângulos, figuras geométricas, teoremas como o
de Pitágoras¹, as grandezas irracionais entre outras descobertas que nos auxiliam muito
hoje e que ficou conhecida como “o berço da matemática demonstrativa”.
Por causa da necessidade de uma matemática demonstrativa o homem
começou a ter inquietações, necessitou de vários questionamentos, entre eles Eves
(2004, p.94), cita alguns: [...] “numa atmosfera de racionalismo crescente, o homem
começou a indagar como e por quê?. Pela primeira vez na matemática, como em outros
campos, o homem começou a formular questões fundamentais”.
Saindo dos povos primitivos e indo a Idade Média e o Renascimento, a
matemática passa por avanços importantes. Para Eves (2004, p.291): “O século XII
tornou-se, na história da matemática, um século de tradutores”. Traduções essas dos
Elementos de Euclides², e das tábuas astronômicas.
Surgem também entidades matemáticas como equações, e os primeiros
registros dos símbolos + e - apenas utilizados para indicar excesso e deficiência e não
com o significado que temos hoje.
_____________
¹ Filosofo e matemático grego. Fundador de uma comunidade religiosa, filosófica e política, exerceu grande influência sobre o pensamento antigo. Autor do teorema que leva o seu nome. (BARSA, p.439)
² Matemático grego, considerado o pai da geometria. Ensinou em Alexandria e aí fundou uma escola, ao tempo em que Ptolomeu I reinava sobre o Egito. (BARSA, p. 206)
A atividade matemática no século XV centrou-se grandemente nas cidades italianas e nas cidades de Nuremberg, Viena e Praga na Europa Central e girou em torno da aritmética, da álgebra e da trigonometria. Assim, a matemática floresceu principalmente nas cidades mercantis em desenvolvimento, sob a influência do comércio, da navegação, da astronomia e da agrimensura. (EVES 2004, p.296)
No século XVII a matemática sai do mundo fechado dos objetos e parte para o
dinamismo ao surgir as funções que tira a limitação indo para a “variação”. Também
surge o cálculo, apoiado pela geometria analítica, com um destaque importante para
Leibniz³ que usou pela primeira vez o símbolo de integral, um S alongado, derivado da
primeira letra da palavra latina summa (soma).
Já Newton4, também criou sua própria matemática, Eves (2004, p.436) fala sobre
as descobertas de Newton: “primeiro descobrindo o teorema do binômio generalizado,
depois inventando o método dos fluxos, como ele chamava o atual cálculo diferencial”.
Dando uma abertura total para que hoje possamos utilizar desses campos,
desempenhando várias atividades indispensáveis no nosso dia-a-dia.
O século XIX foi importante para a geometria e a aritmética, pois surgiu novos
questionamentos, já que para alguns estudiosos a geometria sempre estava
relacionada a geometria euclidiana, e por isso não se fazia um estudo desvinculado dos
seus moldes tradicionais, mas ocorreu a libertação da mesma e por isso pode chegar a
uma conclusão de que apenas uma geometria não era possível e assim surgiu
caminhos para outros sistemas geométricos serem criados.
_____________
³ Filósofo e matemático alemão, criador do cálculo infinitesimal e do sistema filosófico das mônadas. (BARSA, p. 324).
4Matemático e físico inglês, um dos mais célebres sábios de todos os tempos, Sistematizou as leis da mecânica e foi autor da primeira teoria a respeito da gravitação universal. (BARSA, p. 394).
A álgebra era considerada simplesmente como a aritmética simbólica. Ou seja
não se trabalhava apenas com números específicos, como se faz em aritmética, na
álgebra usavam letras que representavam os números.
Para Eves (2004, p.546): “PeacocK5 [...] procurou dar à álgebra um tratamento
lógico equiparável ao dos Elementos de Euclides”.
Para ter uma explicação melhor do que é geometria e aritmética foi necessário
passar por várias barreiras até alcançar a libertação e Eves relata essa libertação:
A geometria, como vimos permaneceu acorrentada à sua versão euclidiana até que Lobachevsky6 e Bolyai7, em 1829 e 1832, libertaram-na de suas amarras, criando uma geometria igualmente consistente em que abriram mão de um dos postulados de Euclides. Com esse trabalho destruiu-se a antiga convicção de que só poderia haver uma única geometria, abrindo-se o caminho para a criação de muitas outras. (EVES 2004, p.548)
_____________
5 Um ex-aluno e professor da Universidade de Cambridge. Foi um dos primeiros a estudar seriamente os princípios fundamentais da álgebra.
