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Revela Quilombo: os caminhos às margens do Rio Jundiaí Texto escrito para o percurso turístico Indaiá by Bike, da Prefeitura Municipal de Indaiatuba. O caminho da área urbana de Indaiatuba até a antiga estação de trem de Quilombo, além de ser uma experiência sensorial única, de percorrer uma estrada de terra, sombreada am alguns trechos por belas árvores, faz imaginar como já amenizaram as caminhadas de muitas pessoas, que costumavam ir e vir a pé pelos caminhos da roça. O percurso entre o alto do morro onde fica hoje o Clube Nove de Julho e a Fazenda Quilombo é, também, todo ele interessante para olharmos para as ocupações e construções mais antigas de Indaiatuba. Passa, inicialmente, pela área onde era a Fazenda Barroca Funda, que foi vendida pela família Cuppini à prefeitura na década de 1930, para sediar a primeira represa que forneceu água para as residências da cidade, em 1936. Atravessando a pista da atual estrada de rodagem entramos em uma região de fazendas das mais antigas de Indaiatuba. isso tem razão de ser: o Rio Jundiaí, que essa estrada margeia, é o mais caudaloso da região, e foi por isso onde os primeiros grandes fazendeiros construíram suas propriedades. Entre elas estão as fazendas Cachoeira do Jica, Quilombo e Monte Serrate, esta já em Itupeva. Dessa região do Rio Jundiaí também veio a primeira geração de energia elétrica para Indaiatuba. Em 1913, o sistema de iluminação pública com lâmpadas elétricas começou a funcionar sob responsabilidade da Empresa de Luz e Força de Jundiahy, que já fornecia energia para Jundiaí, por meio de uma usina construída nas proximidades da estação de Monte Serrate. Com o início dos trabalhos em Indaiatuba, houve a necessidade de construir uma nova usina, em Quilombo, e as duas unidades passaram a trabalhar de forma integrada. Em entrevista para Ana Ligia Scachetti, Nilson Cardoso de Carvalho contou que, em suas pesquisas, encontrou um auto de divisão da Fazenda Quilombo, datado de 1795.

Revela Quilombo: os caminhos às margens do Rio Jundiaí

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Texto escrito para o percurso turístico Indaiá by Bike, da Prefeitura Municipal de Indaiatuba.O caminho da área urbana de Indaiatuba até a antiga estação de trem de Quilombo, além de ser uma experiência sensorial única, de percorrer uma estrada de terra, sombreada am alguns trechos por belas árvores, faz imaginar como já amenizaram as caminhadas de muitas pessoas, que costumavam ir e vir a pé pelos caminhos da roça. O percurso entre o alto do morro onde fica hoje o Clube Nove de Julho e a Fazenda Quilombo é, também, todo ele interessante para olharmos para as ocupações e construções mais antigas de Indaiatuba.

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Revela Quilombo: os caminhos às margens do Rio Jundiaí

Texto escrito para o percurso turístico

Indaiá by Bike, da Prefeitura Municipal de

Indaiatuba.

O caminho da área urbana de Indaiatuba até a antiga estação de trem de Quilombo, além

de ser uma experiência sensorial única, de percorrer uma estrada de terra, sombreada am

alguns trechos por belas árvores, faz imaginar como já amenizaram as caminhadas de

muitas pessoas, que costumavam ir e vir a pé pelos caminhos da roça. O percurso entre

o alto do morro onde fica hoje o Clube Nove de Julho e a Fazenda Quilombo é, também,

todo ele interessante para olharmos para as ocupações e construções mais antigas de

Indaiatuba.

Passa, inicialmente, pela área onde

era a Fazenda Barroca Funda, que

foi vendida pela família Cuppini à

prefeitura na década de 1930, para

sediar a primeira represa que

forneceu água para as residências

da cidade, em 1936. Atravessando a

pista da atual estrada de rodagem

entramos em uma região de

fazendas das mais antigas de

Indaiatuba. isso tem razão de ser: o

Rio Jundiaí, que essa estrada

margeia, é o mais caudaloso da

região, e foi por isso onde os primeiros grandes fazendeiros construíram suas

propriedades. Entre elas estão as fazendas Cachoeira do Jica, Quilombo e Monte Serrate,

esta já em Itupeva.

Dessa região do Rio Jundiaí também veio a

primeira geração de energia elétrica para

Indaiatuba. Em 1913, o sistema de iluminação

pública com lâmpadas elétricas começou a

funcionar sob responsabilidade da Empresa de

Luz e Força de Jundiahy, que já fornecia

energia para Jundiaí, por meio de uma usina

construída nas proximidades da estação de

Monte Serrate. Com o início dos trabalhos em

Indaiatuba, houve a necessidade de construir

uma nova usina, em Quilombo, e as duas unidades passaram a trabalhar de forma

integrada.

Em entrevista para Ana Ligia Scachetti, Nilson Cardoso de Carvalho contou que, em

suas pesquisas, encontrou um auto de divisão da Fazenda Quilombo, datado de 1795.