6 Matemático russo, criador do primeiro sistema geométrico não-euclidiano. (BARSA, p. 334)
7 Matemático húngaro, estudou o postulado das paralelas de Euclides, considerando-o dispensável, e denominou verdades absolutas as proposições independentes desse postulado, sugerindo o nome de geometria absoluta para o sistema não-euclidiano assim criado. (BARSA, p. 78)
Para a álgebra pode-se contar uma história semelhante. Parecia inconcebível, no início do século XIX, que pudesse haver uma álgebra diferente da álgebra comum da aritmética. [...] Era essa a impressão sobre a álgebra quando, em 1843, William Rowan Hamilton8 foi forçado, por considerações físicas, a inventar uma álgebra em que a lei comutativa da multiplicação não valia. O passo decisivo, por parte de Hamilton, de abandonar a lei comutativa não foi fácil de dar; só foi dado depois de vários anos de cogitações em torno de um mesmo problema particular. (EVES 2004, p.548)
O século XX passou por várias etapas importantes, e junto a matemática
também teve evoluções notáveis como a teoria dos conjuntos e a álgebra abstrata. Um
fato que deve ser salientado foi a revolução computacional que afetou muito os ramos
da matemática.
Eves fala muito bem sobre a matemática moderna:
Duas das características principais da matemática do século XX, a ênfase na abstração e a preocupação crescente com a análise das estruturas e modelos subjacentes, chamaram a atenção, em meados do século, dos interessados em ensino da matemática. (EVES 2004, p.690)
Deve ser lembrado que a matemática moderna inicia com a introdução elementar
à teoria dos conjuntos e continua com a utilização de notações e idéias.
É importante lembrar que matemática está interligada na etnomatemática uma
não pode ser explicada sem a outra e segundo D’ Ambrosio (1990 p.17): “ao falar de
matemática associada a formas culturais distintas, chegamos ao conceito de
etnomatemática”.
_____________
8 Matemático e físico irlandês. Enunciou o princípio de Hamilton, segundo o qual todo fenômeno físico ocorre de forma a que a transferência de energia seja mínima. (BARSA, p. 262)
2.2 Etnomatemática e saberes culturais: um imbricamento.
Na atualidade não é possível dissociar Matemática do socio-cultural em que
estamos inseridos, assim a etnomatemática surge com uma abordagem conceitual, que
resgata esta origem.
Sem dúvida uma abordagem aberta à educação matemática, com atividades orientadas, motivadas e induzidas a partir do meio, e, consequentemente, refletindo conhecimentos anteriores. Isso nos leva ao que chamamos de etnomatemática e que restabelece a matemática como uma prática natural e espontânea. (D’ AMBROSIO 1990, p.31)
A etnomatemática é um tema muito discutido atualmente e sempre se refere a
cultura de diversos grupos e D’ Ambrosio (1990 p.6) coloca isso muito bem quando diz:
“Somos assim levados a identificar técnicas ou mesmo habilidades e práticas utilizadas
por distintos grupos culturais na sua busca de explicar, de conhecer, de entender o
mundo que os cerca”.
Na matemática é muito visada a questão quantitativa, ou seja o que se aprende
em uma escola, seguindo um livro didático.
Segundo D’ Ambrosio (1990, p.17): “muito mais do que simplesmente uma
associação a etnias, etno se refere a grupos culturais identificáveis [...], --- e inclui
memória cultural, códigos, símbolos, mitos e até maneiras especificas de raciocinar e
inferir”.
Alguns conceitos serão salientados para ter uma melhor compreensão do que é
etnomatemática:
D’ Ambrosio (1990, p.7) explica que etnomatemática é: “um programa que visa
explicar os processos de geração, organização e transmissão de conhecimento em
diversos sistemas culturais e as forças interativas que agem nos e entre os três
processos”.
Segundo Knijnik (1996, p.77) “... A etnomatemática trata do estudo de diferentes
tipos de matemática que emergem de distintos grupos culturais e que é impossível para
alguém reconhecer e descrever qualquer objeto sem que use próprios referenciais”.
Ao longo da história vários estudiosos, professores e pessoas inconformadas
com a educação, tentam mudar os conceitos já definidos sobre matemática.
Para encontrar explicações, formas de lidar e conviver com a realidade natural e
sociocultural da população, vários estudos e pesquisas são realizados procurando
solucionar problemas e melhorar a vida dessa sociedade.
D’ Ambrosio (2005 p.47) se preocupa e expressa essa preocupação quando diz:
“eu vejo a etnomatemática como um caminho para uma educação, capaz de preparar
gerações futuras para construir uma civilização mais feliz”.
Pois estamos valorizando a cultura própria deles, e isso é explicado ao
definirmos etnomatemática.
Indivíduos e povos têm, ao longo de suas existências e ao longo da história, criado e desenvolvido instrumentos de reflexão, de observação, instrumentos materiais e intelectuais [que chama ticas] para explicar, entender, conhecer, aprender para saber e fazer [que chamo matema] como resposta a necessidades de sobrevivência e de transcendência em diferentes ambientes naturais, sociais e culturais [que chamo etnos]. ( D’ AMBROSIO 2005 p.60)
Cultura é o conjunto de conhecimentos compartilhados e comportamentos
compatibilizados (Dי Ambrosio 2005, p.32).
Para etnomatemática a cultura é a chave da matemática.
Na etnomatemática a prevalência dos saberes próprios de cada grupo social
enriquece cada vez mais as raízes de cada povo. Para entender o que é saber cultural
é necessário definir cultura e Knijnik (p.91) apud Raymond Williams (1992) e Clifford
Geeertz (1978) define muito bem:
“Para o primeiro deles cultura é “ ′um sistema de significações’ bem definido
não só essencial, mas como essencialmente envolvido em todas as formas de atividade
social”.
Para Geertz: São sistemas entrelaçados de signos interpretáveis (o que eu chamaria de símbolos, ignorando as utilizações provinciais), a cultura não é um poder, algo ao qual podem ser atribuídos casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos, as instituições ou os processos;...
Para uma cultura permanecer viva na história é necessário ter uma linguagem e
comunicação entre os povos.
E os saberes culturais permanecerão vivos até os dias de hoje conservando
todas as descobertas feitas pôr cada grupo social.
Dי Ambrosio ( 2005, p. 54) relata isso ao dizer: “A cultura se manifesta no
complexo de saberes/fazeres, na comunicação, nos valores acordados por um grupo,
uma comunidade ou um povo. Cultura é o que você permitir a vida em sociedade”.
Quando uma sociedade cultural se encontra é feita uma interação e troca de
conhecimentos realizando assim comportamento intercultural. Respeitando a
particularidade de cada indivíduo.
“Dessa forma Orey e Rosa afirma que o conhecimento que não se encaixa com
uma determinada cultura tende a extinguir-se porque torna-se frágil em sua aplicação”.
Todos os seres humanos vivem em culturas e as matemáticas são produtos
destas culturas.
Para podermos entender a matemática de um grupo social precisamos aprender
primeiro os saberes culturais deste povo, pois a matemática está interligada nesse
saber, e usa dentro da realidade de cada sociedade.
E esse entendimento de cultura gera muitos conflitos, Dי Ambrosio relata sobre
essa intercultura ao dizer:
O encontro intercultural gera conflitos que só poderão ser resolvidos a partir de uma ética que resulta do indivíduo conhecer-se e conhecer a sua cultura e respeitar a cultura do outro. O respeito virá do conhecimento. De outra maneira, o comportamento revelará arrogância, superioridade e prepotência, o que resulta, inevitavelmente, em confronto e violência. ( Dי AMBROSIO 2005, p. 45)
Por isso devemos respeitar o outro e sua cultura para podermos sempre
compartilharmos de novas descobertas, e conservar os saberes matemáticos já
adquiridos e conquistados pelas diversas sociedades.
3 METODOLOGIA
Para o estudo do tema proposto utilizada como linha de pesquisa a
Etnomatemática com uma abordagem qualitativa por esta ser mais adequada para o
estudo de fenômenos sociais, onde o foco da investigação está centrado na
compreensão dos significados atribuídos pelos sujeitos às suas ações.
Segundo Lüdke e André (1986, p.11 ): “a pesquisa qualitativa supõe o contato
direto e prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo
investigada, via de regra através do trabalho intensivo de campo”.
Na busca de uma melhor reflexão na pesquisa optou-se no primeiro momento
pela pesquisa bibliográfica porque esta propicia um novo olhar sobre o tema estudado e
dá embasamento teórico possibilitando uma compreensão mais detalhada e valorização
do trabalho.
Realizou-se também um estudo sobre a etnomatemática e sua influência direta
numa determinada sociedade e sua cultura matemática.
Essa cultura foi estudada, baseada numa pesquisa qualitativa que tem no seu
interior a pesquisa etnográfica que justamente utiliza a cultura como princípio para
estudo. E Triviños (1992, p.121) define: “[...] o que se entende por etnografia não é
tarefa fácil. Em forma muito ampla podemos dizer que ela “é o estudo da cultura””.