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“A fazenda Quilombo era formada por mais de mil alqueires de floresta com mato

trancado”, conta o pesquisador. “Alguns escravos fugiram e se estabeleceram no meio

desta floresta às margens de um rio, por isso chama Quilombo”. O documento mostra

que as terras eram de propriedade de Anna Maria Xavier Pinto da Silva. Quando ela

faleceu, em 1795, a área foi adquirida por alguns outros proprietários e, algumas

décadas depois, pelo menino Agostinho Rodrigues de Camargo, por meio de seu tutor,

João Tibiriçá Piratininga. Com o tempo, Agostinho se firmou como senhor de engenho

e depois como produtor de café.

Nos registros governamentais de 1818, encontramos mais de vinte engenhos de açúcar

em Indaiatuba, e as fazendas mais ricas ficavam, em sua maioria, perto do Rio Jundiaí.

Entre elas, a Fazenda Cachoeira.

Segundo o Relatório do Presidente da Província de

São Paulo de 1869, estudado por Nilson Cardoso

de Carvalho, a Câmara Municipal de Indaiatuba

pediu nesse ano a abertura de uma estrada que,

atravessando a Fazenda da Cachoeira, de José de

Almeida Prado, o Jica, viesse a se encontrar com a

estrada que de Itu vem a Jundiaí. Em fins do dito

mês e ano um inspetor explorou os terrenos por

onde a Câmara queria a estrada, e deu seu parecer

a respeito dizendo, entretanto, que era necessário

levantar uma planta e fazer o respectivo orçamento.

No final do século XIX, quando a ferrovia entre

Jundiaí e Itu foi construída, seus trilhos passaram

pela Fazenda Cachoeira do Jica, e acabaram por

trazer um dos seus engenheiros para cá. Gertrudes,

neta do Jica, casou-se com o inglês William

Cotching, conhecido no Brasil como Guilherme

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Cotching. Jica foi tataravô de Mary Harriet Speers, que solteira, foi a última proprietária

da fazenda, falecida em 1982.

Mary Harriet Speers deixou a fazenda Cachoeira do Jica para a Fundação Mary Harriet

Speers, dirigida pelo Conselho de Presbíteros da Igreja Presbiteriana Independente da

Catedral Metropolitana de São Paulo. Essa fundação ficou responsável pela manutenção

da fazenda, que passou a produzir um pouco de leite, e pela conservação do maravilhoso

casarão colonial, construído no século passado, que lhe serviu de sede e que se encontra

em uma situação preocupante no que se refere a sua conservação. A Fundação vendeu a

propriedade em 2009 para empresários do ramo imobiliário.

Vicentina Fonseca, que nasceu em 1918, na Fazenda Cachoeira, filha do ex-escravo

Severino Antônio Fonseca, cuidou durante anos das imagens de roca da Matriz, que se

encontravam na capela desativada da fazenda Cachoeira. A imagem de São Benedito foi

doada para a igreja Matriz, de acordo com Vicentina, no século passado, pelo capitão

José de Almeida Prado, o Jica. Na década de 1920, a imagem de São Benedito de roca,

do século XIX,

uma das mais

antigas da Vila

de Indaiatuba,

foi

providencialmen

te guardada na

Fazenda

Cachoeira do

Jica, pois a

Igreja trocou

suas imagens

antigas por

outras de gesso.

Mas sempre que

a chuva faltava,

a procissão popular trazia o santo, da Fazenda Cachoeira à cidade, em sinal de fé e

penitência.

A Fazenda Cachoeira do Jica é hoje um dos mais belos patrimônios da história da

cidade, e sem dúvida nosso maior testemunho da vida rural da cidade dos séculos

dezoito e dezenove. Estão totalmente preservadas a sede da Fazenda, sua mata, o açude

e sua roda d’água.

Como escreveu Sérgio Squilante, esse inacreditável casarão, sede da fazenda Cachoeira

do Jica, é três ou quatro vezes maior que o Casarão Pau Preto e merece especial atenção

da população indaiatubana por se tratar de um raro e magnífico exemplar do tipo de

construção em taipa (e também tijolo) utilizada no período colonial na edificação de

sedes de fazendas. Possui grande beleza e elegante porte. Está distante apenas dez

quilômetros da Praça Prudente de Moraes, cercado por árvores gigantescas e centenárias.

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Eu conheci o caminho para

Quilombo em 1994, ao fazer

um projeto de pesquisa com

meus alunos de história do

terceiro ano ensino médio, no

Colégio Monteiro Lobato. A

proposta do projeto era

mapearmos alguns caminhos

antigos da cidade, percebermos

neles as marcas históricas

presentes e criarmos, a partir

daí, um percurso ciclístico para

os demais alunos da escola. Foi

uma das experiências de ensino

mais bacanas que já vivi, que

depois desdobrou-se em um projeto ambiental, chamado Revela Quilombo, e entrou no

calendário anual da escola, na semana do meio ambiente. Aqui vão também alguns

registros desses nossos percursos por esse caminho tão cheio de vida e histórias para

contar. Na antiga Estação de Trem de Quilombo tudo vale nosso olhar para a

experiência histórica: as casinhas antigas à beira do rio, a ponte, o armazém rural da

Fazenda Rio das Pedras, e os edifícios remanescentes da Estação... Bom passeio!

Indaiatuba, agosto de 2010.

Adriana Carvalho Koyama.