Nesse trabalho os estudos tiveram como grupo específico: o dos trabalhadores
rurais de Quicé, que tem uma cultura própria como lidar com gado, tirar leite, trabalhar
na lavoura com plantio do milho, feijão, cuidando de animais como galinha e porco, a
qual foi observada e estudada. D’ Ambrosio (2005, p,27) resume numa frase simples a
importância dos estudos que ressaltam os saberes culturais quando diz que:
“etnomatemática é um programa de pesquisa em história e filosofia da matemática, com
óbvias implicações pedagógicas”.
Tendo em vista este pressuposto é que foi realizada uma pesquisa de campo,
em que trabalhadores rurais foram entrevistados buscando identificar e compreender
seus saberes.
A pesquisa foi realizada no próprio Distrito de Quicé, que fica situado entre os
municípios de Senhor do Bonfim e Itiúba.
Para a entrevistar os trabalhadores foram escolhidos aleatoriamente entre
mulheres e homens, apenas com uma amostragem de 7 pessoas por ser considerado
um número bom para obter respostas aos levantamentos questionados e todos homens
porque naquela localidade ainda mantém um costume antigo de que nas famílias, as
mulheres cuidam da casa e dos filhos e os homens é que trabalham na roça para dar o
sustento da família.
Foi utilizada a entrevista semi-estruturada, e recurso de áudio que iam surgindo
diante das respostas dos lavradores, com questões abertas fazendo com que o tema
fosse investigado, como também realização de observações livres com o grupo que
está sendo estudado para procurar respostas ao problema levantado.
Pois para Lüdke e André (1986, p.34 ): “[...] a entrevista semi-estruturada, que se
desenrola a partir de um esquema básico, porém não aplicado rigidamente, permitindo
que o entrevistado faça as necessárias adaptações”.
Um outro aspecto relevante em relação a observação, é salientado dando mais
ênfase à pesquisa.
tanto quanto a entrevista, a observação ocupa um lugar privilegiado nas novas abordagens de pesquisa educacional. Usada como o principal método de investigação a outras técnicas de coleta, a observação possibilita um contato pessoal e estreito do pesquisador com o fenômeno pesquisado, o que apresenta uma série de vantagens. (LÜDKE E ANDRÉ 1986, p. 26)
Assim as observações compreenderam o olhar sobre o grupo que estava sendo
estudado, para fazer um levantamento dos saberes matemáticos existentes naquela
localidade.
Cabe salientar que foram realizadas entrevistas gravadas e filmadas, focalizando
as falas, as atividades desenvolvidas e as reações dos entrevistados, para poder
buscar uma melhor reflexão sobre os objetivos propostos.
4 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DE DADOS
Neste capítulo os dados serão apresentados e interpretados concomitamente
objetivando apreender todos os significados durante o encontro.
4.1 O contexto
O trabalho de entrevista foi feito no Distrito de Quicé localizado a 24 Km de
Senhor do Bonfim e 18 Km de Itiúba, pertencendo ao município de Senhor do Bonfim,
tendo referência a Igreja de Santo Antônio que fica no centro do Distrito com
coordenadas geográficas de 10° 32' 29,3” de latitude sul e 40° 01' 42,59” de longitude
oeste, com vegetação caatinga e uma população de 1.559 homens e 1.479 mulheres
de acordo com dados da Projeção Universal Transversal de Mercator (UTM).
O Distrito apresenta uma condição sócio – econômica voltada para a agricultura
no plantio e cultivo de milho, feijão, mandioca, mamona entre outros produtos e
pecuária ao criar bois, bodes, galinhas e porcos, para o abate, e ao retirar leite de
vacas para vender ao município de Senhor do Bonfim ou até mesmo para o próprio
Distrito, pois naquela localidade já existe um processo de beneficiamento de leite com
uma fábrica de queijo mussarela. Não havendo outro meio de renda que favoreça a
localidade.
4.2 Os Sujeitos
A pesquisa foi realizada com trabalhadores rurais do Distrito de Quicé, que na
sua lida diária trabalham no roçado, e cuidam de animais, sendo total prioridade a
agricultura e a pecuária, atividades estas que movimentam todo o distrito e de onde os
trabalhadores rurais tiram suas rendas e sustento, sendo entrevistados sete pessoas,
todos relatados que freqüentaram a escola, mas não concluíram.
Nos seus relatos atribuem terem muitas dificuldades na aprendizagem, e
precisarem trabalhar desde cedo para ajudar no sustento da família. Por esses motivos
podemos considerá-los como alfabetizados funcionais por escrever apenas o nome.
Apresentam também atividades básicas “como contar”. O ato de contar é
considerado como algo intrínseco ao ser humano.
Já no que se refere a experiência com o trabalho realizado na roça, constatou-se
que todos começaram desde pequeno, sempre aprendendo com os pais para hoje
poderem desenvolver as atividades utilizando os saberes culturais herdados e
aplicados à prática com exatidão.
4.3 Os saberes matemáticos dos trabalhadores rurais de Quicé – a cultura
matemática do cotidiano
Buscando respostas para a pergunta: Quais os saberes matemáticos dos
trabalhadores rurais? Que norteou este estudo realizando visitas ao campo e
entrevistas com os trabalhadores da localidade.
Observando o desenvolvimento das atividades. O lidar com o gado , o plantio, a
forma como eles organizam o seu modo de vida.
O trabalho na roça é realizado, no cultivo de alguns produtos como milho, feijão,
mandioca, entre outros, num ambiente rural. Este método é milenar, transmitido por
culturas e passado de geração a geração.
Quando fizemos um resgate na história da matemática verificamos que o ato de
contar, a relação de conjuntos, medidas de tempo, capacidade, comprimento são
noções matemáticas que foram realizadas pelos primitivos, há muito tempo atrás.
Utilizando a compreensão de D' Ambrosio sobre a riqueza presente do cotidiano
foi observado que esse grupo de pessoas, embora num trabalho simples aplicam
conhecimentos agrícolas como plantar, cultivar e colher, geográficos ( a maneira em
que os lavradores se posicionam e localizam- se em relação ao sol e sua sombra, e
as épocas do ano propicia para plantar cada produto) e matemáticos ( a relação de
lucro e prejuízo, utilização das quatro operações), apesar de não terem noções
cientificas da matemática, mais raízes culturais fortíssimas, onde desenvolvem suas
práticas diárias.
Observando tudo isso ficamos impressionados com a sabedoria dessas pessoas,
permitindo uma confirmação de que eles possuem saberes gerais e que serão
colocados em evidência os saberes matemáticos.
Os saberes matemáticos identificados ao realizar a entrevista foram: unidades de
medidas, tempo, capacidade, lucro e prejuízo, as quatro operações matemáticas, e
formas geométricas. Destacando que eles não tem como um conhecimento
matemático, mas realizam essas atividades dentro de suas habilidades e experiências
da vida. Estes saberes serão resgatados a seguir, englobando em áreas relacionadas
ao conhecimento matemático: geometria, aritmética e álgebra.
Assim, podemos interpretar partindo dos saberes que eles apresentaram
referentes aos conhecimentos geométricos
Ao realizar a entrevista, foi abordada a maneira como esses lavradores medem a
terra, recurso esse utilizado desde os tempos primitivos, onde o homem media as terras
com barras de pedra, substituída por madeira e mais tarde pela de ferro assuntos estes
relacionados as unidades de medidas e constatados na história da matemática, e que
vem sendo utilizados pelo grupo de lavradores do distrito de Quicé nos dias atuais.
Na narrativa do lavrador A temos .
L . A: “Aí agente usa uma corda, um arame, mede com braça, 15
braças, aí é como mede¹”.
Ainda mais detalhado e com outras informações temos o relato do lavrador B.
L. B: “Ah! eu vou na corrente, para medir a área eu meço a
corrente, chamo os lados e depois tiro a conta”.
L. B: “Posso. De acordo com a área que eu vou medir, se eu for
medir, vamos dizer aqui (chão). O quilômetro. Aqui um quilômetro,
aqui um quilômetro, aqui é outro e aqui outro. Aí se forma 225
tarefas. Eu baseio assim, se eu for medir uma tarefa de 30, eu
meço 30 braças, 30, 30 ,30, se forma uma tarefa. Na nossa
linguagem aqui. Tem lugar que chama alqueire, mais nós aqui
conhece como tarefa”.
Para uma melhor compreensão da fala do lavrador B, apresenta-se um
esquema, onde através deste busca-se elucidar o modo que os trabalhadores rurais de
Quicé medem suas terras.
____________
1 Os discursos foram transcritos literalmente respeitando suas falas e modos de se expressar.
Para medir a terra os primitivos usavam uma vara equivalente a 10 palmos, que
em média mede 22 cm cada, tornando-a em uma braça equivalente a 2, 20 m.
Eles usavam a braça para medir áreas grandes chamadas de tarefa. Para medir
uma tarefa nós utilizamos 30 braças quadradas que é igual a 900 quadros, o mesmo
que 1 tarefa.
Para se calcular uma área, soma – se as duas larguras e as duas alturas e divide
por 2.
Em seguida multiplica os resultados dos lados e o resultado obtido divide por 900
quadros, obtendo a tarefa.
Como exemplo ilustrativo temos:
30
30 30
30 soma das alturas soma dos lados
30 + 30 = 60 30 + 30 = 60
divide o resultado a cima por 2 divide o resultado a cima por 2
60 : 2 = 30 60 : 2 = 30
multiplica os resultados obtidos nas duas operações
30 x 30 = 900
divide o resultado por 900 quadros
900 : 900 = 1 (que corresponde a 1 tarefa²).
L. B: “Bom, de acordo o dono queira, eu não importo, tenho lá na
fazenda corrente de 10 metros, e tenho corrente de 5 metros”.
Podemos perceber que estes lavradores utilizam o corpo como referência. Este
saber cultural é referendado pelo desenvolvimento da matemática ao longo do tempo
quando o entrevistado G diz:
E . G: “É com a vara de medir, a vara mede 2, 20 e agente faz um
quadrado e depois é só cubar para saber o que dá.
As unidades de medidas utilizadas pelos homens primitivos – o bastão são re-
enventados em contextos espaciais diferenciados, o que reforça a interpretação de
Lungarzo referida na tabela 1, ao falar de maneira clara que no Antigo Egito a
sociedade usava várias técnicas nas medições de terras , para ser empregado na
colheita.
Outro ponto enfatizado na entrevista foi a utilização do corpo como referência, no
qual realizou-se um estudo no qual Boyer explica que os primitivos usavam o corpo
como referência para medir o palmo, a polegada , jarda entre outros e até mesmo se
basear em relação ao tempo e localização geográfica, tudo descrito na introdução do
sistema decimal.
____________
² 1 tarefa são 30 braças quadradas e 1 braça mede 2,20m linear, sendo que 1 hectare é igual a 2,3 tarefa
Tem-se evidências que cerca de 4 mil anos utilizavam o corpo para servir de
medidas como: pé, jarda, polegada, palma, braçada e passos. E sobre essas medidas
vários entrevistados demonstraram esses saberes matemáticos que ultrapassaram
décadas e décadas, sempre passando de geração a geração e sendo um fato presente
na cultura desses povos.
Alguns momentos comprovam e descrevem claramente tudo isso, através do
entrevistado A.
E. A: “Agente mede as passadas, meio metro, mais de meio metro,
aí depende do legume”.
E . A: “Só as passadas assim, estica a perna é assim que agente se
baseia”.
Os saberes do ponto de vista algébrico e aritmético
Uma conquista importante foi a nossa localização geográfica em relação ao
tempo, onde estamos situados, que horas são? A narrativa do lavrador D define este
momento como algo sensorial que está relacionado ao espaço – tempo. O sol orienta o
lavrador, fazendo com que ele se situe no ambiente em que esteja.
E . D: “Olho para o céu sei que hora é 10 horas, sei que horas é 11,
sei que hora é 1 e também olho pela sombra, na sombra eu sei
para que lado é norte, é o sul, nascente, poente, conheço tudo pelo
sol, pela sombra”.
Esta relação sol – sombra, em matemática é estudada pela trigonometria, uma
extensão da geometria que usando um triângulo retângulo, feitos a partir do homem
com a projeção de sua sombra, podemos calcular de forma exata qualquer medida que
desejar.
Ainda um outro ponto foi encontrado na entrevista relacionada as medidas,
dessa vez nas medidas de capacidade. Identificamos a presença do prato³ , um
instrumento que antigamente recebia o nome de celamim, usado como medida padrão
para volumes de seco, ressaltando que as medidas apresentadas sofrem alteração ao
longo do tempo, por serem adaptadas à necessidade de cada pessoas.
Figura 1: Celamim (prato), medida padrão para volume de secos de D. Sebastião. 1575.
Fonte: museu de metrologia, São Paulo.
A narrativa do lavrador J esclarece bem o significado do material citado.
L .J: “É em prato, só agente colocar 16 prato, as vezes passa, as
vezes falta, mais é na base do prato”.
___________
3 uma forma de medida para saber quantos quilos apresenta o feijão, milho entre outros produtos sem utilizar a balança. Esse instrumento é um quadrado, feito de madeira com medidas de 15 de altura por 30 de largura.
L .J: “É uma tábua, agente faz ele e pega 5 litros, aí 5 litros agente
enche 16 vezes e coloca no saco”.
Esta forma de peso está relacionada com conhecimentos de geometria, pois
envolve altura, largura, perímetro, e área.
Os conhecimentos financeiros são abordados por eles numa relação de lucro e
prejuízo, porém eles não fazem esses processos diariamente, e nem através de contas
sistematizadas com uma linguagem específica. A forma como eles calculam são
baseados nos saberes culturais da localidade e nas necessidades que aparecem no
cotidiano.
O cálculo que esses homens realizam diz respeito a relação débito/dívidas,
despesas com mercado, roupa, bebida, ferramentas de trabalho, crédito/saldo a quantia
arrecadada na venda de animais, ovos, leite, grãos e sobra /resta (o dinheiro que fica
para atender outras necessidades).
Comprovando o texto o lavrador A relata:
E: Cria bicho?
A: Galinha
E: Tira alguma renda das galinhas
A: Quando vendo um ovinho velho
E: Tem algum lucro?
A: Dá nada quando tem muito ovo ninguém quer, quando tem pouco, agente faz
um dinheirinho.
Verifica-se que as circunstâncias matemáticas diferem muito na vida e na escola.
Na escola este conteúdo é abordado ao introduzir o conceito de números
inteiros.
Mais um relato do entrevistado F confirma essa fala.
E: Tira leite?
F: Tiro.
E: Para vender?
F: As vezes vendo, as vezes não
E: Por quanto o senhor vende o leite?
F: 0,50 centavos, eu vendo em casa
E: Acha que tem lucro com esse leite?
F: Tenho, se não fosse o leite não tinha nada.
E: Como o senhor sabe que está tendo lucro, ou prejuízo ao tirar leite e vender?
F: Acredito que agente sabe porque tá sobrevivendo com o dinheiro do leite,
compra tudo, compra alimentos, compra alguma coisa que precisa.
Toda análise feita dessas culturas nos permite perceber que os saberes
matemáticos realizados pelos lavradores precisam de poucas regras matemáticas para
realizarem seus trabalhos na roça, mas podem desenvolver uma concepção algébrica e
geométrica que permite resolver qualquer operação corriqueira do seu cotidiano.
4.4 A relação com a escola
Diante das circunstâncias constatamos que esses lavradores não estabelecem
nenhum vínculo entre matemática do dia-a-dia e matemática da escola. Ou até mesmo,
eles não relacionam seus saberes culturais com matemática, como exemplo podemos
citar a fala do lavrador C:
E: Tem algum assunto de matemática que o senhor utiliza na sua lida diária?
C: O trabalho da roça é diferente, do da escola.
E: O que o senhor vê na matemática da escola, não vê nada em relação a roça?
C: Por enquanto não.
Os lavradores vêem o ambiente escolar como um mundo distante do que eles
vivem, não podendo para eles ter nenhuma relação entre as duas que possam ajudar
em algum serviço na roça.
Eles não conseguem fazer um paralelo entre os dois ambientes, e ver que
ambos tem situações que leva os lavradores a trocar experiências que vivênciam nos
dois locais e que estão interligados. Como ilustração temos a narrativa de um ruralista
J.
E: Já freqüentou a escola?
J: Freqüento
E: Atualmente está freqüentando?
J: Sim
E: Por quanto tempo?
J: 6 anos, nós começou a estudar pequeno, aí parei e agora depois de uns trinta
e poucos anos tornei continuar
E: Lembra o que foi estudado nas suas aulas de matemática?
J: Ah! lembro não, (silêncio) logo naquele tempo mais para trás era uma coisa e
agora hoje é outra.
E: Teve algum assunto que você vê na matemática que utiliza no seu trabalho,
no lidar com a terra ou é totalmente diferente?
J: O trabalho da roça é diferente, daqui da escola
E: O que você estuda na matemática da escola, não vê nada em relação a roça?
J: Por enquanto não.
A visão deste grupo sobre a escola e seus conhecimentos é resultante de uma
prática pedagógica sem sentido onde os saberes matemáticos e culturais não foram
explorados.
Segundo D' Ambrosio a etnomatemática é um programa que interliga a
matemática escolar com uma prática natural e própria de cada sociedade. E os
lavradores não fazem essa relação entre matemática escolar e saberes culturais.
É importante que os lavradores tenham além dos seus saberes matemáticos,
conhecimento matemático da escola, para que acompanhe o desenvolvimento social.
Devemos enfatizar que esta escola precisa interligar saberes culturais da
população local com assuntos de matemática , para que estes ruralistas preservem
suas culturas, e tenham uma alfabetização matemática, permitindo que eles tenham
dignidade, sejam respeitados e tenham direito do exercício pleno da cidadania.
CONCLUSÃO
A matemática nasceu numa época, num local, em uma circunstância que
interfere no modo de ser e agir dos diversos povos que a utilizam de várias formas.
A maneira com que procurou resgatar as fases da matemática foi para explicar, e
buscar respostas para o problema questionado, que direcionava aos trabalhadores
rurais do Distrito de Quicé, que com suas experiências e suas histórias tiveram fatores
determinantes no comportamento. Comportamento esse construído no seu próprio
cotidiano.
O qual levou a um total interesse para desvendar algumas culturas interligadas
com a matemática, já que temos contato direto com essa população, várias
manifestações chamavam atenção mesmo antes de ter conhecimento da área, e que
depois de ter um aprofundamento no assunto, pudemos perceber que naquele local
existe um saber matemático muito rico, podendo ser uma fonte de estudo.
Pudemos notar que a interligação escola e sociedade se deve muito à forma
como os educadores trabalham em cada ambiente em que estão inseridos.
Notou-se pelas entrevistas dos lavradores que os professores não trabalham
com a matemática local valorizando o aluno, sempre traz aulas prontas. E a
etnomatemática visa muito o raciocínio, o que o indivíduo sabe e pensa, pois todos nós
temos algo a ensinar.
A noção de quantidade, medidas, formas, operações e tempo encaixam-se nos
saberes do cotidiano dos ruralistas, tendo a ver diretamente com os saberes
matemáticos científicos que enfatizamos, mesmo a grande maioria relatando que
matemática não tem nada a ver com o trabalho que desenvolvem. Não sabem eles que
a cultura interna é riquíssima.
Neste encontro entre uma aluna do Curso de Licenciatura em Ciências com
habilitação em Matemática e lavradores houve um sentimento de satisfação por
perceber que ao fazer as perguntas, conseguiu-se respostas convincentes para o
problema que foi levantado, atingindo as expectativas, estando todas interligadas com o
contexto abordado. Isto foi vivenciado quando obtivemos respostas concisas.
Por isso como educadores matemáticos não podemos ficar parados no tempo,
sempre repassando conteúdos programados, temos que nos adequar à realidade de
cada sociedade, pois podemos oferecer aos nossos alunos instrumentos
comunicativos, situações reais, respeitando as raízes culturais de cada sociedade,
praticando uma dinâmica cultural, muito preservada por D' Ambrosio ao fazer grandes
relatos e estudos sobre etnomatemática, que comprovam todos esses dados
abordados, conseguindo respostas convincentes as reflexões feitas.
Faz-se necessário perceber que a etnomatemática é essencial para se chegar a
uma organização da sociedade, ela consegue compreender o saber cultural como um
acréscimo na vida da população, sendo essencial para ter uma análise crítica do mundo
em que vivemos, pois estamos vivendo em profunda transição, mais do que em
qualquer outro período da história.
Dessa forma, identificar os saberes dos trabalhadores rurais do distrito de Quicé
é um ponto inicial para compreender uma realidade e poder atuar de forma direta.
Diante desse trabalho realizado nessa localidade, verifica-se que este objeto de
estudo fornece pistas a estudos posteriores. Mesmo obtendo as respostas para questão
inicial deste trabalho percebe-se que os saberes matemáticos destes trabalhadores são
fortes, porém frágeis diante dos saberes geométricos, algébricos e aritméticos que
foram discutidos ao longo do trabalho, pois necessitam de uma alfabetização
matemática para que possam ser mais valorizados e respeitados dentro de uma
sociedade.
Podemos ainda fazer um estudo mais detalhado, no beneficiamento do leite, já
que no local está tendo uma boa aceitação, muitos ruralistas estão se voltando para
esse produto, por acharem ter maior rentabilidade. E justamente essa questão pode ser
conferida, fazendo um levantamento nessa área.
Outro ponto importante é a questão da apicultura, muitos lavradores já
desenvolvem trabalhos nessa área, que também podem nos levar a um estudo.
É imprescindível lembrar que a própria continuidade no aprofundamento dos
saberes matemáticos locais, é algo de grande interesse, só que num ponto mais
específico: como a cubagem de terra, um contexto interessante, já que vem de um
histórico antigo e presente até hoje, salientado durante todo o decurso do trabalho,
possibilitando grandes descobertas e pesquisas para sermos contribuintes na
permanência de uma cultura matemática.
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